sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Cecy Barbosa Campos (A Colheita)


A terra se abria com a face sulcada de anciã infértil. O homem ajoelhado, inutilmente, molhava com suas lágrimas aquele solo ressecado que fora, um dia, tão promissor.

Lembrava quando ali chegara, jovem e cheio de esperança. Trazia consigo a mulher-menina, sua companheira de infância, e que seria sua companheira por toda a vida.

Conseguira, com muito esforço e muita força dos braços e das pernas, juntar um dinheirinho para comprar o pequeno barraco e o pedaço de terra, onde pretendia viver com a sua princesa e criar os filhos que viriam no futuro.

Poderia, com o tempo, melhorar o barraco que, com a ajuda das mãos laboriosas da mulher, se transformaria num castelo.

Chegaram felizes e, em alguns meses, Jovina prenhe, cantava e cuidava de seu reino, enquanto a terra deixava que crescessem em seu útero, as sementes que o Tônico lançara. No momento certo, a terra fecundada traria à luz aquelas germinadas e, também, a semente plantada em Jovina surgiria em busca de vida e da luz do sol.

Assim aconteceu e, com a colheita, Tonico pode até comprar um berço para o bebê que ele não queria em caixote faz de conta.

O menino crescia, robusto e saudável, aproveitando bem do leite de Jovina, que ria e cantava, dando seu peito ao filho guloso, a cada vez que ele choramingava, mesmo que não fosse de fome.

Deitado na relva forrada com um pano limpinho, que Jovina estendia para não dar coceira no menino, ele brincava, movendo os bracinhos, sempre que uma borboleta passava ou um beija-flor se achegava, atraído pelas flores bem cuidadas que tinham sido plantadas à frente do barraco.

E Tonico chorava, pensando no dia em que seu menino fraquinho e doente, não teve remédio para se recuperar. Se foi a água, não sabia. Gente da redondeza falava que a água do açude fazia muita doença. O menino gordinho foi murchando e nada ficava em sua barriga que inchava apesar de vazia.

Chegar ao povoado, buscando ajuda levava tempo, mas Jovina e o marido foram andando com o filho nos braços, até que no posto falaram que não tinha mais jeito, e que o menino não voltaria com eles para casa.

Voltaram sozinhos com sua amargura, sem falar nem chorar. Depois de chegar, a dor silenciosa de Jovina ainda mais machucou o marido que, com o peito apertado, abraçou a mulher sem nada dizer.

Depois daquele dia, Jovina nunca mais falou. Olhava o vazio, sentava no banco em frente do barraco e ali ficava, como se estivesse pondo atenção no menino que brincava na relva.

A terra ressequida não mais germinou e nova colheita não mais existiu. Tonico tentou: Quem sabe a terra fecundada traria Jovina de volta pro mundo, tirava ela daquela paradeira e até trazia um outro menino pros dois?

Porém, a chuva não veio e a água do açude não era suficiente para molhar o solo e dar vida às sementes que o Tonico lançara. Nem o amor de Tonico foi bastante para fertilizar o útero ressecado de Jovina, que ficara estéril de tanta tristeza.

E Jovina foi sumindo, sumindo, magrinha e quieta, sem mais cantar, até que um dia. sentada no banco, olhando o lugar onde o menino ficava brincando na relva, morreu como um passarinho.

Tonico chorando, caiu de joelhos molhando com suas lágrimas, inutilmente, aquela terra que deixara de ser mãe.

Fonte:
Cecy Barbosa Campos. Recortes de Vida. Varginha/MG: Ed. Alba, 2009.
Livro enviado pela autora.

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