sábado, 18 de maio de 2019

Aurineide Alencar (1º Colar de Trovas)


Organização: Aurineide Alencar - MS

Tema: *Mulher*

No Colar de Trovas, o trovador seguinte inicia a trova com o último verso da trova do trovador anterior (em negrito o verso que se repete na trova subsequente). O colar fecha com o último trovador encerrando a trova no quarto verso, com o primeiro verso da trova do primeiro trovador.
 
01
O conceito é de um poeta,
aceite-o, pois, quem quiser:
"Felicidade completa
não pode haver, sem mulher"!
(Carlos Guimarães - RJ+)

02

Não pode haver sem mulher
filho, amor, felicidade.
Sempre dizer, faz mister,
completa a minha metade.
(Francisco Ferreira - MG)


03
Completa a minha metade,
esse presente de Deus,
a mulher, pura bondade,
fez só para os filhos seus.
(Antônio Cabral Filho - RJ)


04
Fez só para os filhos seus,
formando belo casal.
Ela inspira os versos meus
com o odor de um roseiral.
(Oliveira Caruso - RJ)

05
Com odor de um roseiral,
que distava bem além,
homem chora em seu beiral,
porque uma mulher não tem!
(Antônio de Pádua Elias de Souza - MG)

06

Porque uma mulher não tem
defeito que a desmereça.
E o prazer quando ama alguém
sobe dos pés à cabeça.
(Antônio Francisco Pereira - MG)

07
Sobe dos pés à cabeça

aqui tem duplo sentido,
até que o vulcão aqueça
E exploda em doce gemido.
(Gilberto Cardoso dos Santos - RN)

08

Exploda em doce gemido
todo o amor de uma mulher,
que ela tenha garantido
o carinho que quiser.
(Aurineide Alencar - MS)

09
O carinho que quiser

mas dado sob medida,
pois o que a mulher mais quer
é se sentir protegida.
(Gilberto Cardoso dos Santos - RN)

10
É se sentir protegida

no seio do seu amante,
pois a mulher só tem vida
quando amar é o bastante.
(Antônio Cabral Filho - RJ)

11
Quando amar é o bastante,

em noites de cheia lua,
nas confidências de amante,
envoltos na pele nua.
(Antônio de Pádua Elias de Souza - MG)

12
Envoltos na pele nua

sentiram a gostosura,
emanada da cheia lua
e da mente bem impura.
(Prof. Roque - RS)


13
E da mente bem impura,

surge uma trova bendita,
com muito amor e candura,
pra mulher meiga e bonita.
(Luiz Claudio - RN)            

14    
Pra mulher meiga e bonita,
meus cumprimentos de irmã.  
Tal jeito possibilita 
a nobreza da cristã.
(Lola Prata - SP)

15
A nobreza da cristã

doce, feliz, encantada,
fazendo o papel de irmã
até o fim da sua jornada.
(Prof. Roque - RS)

16
Até o fim da sua jornada

a mulher sempre estará,
de luz e amor bem armada
e entre nós triunfará!...
(Luiz Cláudio - RN)

17
E entre nós triunfará

com todo seu esplendor,
não importa aonde vá,
a mulher, fonte do amor.  
(Antônio Francisco Pereira - MG)

18
A mulher, fonte de amor,

fecundadora da vida,
tem seu fio condutor
implantado na guarida.
(Francisco das Chagas Farias - RN)

19
Implantado na guarida

ela é sempre fiel,
ela é minha vida
é dela também o céu.
(Madalena Cordeiro - ES)

20
É dela também o céu,

assim como a terra e o mar.
Homem, tire o seu chapéu
sempre que a dama passar.
(Oliveira Caruso - RJ)

21
Sempre que a dama passar

ela ouvirá um fiu fiu,
é alguém a cortejar
uma dama do Brasil.
(Madalena Cordeiro  - ES)

22
Uma dama do Brasil

agindo como profeta,
planta sonho, juvenil,
o conceito é de um poeta.
(Aurineide Alencar - MS)

Fonte:
Antonio Cabral Filho. Trovadores do Brasil

Luiz Poeta (Azuis)


Elas estavam nos lados opostos da rua. Uma chamava-se Ruth; a outra, Carolina. Precisavam de um nome, entretanto a espontânea maneira como se miravam à distância de uns vinte metros dava-lhes uma especial identidade.

Não havia semáforos e os carros eram mecanicamente vorazes, mas as duas ignoravam suas velocidades; fitavam-se alheias aos flashes de cada veículo a oitenta quilômetros horários sobre a sedutora e lisa excitação do asfalto.

Os sorrisos tornaram-se reciprocamente simultâneos. O de oitenta e cinco anos nunca fora tão inocente; o de três, tão ávido. Ambos, cada qual com sua tema peculiaridade, eram uma agradável e afetuosa conversa sem palavras,

Ruth sorria para um nebuloso tempo do seu passado; Carolina, para um futuro longínquo, ambas magnetizadas pelo inusitado brilho de dois olhares profundamente azuis... azuladamente felizes.

Num átimo, depois que dois últimos carros cruzaram-se oportunamente, não titubearam: atravessaram logo a rua. Uma, vagarosamente apoiada na expressiva nudez de uma bengala de madeira; a outra, aos pulinhos, solta sob o vento realçando os movimentos do vestidinho rosa.

Encontraram-se quase no meio da estrada, sob os implacáveis raios de sol do mês de dezembro... afinal, precisavam de uma data para celebrar aquele momento pleno de embevecimento e excitação.

Não se conheciam, porém não havia necessidade de apresentação; os sorrisos cumprimentavam-se desde a primeira troca de olhares.

Pararam uma frente a outra, numa serenidade contemplativa de cujos azuis emanavam eternidades.

A menininha alongou a frágil mãozinha, puxando carinhosamente a idosa para o lado de onde viera. Era um retorno marcado por cuidadosa precaução, numa silenciosa e lírica perenidade de passos calculados.

Findo o trajeto, num quase derradeiro sorriso de felicidade, retribuído por outro de agradecimento. Carolina simulou retomar.

A velhinha comprimiu sua mãozinha com suavidade, como que pedindo mudamente que aguardasse. A seguir, abriu uma antiga e rota bolsa que levava consigo, retirou dela uma frágil bonequinha de pano c entregou-a para a menina.

O êxtase durou o tempo do embevecimento que eternizaria aquele sublime instante.

A inefável fisionomia de Carolina congregava todos os risos num único sorriso imediatamente correspondido.

Em reverência àquele lírico momento marcado pela leveza de gestos, os carros foram parando... um... a um... para que a menina de três anos avançasse levando, nos seus momentos mais azuis, a realização de um sonho tão grandioso e necessário como a sua aparentemente menor e mais expressiva atitude.

Carolina voava como um passarinho e nem o calor do asfalto incomodava a maciez dos seus pezinhos descalços. Na mão, a bonequinha de pano parecia dizer adeus à úmida lágrima de Ruth, que deslizava afetuosa sobre o melhor dos seus silêncios e o mais sublime dos seus sorrisos... azuis.

(Texto premiado pela União Brasileira de Escritores)

Fonte:
Livro gentilmente entregue pelo autor.
Luiz Gilberto de Barros (Luiz Poeta). Canção de Ninar Estátuas. 1.ed. Ilhéus/BA: Mondrongo, 2014.

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) XI


INCERTEZA

Desde a manhã tristonha em que partiste
que não posso pensar senão em ti,
tenho a louca impressão que te perdi
que nada mais entre nós dois existe...

Ao te ver a sorrir, como sorriste
no instante da partida, compreendi,
- que talvez, nunca mais voltes aqui...
- que hei de viver eternamente triste...

Por que tu me deixaste a duvidar?
Preferia mil vezes a certeza,
Já que um dia a certeza há de chegar...

Nem sabes a amargura que me invade,
- a vida que hoje levo, é uma tristeza,
um misto de tristeza e de saudades!

INCOERÊNCIA?

Achas-me indiferente... e até crês que há desdém
quando falo de amor em palavras singelas...
- pensas que as juras todas que já ouviste, aquelas
juras, a outras mulheres vou fazer também...

Dizes que não te quero... E eu te pergunto: - a quem
devo tudo o que fiz, as poesias mais belas?
- outras dirão talvez que as fiz pensando nelas,
mas todas te pertencem mais do que a ninguém!

Não vês que o que te cerca é a mentira da vida...
- nem sabes descobrir essa paixão imensa
que o meu orgulho torna egoísta e dolorida...

Não vês que o meu viver é falso, - e se resume
em te amar como um louco em minha indiferença,
e fingir que amo as outras para teu ciúme !

