sábado, 26 de novembro de 2022

Nélio Bessant (Caderno de Trovas) 7

 

Silmar Böhrer (Croniquinha) 67


O verbo é como o leite apojado.

Ordenha - inspiração; primeira gotinha - letra; uma espremida - mais letras; puxar a teta - sugar ideias; apertar firme - puxar palavras; leite quentinho - folha escrita; coar o leite - joeirar frases; tirar a nata - parágrafos especiais; ferver o leite - cortar palavras impuras;
peneirar o soro - tirar o sal do texto; queijo pronto - pensares definidos; baldes mais baldes - livro.

A vida é um apojo. Estamos nos amamentando constantemente em todas as instâncias, e esta busca e este abastecer são o sustento físico e mental para vivermos vida de viventes saudáveis, amparando a tão em voga chamada qualidade de vida.

Apojados sigamos.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Gislaine Canales (Glosas Diversas) XLIX


PALAVRAS AO VENTO


MOTE:
Como preces fugidias,
minhas palavras ao vento,
dobram esquinas vazias
nas curvas do firmamento...
Analice Feitoza de Lima
Bom Conselho/PE, 1938 – 2012, São Paulo/SP


GLOSA:
Como preces fugidias,
emana do coração,
em prantos, ou alegrias
sempre uma doce oração!

Vou jogando com carinho
minhas palavras ao vento,
e ecoam no meu caminho
de encontro ao meu pensamento!

Às vezes, saem tão frias,
cheias de desilusão,
dobram esquinas vazias
nas ruas sem emoção!

Vendo a tristeza a chegar,
novas palavras invento,
mas se perdem pelo ar
nas curvas do firmamento…
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PREITO AO SOL E À LUA…

MOTE:
Canta, poeta!...És bem-vinda
no teu preito ao sol e à lua,
pois toda poesia é linda,
se a voz de quem canta é a tua!
Edmar Japiassú Maia
Nova Friburgo/RJ


GLOSA:
Canta, poeta!...És bem-vinda

tua musa é benfazeja,
tua inspiração infinda,
faz que ela, mais bela seja!

Pintas luzes em teu verso,
no teu preito ao sol e à lua,
e colores o universo,
antes de ti – de alma nua!

É ternura que não finda,
que nasce em teu coração,
pois toda poesia é linda,
quando feita com emoção!

Nestes teus versos de amor,
a beleza se acentua
se eles têm o teu calor,
se a voz de quem canta é a tua!
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SEM TI…

MOTE:
Todos os dias que passam,
sem passares por aqui,
são dias que me desgraçam
por me privares de ti!
Fernando Pessoa
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935


GLOSA:
Todos os dias que passam,
somente passam, enfim,
e sem querer, me amordaçam,
fazem um trapo de mim!

Tudo ao redor, fica triste,
sem passares por aqui,
pois nem o Sol, mais, resiste
no horizonte e nem sorri!

As recordações me enlaçam
e aumentam meu saudosismo,
são dias que me desgraçam
que me jogam num abismo!

Não sinto mais alegria,
não escuto o colibri,
hoje, tudo me angustia,
por me privares de ti!
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O SOL E A LUA CHEIA

MOTE:
À tardinha adormecendo,
o alegre sol, volta e meia,
alonga os raios, querendo
abraçar a lua cheia...
Flavio Roberto Stefani
Porto Alegre/RS


GLOSA:
À tardinha adormecendo,
mas sem querer se esconder,
o Sol pálido, tremendo
não quer com o dia, morrer!

E vendo a noite chegar,
o alegre sol, volta e meia,
vai tentando colocar
no luar, a sua teia!

Com seu humor estupendo,
com seu calor e alegria
alonga os raios, querendo
transformá-los em poesia!

Misturando-se ao luar,
poeta – o seu sonho alteia,
pois quer, por fim, abraçar,
abraçar a lua cheia…
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A ESPERANÇA NÃO ME DISSE…

MOTE:
De ilusões eu fui vivendo...
e a esperança, disfarçada,
via meus sonhos morrendo,
mas nunca me disse nada!
Maria Lúcia Daloce
Bandeirantes/PR


GLOSA:
De ilusões eu fui vivendo...
mas neste triste caminho,
fui sofrendo, fui sofrendo
pela falta de carinho!

Eu sou feliz, me dizia,
e a esperança, disfarçada,
sabia tudo, sabia,
mas continuava calada!

O que estava acontecendo
não era mais um segredo:
via meus sonhos morrendo,
sumirem, como em degredo!

Foi mesquinha essa esperança,
pois vendo a sorte ceifada,
guardou consigo a mudança,
mas nunca me disse nada!

Fonte:
Gislaine Canales. Glosas Virtuais de Trovas XXVI. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. Junho de 2005.

Carlos Leite Ribeiro (Marchas Populares de Lisboa) Bairro de Campolide


Outrora, o bairro foi local de vinhedos e de escaramuças. Um campo de lides à beira de Lisboa. Com o correr de tempo, as lembranças foram-se diluindo, até ficarem apenas os monumentos, como o majestoso "Aqueduto da Águas Livres” “Campos de lides” ou “Campolit”, significa terra de cultivo ou espaço de desavenças com os invasores.

Campolide já foi uma freguesia bem maior do que é hoje. Abrangia as zonas de Campo de Ourique, Estrela, Lapa, São Bento e Santos, chegando mesmo até Alcântara. Toda esta área era habitada por construtores modestos.

A Calçada dos Mestres presta homenagem aos que ergueram o túnel monumental que aproxima o Rossio de Campolide, ou o aqueduto que D. João V mandou criar para abastecer Lisboa de água. A urbanização foi posterior à Primeira Guerra Mundial. Antes, o espaço estava reservado a quintas, pomares, olivais e vinhedos.

Segundo testemunhos escritos do período afonsino, já nessa altura, o vinho de Campolide deliciava as pessoas da cidade. Escrituras de 1340 comprovam que uma parte das vinhas de Campolide pertencia a D. Fernando l. Esta cultura chega ao século XVI. Mas não era só vinho que ia para Lisboa. A fruta e o azeite também eram produzidos naquelas terras. Campolide é reflexo de um plano de urbanização que deu lugar a construções de pequenos proprietários, nos terrenos do Conde do Paço do Lumiar. Para além do Aqueduto das Águas Livres (*) e do Túnel do Rossio (que liga o comboio entre o Rossio e Campolide), o bairro sustenta outras vias de acesso à cidade como o Viaduto Duarte Pacheco, administrador da povoação nas décadas de 30 a 40. Duarte Pacheco também dá nome a uma das ruas de Lisboa.

(*) AQUEDUTO DAS ÁGUAS LIVRES: Quando, em 1748, a água correu pela primeira vez no Aqueduto, Lisboa festejou o acontecimento. Fontanários e chafarizes depressa se tornaram centros de abastecimento, de convívio e, não raro, de violentas discussões. Era um verdadeiro rachar de bilhas e de cabeças! Enquanto a água corria fresca, “fervia” pancada em redor das bicas. Hoje, duzentos e cinquenta e dois anos depois, fontanários e chafarizes estão bem mais calmos ...

Dos monumentos e edifícios, destacam-se, igualmente, a Ermida de Nosso Senhor das Almas, o Palacete Roque Gameiro, o Relógio de Sol da Rua de Campolide e o Batalhão de Caçadores 5. Recentemente, Campolide foi enriquecido pelo Palácio da Justiça. A antiga terra de lides é hoje um modesto, mas audaz mirante de onde se avista Lisboa. Ao longo dos tempos, a freguesia sofreu várias transformações físicas subsequentes à construção de novos bairros.

O caminho pedonal (restrito a pedestres) do Alto da Serafina até Campolide, passando por cima dos Arcos de Alcântara, era o caminho que os saloios (aldeões) de Belas e de Queluz percorriam quando se dirigiam à capital. Chegados ao Arco Grande, estamos a 65 metros acima do solo e pisando pedras que, no século XIX, foram testemunhas silenciosas dos assaltos de Diogo Alves...

Ninguém melhor do que a rainha D. Carlota Joaquina, soube aproveitar o ambiente refrescante do Aqueduto das Águas Livres em Campolide. Quando os calores de verão apertavam, a rainha dirigia-se até à Mãe d’Água Nova e por ali passava horas que, de refrescantes, na verdadeira acepção da palavra, pouco tinham... Ao que diziam as más línguas da época, a rainha ia refrescar-se não propriamente dos calores de Verão mas de “calores” de outra natureza ... Só assim se compreende, dizem ainda as más línguas, que os filhos de Carlota Joaquina fossem uma bela “estampa” (quer ela quer o marido, D. João Vl, fossem feíssímos). Pudera! Com a rainha a mudar de cocheiro (sempre escolhidos a dedo) de dois em dois anos... Se D. João Vl deixava muito a desejar no que toca a saciar as sedes da rainha, o mesmo não acontecia com o seu antecessor, D. João V. O monarca não só saciava a sede da esposa como de outras damas. Até em matéria de amores era magnânimo! Quando lhe chamaram a atenção para as suas aventuras amorosas, que não eram do particular agrado do prior da corte, o monarca encarregou o cozinheiro de servir somente um prato de galinha ao eclesiástico. Farto de só comer galinha às refeições, o prior questionou o monarca sobre tão estranha ementa. Sutil, D. João V, o rei magnânimo, ter-lhe-ia dito: “Nem sempre galinha nem sempre rainha ...”. Se as pedras daquela Mãe d’ Água falassem...

