sábado, 5 de novembro de 2022

Lucília Alzira Trindade Decarli (Inquietude) 1


Penso até que água tem alma…
da fonte lança o seu véu,
chega ao rio e, então, se espalma,
dá-se ao mar… e sobe ao céu!


ALMA... E CORAÇÃO!

Há quem afirme que água não tem alma...
Provo o contrário sem qualquer receio;
no copo, embora esteja sempre calma,
vou revelar, agora, porquê veio...

Brota na fonte e vai buscar a palma,
dos vitoriosos ela traz o anseio,
“a intrepidez da flor que ao vento espalma
as delicadas pétalas do seio.”

Precipitada ao chão, torrencialmente,
servindo a tudo e a todos, plenamente,
refaz seu ciclo sem jamais parar.

E liquefeita é quando mais resiste:
é fonte, é riacho, é rio, e não desiste;
só sobe ao céu depois que abraça o mar!
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O tempo, marcas deitou
entalhadas em meu rosto,
mas o amor, que perdurou,
minimiza o meu desgosto!


MARCAS DO TEMPO

Do escuro túnel de um tempo passado,
ressurge, audaz, o amor adormecido!
Relembro alguém sorrindo, e do meu lado,
mas que perdi sem querer ter perdido.

Em transe está meu ego e, arrebatado,
canta o passado em ode, destemido,
indo aportar num tempo afortunado
que conheci, porém, sem ter vivido.

Ao desalento o meu amor resiste,
tento esquecer reminiscência triste,
marcas do tempo em minha pele impressas...

O meu viver, repleto de saudade,
exige agora: vem felicidade,
liberta o meu destino das avessas!...
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Contendo temas diversos,
lirismo a se sobrepor,
deixo claro os meus versos,
muito mais, falam de amor!...


MEUS VERSOS

Meus simples versos surgem, de repente,
sem revelar-me a nítida intenção...
Parecem ser um sussurrar na mente,
que toca o ouvido e, ali, ganha expansão.

Pego papel, caneta e, fielmente,
sem preocupar-me com erudição,
vou encadeando-os feito uma corrente,
um elo das palavras em vazão...

Métrica e rima, às vezes lhes imponho,
sem deturpar a realidade ou sonho
daquela inspiração, com muita calma,

pois, mais do que um capricho de momento,
ou atitude vã do pensamento,
sei que os meus versos partem de minha alma!
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Nas lágrimas derramadas,
transbordantes de emoção,
essas águas são chamadas
torrentes do coração!…


MURALHAS DA RAZÃO

Às vezes nem sabemos como nasce
tamanha angústia vinda, de repente,
e ao deslizarem lágrimas na face,
nos surpreende a súbita vertente.

Encurralados diante deste impasse:
— ver descoberto o nosso ser carente!...
Dentro de nós, talvez, algo ultrapasse
o escrúpulo insalubre e prepotente.

Lágrimas brotam, soltas, sem disfarce,
e o coração consegue apoderar-se
de um sentimento sufocado em vão.

Mas quando o pranto silencia um grito
pronto a lançar seu eco no infinito,
não derrubou muralhas... da razão!
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O joão-de-barro, a paineira,
e a casinha, ali construída...
Na infância, sobremaneira,
deram-me exemplo de vida!


REMINISCÊNCIA

"São Carlos"... Era o nome da fazenda,
com primaveras, pássaros, paineira...
O cafezal em flor, cena estupenda:
— recordação para uma vida inteira!

No terreirão, na grama em verde renda
- eu com dez anos quanta brincadeira!
Na casa simples, mesa com merenda;
dali se via o véu da cachoeira!...

Lembro o balanço no chorão... — Saudade!
Naquele pasto o gado em liberdade;
farto pomar, coqueiro carregado...

Apenas meses e eu nunca esqueci,
da infância a fase que passei ali:
— um tempo mágico do meu passado!

Fonte:
Lucília Alzira Trindade Decarli. Inquietude. Bandeirantes/PR: Sthampa, 2008.
Livro entregue pela poetisa.

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