INCONSTÂNCIA

É o meu destino: - hei de seguir assim
como um novo amor por sol, em cada dia...
- o que há pouco era tudo o que queria
já agora não é nada para mim...

Só vive, o que ainda é sonho e fantasia!
O que conquisto encontra logo um fim...
O amor que nasce cheio de alegria
hoje - morre amanhã cheio de esplim...

Inconstante e volúvel, meus desejos
- tem a alma das bolhas de sabão
e a duração efêmera dos beijos...

O amor - é a vida de um perfume no ar,
o encanto de um segundo de ilusão...
- a beleza da espuma sobre o mar!...

INCONSTANTE...

I

Ela partiu... Deixou-me... E em despedida
uma carta ficou em seu lugar,
pois não teve coragem na partida
de cruzar, seu olhar com o meu olhar...

Partiu... Não compreendeu meu sentimento,
desprezou meu amor... minha afeição...
Quis apagá-la, então, do pensamento,
mas foi tudo desejo... tudo vão...

Se ela voltasse, um dia, ainda pensei,
por castigo, jamais, a perdoaria...
e um dia, ela voltou... E nesse dia
eu abri os meus braços, e a perdoei...

II
 
Esqueci minha dor e os meus receios,
reconstruí de novo os meus castelos,
- senti meus olhos novamente cheios
com os meus sonhos mais puros e mais belos...

Cumulei-a de amor e de carinho,
realizei seus mais íntimos desejos,
e as ânsias que guardei, quando sozinho
libertei-as felizes nos meus beijos...

III

Hoje - vivo sozinho novamente...
Ela partiu... Nem disse que ia embora...
Não deixou uma linha, uma somente,
nem uma só, como fizera outrora...

E amanhã, se voltar - ingenuamente
virá pedir perdão do que me fez,
- e hei de esquecer de tudo, novamente,
- e os braços, hei de abrir, mais uma vez!...

INÉDITO...
Relendo o último verso que compus
pouso entre as mãos maquinalmente o rosto,
e o olhar deixo vagar para o sol posto
onde o céu é um borrão de sombra e luz...

Um sossego interior, em mim, produz,
esta tarde fugindo ao mês de agosto...
- nas vitrines do espaço, onde era exposto
o sol, surge uma estrela que transluz...

Alguém põe-se às centenas a acendê-las,
e cada uma que a luz tinha escondido
brilha, e ao brilhar, enche-se o céu de estrelas...

E fitando-as, dispersas, no infinito,
sei, que apesar de nunca ter lido,
nos céus há um poema há muito tempo escrito...

INSATISFEITO

Quem ler os versos meus onde há certa tristeza
e certo desencanto suave e contrafeito,
poderá num momento pensar, com certeza,
que trago inutilmente um coração no peito!...

E que vivo afinal inquieto e insatisfeito
de paixão em paixão... de surpresa em surpresa,
- como um rio a mudar o curso do seu leito
sem saber aonde o arrasta a própria correnteza!

E acertará talvez, - pois falta essa mulher
que consiga escrever seu nome em minha vida
sem deixar no passado outro nome qualquer...

Falta-me um grande amor... Falta-me tudo em suma!
E sinto a alma vazia, estranha e incompreendida
por ter amado tantas sem amar nenhuma!

INUTILIDADE

Tenho vontade, as vezes, de sair da vida,
bato asas sofregamente
até que cansado jogo-me em mim mesmo
e desperto na queda da inutilidade...

Invejo o destino livre da fumaça,
tenho pena de mim,
tenho pena dos homens,
vendo aquele besouro a procurar espaço
e a bater na vidraça...

INUTILMENTE

Há de ser desta vez... Dir-lhe-ei contente
todo este amor que no meu Ser se abriga,
e tomando-lhe as mãos bem docemente
relembrarei a nossa infância antiga...

E a dúvida que guardo e que a alma sente
hei de acabar dizendo:- "minha amiga,
quero, ouvi-la afinal sinceramente
sem recear ferir com que me diga..."

Penso assim... E no entanto, quantas vezes
tenho-a encontrando, e inutilmente os meses
e os anos vão passando entre nós dois...

Basta vê-la e em minha alma acovardada,
- já não sei nada, nem me lembro nada
e deixo tudo pra dizer depois !

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 1. SP: Ed. Theor, 1965.

Alcântara Machado (O Patriota Washington)


O sol ilumina o Brasil na manhã escandalosa e o Doutor Washington Coelho Penteado no rosto varonil. Há trinta e oito anos Deodoro da Fonseca fundou a República sem querer. O doutor pensa bem no acontecimento e grita no ouvido do chofer:

- Toca pra Mogi das Cruzes!

Minutos antes arrancara da folhinha do EMPÓRIO UCRANIANO a folha do dia 14. Cercado pelos filhos escrevera a lápis azul na do dia 15: Viva o Brasil! E obrigara o Juquinha a tirar o gorro marinheiro porque ainda não sabia fazer continência.

Muitíssimo bem. Agora segue de Chevrolet aberto para Mogi das Cruzes. Algum dia no mundo ia se viu uma manhã tão linda assim?

Êta Brasil.

Êta.

Na lapela uma bandeirinha nacional. Conservada ali desde a entrada do Brasil na grande conflagração. Ou bem que somos ou bem que não somos. O doutor é de fato: brasileiro graças a Deus. Onde desejava nascer? No Brasil está claro.

Ao lado dele a mulher é assim assim. Os filhos sabem de cor o hino nacional. Só que ainda não pegaram bem a música. Em todo o caso cantam às vezes durante a sobremesa para o doutor ouvir. A bandeira se balançando na sacada do Teatro Nacional lembra ao doutor os admiráveis versos do poeta dos Escravos.

- Sim senhor! É bem a brisa de que fala Castro Alves.

- Que brisa, Nenê?

- Nada. Você não entende.

Ele entende. E goza a brisa que beija e balança.

- O Capitão Melo me afirmou que não há parque europeu que se compare com este do Anhangabaú.

- Exagero...

- Já vem você com a sua eterna mania de avacalhar o que é nosso! Pois fique sabendo...

Fique sabendo, Dona Balbina. Fique a senhora sabendo que o que é nosso é nosso. E vale muito. E vale mais que tudo. Vá escutando. Vá escutando em silêncio. E convença-se de uma vez para não dizer mais bobagens.

- Veja o movimento. E hoje é feriado, hein! Não se esqueça! Paris que é Paris não tem movimento igual. Nem parecido.

- Você nunca foi a Paris...

Isso também é demais. O melhor é não responder. Homem: o melhor é estourar.

- Meu Deus do céu! Não fui mas sei! Toda a gente sabe! Os próprios franceses confessam! Mas você já sabe: é a única pessoa no mundo que não reconhece nada, não sabe nada!

Guiados pelo fura-bolos do doutor todos os olhares se fixam na catedral em começo.

- Vai ser a maior do mundo! E gótica, compreenderam? Catedral gótica!

Na cabeça.

Gostosura de descer a toda a Ladeira do Carmo e cair no plano do Parque D. Pedro II.

- Seu professor, Juquinha, não lhe ensinou que D. Pedro era amicíssimo, do peito mesmo, de Victor Hugo, gênio francês?

Juquinha nem se dá ao trabalho de responder.

- Pois se não ensinou fez muito mal. Amizades como essa honram o pais.

O chofer não deixa escapar um só buraco e Dona Balbina põe a mão no coração. Washington Coelho Penteado toma conta do cláxon (buzina).

- São um incentivo para as crianças. Quando maiores procurarão cultivá-las também.

O vento desvia as palavras do doutor, dos ouvidos da família. O Chevrolet não respeita bonde nem nada. Pomba só levanta o voo quando o automóvel parece que já está em cima dela.

- Este Brás! Este Brás! Não lhes digo nada!

Dez fósforos para acender um cigarro.

Dona Balbina olha a paineira. Mesma coisa que não olhasse. Juquinha vê um negócio verde. Washington Júnior um negócio alto. O doutor mais uma prova da pujança primeira-do-mundo da natureza pátria.

Interjeição de admiração. Depois:

- Reparem só na quantidade de automóveis. Dez desde São Miguel! E nenhum carro de boi!

60 por hora.

O Chevrolet perde-se na poeira. Dona Balbina se queixa. Juquinha coça os olhos.

- Pó quer dizer progresso!

Palavras assim são ditas para a gente saborear baixinho, repetindo muitas vezes. Pó quer dizer progresso. Logo surge uma variante: Pó, meus senhores, quer dizer tão simplesmente progresso. Na antiga Grécia... Mas uma dúvida preocupa o espírito do doutor: a frase é dele mesmo ou ele leu num discurso, num artigo, numa plataforma política? Talvez fosse do Rui até. Querem ver que é do bichão mesmo? Engano. Do Rui não é. Do Epitácio, do Epitácio também não. Não é nem do Rui nem do Epitácio então é dele mesmo. É dele.