O Sport Lisboa e Campolide teria sido fundado em 1925, numa taberna do bairro. Até 1939, ainda sem sede própria, a coletividade preocupou-se, principalmente, em desenvolver atividades no campo desportivo e recreativo. Organizadora da Marcha, o SLC tem outras práticas culturais e desportivas, como o futebol de salão, a ginástica, o teatro e espetáculos musicais, etc.
 

MARCHA DE CAMPOLIDE
(Presente e Futuro)

Segue em frente Campolide
É o que hoje te peço.
No teu qu’rer é que reside
Toda a força do progresso ...

Muita coisa já tens feito
Muito mais tens p’ra dar,
O amor só é perfeito
Se se pode partilhar
(Refrão)

Não fiques parado
Sem nada fazer,
Trabalho é suado
Parar é morrer ...

No fim do milênio
Estuda e progride,
Aguça o teu gênio
Por ti, Campolide !
(Bis)

Bem ousada tens a gare
Imponente e futurista,
Mas é sempre no ousar
Que o futuro se conquista ...

Se não fosse a ousadia
Que é gênio, um tributo,
Não terias a alegria
De ter’s hoje o Aqueduto !...

Emprega-te a fundo
Trabalha sem peias,
Conquista o teu mundo
Sem falsas ideias ...

Do mau ambiente
Transpõe esse muro
De pé, marcha em frente !
Conquista o FUTURO ! …

(Final)

No fim do milênio
Estuda e progride,
Aguça o teu gênio
Por ti, Campolide !...

Do mau ambiente
Transpõe esse muro,
De pé, marcha em frente!
Conquista o Futuro !

 
Fonte:
Este trabalho teve apoio de EBAHL – Equipamento dos Bairros Históricos de Lisboa F.P.
http://www.caestamosnos.org/autores/autores_c/Carlos_Leite_Ribeiro-anexos/TP/marchas_populares/marchas_populares.htm

Jaqueline Machado (Pessoa feliz, mundo contente)


O mundo hoje não é um lugar de paz. Todavia, a turbulência existente nele, não é por causa do mundo em si, mas por causa da humanidade que, não se sabe o porquê, vive em constante rebeldia.

O homem já nasce rico, com as belezas e farturas da terra a seus pés, ainda assim, independentemente da idade que possui, nunca deixa de ser um adolescente rebelde.

Os conflitos mundiais, existem desde sempre, mas de período em período, a situação se agrava.

O ser humano pode escolher viver nos moldes da paz, do amor e da alegria, no entanto, o momento atual vem demonstrando contrariedade a toda e qualquer ordem pacifista.

A polaridade se instalou. Tem gente pra todo lado criando inimizade para defender homens que pouco estão se importando com seus apoiadores: estão preocupados, sim, em defender na ponta da língua, a cartilha de “O PRÍNCIPE, escrita por Maquiavel. Se você não sabe do que estou falando, busque saber, já!

Em meio a tantas verdades sem consistências e as artimanhas, as pessoas se perderam, as redes sociais se tornaram depósito de lixo. Estão repletas de posts com teores de cobranças, críticas, sermões, humor sombrio, deboche, agressividades e, de fundo, porta-retratos da vida perfeita. A coerência parece ter entrado em surto, pois os sintomas da infelicidade são claros.

A toxicidade é imensa... E temo por piores resultados, extraídos de todo esse veneno, ora velado, ora exposto de cara limpa para aqueles que querem e não querem encarar a feiura dos fatos.

Redes sociais são ótimas, mas para fazer amizades, divulgar trabalhos e espalhar luz, sentimentos tristes também, pois a vida não é perfeita, mas tudo dentro da intenção de dividir, não de prejudicar.

Ao pensar que nada disso se faz necessário, fico a me perguntar: por que em vez da luz, se escolhe a treva? No lugar do amor, se optou pelo ódio?

Não seria bem mais simples e belo, viver pacificamente, sob a égide do verdadeiro amor fraterno?

No momento se fala muito em Cristo, mas poucos praticam os preceitos do Cristo santificado. - Ele pediu: “Amai uns aos outros como eu vos amei”. No entanto, o que se vê é um tentando destruir o outro a todo instante.

Espero que Ele, o Cristo, que a tudo isso acompanha, não se canse dessa raça desgarrada, chamada humanidade.

Penso que é chegada a hora de se aparar as arestas e fazer as pazes com a vida e com as pessoas. Como? Buscando se conhecer, se autorrealizar, buscando ser feliz. Porque quem é feliz, não compete, não julga, não destrói.

Pessoa feliz, mundo contente.

Fonte:
Texto enviado pela autora

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Adega de Versos 95: Dorothy Jansson Moretti

 

George Abrão (Comadre, me devolva as calcinhas!)


No século passado, nos anos cinquenta/sessenta, nada era como agora, quando um lançamento de roupas e calçados são simultâneos em todos os rincões do país. Naquela época, o que era lançado em São Paulo ou Rio de Janeiro demorava muito tempo para chegar a Jaguariaíva. Quem trazia as novidades dos grandes centros eram os barraqueiros da Festa de Agosto que vinham uma vez por ano ou os mascates, vendedores ambulantes, geralmente árabes, que as donas de casa chamavam de compadre e que vinham periodicamente.

A sua maneira de vender era muito simples: não havia cheque pré-datado, nem nota promissória. Simplesmente o “compadre” vendia, anotava em uma caderneta e em todas as vindas fazia a cobrança e vendia mais. Era como dizem: “no fio do bigode”, muito embora as mulheres da época, como as de agora, não os possuíssem.

Certa vez um mascate chegou pela primeira vez em uma residência da cidade e ofereceu os seus produtos. A dona da casa gostou muito das roupas íntimas que o mascate trouxera (calcinhas e sutiãs). Como o seu marido não estava para pagar ela disse que compraria da próxima vez, pois estava sem dinheiro no momento. O “compadre”, como não gostava de perder negócio, disse-lhe:

- Mas isso não é problema “comadre”. Salim anota na caderneta e quando voltar a senhora paga. Salim faz esse com todas as freguesas.

Como ele estava de boa vontade, ela comprou algumas calcinhas e alguns sutiãs os quais pagaria na outra viagem do mascate. Só que se passou algum tempo e o “compadre” não voltou, pois havia tido alguns problemas familiares e só dali a alguns meses pode retornar a Jaguariaíva.

Nesse ínterim, a devedora mudou de casa e como não tinha como se comunicar com o seu credor, nada pode fazer a respeito. Logo a casa foi ocupada por outra família e o marido era um sujeito dado a violento.

O mascate, após visitar diversas clientes, dirigiu-se à casa da sua mais nova compradora para receber o que ela lhe devia e talvez efetuar uma nova boa venda. Lá chegando, bateu palmas no portão e uma senhora o atendeu da porta:

- Boa tarde, comadre, Salim veio mostrar as mercadorias para a senhora e receber o dinheiro das calcinhas e sutiãs que a senhora comprou.

A mulher, surpresa com aquela cobrança inusitada, respondeu-lhe:

- Mas senhor, eu nada comprei e nada lhe devo. O senhor deve estar batendo na porta errada.

Então Salim, sempre bem educado, mas que não admitia perder, disse:

- Como? Eu vendi para a senhora sim! Seu marido não estava e eu fiz-lhe fiado. A senhora tem que pagar ou devolver a mercadoria.

E ela:

- Mas não tenho nada a devolver-lhe senhor!

Então Salim perdeu as estribeiras e começou a falar alto:

- Ou a senhora paga ou eu quero as calcinhas e os sutiãs!

Nisso o marido valentão ia chegando e perguntou o que estava ocorrendo.

Então Salim, que estava possesso, disse:

- Salim quer as calcinhas e os sutiãs que a sua mulher não quer pagar. Quer e agora!

Não deu outra, o marido partiu para cima do mascate, deu-lhe uns bons sopapos e ainda jogou suas malas no meio da rua.

E o pobre mascate juntou os seus pertences e saiu em desabalada carreira sem entender o que havia acontecido!

Fonte:
George Roberto Washington Abrão. Causos hilários e picantes de Jaguariaíva. Maringá, 2016. Ebook enviado pelo autor.

Afrânio Peixoto (Trovas Populares Brasileiras) – 3

Atenção: Na época da publicação deste livro (1919), ainda não havia a normalização da trova para rimar o 1. com o 3. Verso, sendo obrigatório apenas o 2. Com o 4. São trovas populares coletadas por Afrânio Peixoto.


