terça-feira, 2 de agosto de 2011

Selma Patti Spinelli fala de Octávio Babo Filho


Quando a Livraria Freitas Bastos lançou a Coleção Trovas e Trovadores, o nosso Trovador em Foco de hoje já aparecia no vol. 7 com seu Cantiga das horas vagas; e depois publicaria o seu Ao correr das horas. Estou falando de Octávio Babo Filho, ilustre carioca de uma família ilustre.

Ele pertenceu à velha guarda da Trova, com todo o nosso respeito: nasceu em 20 de julho de 1915 e nos oitenta e sete anos bem vividos, foi, não só, o ilustre advogado do Fórum do Rio de Janeiro, mas querido cancioneiro popular, tendo suas músicas entoadas não só no Rio, mas no Brasil.

Quem já não cantou essa valsa natalina:

Botei meu sapatinho
Na janela do quintal.
Papai noel deixou
Meu presente de natal.

Como é que papai noel
Não se esquece de ninguém
Seja rico ou seja pobre
O velhinho sempre vem!

Pois é! Mesmo gozando de grande prestígio, seja como advogado ou como artista, Octávio Babo Filho era, no dizer dos que o conheciam bem, verdadeiramente um simples. E essa simplicidade o impedia muitas vezes de fazer Trova, tarefa que ele considerava das mais difíceis!

Até... que em 1960 desencabulou: foi classificado entre os dez primeiros colocados do I Jogos Florais de Nova Friburgo; e isso lhe abriu o caminho definitivo do sucesso na Trova. Eis a premiada:

Se toda gente soubesse
Como custa querer bem,
Quanta gente gostaria
De não gostar de ninguém.

Ao lermos suas Trovas, podemos constatar que o conteúdo de suas mensagens revela muito de sua vida profissional de cidadão preocupado com a Justiça.

Eu perdi muita amizade,
defendendo injustiçados.
- É que o vento da maldade
sopra de todos os lados.

Por que será que você,
tendo os defeitos que tem,
os seus defeitos não vê,
vendo os dos outros tão bem?

A facilidade imensa
com que os homens são julgados
simboliza bem a crença
de sermos todos culpados.

Nascemos sentenciados:
Os que vierem se vão.
E nem somos informados
do dia da execução...

Mas quando o conteúdo, não há dúvidas que seu tema mais presente é Mulher, a qual reverencia com carinho e algum temor, e também com uma certeira ironia:

Toda mulher tem seu quê,
tem um encanto qualquer.
Não tendo, é o que a gente vê
naquela que a gente quer.

Gosto de moça formosa,
sabendo embora o perigo
- Eu não desprezo uma rosa,
temendo o espinho inimigo...

A mulher sempre as mulheres
na pobre história de um homem:
A primeira me deu vida,
mas as outras me consomem...

Protegido pelo manto da modéstia, como se pode ver nestas Trovas:

Poeta mau não conheço,
mau poeta ah, isto sim!
Conheço e digo onde mora:
bem aqui... dentro de mim.

Nunca porfia de dois,
eu chego sempre em segundo.
Mas não reclamo depois:
há sempre um lugar no mundo.

... o nosso Trovador usa o refúgio do sonho, outro tema bastante presente, e que nos traz essas visões:

Não nos feneçam os sonhos,
deles precisamos tanto!
Mudam pensares tristonhos
e secam fontes de pranto.

Teus encantos, criatura,
mexeram tanto comigo
que eu vivo da desventura
de sonhar sempre contigo...

Dormindo eu me disponho
alcançar o que desejo,
pois sem dormir eu não sonho
e sem sonhar não te beijo.

Penetrei fundo demais
no poço das ambições.
Vejo, agora, o mal que faz
um sonho sem proporções.

Homem religioso, sua Fé se manifesta em Trovas como esta:

Esta Fé que hoje me invade,
traz tanto alento à minha alma
que, dentro da tempestade
sinto a natureza calma!

... mas interessante notar que é justamente no tema Fé que encontramos o mais sentimental lírico e apaixonado:

Ao Criador rendo graças,
pela graça, que me deu,
de me sentir, quando passas,
dono do que não é meu.

Os santos de antigamente
só foram santos, porque,
conhecendo tanta gente,
não conheceram você...

Não lhe adivinhando o nome,
batizei-a de Maria.
E o remorso me consome:
nunca vi tanta heresia!

Não encontrei Trovas propriamente humorística na obra de Octávio Babo Filho; encontrei sim, um fina ironia ao brincar com temas profundos:

Se a morte nos avisasse
a respeito do seu dia,
não creio que nos matasse:
a gente é que morreria...

Se querer fazer mistério
de coisas tão triviais:
- É na paz do cemitério
que vivem todos em paz...

Enquanto os povos discutem
a teoria da paz,
os mais fracos se desnutrem
e os mais fortes comem mais...

... ironia sábia, a que transparece de um poeta que, acima de tudo, é um homem de bem com a vida:

Quanta alegria semeia
quem vive sempre contente:
- A felicidade alheia
também faz feliz a gente.

As desventuras da vida,
eu não as conto a ninguém,
pois mágoa, que é transmitida,
se multiplica por cem.

Escolhi Octávio Babo Filho para resgatar uma característica que muito preza nas Trovas.... a simplicidade, da forma e o dizer o que pensa. Sem dúvida, tarefa difícil, mas não quando se é verdadeiro.

Não é só honetidade,
mas simples sabedoria:
convém fazer da Verdade
o esteio de todo dia.
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Selma Patti Spinelli é presidente da União Brasileira dos Trovadores/ Seção São Paulo

Fonte:
UBT SP
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