Washington Júnior com o dedo no cláxon está torcendo para que apareça uma curva.

Velocidade.

- O Brasil é um gigante que se levanta. Dentro em breve...

Era uma vez um pneumático.

- Aquele telhado vermelho que vocês estão vendo é o Leprosário de Santo Ângelo.

É preciso ser bacharel e ter alguns anos de júri para descrever assim tão bem os horrores da morfeia também cognominada mal de Hansen, esse flagelo da humanidade desde os mais remotos tempos.

 Dona Balbina se impressiona por qualquer coisa. Mas agora tem sua razão.

 Altamente patriótica e benemérita a campanha de Belisário Pena. A ação dos governos paulistas igualmente. Amanhã não haverá mais leprosos no Brasil. Por enquanto ainda há mas isso de ter morfeia não é privilégio brasileiro. Não pensem não. O mundo inteiro tem. A Argentina então nem se fala. Morfético até debaixo d`água. E não cuida seriamente do problema não. Está se desleixando.

 É. Está. Daqui a pouco não há mais brasileiro morfético. Só argentino. Povo muito antipático. Invejoso, meu Deus. Não se meta que se arrepende. Em dois tempos... Bom. Bom. Bom. Silêncio que a espionagem é brava.

 As casas brancas de Mogi das Cruzes.

- Qual é o número mesmo daquele automóvel que está parado ali?

- P. 925.

- Veja você! P. 925!

Uma volta no largo da igreja. Parada na confeitaria para as crianças se refrescarem com Mocinha. Olhadela disfarçada em quatro pernas de anjo. Saudação vibrante ao progresso local.

Chevrolet de novo.

- Toca pra São Paulo!

Primeira. Solavanco. Segunda. Arranco. Terceira. Aquela macieza.

- Não! Pare!

- Pra quê, Nenê?

- Uma coisa. Onde será o telégrafo?

Onde será? Que tem, tem.

- O patrício pode me informar onde fica o telégrafo?

Muito fácil. Seguir pela mesma rua. Tomar a primeira travessa à direita. Passar o largo. Passar o sobradão vermelho. Virar na primeira rua à direita.

- Primeira á direita?

Primeira à direita. Depois da terceira é o prédio onde tem um pau de bandeira.

- Pau, não senhor. Bandeira desfraldada porque hoje é 15 de Novembro. Muito agradecido.

Faz a família descer também. Puxa da caneta-tinteiro, floreiozinho no ar, começa: Ex. Sr. Dr. Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil. Palácio do Catete. Vale a pena pôr a rua também? Não. O homem tem que ser conhecido por força. Bem. Rio de Janeiro. Desta adiantada cidade tendo vindo Capital Estado uma hora dezessete minutos magnífica rodovia enviamos data tão grata corações patrióticos efusivos quão respeitosos cumprimentos erguendo viva República V. Ex.a. Que tal?

 Ótimo, não? Só isso de República V. Ex.a é que está meio ambíguo. Parece que a República é de S. Ex.a. Não está certo. A República é de todos. Assim exige sua essência democrática. Assim sim fica perfeito: República e V. Ex.a Bravo. Dr. Washington Coelho Penteado, senhora e filhos.

- Quinze e novecentos.

- E eu que ainda queria pôr uma citação!

Não precisa. Como está está muito bonito.

- É bondade sua. Uma coisinha ligeira, feita às pressas...

Enquanto o telegrafista declama os dizeres mais uma vez Washington Coelho Penteado passa os quinze mil e novecentos réis.

Em plena rodovia de repente o doutor murcha. Emudece. Dona Balbina que estava dorme-não-dorme despertou com o silêncio. O doutor quieto. Mau sinal. Procurando adivinhar arrisca:

- Que é que deu em você? O preço do telegrama?

O gesto deixa bem claro que isso de dinheiro não tem a mínima importância.

Dona Balbina pensa um pouquinho (o doutor quieto) e arrisca de novo:

- Medo que o chefe saiba que você usa o automóvel de serviço todos os domingos? Domingos e dias feriados?

O gesto manda o chefe bugiar no inferno.

O Chevrolet corre atrás dos marcos quilométricos.

Só ao entrar em casa o doutor se decide a falar.

- Esqueci-me de pôr o endereço para a resposta!...

- I-DI-O-TA!

Olhem só o gozo das crianças.

Fonte:
Alcântara Machado. Laranja-da-China.

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Vanice Zimerman (Poemas Escolhidos) 2


CASULO DE VIDRO

Ofusca-me a visão
Esses encontros com o espelho
A dualidade entre o passado
E o  presente, repleto de ausências,
Dos traços envoltos em brumas
O doloroso mergulho:
Quebrar o espelho
Sem fragmentar a essência
Sentir na pele, a lâmina que corta
E recorta - cura -
Desfalecer de dor
No silenciar da alma,
Na solidão do "casulo de vidro"
Buscando respostas
Na sequência de pétalas eternas-
“Flor da Vida”-
Aroma de bálsamo –
Aquietando meu coração.

GÉLIDOS CAMINHOS

Apaixona-se o tempo
Ao olhar os veios do mármore
Gélidos caminhos...

Apaixona-se o vento
Ao desenhar círculos no lago,
Movendo a breve bolha de sabão-

Apaixonam-se os ramos
De camomila à caneca de ágata
Ao sentirem a água desaguando,

Contidos no tempo, no vento
E no aroma de camomila
Momentos de amor –
Sincronicidade,

Poemas ao alcance
Das pontas dos dedos...

HÁ UM ENCANTO NA MELANCOLIA

E a chuva continua...
Do vidro do carro
Observo a
A paisagem líquida
Que em tons de verde e cinza
Passa depressa...
Há um encanto na melancolia,
Dividindo o cristal da taça
Fazendo-me companhia
Nesta tua ausência,
E, na lembrança dos teus beijos
Com gosto e aroma do chá de morangos
Despedindo-se aos poucos,
Há um encanto na melancolia
Que dilacera a alma,
Repleta de uma saudade,
Das tuas poesias,
E mensagens de amor
Que, ainda navegam  em imagens
De sonhos...
Há um encanto na melancolia
Qual uma tela com pontilhismo,
Pincelando em  meu coração
Um amor tão intenso e impossível,
Repleto de inquietos e alegres
Pontinhos de cores,
Ah, a melancolia encanta-se
Com esse lento passar das horas,
Em que a imobilidade dos sinos de vento
E a ponta quebrada do lápis
Adiam um ponto final

OUTONO EM TAÇA

Do ombro de vidro desliza
Sem pressa, uma gota de vinho
E  chega  envolvente e arrepia
O rótulo com cachos de uva,
Sob, o olhar sedutor da taça vazia-
À espera do aroma encorpado,
Suavemente, adocicado...

Entre a verde garrafa
E transparência do cristal
O silêncio e recato
Da folha de plátano.

PRELÚDIO DO ANOITECER

Esmaece o fim de tarde
Quase, posso tocar
As nuvens, em degrade
Ah, esse silêncio encantado
Do outono em gotas
À beira do lago beijando as folhas,
Sussurrando às flores
Um poema de amor,
Enquanto  embala
A despedida do dia
Na cadeira de balanço
E nesse amenizar da respiração
Da saudade tão intensa,
Mas calada - disfarçada - lágrima
Deixo as lembranças
De cada detalhe
Do teu corpo junto ao meu
Mesclarem-se, unificando-nos
Nesse terno e apaixonante
Prelúdio do anoitecer...

TUDO DÁ SAUDADE...

De madrugada,
Deixei as dobras
Da camisa de seda,
Feito
Pequenas ondas acariciarem
Meus seios, colo e braços...
Hoje de madrugada,
Entreguei-me às lembranças
Da maciez dos teus lábios
Doce invasão - permitida -
Do gosto delicioso e único
Dos teus beijos –
Deixei que as notas mescladas
Dos nossos perfumes me envolvessem,
Intensamente...
Hoje de manhãzinha,
Deixei as gotas de orvalho
Umedecerem meu corpo,
Banharem minh'alma
E senti  a presença do teu vento,
Do toque Sutil – incandescente
Das tuas mãos, desvendando
Com as pontas dos dedos
Caminhos em mim -
Tudo dá saudade...

VIDA EM VERDES VERSOS

Na imobilidade dos seus gestos
O Olhar intenso, atento.
Em total cumplicidade com a folha
Torna-se parte delas
Num mágico entrelaçar de vidas:
Louva-a- deus e folha
Ele, na solidão e expectativa de seus breves dias,
Uma vida plena...
Ela, a folha observa e o admira.
O mágico dos disfarces
Imita as cores à sua volta,
E, assim inspira poemas:
Vida em verdes versos...