A Bahia é terra boa,
como outra mais não há.
Eu gosto dela de longe,
eu aqui e ela lá...
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Adeus, Curitiba triste,
alegre Campos Gerais…
Eu sou aquele que disse
que a S. Paulo não vou mais.
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As idades neste mundo
têm os quinhões desiguais:
O moço pode, não sabe,
velho quer, não pode mais.
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As línguas soltas do mundo
não as deixam descansadas:
atrás das viúvas correm
mesmo as pedras das calçadas.
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De Minas Gerais — o ouro,
de Montevidéu — a prata,
de Portugal — a rainha,
do Rio Grande — a mulata.
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Dois noivos e dois casados
lado a lado passeavam...
Parecia que os dois pares
um ao outro se invejavam.
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Eu de cima, ela de baixo,
que namoro mal logrado!
Ela com dor na garganta,
eu de pescoço espichado.
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Eu não quero tomar mate
quando os ricos 'stão tomando,
quando chega para os pobres
os pauzinhos 'stão nadando...
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Eu vi a morte pescando
de caniço e samburá.
Quando a morte pesca peixe
que fome não há por lá!
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Eu vou dar a despedida
como deu o quero-quero:
Depois da festa acabada,
pernas para que te quero?
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Fui soldado, sentei praça,
Sentei-me numa guarita;
Sou chefe, sou comandante
De toda «china» bonita.
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Meu amor, canastra velha,
samburá, cesto sem fundo.
Eu bem quero, mas não posso
tapar a boca do mundo.
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Para que portas trancadas
desfeita, zanga e rigor?
Não vê que têm mais poder,
a mocidade e o amor?
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Pintor que pintou a Ana,
também pintou Leonor:
Se Ana saiu formosa,
que culpa tem o pintor?
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Principiei a amar de pé,
ao depois fui agachado,
fui mais tarde de gatinhas,
afinal, fui apanhado.
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Quando eu vim de minha terra
muita menina chorou,
só a ladra, de uma velha,
muita praga me rogou.
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Quem quiser ter vida longa,
fuja sempre que puder…
de médico, boticário,
melão, pepino e mulher!
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Quem quiser tomar amores,
há de ser co'a cozinheira,
que ela tem os beiços grossos
de lamber a frigideira.
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Quem vier a Pernambuco
traga contas pra rezar.
Pernambuco é purgatório
onde as almas vem penar.
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Quer o rico, quer o pobre,
todos tem seu amorzinho:
O rico com seu dinheiro,
o pobre com seu carinho.
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Seja menos confiado,
sua cara de pamonha!
Bem que diz lá o ditado,
quem ama não tem vergonha.
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Você me chamou de feio,
sou feio, mas sou dengoso,
também o tempero é feio,
mas faz o prato gostoso.
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Você quando tem presunto
não convida pra jantar,
mas quando tem seu defunto
me chama pra carregar.
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Vou-me embora desta terra,
mineiro está-me chamando.
Mineiro tem um costume,
chama a gente, vai andando,

Fonte:
Afrânio Peixoto (seleção). Trovas populares brasileiras. RJ: Francisco Alves, 1919.

Lucy Hay (Como Escrever uma História de Mistério) – 3, final


ESCREVENDO A HISTÓRIA


1. Use os cinco sentidos para descrever o cenário.

Uma das melhores maneiras de criar um ambiente ou atmosfera é focando nos cinco sentidos: visão, audição, olfato, tato e paladar. As descrições de detalhes sensoriais também podem criar bastidores para a personagem. Por exemplo, em vez de dizer ao leitor que o protagonista comeu cereal no café da manhã, você fazer com que ele sinta o gosto dos restos de cereal na boca ou o cheiro do cereal que derramou sobre as mãos.

Pense no que a personagem principal pode ver em um determinado cenário. Por exemplo, se ela morar em uma casa bem parecida com a sua em uma cidade pequena, você pode descrever o quarto dela ou a caminhada até a escola. Se você estiver usando um cenário histórico específico, como a Califórnia dos anos 1970, pode descrever o protagonista em uma esquina qualquer olhando para a arquitetura única ou para os carros que passam.

Considere o que a personagem principal pode ouvir em um determinado cenário. Seu detetive poderá escutar o cantar dos pássaros e os irrigadores sobre os gramados no caminho para a escola ou o ronco dos carros e a quebra das ondas na praia.

Descreva os odores que o protagonista pode sentir em certos locais. Ele pode acordar com o cheiro do café sendo feito na cozinha pelos pais ou ser atingido pelo cheiro da cidade: lixo em decomposição e odor corporal.

Descreva o que sua personagem pode sentir. Pode ser uma brisa leve, uma dor aguda, um choque repentino ou um arrepio pela espinha abaixo. Concentre-se em como o corpo dela pode reagir a um sentimento.

Pense no que o protagonista pode provar. Ele poderá ainda sentir o sabor do cereal que comeu no café ou da bebida da noite anterior.

2. Comece a ação imediatamente.

Pule os longos parágrafos de descrição de cenário ou da personagem, especialmente nas primeiras páginas. É importante prender o leitor começando no meio da ação, enquanto seu protagonista se move e pensa.

Seja conciso com a linguagem e a descrição. A maioria dos leitores continua lendo um bom mistério porque se envolve com a personagem principal e quer ver o sucesso dela. Seja breve, porém específico ao descrever o protagonista e a perspectiva que ele tem do mundo.

Por exemplo, "O Sono Eterno" de Chandler começa situando o leitor em um cenário e dando a ele uma noção da perspectiva de Marlowe sobre o mundo: "Eram cerca de onze horas da manhã, em meados de outubro, o sol não brilhava, e uma massa de chuva pesada se aproximava, vindo das montanhas. Eu estava usando meu terno azul-claro acinzentado com camisa azul-escura, gravata, lenço dobrado no bolso, sapatos pretos, meias de lã pretas com bordados azuis. Estava limpo, impecável, barbeado e sóbrio, e não estava ligando se alguém percebia. Eu era tudo o que um detetive particular de boa aparência deve ser. Eu estava batendo à porta de quatro milhões de dólares."

Com esse começo, a história se inicia em ação, com hora, data e cenário específicos. Ela então apresenta a descrição física da personagem principal e de seu cargo. A seção termina com a motivação do protagonista: quatro milhões de dólares. Em três linhas, Chandler cobriu muitos pormenores essenciais da personagem, do cenário e da história.

3. Mostre, não conte.

Se você disser: "O detetive era descolado", o leitor terá de acreditar na sua palavra. Mas se você mostrar como o detetive era descolado descrevendo a roupa que ele usa e a maneira como ele entra em um cômodo, o leitor poderá ver o quanto isso é verdade. O impacto de mostrar ao leitor certos detalhes é muito mais poderoso do que apenas dizer a ele o que pensar.

Pense em como você reagiria em uma situação se estivesse com raiva ou medo e faça a personagem reagir de maneiras que comuniquem os sentimentos dela sem dizer quais são eles. Por exemplo, em vez de: "Stephanie estava com raiva", você poderia escrever: "Stephanie bateu com o copo d'água na mesa tão forte que seu prato se agitou. Ela o encarou e começou a rasgar o fino guardanapo branco em pedaços com os dedos."

Mostrar, em vez de contar, também funciona bem para a descrição de cenário. Por exemplo, em "O Sono Eterno", em vez de dizer ao leitor que os Sternwoods eram ricos, Chandler descreve os detalhes luxuosos da propriedade: "Havia portas envidraçadas no fundo do salão, e para além delas se via uma larga extensão de grama cor de esmeralda que ia até uma garagem branca, diante da qual um chofer magro, jovem, em uniforme reluzente, estava polindo um Packard marrom conversível. Depois da garagem viam-se árvores decorativas tão bem tosadas quanto cachorrinhos poodle. Mais adiante, uma enorme estufa com teto em redoma. Então mais árvores e, depois de tudo, a linha sólida, desigual e agradável dos contrafortes das montanhas."

4. Surpreenda o leitor sem confundi-lo.

Ao criar um mistério, é importante que a resolução não pareça abrupta ou barata. Tente sempre jogar limpo e surpreender, em vez de confundir o leitor. As pistas apresentadas na história devem levar à solução de maneira lógica e clara apesar das pistas falsas. O leitor vai gostar do final se você o fizer pensar: "Era tão óbvio, eu deveria ter percebido!".

5. Revise o primeiro rascunho.

Depois de criar um primeiro esboço do seu mistério, passe pelas páginas e procure por aspectos essenciais, incluindo:

– O enredo: garanta que sua história se atenha ao esboço e tenha começo, meio e fim claros. Você também deve confirmar as mudanças sofridas pelo protagonista até o fim da narrativa.

Personagens: todas, incluindo a principal, são únicas e distintas? Elas falam e agem da mesma forma ou são diferentes umas das outras? Parecem originais e cativantes?

Ritmo: trata-se da velocidade com que a ação se move na história. Um bom ritmo parecerá invisível para o leitor. Se a história estiver se movendo muito rápido, deixe as cenas mais longas para explorar as emoções das personagens. Caso a narrativa pareça travada ou confusa, encurte as cenas para incluir apenas informações essenciais. Uma boa regra geral é sempre terminar uma cena mais cedo do que você gostaria. Assim, a tensão não cairá de um momento para o outro, e o ritmo da história será mantido.

Hans Christian Andersen (O Velho do Sono) Parte 2, final


QUINTA-FEIRA

   - Sabes o que trago aqui na mão? - perguntou o Velho-do-Sono. Não tenhas medo: é um ratinho.

Abriu a mão, e lá estava mesmo um camundongo pequenino, e muito lindo.

Vem convidar-te para a boda de dois ratinhos, que se casam hoje. Moram debaixo do assoalho da despensa da tua mamãe: para eles  é casa de muito luxo!

- Mas como vou entrar pelo buraquinho que é a porta deles?

- Deixa isso ao meu cuidado! - replicou o Velho-do-Sono - Vais ficar pequenininho.

E tocou-o com sua varinha de condão; o menino foi minguando, minguando, até que ficou do tamanho de seus dedos.

- Agora vai pedir ao soldado de chumbo que te empreste o uniforme. Creio que há de te servir, e a farda fica muito bem em uma festa de cerimônia.

- É mesmo - disse Hialmar.

E num abrir e fechar de olhos estava fardado.

- Quer ter a bondade de se sentar no dedal de sua mãe? – disse o ratinho. - Terei a honra de arrastá-lo.

