A máquina roncava com um som rouco de gigante adormecido, intercalado com suspiros sibilantes que lhe doíam os ouvidos. Estava quase ao fim de mais um dia de trabalho intenso, que lhe deixava os nervos á flor da pele. Pensava nos minutos que faltavam para atravessar aquela porta, chegar ao relógio de ponto e sentir-se livre.
A sensação de detentos na penitenciária não deve estar muito longe do que sinto, pensou. A diferença são as horas ao final do expediente, quando chego a casa e encontro minha mulher e meus filhos.
Entretanto, ele sabia que o amanhã seria igual, com a mesma angústia, sem perspectivas de mudança. Faria um trabalho igual, ouviria um barulho igual e sentiria um cheiro igual; cheiro de máquinas, cheiro de corpos suados que se misturavam naquele galpão abafado.
Tentava se animar, procurando ser feliz por ter o seu ganha-pão de cada dia. Mesmo não dando para muito mais que pão, era melhor do que estar desempregado como alguns de seus amigos.
Finalmente, soou a campainha. O alívio que sentia amenizava a estridência do som. Parecer-lhe-ia estar ouvindo um dos Noturnos de Chopin, se os conhecesse. De qualquer forma, funcionava para ele como uma melodia tranquilizadora e suave. Atravessou o pátio com decisão e rapidez, logo alcançando a rua. Ao final do expediente, não tinha paciência para ficar de "papo", de tão ansioso ficava para chegar a casa.
Passou pela carrocinha do baleiro, estacionada perto da fábrica, e não resistiu ao apelo do anúncio: "Cinco paçoquinhas por R$1,00". Contando as moedas, entregou-as sorridente, antecipando a alegria dos meninos.
Enquanto caminhava, contemplava o sol que ensanguentava o horizonte, ferido pelo dia que morria. Teve a sensação de estar sendo envolvido por aquela mancha de sangue. Sentiu-se zonzo, as pernas pesavam, começou a cambalear. Ao alcançar a faixa de pedestres para atravessar no sinal, ficou confuso. Era verde ou vermelho? Trocando os passos, foi em frente até que, sem entender, ouviu o que lhe gritaram: Seu bêbado, filho da mãe, não vê o sinal?
Não chegou a perceber o que acontecia, pois o carro que vinha atrás atingiu-o em cheio.
Paçoquinhas estraçalhadas permaneceram em seu bolso.
Fonte:
Cecy Barbosa Campos. Recortes de Vida. Varginha/MG: Ed. Alba, 2009.
Livro enviado pela autora.
Cecy Barbosa Campos. Recortes de Vida. Varginha/MG: Ed. Alba, 2009.
Livro enviado pela autora.
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