Fonte:
Recanto das Letras
Facebook da Poetisa

Carolina Ramos (A Cadeira Velha)


Pela segunda vez, passou pela calçada oposta. Agora, em sentido contrário.

Aquela cadeira velha, abandonada à porta do casarão, atraia-o, irresistivelmente. Jogada fora, não havia dúvida. E o que é jogado fora, não é de ninguém. E o que era de ninguém, bem que poderia vir a ser seu.

Cruzou a rua. Não em linha reta. Faltou-lhe coragem.

Andou um pouco para adiante do objeto da sua fascinação e, então, atravessou. Voltou, sem pressa, em direção à cadeira. Pisava macio, como quem não quer nada.

Parou diante dela. Namorou-a. Linda! Forro de veludo cor de ouro. Desbotado. E o que importava? Quantos dias de glória já teria tido! Tocou-a com carinho. Só tinha um braço. A cadeira, naturalmente. E para que mais? Pernas finas, torneadas com requinte. Uma delas rachada. Este, possivelmente, o estigma da condenação. Prometia um tombo de surpresa. Rico não conserta. Remediado, sim. Pobre, como ele, não despreza sobras. A cadeira tinha estirpe. Vinha, por certo, de família abastada. Tomou a acariciá-la. Experimentou-lhe o peso. Não seria difícil carregá-la. Acomodou-a sobre os ombros. Chegou a assobiar, enquanto caminhava.

Ao pé do morro, a coisa complicou-se. O peso e a ladeira podem tornar-se aliados temíveis.

Engoliu a vontade de assobiar. O suor a escorrer em bagas. Os ombros a reclamar do peso. Entrar no barraco, pela porta estreita, também não foi fácil. Venceram o jeito e a determinação.

A visão da cadeira à cabeceira da tosca mesa, compensou qualquer esforço. Desbotada, rachada, sem um braço, mas, sua! A sua cadeira. O trono de um rei! Nem ousou experimentá-la. Antes, um bom banho. Caprichou na aparência, como nunca o fizera. Só então, sentiu-se digno de ocupar tão nobre assento.

Sentou-se com extremo cuidado. Divina!

Sentiu-se um rei! Um rei sem coroa, sem súditos, mas, em pleno domínio de sua propriedade.

Lembrou-se da "coroa". Aquela "coroa" bonita, que não lhe saía da cabeça... a viúva do vizinho.

Era só: — Oi, bom dia... ou: — Oi, boa tarde...

Nunca lhe dissera nada de mais íntimo, nem mesmo quando sentia dois olhos tigrados, procurando os seus.

Gostaria de convidá-la para conhecer o barraco. Perdia a coragem, tão logo a via.

E lá estava ela, com toda a exuberante graça de mulher vívida, a acarinhar a cabeça do cachorro pulguento. Chegou a invejá-lo!

— Ei, dona, quer ver o que eu trouxe, lá de baixo?

Ela sorriu. Pela primeira vez, via o vizinho lavado, penteado e de roupa limpa. Com um misto de malícia e brejeirice, cruzou a porta do barraco.

Orgulhoso, ele mostrou-lhe a cadeira, o seu trono.

E, por toda uma noite, foi verdadeiramente um rei!

Fonte:
Carolina Ramos. Interlúdio: contos. São Paulo: EditorAção, 1993.

Arthur de Azevedo (Asa Negra)


Quando, em 185… poucos momentos antes de nascer Raimundo, sua mãe curtia as dores do parto e curvava-se instintivamente, agarrando-se aos móveis e às paredes, mandaram chamar a toda pressa a única parteira que naquele tempo havia na pequena cidade de Alcântara.

A comadre prodigalizava, naquele momento, os cuidados da sua arte hipotética à mãe de Aureliano, que era mais rica.

Só algumas horas mais tarde pôde acudir ao chamado; mas já não era tempo: a mãe sucumbira à eclâmpsia; o filho salvara-se por um milagre, que ficou até hoje gravado na tradição obstétrica de Alcântara.

O pobre órfão devia sofrer, enquanto vivesse, as terríveis consequências, não só da inépcia das mulheres que assistiram a sua mãe, como do falecimento desta. Era aleijado, entanguecido, e tinha a cabeça singularmente achatada, nas cavidades frontais, pela pressão grosseira de dedos imperitos. Um menino feio, muito feio.
* * *

Quando Raimundo entrou para a escola, já lá encontrou Aureliano, rapazito lindo, vigoroso e rubicundo; mas uma antipatia invencível afastou-o logo desse causador involuntário dos infortúnios que lhe cercaram o berço.

Aureliano, que era de um natural orgulho, não perdia ensejo de vingar-se da antipatia do outro. Não houve diabrura de que o não acusasse falsamente, e, como Raimundo não era estimado, por ser feio, não encontrava defesa, e estendia resignado a mão pequenina às palmadas estúpidas do mestre escola. Isto acontecia diariamente.

O mestre, afinal, cansado de castigá-lo em pura perda, pois que as acusações continuavam da parte de Aureliano, expulsou-o da escola; e, como não houvesse outra em Alcântara, o bode expiatório cresceu à bruta, sem instrução, não tendo achado no mundo espírito compadecido que lhe levasse um raio de luz à treva da inteligência medíocre.

Mais tarde meteram-no a bordo de um barco, e mandaram-no para a capital, consignado a uma casa de comércio.

Aí encontrou Raimundo um protetor desinteressado, que lhe mandou ensinar primeiras letras e rudimentos de escrituração mercantil. A prática faria o resto.

Dentro de algum tempo o menino, que já contava dezesseis anos, deveria entrar, como ajudante de guarda-livros, para certo escritório de comissões; mas oito dias antes daquele em que devia tomar conta do emprego, morreu inesperadamente o seu protetor.

Entretanto, Raimundo apresentou-se, no dia aprazado, em casa do futuro patrão.

– Cá estou eu.

– Quem é você?

– O ajudante de guarda-livros de quem lhe falou o defunto Sr. F.

– Ah! sim… lembra-me… mas o meu amiguinho chore na cama que é lugar quente; o serviço não podia esperar, e eu tive que admitir outra pessoa.

E apontou para um rapaz que, sentado, em mangas de camisa, a uma carteira elevada, parecia absorvido pelo trabalho de escrita.

– Ah! murmurou despeitado o infeliz alcantarense.

O outro levantou os olhos, e Raimundo reconheceu-o: era Aureliano, que tinha os lábios arqueados por um sorriso verdadeiramente satânico.
* * *

Passaram-se alguns meses, durante os quais Raimundo passeou a sua penúria pelas ruas de S. Luís. Andava maltrapilho e quase descalço.

Arranjou, afinal, um modesto emprego braçal, numa agência de leilões. Só quatro anos mais tarde julgou prudente trocá-lo por um lugar de condutor de bonde.

Durante todo esse tempo, Aureliano, o seu asa-negra, moveu-lhe toda a guerra possível. Diariamente lhe chegavam aos ouvidos os impropérios gratuitos e as pequeninas intrigas do seu patrício.

Raimundo convenceu-se de que Aureliano, rapaz simpático e geralmente estimado na sociedade em que ambos viviam, nascera no mesmo momento em que ele, como um estorvo ao mecanismo da sua existência. Era o seu asa-negra.
* * *

Foi no bonde que Raimundo viu pela primeira vez os olhos negros e inquietos de Leopoldina.

Não se descreve a paixão que lhe inspirou essa morena bonita, cujos contornos opulentos causariam inveja às louras napeias de Rubens. A rapariga tinha nos olhos a altivez selvagem e nos lábios a volúpia ingênita das mamelucas. O seu cabelo grosso, abundante e negro, prendia-se, enrolado no descuido artístico das velhas estátuas gregas, deixando ver um cachaço que estava a pedir, não os beijos de um Raimundo anêmico e doentio, porém as rijas dentadas de um gigante.

Pois Raimundo, que não era nenhum Polifemo, um belo dia conduziu ao altar a mameluca bonita, e até o instante da cerimônia esteve, coitado, vê não vê o momento em que Aureliano surgia inopinadamente de trás do altar-mor, para arrebatar-lhe a noiva.

Felizmente assim não sucedeu.

Nos primeiros tempos de casado, tudo lhe correu às mil maravilhas; mas pouco a pouco a sua insuficiência foi se tornando flagrante. O seu organismo fazia prodígios para corresponder às exigências da esposa, cuja natureza não lhe indagava das forças.