- É muita amabilidade sua. - disse o menino. - Mas por que vai ter esse trabalho?

E lá se foram, para o noivado dos ratos.

Seguiram primeiro por um corredor, debaixo do assoalho, e tão baixinho que mal dava para andarem por ali com o dedal, era todo iluminado com mecha.

- Não é agradável o perfume que se sente aqui? - perguntou camundongo. - Todo o corredor foi esfregado com toucinho. Não há aroma mais delicado!

Entraram no salão da boda. À direita estava todas as senhoras ratinhas; falavam animadamente, e pareciam muito alegres. À esquerda ficavam os cavalheiros, e todos cofiavam os bigodes com a patinhas. No centro do salão estavam os noivos, sentados em uma casca oca de queijo, beijavam-se a cada instante, diante de todos. Ora, eram noivos, e iam casar dali a pouco.


A cada momento chegavam convidados; tantos que já não cabiam na sala, e como o par de noivos se postara bem no meio da porta de entrada, ninguém mais podia entrar nem sair. Toda a sala, bem como o corredor, estava untada de toucinho: era com isso unicamente que obsequiavam os convidados, Mas à hora da sobremesa passou de mão em mão um grão de ervilha, em que um ratinho, parente dos noivos, gravara a dentadas as iniciais do par. Não foi uma ideia original?

Todos os ratos estavam de acordo em que foi uma festa de noivado magnífica, e que nela reinara a maior harmonia e cordialidade.

Ao voltar à casa, reconhecia Hialmar que estivera em uma sociedade muito distinta; mas nem por isso se sentia menos amesquinhado, por ter ficado tão pequenino; e ainda por cima, vestira o uniforme de seus soldadinhos de chumbo!
                   
SEXTA-FEIRA

- Parecia mentira. - dizia o Velho-Sono - Parece mentira que haja tanta gente velha que suspire ainda por mim, e me queira ver a seu lado! Principalmente os que praticaram alguma maldade. E estão sempre a me dizer: " Velhinho querido, não podemos pregar olho a noite inteira, atormentados por nossas más ações! Elas se sentam na beira da cama, como duendes medonhos, e nos escaldam com água fervendo. Se tu ao menos viesses enxotá-las, poderíamos dormir um bom sono!" Suspiram então, do fundo da alma, e depois dizem: " Nós te pagaremos bem... Boa-noite, Velho-do-Sono! O dinheiro está na janela!" Ah! Mas eu não venho por dinheiro, não!

E hoje, que vamos fazer? - perguntou Hialmar;

- Não sei se gostaria de assistir a outro casamento...É muito diferente daquele de ontem. A boneca de tua irmã, aquela que parece um homem, e se chama Germano, vai casar com a outra, a Beatriz. Além disso é o dia do aniversário da noiva, e hão de receber muitos presentes.

- Sim, sim! Já sei. - disse Hialmar - Quando as bonecas querem vestidos novos, minha irmã diz que é o dia do aniversário, ou do casamento delas. Acho que já se casaram cem vezes, pelo menos!

- Sim. Mas hoje é o casamento número cento e um. E quando chega a essa conta, elas não podem casar mais. Por isso o casamento de hoje será uma festa esplêndida! Olha, olha só para aquilo!

Hialmar olhou para a mesa onde estava a casinha das bonecas. As janelas apareciam iluminadas, e à porta soldados de chumbo apresentavam armas. Os noivos estavam sentados no chão, apoiados à perna da mesa. Pareciam muito preocupados - e para isso, certamente, não faltariam motivos! Nesse meio tempo o Velho-do-Sono enfiara o vestido preto da avó, e casou-os. Terminada a cerimônia, todos os móveis se puseram a cantar esta canção, escrita pelo Lápis:

Leva, brisa gentil, nossos adeuses
À casinha dos noivos, tão amena,
Com seu teto de pele de cabrito.
Direitos ele são como a açucena
Esticada na haste. E que bonito
O belo par, lá na casinha amena...
Leva, brisa gentil, nossos adeuses!"
 
Começou então a apresentação dos convidados. E os noivos recusaram delicadamente os comestíveis, pois bastava o amor recíproco para alimentá-los.

- E agora - perguntou o noivo - o que será melhor; ir para o campo, ou fazer uma viagem ao estrangeiro?

Para resolver esta questão foram consultadas a andorinha, que tinha viajado muito e uma galinha velha, que já descascara cinco ninhadas. E a andorinha falou daqueles cachos enormes de uvas suculenta, onde o ar é lépido e perfumado, e as montanhas se tingem de cores nunca vistas em nossa terra.

- Mas lá não há couves verdes, como as nossas! - disse a galinha. - Passei um verão no campo, com toda a minha ninhada. Havia lá um buraco cheio de areia, onde a gente podia esgravatar á vontade. Além disso tínhamos licença de entrar na horta, cheia de couves verdes. E como eram verdinhas! Não creio que haja nada mais lindo no mundo!

- Mas ora! Um pé de couve é exatamente igual a outro pé de couve. - disse a andorinha. - Quem vê um vê todos. Além disso, aqui o tempo é tão úmido!

- Ora! É só a gente se habituar a isso - disse a galinha.

- Mas faz tanto frio... e cai neve!

- Pois se isso é o melhor que há para a couves! De mais a mais, aqui também pode fazer calor, de vez em quando: não tivemos, há quatro anos, um verão que durou quatro semanas? Era tanto o calor, que a gente nem podia respirar. E aqui não temos animais venenosos que vivem nos países estrangeiros, e estamos livres de ladrões. Só mesmo um ente desnaturado não acharia o nosso país mais belo que todas as outras regiões do mundo! E semelhante criatura não merece viver aqui!

E a galinha começou a chorar. E repetia:

- Eu também tenho viajado, tenho viajado, sim: viajei mais de doze milhas dentro de uma cesta. Não há prazer nenhum em viajar, não!

- A galinha tem razão. - disse Beatriz. - Não acho graça em andar abaixo e acima, viajando por montes e vales! Não: nós iremos ali àquele monte de areia ao pé do portão, e daremos um passeio pela horta, a ver as couves.

E estava resolvida a questão.

SÁBADO

Logo que Hialmar se viu na cama, na noite seguinte, foi perguntando ao Velho-do-Sono:

- Não me contas uma história hoje?

- Não tenho tempo - disse o Velho - abrindo a sombrinha, aquela toda pintada, Olha estes chineses!

A sombrinha era uma paisagem chinesa, cheia de árvores azuis  e pontes muito altas, por onde passeavam chinesinhos, movendo a cabeça para os lados.

- Amanhã, cedo, o mundo inteiro tem de estar todo em ordem. – disse ele. - É dia de festa, é domingo. Vou ao campanário, a ver se o gnomos, estão areando os sinos. Devem cantar amanhã um repique alegre. Depois irei ao campo, a ver se os ventos estão varrendo bem o pó das ervas e das folhas. O mais difícil é fazer descer as estrelas, para dar-lhes brilho. Junto-as todas no avental, mas primeiro é preciso numerá-las, assim como os furos em que estão cravadas, lá no céu, para que fique depois cada uma no seu lugar, senão ficariam frouxas, e começariam a cair... e era uma chuva de estrelas cadentes.

- Escuta, Velho-do-Sono - disse então um antigo retrato, pendurado perto da cama de Hialmar - Não sabes que sou o tataravô do Hialmar? Agradeço-te muito as histórias que vens contar ao menino; mas não deves estar metendo caraminholas na cabeça dele... As estrelas não saem do seu lugar para serem polidas, não: elas são mundos, como a nossa Terra!

- Obrigada, velho tataravô! - disse o Velho-do-Sono. - Muito obrigado! És muito velho na verdade, mas eu ainda sou mais velho do que tu! Sou mais velho pagão; os gregos e romanos chamavam-me o Deus dos Sonhos. Tenho sempre visitado casas de famílias muito importante, e casas de pobre; e ainda faço a mesma coisa. E sei muito bem como me haver com os grandes e com as crianças. Agora é a tua vez: conta uma história, conta o que te parecer!

E o Velho-do-Sono foi embora, com suas sombrinhas.

- Ora esta! - dizia o retrato da parede. - Então a gente não pode expor a sua opinião?

Nisto Hialmar despertou.

DOMINGO


- Boa-noite! - disse o Velho-do-Sono.

Hialmar, mais que depressa, levantou-se na cama e virou o retrato do tataravô de cara para a parede, para que não interrompesse a história, como o fizera na véspera.

- Conta-me agora a história das cinco ervilhas verdes, que viviam dentro da vagem, e a do galo que namorava a galinha, e a da agulha de cerzir, que era tão fina que se julgava uma agulha de bordar.

- Até as coisas boas podem ser demais. - disse o Velho. - Antes quero hoje mostrar meu irmão. Ele nunca visita a ninguém mais de uma vez; e quando visita uma pessoa leva-a na garupa. E vai contando histórias: uma delas é de beleza inexprimível, tão linda como ninguém pode imaginar; a outra é medonha, espantosa...nem é bom descrever.

E o Velho-do-Sono ergueu o pequeno Hialmar até a janela, dizendo-lhe:

- Lá está  meu irmão, o outro Velho-do-Sono, seu nome é Morte! Estás vendo que não é tão feio como se vê nos livros de estampas, onde parece uma caveira. Não: ele tem uma roupagem toda bordada de prata - um belo e alegre uniforme! Vê o manto de veludo negro que lhe caí dos ombros, e se estende pela garupa do cavalo! Olha como galopa!

