CANTIGA
Ai! A manhã primorosa
do pensamento...
Minha vida é uma pobre rosa
ao vento.
Passam arroios de cores
sobre a paisagem.
Mas tu eras a flor das flores,
Imagem!
Vinde ver asas e ramos,
na luz sonora!
Ninguém sabe para onde vamos
agora.
Os jardins têm vida e morte,
noite e dia...
Quem conhecesse a sua sorte,
morria.
E é nisto que se resume
o sofrimento:
cai a flor, — e deixa o perfume
no vento!
= = = = = = = = = = = = =
HORÓSCOPO
Deviam ser Vênus
e Júpiter, sim,
que ao menos, ao menos,
olhassem por mim,
gerando caminhos
claros e serenos
por onde passar
quem vinha nutrida
de secretos vinhos,
perdida, perdida,
de amor e pensar.
Saturno, porém,
Saturno, o sombrio,
se precipitou.
Não sabe ninguém
que rio, que rio
de luto circunda
a terra profunda
que piso e que sou;
que noite reveste
o mundo em que passo
e os mundos que penso...
Que longo, alto, imenso,
calado cipreste
sobe, ramo a ramo,
entre o meu abraço
e o abraço que amo!
= = = = = = = = = = = = =
PRAIA
Nuvem, caravela branca
no ar azul do meio dia:
— quem te viu como eu te via?
Rolaram trovões escuros
pela vertente dos montes.
Tremeram súbitas fontes.
Depois, ficou tudo triste
como o nome dos defuntos:
mar e céu morreram juntos.
Vinha o vento do mar alto
e levantava as areias,
sem ver como estavam cheias
de tanta coisa esquecida,
pisada por tantos passos,
quebrada em tantos pedaços!
Por onde ficou teu corpo,
— ilusão de claridade —
quando se fez tempestade?
Nuvem, caravela branca,
nunca mais há meio dia?
(Já nem sei como te via!)
= = = = = = = = = = = = =
REALEJO
Minha vida bela,
Minha vida bela,
nada mais adianta
se não há janela
para a voz que canta...
Preparei um verso
com a melhor medida:
rosto do universo,
boca da minha vida.
Ah! mas nada adianta,
olhos de luar,
quando se planta
hera no mar,
nem quando se inventa
um colar sem fio,
ou se experimenta
abraçar um rio...
Alucinação
da cabeça tonta!
Tudo se desmonta
em cores e vento
e velocidade.
Tudo: coração,
olhos de luar,
noites de saudade.
Aprendi comigo.
Por isso, te digo,
minha vida bela,
nada mais adianta,
se não há janela
para a voz que canta...
= = = = = = = = = = = = =
SEREIA
Linda é a mulher e o seu canto,
ambos guardados no luar.
Seus olhos doces de pranto
— quem os pode enxugar
devagarinho com a boca,
ai!
com a boca, devagarinho...
Na sua voz transparente
giram sonhos de cristal.
Nem ar nem onda corrente
passuem suspiro igual,
nem os búzios nem as violas,
ai!
nem as violas nem os búzios...
Tudo pudesse a beleza,
e, de encoberto país,
viria alguém, com certeza,
para fazê-la feliz,
contemplando-lhe alma e corpo,
ai!
alma e corpo contemplando-lhe...
Mas o mundo está dormindo
em travesseiros de luar.
A mulher do canto lindo
ajuda o mundo a sonhar,
com o canto que a vai matando,
ai!
E morrerá de cantar.
= = = = = = = = = = = = =
SERENATA
Permite que feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.
Permite que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silêncio
e a dor é de origem divina.
Permite que volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.
Ai! A manhã primorosa
do pensamento...
Minha vida é uma pobre rosa
ao vento.
Passam arroios de cores
sobre a paisagem.
Mas tu eras a flor das flores,
Imagem!
Vinde ver asas e ramos,
na luz sonora!
Ninguém sabe para onde vamos
agora.
Os jardins têm vida e morte,
noite e dia...
Quem conhecesse a sua sorte,
morria.
E é nisto que se resume
o sofrimento:
cai a flor, — e deixa o perfume
no vento!
= = = = = = = = = = = = =
HORÓSCOPO
Deviam ser Vênus
e Júpiter, sim,
que ao menos, ao menos,
olhassem por mim,
gerando caminhos
claros e serenos
por onde passar
quem vinha nutrida
de secretos vinhos,
perdida, perdida,
de amor e pensar.
Saturno, porém,
Saturno, o sombrio,
se precipitou.
Não sabe ninguém
que rio, que rio
de luto circunda
a terra profunda
que piso e que sou;
que noite reveste
o mundo em que passo
e os mundos que penso...
Que longo, alto, imenso,
calado cipreste
sobe, ramo a ramo,
entre o meu abraço
e o abraço que amo!
= = = = = = = = = = = = =
PRAIA
Nuvem, caravela branca
no ar azul do meio dia:
— quem te viu como eu te via?
Rolaram trovões escuros
pela vertente dos montes.
Tremeram súbitas fontes.
Depois, ficou tudo triste
como o nome dos defuntos:
mar e céu morreram juntos.
Vinha o vento do mar alto
e levantava as areias,
sem ver como estavam cheias
de tanta coisa esquecida,
pisada por tantos passos,
quebrada em tantos pedaços!
Por onde ficou teu corpo,
— ilusão de claridade —
quando se fez tempestade?
Nuvem, caravela branca,
nunca mais há meio dia?
(Já nem sei como te via!)
= = = = = = = = = = = = =
REALEJO
Minha vida bela,
Minha vida bela,
nada mais adianta
se não há janela
para a voz que canta...
Preparei um verso
com a melhor medida:
rosto do universo,
boca da minha vida.
Ah! mas nada adianta,
olhos de luar,
quando se planta
hera no mar,
nem quando se inventa
um colar sem fio,
ou se experimenta
abraçar um rio...
Alucinação
da cabeça tonta!
Tudo se desmonta
em cores e vento
e velocidade.
Tudo: coração,
olhos de luar,
noites de saudade.
Aprendi comigo.
Por isso, te digo,
minha vida bela,
nada mais adianta,
se não há janela
para a voz que canta...
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SEREIA
Linda é a mulher e o seu canto,
ambos guardados no luar.
Seus olhos doces de pranto
— quem os pode enxugar
devagarinho com a boca,
ai!
com a boca, devagarinho...
Na sua voz transparente
giram sonhos de cristal.
Nem ar nem onda corrente
passuem suspiro igual,
nem os búzios nem as violas,
ai!
nem as violas nem os búzios...
Tudo pudesse a beleza,
e, de encoberto país,
viria alguém, com certeza,
para fazê-la feliz,
contemplando-lhe alma e corpo,
ai!
alma e corpo contemplando-lhe...
Mas o mundo está dormindo
em travesseiros de luar.
A mulher do canto lindo
ajuda o mundo a sonhar,
com o canto que a vai matando,
ai!
E morrerá de cantar.
= = = = = = = = = = = = =
SERENATA
Permite que feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.
Permite que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silêncio
e a dor é de origem divina.
Permite que volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.
Fonte:
Cecília Meirelles. Viagem. Lisboa: Império, 1938.
Cecília Meirelles. Viagem. Lisboa: Império, 1938.
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