As mulheres ardentes e mal-educadas, como Leopoldina, quando lhe faltam os maridos com a dosimetria do amor, confundem a miséria do sangue com a pobreza da casa. Questão de disfarçar sentimentos, e de aplicar o abstrato ao concreto. Leopoldina, que até então se contentara com a áurea mediocrata relativa do condutor de bonde, começou um dia a manifestar apetites de luxo, a sonhar frandulagens e modas.

De então em diante tornou-se um inferno a existência doméstica de Raimundo. Ano e meio depois de casado, ele evitava a convivência da esposa, jantava com os amigos, e só aparecia em casa para pedir ao sono forças para o trabalho do dia seguinte.
* * *

Mas, de uma feita em que se viu forçado a ir à casa em hora desacostumada, surpreendeu Leopoldina nos braços hercúleos de Aureliano.

Excitado pelo desespero, cresceu para eles frenético, espumante; mas os quatro braços infames desentrelaçaram-se das criminosas delicias, e repeliram-no vigorosamente.

O pobre marido rolou sobre os calcanhares, e caiu de chapa, estatelado, sem sentidos.

Quando voltou a si, os dois amantes haviam desaparecido.

Raimundo não derramou uma lágrima, e voltou cabisbaixo para o trabalho.

Ao chegar à estação dos bondes, o chefe de serviço repreendeu-o, fazendo-lhe ver que a sua falta se tornara sensível. Despedi-lo-ia, se não fosse empregado antigo, que tão boas provas dera até então de si.

O alcantarense ergueu a cabeça. Os olhos desvairados saltavam-lhe das órbitas com lampejos estranhos. E respondeu coisas incoerentes. Estava doido.

Dali a uma semana, foi para Alcântara, requisitado por um tio, derradeiro destroço de toda a família.

Pouco tempo durou, iludindo a vigilância do parente, saiu de casa uma noite, e atirou-se ao mar, afogando consigo as suas desgraças nas águas
da Baía de São Marcos.
* * *

Dois dias depois deste suicídio, a Ilha do Livramento, árido promontório situado perto de Alcântara, em frente àquela Baia de São Nilarcos, regurgitava alegremente de povo. Realizava-se a festa de Nossa Senhora, e os fiéis afluíam, tanto da capital como de Alcântara, à velha ermida solitária.

Aureliano, alcantarense da gema e figura obrigada de todas as festas e romarias, compareceu também ao arraial, exibindo publicamente a sua personalidade, que se tornara escandalosa depois do adultério de Leopoldina.

No Maranhão as paredes não têm somente ouvidos, como diz o adágio: têm também olhos.
* * *

Conquanto o céu anunciasse próxima borrasca, Aureliano resolveu deixar a Ilha do Livramento e embarcar, ao escurecer, numa delgada canoa, em demanda de Alcântara, onde tencionava pernoitar. A empresa era sem dúvida arriscada; mas lá, na colina escura que se refletia vagamente nas águas negras da baía, esperam-no os braços roliços da viúva do doido.

Embarcou.

Acompanhava-o apenas um remador, que desde pela manhã tomara a seu serviço.
* * *

Em meio da viagem, soprou de súbito rijo nordeste, e o mar, que até então se conservara plácido e próspero, encapelou-se raivoso. Em três minutos as ondas esbravejavam já terrivelmente, e a canoa, erguida a grande altura, e de novo arremessada ao pélago, num estardalhaço de vagas, recebia no bojo quantidade de água suficiente para metê-la a pique.

– Cada um cuide de si! bradou o remador, atirando-se ao mar, e oferecendo combate heroico à impetuosidade das ondas. Nadava que nem Leandro.

Aureliano viu-se perdido. A canoa mergulhava. Ele não sabia nadar, o desgraçado! Preparou-se para morrer…

A embarcação submergiu-se.

O náufrago agitava instintivamente os braços e as pernas, esperando talvez que o desespero lhe ensinasse milagrosamente uma prenda que nunca aprendera.

Debalde!

Foi ao fundo, vertiginosamente. Voltou de novo à tona d’água, chamado à vida pelo seu sangue de moço. Bracejou… tentou bracejar… A sua mão encontrou alguma coisa fria. muito fria… que flutuava. Agarrou-se a esse objeto salvador… boiou muito tempo com ele… e com ele finalmente foi arremessado à praia…

O cadáver de Raimundo salvara Aureliano.

Fonte:
Arthur de Azevedo. Contos.

quinta-feira, 16 de maio de 2019

Convite para 26 de Maio, em Curitiba


Christóphoro Fonte-Boa (Poemas)


O SOL NA PROSA

Em Belo Horizonte em junho
o sol pela manhã não
é pau não.
(Se fosse em Ouro Preto as
lagartixas se espichavam
pra fora dos buracos
nas pedras centenárias)
Ao meio-dia não é de
todo católico debaixo
do braço dos transeuntes.
Mas às quinze é banzão.
nas sombras compridas
das árvores redondas.
Por que então aquele
homem varapau de
guarda-sol ou chuva
na paisagem mineira?

O POETA

Trago nos olhos o peso de noites inteiras maldormidas.
No coração esta ânsia de horizontes irrevelados.
Acima da minha cabeça estende-se o abismo
que nasceu dentro de mim
quando aprendi a sofrer a angústia da profundidade.
Penetrei o limiar azul dessa paragem,
embriaguei-me de sua mansuetude.
Vi a eclosão do amor em círculos concêntricos
afirmando a realidade essencial.
Vi auroras boreais, poentes luminosos,
arco-íris de polo a polo.
Eu ia levado pela tua mão.
_____________________________________________________

Christóphoro Fonte-Boa nasceu em São Gotardo/MG, a 29 de agosto de 1906, filho de Sebastião Lopes Fonte Boa e Firmina Alves da Silva.

Fez os primeiros estudos em São Gotardo e parte do curso ginasial em Ouro Preto, concluído no Ginásio de Cataguases, tendo sido inspetor de alunos de ambos.

Em 1927 participou do Movimento Verde.

Em 1932, concluiu o curso de Direito na Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, onde exerceu o jornalismo no Diário de Minas.

Quando residia em Juiz de Fora, pertencia à Academia de Letras de Juiz de Fora e escrevia no Diário Mercantil, vindo a falecer nesta cidade em 1993.

Deixou o livro “Eu, tu e a quarta dimensão”, edição particular e fora de comércio.


Fonte:
Livro gentilmente enviado pelo autor:
Cláudio de Cápua. Revolução na Paulicéia: Semana de Arte Moderna de 1922. 2. ed. São Paulo/SP: EditorAção, 2019.

Ernesto Montenegro (Por uma dúzia de ovos cozidos)


Era uma vez um homem, pobre a mais não poder, que resolveu ir às minas tentar a sorte, deixando o quase-nada que lhe restava em casa para o sustento da mulher e dos filhinhos. Andou, andou, e lá um belo dia chegou a um povoado, onde teve de fazer das tripas coração para não pedir alguma coisa com que não o deixassem cair de fome; mas, finalmente, bateu à última porta, onde estava uma mulher sozinha ao pé do braseiro, com o seu gato e as suas galinhas.

— A necessidade, patroazinha, me obriga a lhe pedir que me arranje pelo menos alguns ovinhos, que quando eu voltar das minas lhe pagarei bem pagos.

 Naquele tempo os ovos eram tão baratos, que muitas vezes nem valia a pena ir buscá-los nos chocos; e como a dona da casa tinha o tacho fervendo para tomar o seu mate, tirou um punhado na canastra e os pôs a cozinhar, enquanto rezava três credos.

Foi-se o mineiro, muito agradecido com a sua dúzia de ovos, e graças a eles conseguiu chegar até à Descobridora, onde diziam que se estava juntando dinheiro que não era brinquedo.

Decorridos uns dez anos, o mineiro viu que já estava rico, e era tempo de voltar para a sua terra e socorrer a família. Porém não se esqueceu de passar no povoado, para cumprir a promessa feita à mulher das galinhas. Em frente à casa, parou a tropinha de burros que vinha tocando.

— Não me conhece mais, avozinha? Não se recorda do que lhe prometeu aquele pobre que passou por aqui nas casas, e a quem você deu uma dúzia de ovos? Pois bem: uma destas cargas de prata é para você; escolha a que mais lhe agradar.

 E despejou umas tantas pratas no chão.

 A velha já estava com a vista fraca, e muito dura de ouvido. Mas, como sucede a tantos outros, com a idade tinha ficado avarenta:

— Como é, moço? Tudo que esses burros levam é prata? E você foi ganhar toda essa prata depois que me pediu fiado os ovos? Hum...

 A velha não se podia conformar que lhe dessem uma carga, somente uma, quando os burros eram tantos! Não tivesse ela bom coração, e boa minazinha ele teria encontrado!