E Hialmar viu o outro Velho-do-Sono galopando, levando consigo gente velha e gente moça; punha uns na frente, outro atrás - mas depois de perguntar a cada um que espécie de notas trazia.

- Boas! - respondiam todos.

- Deixa-me vê-las! - retrucava ele.

E todos eram obrigados a lhe mostrar as notas. Os que tinham "muito boa", "ótima, iam na frente, e ouviam a história linda; mas os que tinham apenas a palavra "regular", ou "má", escrita no certificado, deviam ficar na garupa do cavalo, e ouviam a história horrível. Tremiam, e choravam, tentavam saltar do cavalo abaixo, mas não o conseguiam, pois pareciam amarrados firmemente, como se houvessem criado raízes ali.

- A Morte é um Velho-do-Sono muito bonito - Disse Hialmar - Eu não tenho medo dela.

- Nem precisas ter! - afirmou o Velho-do-Sono. -  É só tratares de ter uma boa nota para lhe mostrar.

   - Ora aí está uma história muito instrutiva! - disse o retrato do velho tataravô. Então sempre serve para alguma coisa a gente dar a sua opinião...

E soltou um grande suspiro de contentamento.

E esta história do velho-do-Sono. Quem sabe se ele não virá em pessoa, esta noite, contar-te alguma outra?

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Edy Soares (Manuscritos (Di)versos) 22: Flores de Lavanda

 

Hans Christian Andersen (O Velho do Sono) Parte 1


Não há ninguém no mundo que saiba tantas histórias como o Velho-do-Sono. E são histórias tão lindas, as que ele conta!

De noite, quando as crianças estão ainda à mesa, muito quietinhas, ou sentadinhas em seus bancos, ele tira os sapatos e sobe a escada, muito devagar, abre a porta sem fazer barulho e sopra pó nos olhos delas. Vai então, sempre no maior silêncio, para trás das crianças e sopra-lhes na nuca, muito suavemente, para que elas não sintam. E imediatamente as crianças sentem a cabeça pesada! Mas isso não é para lhes fazer mal: o Velho-do-Sono só quer que fiquem bem quietinhas e que vão para a cama. Se não ficarem bem quietinhas ele não poderá contar as suas histórias.

Quando elas dormem ele se senta aos pés da cama. Tem umas roupas muito alegres, mas ninguém pode dizer de que cor são: a seda dos seu casaco ora é verde, ora vermelha, ora parece azul - é conforme bate nela a luz. Leva uma sombrinha debaixo de cada braço: uma é toda pintada e ele a abre sobre as crianças boas, para que tenham sonhos agradáveis a noite inteira; a outra não tem pintura nenhuma - é que ele abre por cima das crianças más, e essas dormem um sono pesado, e acordam de manhã sem ter sonhado nada, nada.

Agora vou contar as histórias que o Velho-do-Sono contou a um menino chamado Hialmar; o velho visitou-o durante uma semana, todas as noites, e cada noite contou um conto diferente: são portanto sete casos.

SEGUNDA-FEIRA

- Escuta! - disse o Velho-do-Sono, assim que Hialmar se viu bem acomodado na sua cama. - Agora vou enfeitar todo o teu quarto.

E enquanto ele estava falando as flores dos vasos foram ficando árvores enormes, e os galhos se estendiam pelas paredes, e subiam até o teto, de modo que o quarto parecia um lindo caramanchão. Os galhos estavam cheios de flores, mais lindas que as próprias rosas, e se a gente provava uma delas, achava-a mais doce que confeitos. Frutas brilhantes que nem ouro pendiam das árvores, e pudinzinhos, cheios de passas. Nunca se vira coisa semelhante! Mas, no meio de tudo aquilo, ouvia-se uma lamentação, que saía da gaveta da mesa onde Hialmar guardava os livros da escola.
 
- Que será isto? - disse o Velho-do-Sono, indo abrir a gaveta.

Era a ardósia a causa daquela balbúrdia. Havia um algarismo errado na soma, e a pedra parecia querer desconjuntar-se toda, enquanto isso, o lápis dava pulos e estirava o barbante que o prendia à ardósia, como um cachorrinho para ver se corrigia a soma, e não o conseguia. Mais adiante estava o caderno, de onde saíam também lamentos e queixas doloridas: no começo de cada linha havia uma letra maiúscula e outra minúscula, para serem copiadas. Adiante delas viam-se outras letras que pretendiam imitar aquelas. Tinham sido escritas por Hialmar; mas pareciam ter caído deitadas sobre as linhas, em vez de se manterem de pé, como as do modelo.

- Olhem para nós! - diziam as do modelo - É assim que devem manter-se: um pouco inclinada... assim... e com uma voltinha.

- Bem o quiséramos - diziam as letras de Hialmar - mas não  podemos; estamos muito malfeitas.

- É que vocês estão precisando do pó das crianças - disse o Velho-do-Sono.

- Não, não! - gritaram as letras, erguendo-se  e ficando direitas que dava gosto.

- Bem, por hoje não posso mais contar histórias - disse o Velho-do-Sono. - Tenho de ensinar estas letras - direita, esquerda! direita, esquerda!

E ele exercitou as letras, até que ficaram tão direitas, tão perfeitas, como só se veem nos modelos de caligrafia.

Mas, depois que ele foi embora... Oh! No dia seguinte, quando Hialmar olhou para elas... que horríveis! Estavam tão malfeitas como antes.

TERÇA-FEIRA

Assim que Hialmar foi para cama, o Velho-do-Sono tocou com a sua varinha de condão todas as peças da mobília do quarto, imediatamente elas começaram a falar. Falavam todos de si próprios, menos a cuspideira, que ficou calada, e muito escandalizada da vaidade dos que só se ocupavam de si, sem pensar nela, que ali estava, tão modesta, em um cantinho, e até suportava que lhe cuspissem em cima!  Sobre a cômoda estava pendurado um quadro de moldura dourada, era uma paisagem onde se viam grandes árvores, relva matizada de flores, e um rio que atravessava o mato e passava em frente de um velho castelo antes de se ir lançar no mar.

O Velho-do-Sono tocou o quadro com sua varinha mágica e imediatamente os passarinhos começaram a cantar, os galhos das árvores moveram-se, balançando à brisa, e as nuvens flutuavam no céu, projetando sombra sobre a paisagem.

Então o Velho-do-Sono pegou em Hialmar e colocou-o na beira da moldura; o menino sentou-se nela, com as pernas para dentro do quadro, depois se pôs a correr na grama. O sol inundava tudo de luz, através da folhagem.

O menino foi até a beira do rio e entrou em um barco pintado de vermelho e branco, com velas prateadas, seis cisnes, de colar de ouro, passando junto de um verde bosque, cujas árvores estavam contando casos de ladrões e de feiticeiras, enquanto as flores narravam histórias de lindas fadas pequeninas, e coisas que as borboletas lhes contavam.

Iam nadando atrás do bote peixes lindíssimos, de escamas de ouro e de prata, de vez em quando um deles dava um  salto na água, que esborrifava a cabeça de Hialmar.

Pássaros vermelhos e azuis, grande e pequenos, voavam acompanhando o bote, em duas longas filas, os mosquitos dançavam formando pequenas nuvens, e os moscões zumbiam. Queriam todos seguir Hialmar, e todos tinham coisa para lhe contar.

Era um passeio encantador! O bosque ora parecia denso e sombrio, ora se mostrava florido e iluminado pelo sol. Por ente as árvores erguiam-se grandes palácios de cristal ou de mármore, em cujos balcões se debruçavam princesas, todas elas conhecidas de Hialmar, pois eram crianças com quem tinha brincado muitas vezes. Estendiam-lhe as  mãos, oferecendo-lhe figurinhas de açúcar, como a gente vê nas confeitarias. E eram lindas! Hialmar pegou na ponta de um  daqueles doces quando ia passando, mas a princesa ficou sempre segurando na outra ponta, e como ele ia navegando, o doce se partiu, ficando um pedaço na mão da princesa, outro - o maior na mão dele.

Em todos os castelos erguidos meninas montando guarda, com as espadas erguidas atiravam-lhe passas e soldadinhos de chumbo. Eram princesas de verdade! Hialmar navegava ora pelo meio dos bosques, ora por dentro de grandes salões, ora pelas ruas de uma cidade.

E foi assim que atravessou a cidade onde vivia sua amada, aquela que o trouxera nos braços durante tanto tempo, e que muito o amava.

Ao vê-lo passar, ela abanou-lhe a mãos, fez muitos cumprimentos, e cantou os lindos versos que lhe mandara, e que ela mesmo tinha composto:

" Em ti pensando, Hialmar, passo as horas
Recordo quando eras pequenino,
E eu me curvava para o teu bercinho,
Beijando-te nas faces, meu menino!

Meus foram teus primeiros balbucios;
Hoje te envio este saudoso adeus,
Pedindo que o Senhor sempre te guarde
Para que alcances teu lugar nos céus!"

E todos os passarinhos cantavam com ela, as flores dançavam nas hastes e as velhas árvores sacudiam a fronde, porque o Velho-do-Sono contava suas histórias para eles também.

QUARTA-FEIRA

Como chovia!

Hialmar ouvia o barulho da chuva mesmo dormindo, e quando o Velho-do-Sono abriu a janela, a água já estava tocando o peitoril: havia um verdadeiro lago em frente à casa, e nele se via um lindo barco.

