— Oi, amiga! Vi que você está on-line. Está podendo falar?
— Oi, amiga! Claro, está tudo bem?
— Mais ou menos… Eu vou ter que digitar* porque o meu filho, o Artuzinho, está perto de mim e eu não quero que ele ouça. Nossa, menina… Estou muito preocupada com ele.
—O que ele tem? Está doente?
— Não, bem, eu acho que não…
— Então o que foi?
— Você acredita que o Artuzinho agora deu para perder tempo com bobagens?
— Perder tempo com quê?
— Bobagens! Perder tempo com bobagens.
— Que bobagens?
— O Artuzinho está lendo. Livros!
— Jesus!
— Pois é… Você sabe que desde pequenininho ele sempre foi assim meio diferente… Mas agora deu pra isso! Passa o dia inteiro com um livro pra cima e pra baixo lendo. Até na escola!
— Até na escola?! E você procurou a diretora pra ver o que está acontecendo?
— Pensei nisso sim. Mas quando cheguei lá, nem foi preciso conversar. Estava tudo absolutamente normal.
— Normal como?
— Todos os alunos estavam com seus celulares conectados, antenados no mundo.
— E o Artuzinho?
— Na biblioteca.
— Misericórdia! E você ainda fala que estava normal?
— Normal com todo mundo, menos com o Artuzinho. Como ele pode perder tanto tempo?
— Pois é…
— Coloquei a melhor internet em casa, assinei vários canais de filme, futebol, tudo que os meninos da idade dele gostam e nada.
— Não só os meninos, não é amiga? Todo mundo.
— Por isso estou preocupada. Ele tem tudo e está deixando a vida passar. Só fica com aquele livro na mão. Sabe, estou pensando em procurar um psicólogo.
— Por isso não. Tem um aplicativo ótimo que resolve esse problema. É só você baixar e colocar todos os dados da pessoa e digitar no campo “assunto” o que está ocorrendo que ele dá o diagnóstico e indica o tratamento. E o melhor é que a pessoa, no caso o Artuzinho, nem precisa saber de nada.
— Mas isso é maravilhoso!! Ai, amiga… Eu sabia que seria ótimo falar com você. Sempre tão antenada, bem diferente do Artuzinho. Tá vendo as coisas maravilhosas que ele perde?
— Pois é…
— Ai, Nossa!
— Que foi?
— Ele está fazendo caras e bocas!
— Caras e bocas?
— Sim! Lendo o livro e fazendo caras e bocas.
— Isso tá ficando sério…
— Ai, ai, ai!!
— Que foi, que foi?
— Ele colocou a mão no rosto, balançou a cabeça e não tira os olhos do livro.
— Amiga, baixa logo o aplicativo e começa o tratamento.
— Vou fazer isso assim que terminar de falar com você.
— Você consegue ver o que está escrito na capa do livro?
— Daqui está um pouco difícil, mas… deixa ver… Ai, não!
— O quê?
— Tem a palavra “crime” escrita lá.
— Minha nossa! Consegue ver mais alguma coisa?
— Espera um pouco… “castigo”… Crime e castigo… É o que está escrito: “Crime e castigo”.
— Hummm…. Isso não é nada bom. Consegue ver o nome de quem escreveu essa coisa?
— Olha… Nem se eu tentar acho que consigo decifrar.
— Digita aqui letra por letra.
— Boa ideia. D-O-S-T-O-I-É-V-S-K-I.
— Misericórdia! Nunca vi isso em lugar nenhum. Parece um código. Olha direito. Deve ter um nome lá.
— “Fiódor”.
— O quê?
— É o que está escrito: “Fiódor”. Em cima do código.
— Nunca ouvi falar.
— Nem eu e nem quero, Deus me livre.
— Tem mais alguma coisa?
— Um desenho. Ai, que coisa horrível! Tem um desenho lá.
— Desenho de quê?
— De um rosto com olhos enormes.
— Amiga, a coisa tá muito séria.
— Oh, meu Deus! Por que esse menino não é normal igual aos outros?
— Calma, calma… Não faça movimentos bruscos. Finja que está tudo bem e vai saindo de fininho.
— Mas é o Artuzinho, meu filho!
— Eu sei, amiga. Mas pode ser perigoso. Ele tem feito algo estranho ultimamente, além de ler livros?
— Não sei. Você sabe como é, não tiro os olhos do celular.
— Claro que não! Você é como todo mundo! Tem uma vida normal. Ele ainda está fazendo caras e bocas?
— Ai, não amiga! Ele está fazendo algo pior!
— Pior? O quê?!
— Ele colocou o livro do lado, sacou um caderninho e começou a…. Meu Deus!
— Fala, fala!!
— Escrever! O Artuzinho está escrevendo!!
– Amiga, esquece o tratamento do aplicativo. Fique aí e não se mexa. Vou acionar a viatura e chamar o SAMU.
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* Para melhor compreensão, as mensagens desse texto foram cuidadosamente traduzidas do internetês para a linguagem coloquial.
Fonte:
https://arvoredasletras.com.br/2022/06/04/pois-e/
https://arvoredasletras.com.br/2022/06/04/pois-e/
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