— Quanto tempo faz que lhe vendi esses ovos?

— Dez anos, pelo menos. Foi antes do Grande Tremor de Terra.

 Com uma cara muito azeda, ela voltou-se para o homem:

— Então, caro senhor, toda essa prata é minha! Homessa! Já se viu maior desfaçatez: querer contentar-me com uma carguinha... Se em vez de lhe dar ovos eu os tivesse posto a chocar, quantos milhares de dúzias de ovos e de pintos imagina que eu teria agora? Não, senhor, não me venha com espertezas. Então, porque vê a gente vestida de lã, pensa que está tratando com ovelha? Ajude-me a botar esses burros no curral, vamos!

 E empurrão pra cá, bordoada pra lá, fez entrar os burros e trancou a porta.

 O mineiro, que era uma pobre alma, não sabia que fazer com o diabo daquela velha. Deitar-lhe abaixo a porta, quando nem ao menos os cães o conheciam, talvez fosse pior — refletiu.

 Voltando para o centro do povoado, a passos lentos e de cabeça baixa, ouviu alguém lhe perguntar:

— Então, amigo, que foi que perdeu?

 Era um homenzinho de fraque cor de chumbo e nariz muito vermelho, que andava com o chapéu sobre os olhos e meio como se estivesse tocado.

 Num instante o mineiro lhe contou o que se passava.

— Não se aborreça, amigo velho. Olhe, eu sou advogado diplomado, e lhe prometo que amanhã ganhamos a questão. Providencie para que mandem à velha uma citação, lá para as duas da tarde, e me espere no tribunal.

 E tirou-lhe o último peso que lhe restava, “para completar o pileque”.

No outro dia, já a velha estava em presença do juiz, e do rábula nem sinal.

— Que faz o seu advogado que não vem? — disse, de muito má cara, o juiz ao pobre mineiro. — Fique sabendo que, se ele não chegar a tempo, eu o condeno, inclusive nas custas.

 Então batendo as duas horas, quando entra o rábula, muito vermelho, com o nariz que nem um pimentão.

— V. Sa. me perdoe o atraso — disse ele ao juiz —, mas com a pressa que tinha em cozinhar uma cevada para semeá-la...

— Vá contar essa história a sua avó! — gritou-lhe o juiz, dando na mesa uma pancada, que por pouco não a partiu. — Além de se fazer esperar, o cavalheirinho, ainda por cima, vem rir nas bochechas da gente! Onde já se viu alguém pôr a cozer a semente antes de semeá-la?

— Estranho que V. Sa. se aborreça comigo porque lhe digo que estava cozinhando uma cevada para semeá-la, e deixe que esta mulher venha contar-lhe que podia ter tirado milhares de ovos e pintos de uma dúzia de ovos cozidos que deu, há dez anos, a este bom homem.

— Como? Estavam cozidos os ovos, senhora? jure dizer a verdade! — gritou-lhe o juiz.

— Tal como diz Vossemecê. Melhor ainda: cozidinhos.

— Então, moço, pague seu real e meio a esta velha desavergonhada, e leve a sua prata, que muito lhe custou a ganhar — disse o juiz ao mineiro.

 O mineiro deu uma carga de prata ao rábula, por lhe haver defendido tão bem a questão, e foi com os seus burrinhos para casa, muito contente da vida.

Vinicius de Moraes (Do amor aos bichos)


Quem, dentre vós, já não teve vontade de ver um passarinho lhe vir pousar na mão? Quem já não sentiu a adorável sensação da repentina falta de temor de um bicho esquivo? A cotia que, num parque, faz uma pose rápida para o fotógrafo - em quem já não despertou o impulso de lhe afagar o dorso tímido? Quem já não invejou Francisco de Assis em suas pregações aos cordeirinhos da úmbria? Quem já não sorriu ao esquilo quando o animalzinho volta-se curioso para nos mirar? Quem já não se deliciou ao contato dulcíssimo de uma pomba mal ferida, a tremer medrosa em nossa palma?

Eis a razão por que, semanal leitor, hoje te quero falar do amor aos bichos. Não do amor de praxe aos cachorros, dos quais se diz serem os maiores amigos do homem; nem do elegante amor aos gatos, que gostam mais da casa que do dono, conforme reza o lugar-comum. Quero falar-te de um certo inefável amor a animais mais terra-a-terra, como as galinhas e as vacas. Diremos provisoriamente basta o amor ao cavalo, que é, fora de dúvida, depois da mulher, o animal mais belo da Criação. Pois não quero, aqui neste elogio, deixar levar-me por considerações éticas ou estéticas, mas apenas por um critério de humanidade. E, sob este aspecto, o que não vos poderia eu dizer sobre as galinhas e as vacas! Excelsas galinhas, nobres vacas nas quais parece dormir o que há de mais telúrico na natureza... Bichos simples e sem imaginação, o que não vos contaria eu, no entanto, sobre a sua sapiência, a sua naturalidade existencial...

Confesso não morrer de amores pelos bichos chamados engraçadinhos, ou melhor, não os levar muito em conta: porque a verdade é que amo todos os bichos em geral; nem pelos demasiado relutantes ou maníaco-depressivos, tais os veados, os perus e as galinhas-d'angola. Mas olhai uma galinha qualquer ciscando num campo, ou em seu galinheiro: que feminilidade autêntica, que espírito prático e, sobretudo, que saúde moral! Eis ali um bicho que, na realidade, ama o seu clã; vive com um fundo sentimento de permanência, malgrado a espada de Dâmocles que lhe pesa permanentemente sobre a cabeça, ou por outra, o pescoço; e reluta pouco nas coisas do amor físico. Soubessem as mulheres imitá-las e estou certo viveriam bem mais felizes. E põem ovos! Já pensastes, apressado leitor, no que seja um ovo: e quando ovo se diz, só pode ser de galinha! É misterioso, útil e belo. Batido, cresce e se transforma em omelete, em bolo. Frito, é a imagem mesma do sol poente: e que gostoso! Pois são elas, leitor, são as galinhas que dão ovos e - há que convir - em enormes quantidades. E a normalidade com que praticam o amor?... A natureza poligâmica do macho, que é aparentemente uma lei da Criação, como é bem aceita por essa classe de fêmeas! Elas se entregam com a maior simplicidade, sem nunca se perder em elocubrações inúteis, dramas de consciência irrelevantes ou utilitarismos sórdidos, como acontece no mundo dos homens. E tampouco lhes falta lirismo ou beleza, pois muito poéticas põem-se, no entardecer, a cacarejar docemente em seus poleiros; e são belas, inexcedivelmente belas durante a maternidade.

Assim as vacas, mas de maneira outra. E não seria à toa que, a mais de tratar-se de um bicho contemplativo, é a vaca uma legítima força da natureza - e de compreensão mais sutil que a galinha, por isso que nela intervêm elementos espirituais autênticos, como a meditação filosófica e o comportamento plástico. De fato, o que é um campo sem vacas senão mera paisagem? Colocai nele uma vaca e logo tereis, dentro de concepções e cores diversas, um Portinari ou um Segall. A "humanização" é imediata: como que se cria uma ternura ambiente. Porque doces são as vacas em seu constante ruminar, em sua santa paciência e em seu jeito de olhar para trás, golpeando o ar com o rabo.

Bichos fadados, pela própria qualidade de sua matéria, à morte violenta, irnpressiona-me nelas a atitude em face da vida. São generosas, pois vivem de dar, e dão tudo o que têm, sem maiores queixas que as do trespasse, transformando-se num número impressionante de utilidades, como alimentos, adubos, botões, bolsas, palitos, sapatos, pentes e até tapetes - pelegos - como andou em moda. Por isso sou contra o uso de seu nome como insulto. Considero essa impropriedade um atentado à memória de todas as galinhas e vacas que morreram para servir ao homem. Só o leite e o ovo seriam motivo suficiente para se lhes erguer estátua em praça pública. Nunca ninguém fez mais pelo povo que uma simples vaca que lhe dá seu leite e sua carne, ou uma galinha que lhe dá seu ovo. E se o povo não pode tomar leite e comer carne e ovos diariamente, como deveria, culpe-se antes os governos, que não os sabem repartir como de direito. E abaixo os defraudadores e açambarcadores que deitam águas ao leite ou vendem o ovo mais caro do que custa ao bicho po-lo!