- Queres embarcar comigo, pequeno Hialmar? - perguntou o Velho-do-Sono. - Visitaremos esta noite terras estrangeiras, e amanhã cedo estaremos de volta.

E no mesmo instante Hialmar, trajando sua roupa domingueira, estava a bordo do navio.

Já tinha cessado a chuva, e o tempo agora era claro. Navegavam rua abaixo, passaram pela igreja, e já estavam flutuando sobre o mar imenso. Não tardou que perdessem de vista a cidade e a terra; só avistavam um bando de cegonhas que vinham do país de Hialmar, e iam em busca de outra terra mais quente. Voavam uma atrás da outra, em fila, e já tinham deixado a terra muito para trás. Uma delas, porém, estava tão fraca, que as asas mal podiam sustê-la; vinha no fim da fila, e distanciava-se pouco a pouco das outras. Por fim foi baixando o voo, de asas distendidas, ainda tentou continuar a movê-las, mas em vão: elas tocaram a cordoagem do navio, a ave foi deslizando pela vela, e zaz! caiu no convés.

Apanhou-a então o grumete e levou-a para o galinheiro, onde viviam misturados, além de galinhas, patos e perus, tudo na maior confusão.

- Mas olhem, que sujeito esquisito! - disseram todas as galinhas.

O peru inchou até onde pode, e depois perguntou-lhe quem era, enquanto os patos iam recuando, empurrando-se uns aos outros, e dizendo somente:

- Quá, quá, quá! como quem dizia; Idiota, idiota, idiota!

Contou-lhes então a cegonha o que sabia. Falou-lhes na sua África, tão  quente, nas pirâmides, e da avestruz que corre no deserto, como um cavalo selvagem. Mas os patos não entenderam nada do que ela contou, e só o que faziam era empurrar-se uns aos outros, dizendo:

- Pois já se viu ave mais estúpida?

Continua: quinta-feira, …


Athos Fernandes (Caderno de Poemas) 5


A COBRA E A RÃ

Junto à lagoa
coaxa a rã;
seu canto entoa
toda manhã!

- A vida é boa,
se é livre e sã.
E a voz ressoa
num doce afã!

O canto escuta
a cobra astuta
do pantanal...

Quem manda a rã,
toda manhã,
cantar tão mal?

Assim dizia um sábio de renome:
- o canto desagrada a quem tem fome!
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

DEFESA PRÉVIA

Eu, sei de mim, culpa nenhuma tenho
em tudo que se faz contra a justiça,
pois só do meu trabalho me mantenho,
sem ter direito aos ócios da preguiça!

Puro não sou, nem faço disso empenho,
pois puro ninguém é na humana liça.
Creio num Deus real, morto no lenho,
e não nos deuses falsos da cobiça.

Em prol de um mundo bom, Justo e Perfeito,
herói da Fé, soldado do Direito,
espadachim serei, já que sou Athos.

E ao ver da turba as faces carrancudas,
não venderei meu Mestre, como Judas,
nem lavarei as mãos, como Pilatos!
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

DORES

Por mais que eu descreva a dor que sinto,
jamais a entenderás corretamente,
pois cada ser humano é um ser distinto
e só quem sofre sabe a dor que sente!

Por força natural do próprio instinto,
que desde a madre rege o ser vivente,
da dor que te doer me não ressinto,
nem tu, também, da dor que me atormente!

Isto, afinal, é muito humano e justo.
Ninguém dos nossos bens concorre ao custo,
nem do mal que sofremos se arreceia...

Pois no egoísmo própria a toda gente,
por pequena que seja a dor que sente
sempre a julga maior que a dor alheia!
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

PAPAI NOEL

Papai Noel! Lindo sonho
de deslumbrante matiz.
Velho treteiro e bisonho
que vem de um frio país!

Ao rico atende, risonho,
mas nunca à pobreza quis.
Deixa um menino tristonho
e outro alegre e feliz!

Papai Noel, sempre injusto,
só traz presentes de custo
para os filhos da riqueza...

Quanto aos pobres não se importa!
- Sapatos rotos na porta,
pratos vazios na mesa!
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

SAPATO VELHO

Hoje encontrei na rua desprezado
um sapato já velho e carcomido,
que foi, talvez por velho, preterido,
depois de um bom serviço ter prestado.

Aliás, o pobre estava bem rasgado...
Mas mui belo talvez tivesse sido.
Talvez em muita festa houvesse ido
no seu tempo de moço e conservado.

Olhei-o com desprezo e fui passando...
Mas depois, sobre o mesmo meditando,
consegui deduzir esta tolice:

Que tal como o sapato, a humanidade
tem riso e tem fulgor na mocidade,
mas só pranto e tristeza na velhice!

Fontes:
Athos Fernandes. Miscelânea Poética. 1979.
Athos Fernandes. Ofir. 1977.
Athos Fernandes. Shangri-La: Poesias. 1979.

Lucy Hay (Como Escrever uma História de Mistério) – 2


DESENVOLVENDO SUA PERSONAGEM PRINCIPAL E ESBOÇANDO A HISTÓRIA

1. Crie o detetive.


Sua personagem principal também pode ser um cidadão comum ou o espectador inocente de um crime que se envolve na solução do mistério. Faça um brainstorm de detalhes específicos do seu protagonista, incluindo:

O tamanho e o formato do corpo, a cor do cabelo e dos olhos e quaisquer outras características físicas. Por exemplo, você poderá ter uma personagem principal feminina baixinha e com cabelo escuro, óculos e olhos verdes, ou pode querer um detetive mais típico: alto, com o cabelo penteado para trás e a barba por fazer.

Roupas: o vestuário da sua personagem não vai só criar uma imagem mais detalhada para o leitor, mas também pode indicar em que período de tempo sua história se passa. Por exemplo, se a personagem principal usa uma armadura pesada e um elmo com um timbre, o leitor perceberá que a narrativa se passa na época medieval. Caso o protagonista use uma blusa com capuz, calça jeans e uma mochila, seus leitores saberão que a história provavelmente se passa na era contemporânea.

O que torna a personagem principal única: é importante criar um protagonista que se destaque para o leitor e que pareça ser cativante o suficiente para sustentar várias páginas em uma história ou romance. Pense sobre o que a personagem gosta ou não gosta. Talvez sua detetive feminina seja tímida e desajeitada em festas, e tenha uma paixão secreta por répteis. Ou talvez o investigador seja um completo tolo e não se considere esperto ou forte. Concentre-se em detalhes que ajudarão a criar uma personagem principal única e não tenha medo de usar aspectos da sua vida pessoal ou das suas próprias preferências e gostos.

2. Determine o ambiente.

Coloque a história em um cenário que você conheça bem, como sua cidade natal ou sua escola, ou faça uma pesquisa sobre um local com o qual não esteja familiarizado, como a Califórnia dos anos 1970 ou a Inglaterra dos anos 1940. Se for usar um espaço que não conhece em primeira mão, concentre-se em contextos específicos, como uma casa de subúrbio na Califórnia dos anos 1970 ou uma pensão na Inglaterra dos anos 1940.

Caso você decida situar a sua história em um período de tempo ou localização com os quais não esteja familiarizado, faça uma pesquisa sobre eles em sua biblioteca local, fontes online ou entrevistas com especialistas em um determinado período de tempo ou espaço. Seja específico em suas pesquisas e durante suas entrevistas para garantir que você obtenha todos os detalhes.

3. Crie o enigma.

Nem todos os mistérios precisam ter um assassinato ou crime grave, mas quanto maior o crime, geralmente maiores os riscos na história. Os riscos altos são importantes porque envolvem o leitor e dão a ele uma razão para continuar a ler. As possíveis origens do mistério poderiam ser:

– Um item é roubado da sua personagem principal ou de alguém próximo a ela.

– Uma pessoa próxima ao protagonista desaparece.

– A personagem principal recebe bilhetes ameaçadores ou perturbadores.

– O protagonista testemunha um crime.

– A personagem principal é convidada para ajudar a resolver um crime.

– O protagonista se depara com um mistério.

Você também pode combinar vários destes cenários para criar um mistério com mais camadas. Por exemplo, um item pode ser roubado da sua personagem principal, uma pessoa próxima a ela pode desaparecer, e a personagem pode testemunhar um crime e depois ser convidada para ajudar a resolvê-lo.

4. Decida como vai complicar o enigma ou o mistério.

Crie tensão na história tornando difícil para o protagonista resolver o quebra-cabeça. Você pode usar obstáculos como outras pessoas ou suspeitos, pistas falsas e enganosas ou outros crimes.

Crie uma lista de possíveis suspeitos que a personagem principal pode encontrar ao longo da história. Você pode usar vários para colocar o detetive ou o leitor na direção errada, criando suspense e surpresa.

Escreva uma lista de pistas. As manobras de diversão são pistas falsas ou enganosas. Sua história será mais forte se você incluir várias manobras desse tipo na história. Por exemplo, a personagem principal poderá encontrar uma pista que aponta para um suspeito, porém mais tarde descobrir que ela na verdade está ligada a outro. Ou o detetive poderá encontrar uma pista sem perceber que ela é crucial para desvendar todo o mistério.

5. Use ganchos para manter a história interessante.

O gancho é um momento, geralmente no final de uma cena, em que o protagonista fica em uma situação que o prende ou o coloca em perigo. Ele é importante em um mistério porque mantém o leitor envolvido e impulsiona a história para frente. Possíveis ganchos poderiam ser:

– A personagem principal está investigando uma pista sozinha e encontra o assassino.

