CONFITEOR
Sinto que não sou mau, nem tampouco sou bom.
Sou o que posso ser, igual aos homens todos.
Na ribalta da vida, entre aplausos e ápodos*,
canto salmos a Deus e salvos a Mamon!
Como o lírio que exsurge alvo e puro de lodos,
de eco simples que fui, tento chegar a som.
Sou um tanto Marat e outro tanto Danton,
um misto de Platão com vândalos e godos!
Não sou bom nem sou mau. Sou apenas humano.
Entre o instinto e o ideal, o sagrado e o profano,
minh’alma conturbada e atônita, vacila...
Por sentir que, afinal, em síntese perfeita,
para o Céu, que desejo, a porta é muito estreita,
para o Inferno, que temo, é muito longa a fila!
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* ápodos = gracejos, chalaças, zombarias.
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DEUS E O HOMEM
Do nada Deus fez Tudo a Seu critério e jeito:
o céu, a terra, o mar, o rio, a várzea, o monte,
as serras colossais que azulam no horizonte,
tudo fez o Senhor e viu que era perfeito!
Veio o homem, porém, e em tudo achou defeito.
Fez o muro e o curral; cercou o pasto e a fonte;
pôs esquadras no mar e sobre o rio a ponte,
e fez do egoísmo lei, da força fez Direito.
A marca de Caím foi-lhe estampada à testa.
Ventura já não tem, de Deus pouco lhe resta,
perdido das paixões no báratro* profundo...
Pelas leis naturais é de ninguém a terra!
Um só dia de paz vale as glórias da guerra,
um minuto de amor cura os ódios do mundo!
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* báratro = abismo.
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ENTRE O CÉU E O INFERNO
Já era o mundo mau antes do cataclismo
oriundo do Céu, que destruiu Sodoma...
Veio a Assíria depois - a fera que ninguém doma-
entre os homens e Deus mais alargando o abismo!
Na Grécia de Platão, a cicuta e ostracismo.
A pompa imperial dos Césares de Roma.
Entre Meca e Medina o alfange da Mafoma,
e as mil perseguições contra o Cristianismo.
Sempre o ódio e o terror, a vilania, o crime!
E o ouro que abastarda, e miséria que oprime,
tudo em nome do Bem, pela glória do Eterno...
E assim os homens vão sobre a face da Terra,
entre os hinos da Paz e os tambores da Guerra,
de olhos fitos no Céu, a caminho do inferno!
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VERSOS A UM POETA
Sufoca a tua dor! Cala o teu desalento
e mostra-te feliz, sem que no entanto o sejas.
Que não saibam, jamais, das íntimas pelejas
que te fazem perder todo o contentamento!
O que importa é sorrir em meio ao sofrimento,
levando o bom humor por onde quer que estejas.
Quanto gente, afinal, sem ter o que desejas
vive alegre e feliz como palmeira ao vento!
Deixa a vida correr sem mágoas e pesares,
como o altivo condor que desafia os ares
e fende o espaço azul das celestes planuras...
Como poeta és rei de um reino de magias!
Transforma, pois, em riso as tuas agonias
e em poemas de amor as tuas desventuras!
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VERSOS E ESTRELAS
Há no murmúrio humilde de um regato,
ou na fúria do mar que se escapela,
a mesma força poderosa e bela
que vibra exata, num sentido exato!
É da divina essência um substrato
Tudo o que a natureza nos revela.
Da rosa de Istambul à flor singela,
desde o condor ao sabiá do mato!
Do Eterno Ser tudo provém e emana.
Da pedra bruta à inteligência humana
tão só quem as criou pode entende-las.
Pois sendo Deus o Artista do Universo,
bem mais depressa do que escrevo um verso
compõe, no céu, Lusíadas de estrelas!
Fonte:
Athos Fernandes. Ofir. 1977.
Athos Fernandes. Shangri-La Poesias. 1979.
Athos Fernandes. Ofir. 1977.
Athos Fernandes. Shangri-La Poesias. 1979.
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