E, uma vez dito isto, caiba-me uma consideração final contra os bichos prepontentes, sejam eles nobres como o leão ou a águia, ou furbos como o tigre ou o lobo: bichos que não permitem a vida à sua volta, que nasceram para matar e aterrorizar, para causar tristeza e dano; bichos que querem campear, sozinhos, senhores de tudo, donos da vida; bichos ferozes e egoístas contra o povo dos bichinhos humildes, que querem apenas um lugar ao sol e o direito de correr livremente em seus campos, matas e céus. Para vencê-los que se reúnam todos os outros bichos, inclusive os domésticos "mus" e "cocoricós", porque, cacarejando estes, conglomerando-se aqueles em massa pacífica mas respeitável, não prevalecerá contra eles a garra do tigre ou o dente do lobo. Constituirão uma frente comum intransponível, a dar democraticamente leite e ovos em benefício de todos, e destemorosa dos rugidos da fera. Porque uma fera é em geral covarde diante de uma vaca disposta a tudo.

Fonte:
Vinicius de Moraes. Para uma menina com uma flor.

terça-feira, 14 de maio de 2019

José Feldman (Poeta, e ponto final)


Mia Couto (Perguntas à Língua Portuguesa)


Venho brincar aqui no Português, a língua. Não aquela que outros embandeiram. Mas a língua nossa, essa que dá gosto a gente namorar e que nos faz a nós, moçambicanos, ficarmos mais Moçambique. Que outros pretendam cavalgar o assunto para fins de cadeira e poleiro pouco me acarreta.

A língua que eu quero é essa que perde função e se torna carícia. O que me apronta é o simples gosto da palavra, o mesmo que a asa sente quando em voo. Meu desejo é desalisar a linguagem, colocando nela as quantas dimensões da Vida. E quantas são? Se a Vida tem, é dimensões? Assim, embarco nesse gozo de ver como a escrita e o mundo mutuamente se desobedecem.

Meu anjo da guarda, felizmente, nunca me guardou.

Uns nos acalentam: que nós estamos a sustentar maiores territórios da lusofonia. Nós estamos simplesmente ocupados a sermos. Outros nos acusam: nós estamos a desgastar a língua. Nos falta domínio, carecemos de técnica.

Ora qual é a nossa elegância? Nenhuma, exceto a de irmos ajeitando o pé a um novo chão. Ou estaremos convidando o chão ao molde do pé? Questões que dariam para muita conferência, papelosas comunicações. Mas nós, aqui na mais meridional esquina do Sul, estamos exercendo é a ciência de sobreviver. Nós estamos deitando molho sobre pouca farinha a ver se o milagre dos pães se repete na periferia do mundo, neste subúrbio.

No enquanto, defendemos o direito de não saber, o gosto de saborear ignorâncias. Entretanto, vamos criando uma língua apta para o futuro, veloz como a palmeira, que dança todas as brisas sem deslocar seu chão. Língua artesanal, plástica, fugidia a gramáticas.

Esta obra de reinvenção não é operação exclusiva dos escritores e linguistas. Recriamos a língua na medida em que somos capazes de produzir um pensamento novo, um pensamento nosso. O idioma, afinal, o que é senão o ovo das galinhas de ouro?

Estamos, sim, amando o indomesticável, aderindo ao invisível, procurando os outros tempos deste tempo. Precisamos, sim, de senso incomum. Pois, das leis da língua, alguém sabe as certezas delas? Ponho as minhas irreticências. Veja-se, num sumário exemplo, perguntas que se podem colocar à língua:

Se pode dizer de um careca que tenha couro cabeludo?

No caso de alguém dormir com homem de raça branca é então que se aplica a expressão: passar a noite em branco?

A diferença entre um às no volante ou um asno volante é apenas de ordem fonética?

O mato desconhecido é que é o anonimato?

O pequeno viaduto é um abreviaduto?

Como é que o mecânico faz amor? Mecanicamente?

Quem vive numa encruzilhada é um encruzilheu?

Se diz do brado de bicho que não dispõe de vértebras: o invertebrado?

Tristeza do boi vem dele não se lembrar que bicho foi na última reencarnação. Pois se ele, em anterior vida, beneficiou de chifre o que está ocorrendo não é uma reencornação?

O elefante que nunca viu mar, sempre vivendo no rio: devia ter marfim ou riofim?

Onde se esgotou a água se deve dizer: "aquabou"?

Não tendo sucedido em Maio mas em Março o que ele teve foi um desmaio ou um desmarço?

Quando a paisagem é de admirar constrói-se um admiradouro?

Mulher desdentada pode usar fio dental?

A cascavel a quem saiu a casca fica só uma vel?

As reservas de dinheiro são sempre finas. Será daí que vem o nome: "finanças"?

Um tufão pequeno: um tufinho?

O cavalo duplamente linchado é aquele que relincha?

Em águas doces alguém se pode salpicar?

Adulto pratica adultério. E um menor: será que pratica minoritério?

Um viciado no jogo de bilhar pode contrair bilharziose?

Um gordo, tipo barril, é um barrilgudo?

Borboleta que insiste em ser ninfa: é ela a tal ninfomaníaca?

Brincadeiras, brincriações. E é coisa que não se termina. Lembro a camponesa da Zambézia. Eu falo português corta-mato, dizia. Sim, isso que ela fazia é, afinal, trabalho de todos nós. Colocamos esse outro português - o nosso português - na travessia dos matos, fizemos que ele se descalçasse pelos atalhos da savana.

Nesse caminho lhe fomos somando colorações. Devolvemos cores que dela haviam sido desbotadas - o racionalismo trabalha que nem lixívia (água sanitária). Urge ainda adicionar-lhe músicas e enfeites, somar-lhe o volume da superstição e a graça da dança. É urgente recuperar brilhos antigos. Devolver a estrela ao planeta dormente.

Marlê Beatriz Jardim Araújo (Jardim de Trovas)


Acredito que a existência
seja um circo onde ninguém
escapa da experiência
de ser vaiado também...

“Águas de março” fizeram
um temporal de verão,
com mágoas que não couberam
na paz do meu coração.

A imaginação flutua,
dando à vida mais sabor:
– Que a Lua é muito mais lua,
nos versos de um trovador!...

Alegria, se eu te sinto,
não obstante os sermões,
é que em todo o labirinto
Deus me aponta as direções.

Alvorada, se eu pudesse,
faria, em trovas, um hino
pedindo, a Deus, que fizesse
de alvoradas, meu destino!

Ao desviar da espinheira
que, de espinhos transbordava,
caiu na isca certeira
do ouriço que o espreitava!

Ao pensar num bom presente
que leve alegrias novas,
sempre, o que me vem à mente,
é um belo livro de trovas!

Aquela rima que enfeita
e harmoniza os versos meus,
somente, se faz perfeita
quando é soprada por Deus.

Arroubos de juventude,
sonhos, projetos sem fim,
vem da Usina da inquietude
que trago dentro de mim!...

As estrelas se parecem
com vaga-lumes no céu,
ou serão eles que esquecem
que são estrelas ao léu?

As mágoas, os dissabores,
vê se esquece, segue em frente,
e planta, por onde fores,
do amor e paz, a semente.

As poças d’água da rua
brincam de espelho quebrado,
há em cada poça uma lua
e um belo céu estrelado.

Às vezes, por um momento,
sem que eu saiba definir,
me entristece, esse lamento,
que o vento me faz ouvir.

Bateu-me à porta, eu abri,
não sem antes ver quem era...
E, em pleno inverno, caí
nos braços da primavera.

Bendigo essa luz que, um dia,
em minha estrada brilhou,
e resgatou a alegria,
que o tempo quase apagou.

Cai a neve, mansamente,
e, enquanto não se desfaz,
faz-se altar na alma da gente
com flocos brancos de paz.

Com a água não se deu bem,
o clone de peixe-boi:
- Sem saber quem é de quem,
atrás da vaca ele foi!

Das angústias me desfaço,
ante a fé que se renova,
nestas viagens que faço
no belo mundo da trova!

Destino menino arteiro,
enquanto o mundo rodava,
te tornavas timoneiro
de tudo o quanto eu sonhava.

Desviava a todo instante,
da sogra o genro arredio...
E a coroa “itinerante”
o apelidou de "Desvio"!!!

Diferente e brincalhona,
é a chaminé que inventei:
não polui, pois não funciona,
para o que serve... não sei!...

É na ciranda das horas,
que passam todas as juras.
Passam, também, as demoras
e, até mesmo, as amarguras!

Era tão magro o Domingos
que, enquanto a chuva rolava,
ele passava entre os pingos
e nem sequer se molhava!...

És muito mais que um marido,
és um pai, amigo, irmão.
És, para sempre, querido,
dono do meu coração!

Essa agridoce saudade
que faz da gente refém,
maltratada, é a verdade,
mas nos conforta também.

Faço de conta que a vida
vive a sorrir para mim
e ela, então, descontraída,
me abraça a sorrir enfim.

Fez pose no trampolim
mas, distraído, o Janjão,
só dentro d'água é, que, enfim,
viu que estava sem calção!