– O protagonista começa a duvidar de suas habilidades e abaixa a guarda, permitindo que o assassino mate novamente.

– Ninguém acredita na personagem principal. Ela tenta solucionar o crime sozinha e acaba sendo sequestrada.

– O protagonista é ferido e preso em um lugar perigoso.

– A personagem principal perderá uma pista importante se não puder sair de um determinado local ou situação.

6. Crie uma resolução ou final.

Encerre a história com a solução para o enigma. No final da maior parte dos mistérios, a personagem principal tem uma mudança positiva na perspectiva dela. As possíveis resoluções incluem:

– O protagonista salva alguém próximo a ele ou uma pessoa inocente envolvida no mistério.

– A personagem principal se salva e muda por causa de sua coragem ou inteligência.

– O protagonista expõe um mau caráter ou uma organização criminosa.

– A personagem principal expõe o assassino ou a pessoa responsável pelo crime.

7. Faça um rascunho da história.


Agora que você já considerou todos os aspectos, crie um contorno claro da trama. É importante mapear como exatamente o mistério vai se desdobrar antes de sentar para escrever a narrativa, pois assim será possível garantir que não haja pontas soltas. Seu esboço deverá seguir a ordem em que os eventos ou pontos do enredo acontecerão. Ele deve incluir:

– A apresentação da personagem principal e do cenário.

– O incidente ou crime desencadeador da ação.

– A chamada para a ação: o protagonista se empenha na solução do crime.

– Testes e tribulações: a personagem principal encontra pistas e potenciais suspeitos e tenta se manter viva enquanto busca a verdade. As pessoas próximas podem ser sequestradas como ameaça.

– A provação: o protagonista acredita que encontrou uma pista ou suspeito chave e que resolveu o crime. Esta é uma falsa resolução e uma boa maneira de surpreender o leitor quando ficar provado que a personagem principal entendeu errado.

– O grande revés: tudo parece perdido para o protagonista. Ele encontrou o suspeito ou a pista errados, outra pessoa foi morta ou ferida e todos os seus aliados já o abandonaram. Um grande revés vai aumentar a tensão na história e manter o leitor interessado.

– A revelação: a personagem principal reúne todas as partes interessadas, expõe as evidências, explica as pistas falsas e revela quem é o assassino ou culpado.
= = = = = = = = =
Continua…

terça-feira, 22 de novembro de 2022

Therezinha D. Brisolla (Trov’ Humor) 07

 

Lucy Hay (Como Escrever uma História de Mistério) – 1


Um bom mistério terá personagens fascinantes, um suspense emocionante e um quebra-cabeça que manterá você virando as páginas. Mas pode ser difícil escrever uma história de mistério cativante, especialmente se você nunca tiver tentado antes. Com a preparação, o brainstorming, o planejamento, a edição e o desenvolvimento certo das personagens, você pode criar seu próprio mistério envolvente.

PREPARANDO-SE PARA ESCREVER

1. Entenda a distinção entre o gênero mistério e o gênero suspense

Os mistérios quase sempre começam com um assassinato. A grande questão é quem cometeu o crime. Os suspenses costumam começar com uma situação que leva a uma grande catástrofe, como um assassinato, um assalto a banco, uma explosão nuclear etc. A grande pergunta em um texto desse gênero é se o herói pode ou não evitar que a catástrofe aconteça.

Nas histórias de mistério, o leitor não sabe quem cometeu o assassinato até o fim do romance. Elas são centradas no exercício intelectual de tentar descobrir as motivações por trás do  crime ou a resposta para o quebra-cabeça.

Os mistérios tendem a ser escritos em primeira pessoa enquanto os suspenses, são muitas vezes escritos na terceira pessoa e a partir de vários pontos de vista. As narrativas de mistério costumam ter um ritmo mais lento, conforme o herói, detetive ou protagonista tenta resolver o crime. Há também menos cenas de ação nelas do que nos suspenses.

Como os mistérios costumam ser mais lentos, as personagens geralmente têm mais profundidade e melhor acabamento neles do que em um suspense.

2. Leia exemplos de mistérios.

Há muitas grandes histórias desse gênero que você pode ler para ter uma noção do que é um mistério bem escrito e bem desenvolvido.

"A Mulher de Branco", de Wilkie Collins: esse romance de mistério do século XIX foi escrito originalmente no formato de série, por isso a história avança em passos medidos. Muito do que se tornou norma em ficção policial foi feito por Collins neste livro, por isso trata-se de uma introdução envolvente e instrutiva ao gênero.

"O Sono Eterno", de Raymond Chandler: Chandler é um dos maiores escritores do gênero, criando histórias envolventes sobre os desafios e as atribulações do detetive particular Philip Marlowe. Este é um investigador durão, cínico, mas honesto que se envolve em uma trama com um general, sua filha e um fotógrafo chantageador. O trabalho de Chandler é conhecido por seu diálogo afiado, bom ritmo e herói interessante.

"As Aventuras de Sherlock Holmes", de Sir Arthur Conan Doyle: um dos detetives mais famosos do gênero, junto com seu igualmente famoso parceiro de investigação Watson, resolve uma série de mistérios e crimes nesta compilação de histórias. Holmes e Watson injetam seus traços de personalidade únicos ao longo das narrativas.

"Nancy Drew", de Carolyn Keene: toda a série se passa nos Estados Unidos. Nancy Drew é uma detetive. Os amigos próximos dela, Helen Corning, Bess Marvin e George Fayne aparecem em alguns mistérios. Nancy é filha de Carson Drew, o advogado mais famoso de River Heights, onde vivem.

"Hardy Boys", de Franklin W. Dixon: esse romance é semelhante a Nancy Drew e fala sobre dois irmãos: Frank e Joe Hardy, detetives talentosos. Eles são filhos de um investigador muito famoso e às vezes ajudam nos casos dele.

"A Crime in the Neighborhood", de Suzanne Berne (sem tradução para o português): esse romance de mistério recente se passa na Washington suburbana dos anos 1970. Ele se concentra em um crime que ocorre no bairro, o assassinato de um jovem. Berne intercala uma história de amadurecimento com o mistério da morte do jovem em um subúrbio chato e sem graça, mas consegue tornar a história bastante interessante.

3. Identifique a personagem principal em uma história de mistério.

Pense em como o autor apresenta o protagonista e em como o descreve.

Por exemplo, em "O Sono Eterno", o narrador em primeira pessoa de Chandler se descreve por suas roupas na primeira página: "Eu estava usando meu terno azul-claro acinzentado com camisa azul escura, gravata, lenço dobrado no bolso, sapatos pretos, meias de lã pretas com bordados azuis. Estava limpo, impecável, barbeado e sóbrio, e não estava ligando se alguém percebia. Eu era tudo o que um detetive particular de boa aparência deve ser".

Com essas frases iniciais, Chandler torna o narrador distinto pela maneira dele descrever a si mesmo, a sua roupa e a seu trabalho como detetive particular.

4. Note o ambiente ou o período de tempo de uma história de mistério.

Pense em como o autor situa a história no local ou no período de tempo. Por exemplo, no segundo parágrafo da primeira página de "O Sono Eterno", Marlowe coloca o leitor no tempo e no cenário: "O saguão principal da mansão Sternwood tinha dois andares."

O leitor agora sabe que Marlowe está na frente da casa dos Sternwoods e que essa é uma casa grande, possivelmente de pessoas ricas.

5. Considere o crime ou mistério que a personagem principal precisa resolver.

Qual é o crime que o protagonista tem de solucionar ou com o qual ele deve lidar de alguma forma? Poderia ser um assassinato, uma pessoa desaparecida ou um suicídio suspeito.

Em "O Sono Eterno", Marlowe é contratado pelo General Sternwood para "cuidar" de um fotógrafo que tem chantageado o general com fotos vergonhosas da filha dele.

6. Identifique os obstáculos ou problemas que a personagem principal encontra.

Um bom mistério manterá os leitores envolvidos complicando a missão do protagonista com obstáculos ou problemas.

Em "O Sono Eterno", Chandler complica a busca pelo fotógrafo fazendo com que este seja morto nos primeiros capítulos, seguido pelo suicídio suspeito do motorista do general. Assim, o autor coloca dois crimes para Marlowe resolver.

7. Note a resolução do mistério.

Pense em como ele será resolvido no final da história. A solução não deve parecer muito óbvia ou forçada, mas também não deve ser muito estranha ou inacreditável.

