quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Athos Fernandes (Caderno de Poemas) 5


A COBRA E A RÃ

Junto à lagoa
coaxa a rã;
seu canto entoa
toda manhã!

- A vida é boa,
se é livre e sã.
E a voz ressoa
num doce afã!

O canto escuta
a cobra astuta
do pantanal...

Quem manda a rã,
toda manhã,
cantar tão mal?

Assim dizia um sábio de renome:
- o canto desagrada a quem tem fome!
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DEFESA PRÉVIA

Eu, sei de mim, culpa nenhuma tenho
em tudo que se faz contra a justiça,
pois só do meu trabalho me mantenho,
sem ter direito aos ócios da preguiça!

Puro não sou, nem faço disso empenho,
pois puro ninguém é na humana liça.
Creio num Deus real, morto no lenho,
e não nos deuses falsos da cobiça.

Em prol de um mundo bom, Justo e Perfeito,
herói da Fé, soldado do Direito,
espadachim serei, já que sou Athos.

E ao ver da turba as faces carrancudas,
não venderei meu Mestre, como Judas,
nem lavarei as mãos, como Pilatos!
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DORES

Por mais que eu descreva a dor que sinto,
jamais a entenderás corretamente,
pois cada ser humano é um ser distinto
e só quem sofre sabe a dor que sente!

Por força natural do próprio instinto,
que desde a madre rege o ser vivente,
da dor que te doer me não ressinto,
nem tu, também, da dor que me atormente!

Isto, afinal, é muito humano e justo.
Ninguém dos nossos bens concorre ao custo,
nem do mal que sofremos se arreceia...

Pois no egoísmo própria a toda gente,
por pequena que seja a dor que sente
sempre a julga maior que a dor alheia!
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PAPAI NOEL

Papai Noel! Lindo sonho
de deslumbrante matiz.
Velho treteiro e bisonho
que vem de um frio país!

Ao rico atende, risonho,
mas nunca à pobreza quis.
Deixa um menino tristonho
e outro alegre e feliz!

Papai Noel, sempre injusto,
só traz presentes de custo
para os filhos da riqueza...

Quanto aos pobres não se importa!
- Sapatos rotos na porta,
pratos vazios na mesa!
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SAPATO VELHO

Hoje encontrei na rua desprezado
um sapato já velho e carcomido,
que foi, talvez por velho, preterido,
depois de um bom serviço ter prestado.

Aliás, o pobre estava bem rasgado...
Mas mui belo talvez tivesse sido.
Talvez em muita festa houvesse ido
no seu tempo de moço e conservado.

Olhei-o com desprezo e fui passando...
Mas depois, sobre o mesmo meditando,
consegui deduzir esta tolice:

Que tal como o sapato, a humanidade
tem riso e tem fulgor na mocidade,
mas só pranto e tristeza na velhice!

Fontes:
Athos Fernandes. Miscelânea Poética. 1979.
Athos Fernandes. Ofir. 1977.
Athos Fernandes. Shangri-La: Poesias. 1979.

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