A resolução deverá parecer surpreendente para o leitor, sem confundi-lo. Uma das vantagens é que você pode regular o ritmo da história para que o desfecho se revele aos poucos, em vez de apressadamente.
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Continua…

Fonte:
Wikihow. Como Escrever uma História de Mistério.
https://pt.wikihow.com/Escrever-uma-Hist%C3%B3ria-de-Mist%C3%A9rio

Trovas Populares Brasileiras – 2


Atenção: Na época da publicação deste livro (1919), ainda não havia a normalização da trova para rimar o 1. com o 3. Verso, sendo obrigatório apenas o 2. com o 4.,
sistema ABCB. São trovas populares coletadas por Afrânio Peixoto.
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A minha alma de velho
anda agora renovada;
a paixão é que nem sono
chega sem ser esperada.
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Ave Maria! Meu Deus!
Quando eu me arreliar
faço aleijado correr,
quem não tem olho enxergar.
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Branco e preto, preto e branco
isto de cor não procede...
Do escuro é que vem a luz,
o dia à noite sucede.
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— Compadre, você me diga
mas me diga num arranco:
– Porque é que galinha preta
por força põe ovo branco.
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Eu já fui na sua casa
e já sei o que ela é.
A fartura que eu vi nela
foi pulga e bicho de pé.
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Eu não vou na tua casa,
pra tu não vires na minha.
Tens a boca muito grande,
acabas minha farinha.
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Eu sou maior do que a terra,
maior do que o mar profundo.
Eu sou maior do que o céu
maior do que todo o mundo.
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Eu sou maior do que Deus,
maior do que Deus eu sou.
Eu sou maior no pecado
porque Deus nunca pecou.
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Fabião nós somos velhos
e velhos não valem nada,
porque só vale quem ama
quem traz a alma enganada.
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Minha mãe chama-se caca,
minha avó Caca Maria.
Em casa tudo era Caco,
Sou filho da Cacaria.
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Não há papel nesta vila
nem tinta neste convento,
não há pássaro de pena,
que escreva tal sentimento.
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Não tenho medo das alma:
– Da cobra, faca e trovão,
mas renego mulher velha
que vive a botar paixão.
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Não tenho modo de homem
nem do ronco que ele tem:
O besouro também ronca,
vai-se ver, não é ninguém.
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Ora, louvado seja Deus!
Ora, Deus seja louvado!
De cabeça para baixo
este mundo anda virado.
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— Ó seu moço inteligente,
faça favor de dizer:
Em cima daquele morro
quanto capim pode ter?
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— Ó seu moço inteligente,
faça favor de dizer:
Vinte e cinco par de gatos
quantas unhas podem ter?
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O tatu é homem pobre,
que não tem nada de seu,
tem uma casaca velha
que o defunto pai lhe deu.
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Passei o Paranaíba
navegando numa balsa.
Os pecados vêm da saia,
pois não podem vir da calça.
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Quando estou no meu destino,
sou cabra de gênio cru:
engulo brasa de fogo,
faço a vez de cururú.
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Quem quiser brincar comigo
venha pra o meio da areia:
Se for homem leva bala.
se for mulher leva peia.
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Quem se foi para tão longe,
e deixou seu passarinho,
quando vier não se anoje
de encontrar outro no ninho.
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Se encontrar outro no ninho,
hei de fazê-lo voar,
que eu não fui fazer meu ninho
pr’outro nele se deitar.
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Se o raio não queimou,
se o gado não comeu,
em cima daquele morro
tem o capim que nasceu.
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Sim senhor, destrincharei,
conforme me parecer:
Doze patacas e meia
quatro mil réis vem a ser.
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Uma coisa me admira
e me produz confusão:
– É ver o vapor correr
sem unha, sem pé, nem mão.

Fonte:
Afrânio Peixoto (seleção). Trovas populares brasileiras. RJ: Francisco Alves, 1919.
Algumas palavras das trovas foram convertidas para o português atual.

Isabel Furini (Cinema no Domingo)


Querido diário, eu sei que essa não era a roupa ideal para ir ao shopping, mas a camiseta cor salmão com o pequeno bordado no ombro esquerdo ficava melhor do que a verde. Fui até a sala, minha mãe e minha avó estavam sentadas nas poltronas, mas ao ver-me, imediatamente se levantaram. Minha avó se levantou tão rápido que perdeu um pouco o equilíbrio e se apoiou na antiga arca de madeira escura.

– É a labirintite de novo. – disse com tristeza.

– Filha, o que acha de um perfume? – perguntou mamãe enquanto chaveava a porta.

– Temos outra opção? – perguntei enquanto descíamos a escada da garagem do prédio, porque o elevador estava com problemas e só descia até o térreo. A garagem ficava no subsolo e era preciso descer pela escada.

– Hummm... – mamãe descia os degraus lentamente, ajudando minha avó.

– Talvez um livro de cozinha. Você sabe que Claudinha gosta de cozinhar.

– Além de livro de cozinha?

– Escutei Paola dizer que a presenteará com uma pulseira de prata. Podemos ver um anel ou brincos.

– O que acha? – perguntou girando a chave.

Eu ajudei a avó a entrar no carro. Ela se sentou, eu fechei a porta da frente, imediatamente abri a porta de trás e entrei.

– Claudinha tem muitos brincos, talvez o anel seja melhor.

O carro de minha mãe era o modelo de limpeza. Ela não deixava nem jogar um papelzinho no chão, não. Eu abri minha bolsa, peguei uma bala de chocolate e coloquei-a na boca. Minha mãe olhou com ar severo. E, como eu conheço esse olhar, coloquei o papel da bala na bolsa pensando em jogá-lo em algum cesto de lixo do shopping.

Minha mãe estacionou em uma vaga bem perto do elevador, na vaga de idosos. Eu acho que é por isso que ela sempre insiste em levar minha avó ao shopping e ao mercado! Entramos no shopping e a avó caminhou um pouco olhando vitrines, mas rapidamente reclamou porque já estava cansada.

Mamãe disse que ela poderia ficar sentada na praça de alimentação. Vó Ernestina pediu um suco de abacaxi. Mamãe foi comprar e eu fiquei com minha avó. Ela reclamava de dor nos joelhos. Quando minha mãe chegou com o suco, disse que eu e ela iríamos conseguir o presente.

No primeiro andar tinha uma loja muito chique. Fomos para lá. A vendedora gentilmente estendeu um pano preto sobre a vitrine de vidro e mostrou uma coleção de anéis maravilhosos. Eu estava ficando vesga de tanto olhar! Eu gostei do anel com uma cabeça de cobra com um pequeno olho de esmeralda, mas mamãe não gostou.

De repente, o celular dela tocou aquela musiquinha infantil (só minha mãe para gostar dessa musiquinha). Era a tia Paula. Ela disse que a tia Claudinha queria mesmo esse novo livro de cozinha que mostram na televisão. Esse, em que uma mulher de avental branco com um chapéu desses que usam os cozinheiros, mas tão grande que fica ridículo, grita: Compre o melhor livro de cozinha do Brasil!

Havíamos escolhido um anel lindo! Mas fazer o quê? A tia queria um livro de cozinha. Sábado ia festejar o seu 32º aniversário. Já estava envelhecendo. Eu lembro quando Claudinha era jovem, gostava de vestir roupa de cor turquesa e pintava os lábios de vermelho, mas agora ela tinha dois filhos e estava gordinha. O marido era representante comercial e viajava muito. Ela ficava sozinha com os filhos inventando pratos novos. Só gostava de cozinhar e de comer. Acho que gostava mais de comer do que de cozinhar. Ela estava obesa. “Eu nunca vou engordar. Viverei sempre como a tia Paola, com um olho na comida e outro na balança”.

Fomos até uma livraria do shopping. O livro estava exposto na gôndola, bem ao lado da porta com o cartaz: Mais vendidos. Minha mãe foi ao caixa e eu fiquei olhando os livros. Com o desejo de ser escritora, precisava saber das novidades literárias. Depois tivemos que fazer fila para pagar o estacionamento. Por fim, fomos até o carro. Minha mãe desligou o alarme e abriu a porta. O segurança do shopping se aproximou.

– A senhora estacionou na vaga de idosos!

Minha mãe abriu os olhos e a boca, tentou dizer algo, mas pareceu ficar sem palavras. Havíamos esquecido minha avó na praça de alimentação. Mamãe ficou no carro e eu corri buscá-la. O segurança estava esperando, pois não havia acreditado. Achava que estávamos fazendo teatro, mas quando me aproximei com minha avó no braço, ele foi muito gentil e abriu a porta do carro. O trânsito estava tranquilo, não pegamos nenhum engarrafamento. Aos domingos é mais fácil andar de carro pela cidade.

Mamãe abriu a porta de casa e minha avó pareceu recuperar a sua energia, correu à cozinha para fazer um bolo. Eu pensei em escrever alguma coisa, mas fiquei deitada no sofá marrom da sala assistindo a um programa na televisão. Bem legal!
*

Mais tarde, ligou minha tia Paola e minha mãe disse que iríamos ao cinema. Minha tia linda chegou. Minha avó, mamãe, tia Paola e eu fomos ao cinema. Entrei na sessão pensando em como é chato ver filmes para velhos quando o vi... Ele estava lá e com a família. João sentiu vergonha de estar com os pais, os avós e outros velhos, que não conheço. Coitado! Senti pena do João! Olhou-me quase com medo e levantou os ombros como dizendo: fazer o quê. Eu mordi os lábios para não rir e também levantei os ombros para que ele entendesse que estava na mesma situação. Ele sorriu só para mim. Não foi como na escola, que às vezes eu o imaginava sorrindo para mim, mas na realidade ele sorria para Renata. Ele sorriu. Sorriu para mim, só para mim. Seu sorriso era lindo!

Ao sair do cinema, fomos à praça de alimentação do shopping, João e sua família também foram. Eu nem conseguia comer a pizza, pois sabia que da mesa que ficava perto da escada rolante, ele estava olhando para meu lado. Olhando-me! Antes de dormir, vi que ele me adicionou no Facebook e estivemos falando. Foi ótimo! Ele disse que odiou o filme, eu também o achei chato. Pareceu que tínhamos os mesmos gostos. Isso foi um grande começo, e estou feliz, querido diário, muito feliz.
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Esse conto faz parte do livro "Garotas, Amores e Fantasias", publicado pela editora Instituto Memória de Curitiba/PR, em 2014.