Há na beleza selvagem,
que a cascata canta em festa,
emocionante mensagem
de quem criou a floresta!

Lembro a cidade natal
e, eis que meu lado criança
se aninha, inteiro, afinal,
na ternura da lembrança!...

Lembro a família reunida
na infância, já bem distante!
E uma saudade atrevida,
abraça-me nesse instante.

Magia é ver, finalmente,
o tempo a concretizar
aquele sonho, que a gente
passou a vida a sonhar.

Meio tristonho e sozinho,
às vezes me sinto assim...
Quando as pedras do caminho
parecem zombar de mim!...

Mundo mágico onde eu vivo!
Teus versos tão desiguais,
são flores, as quais cultivo,
nas trovas, cada vez mais!

Na estrada que coube a mim,
os entraves não são raros:
mas estradas... são assim...
Cabem a nós, os reparos.

Na primavera, até a chuva
é um festival de harmonia,
caindo feito uma luva
na mão radiosa do dia!

Neste dilúvio de sonhos,
neste mar, de quando em vez,
percebo acenos tristonhos
de um sonho, que se desfez.

Ora é médico, ora é louco...
Filósofo, quando a sós...
No ator, há bem mais que o pouco
que existe em cada um de nós!

O tempo passa veloz,
contudo deixa lembrança;
posso até ouvir a voz
do meu tempo de criança.

O tempo, viajor mutante,
nada o prende, nada o solta;
traz saudade e, num instante,
tem-se a ilusão que ele volta.

Paira ternura infinita
na forma de um Beija-flor.
E a flor se faz mais bonita
num intercâmbio de amor.

Para encontrar um desvio,
oscilou, tanto, o bebum
que, depois de um rodopio,
não quis mais desvio algum!

Peço ao vento cirandeiro,
das madrugadas de outono,
que seja o meu seresteiro,
mas que não me roube o sono!

Quando a distância incomoda
parece, que por maldade,
insiste, em brincar de roda,
com a lembrança, com a saudade!

Quando a dúvida persiste,
eu busco a Fé, simplesmente,
e espanto esse canto triste
dos labirintos da mente!

Quando a neblina persiste
e embaça toda a janela,
ao invés de ficar triste,
eu faço trovas a ela.

Quando a sonhar eu me ponho,
sem pressa de despertar,
a paz, que envolve meu sonho,
faz com que eu volte a sonhar!

Quando o grilo atrapalhado
num desvio se embrenhou,
mostrou-se tão desviado
que o cri-cri desafinou!...

Quando pular a fogueira,
não use de indecisão,
que fogo passa a rasteira
e queima até a distração!...

Resgatei, daqui e dali,
lembranças tantas e tais,
que em meu coração, senti
bater saudades demais.

São palhacinhos bisonhos,
num carrossel de ironia,
os retalhos dos meus sonhos,
que guardei dia após dia.

Seduz-me a luz do luar
que, a versejar, me conduz
e até me leva a pensar
que é feiticeira essa luz!...

Sugiro ao tempo, que passa,
que não corra tanto assim!
E o tempo, só por pirraça,
passa voando por mim!

Tanto arrepio sentia
um fantasma diferente,
que, assombrar, não mais queria,
por medo de virar gente!

Toda a florzinha do campo,
despretensiosa, singela,
tem, por perto, um pirilampo,
tem alguém que goste dela.

Todos os anjos que cantam,
no coral do entardecer,
são trovadores que plantam
sementes no alvorecer!

Um arrepio gelado,
diferente dos demais,
deixa, até mal-assombrado
quem não arrepia mais!...

Um trovador é capaz
de harmonizar universos,
pelas propostas de paz
encontradas em seus versos.

Vejo através da vidraça,
na noite morna de outono,
o vento varrendo a praça,
levando junto o meu sono.

Venho de um tempo em que a vida
era tão descomplicada,
que a Lua, mesmo escondida,
brincava com a criançada!

Vestiu de branco a cascata,
fez a mala, a fauna, as flores,
e uma janela de prata,
nos céus, para os trovadores.

Vez em quando, a fantasia,
nessa praia, veraneia
e acende a luz da poesia
em meus castelos de areia!

Vi passar a mocidade
de braços dados ao vento:
Deixou rastros, que a saudade
me traz a cada momento.

Vinicius de Moraes (Dia de sábado)


Porque hoje é sábado, comprei um violão para minha filha Susana, a fim de que ela aprenda dó maior e cante um dia, ao pé do leito de morte de seu pai, a valsa "Lágrimas de dor", de Pixinguinha - e seu pai possa assim cerrar para sempre os olhos entre prantos e galgar a eternidade ajudado pela mão negra e fraterna do grande valsista...

Porque hoje é Sábado, desejarei ser de novo jovem e tremer, como outrora, à ideia de encontrar a mulher casada, de pés de açucena; desejarei ser jovem e olhar, como outrora, meus bíceps fortes diante do espelho...

Porque hoje é Sábado, desejarei estar num trem indo de Oxford para Londres, e à passagem da estação de Reading lembrar-me de Oscar Wilde, a escrever na prisão que o homem mata tudo o que ele ama...

Porque hoje é Sábado, desejarei estar de novo num botequim do Leblon, com meu amigo Rubem Braga, ambos negros de sol e com os cabelos, ai, sem brancores; desejarei ser de novo moreno de sol e de amores, eu e meu amigo Rubem Braga, pelas calçadas luminosas da praia atlântica, a pele salgada de mar e de saliva de mulher, ai...

Porque hoje é Sábado, desejarei receber uma carta súbita, contendo sobre uma folha de papel de linho azul a marca em batom de uns grossos lábios femininos, e ver carimbado no timbre o nome Florença...

Porque hoje é Sábado, desejarei que a lua nasça em castidade, e que eu a olhe no céu por longos momentos, e que ela me olhe também com seus grandes olhos brancos cheios de segredo…

Porque hoje é Sábado, desejarei escrever novamente o poema sobre o dia de hoje, sentindo a antiga perplexidade diante da palavra escrita em poesia e como dantes, levantar-me com medo da coisa escrita e ir olhar-me ao espelho para ver se eu era eu mesmo...

Porque hoje é Sábado, desejarei ouvir cantar minha mãe em velhas canções perdidas, quando a tarde deixava um alto silêncio na casa vazia de tudo que não fosse sua voz infantil...

Porque hoje é Sábado, desejarei ser fiel, ser para sempre fiel; ser com o corpo, com o espírito, com o coração fiel à amiga, àquela que me traz no seu regaço desde as origens do tempo e que, com mãos de pluma, limpa de preocupações e angústia a minha fronte imensa e tormentosa...

Fonte:
Vinicius de Moraes. Para uma menina com uma flor.

Isabel Furini (A Descoberta)


A literatura tem várias funções. Na minha opinião, a função mais importante da literatura é ajudar-nos a compreender e recuperar nosso próprio eu. Nosso eu fragmentado. Nosso eu oculto. Talvez o segredo dos personagens não seja sua aparência, nem verossimilhança, nem seus traços típicos, nem seu retrato detalhado. O mais importante de um personagem é sua capacidade de levar-nos por estradas desconhecidas até nosso próprio eu. Mostrar-nos aspectos de nós mesmos que ignorávamos. Dar-nos a possibilidade de experimentação e compreensão. A descoberta do personagem transforma-se em nossa própria descoberta (aquela epifania de que falava Joyce). O descortinar do personagem nos ajuda a enxergar-nos. Espelhamo-nos neles.

Ao compreendê-los, podemos nos compreender.

E como chegar a esse estado de percepção de nós mesmos e do mundo que nos permita, ao escrever, criar um espelho com as palavras? Um espelho onde os leitores poderão deleitar-se, observar-se e compreender-se?

Entramos em um caminho questionador. O escritor recebe um dom dos deuses ou seus acertos são fruto de trabalho duro? Arte ou técnica? Talento ou esforço? Quando o espírito se expressa na matéria, surge a ordem no mundo. Caos se transforma em cosmos. Na arte da escrita é o próprio autor, como um deus, que projeta sua obra. Plasma seu pensamento. Concretiza suas intuições estéticas. Talvez, por isso, alguns afirmem que não existe técnica para escrever um livro.

continua...


Fonte:
Isabel Furini. O Livro do escritor: técnicas e estratégias de como escrever um livro. Curitiba/PR: Instituto Memória.

segunda-feira, 13 de maio de 2019

30º Concurso Internacional de Poesias, Contos e Crônicas ALPAS 21 (Classificação Final)


Decimar Biagini - Os edificados pela obra pura
 
Decimar Biagini - A necessidade de inimigos e mitos   
 
Decimar Biagini - O que esperar da vida    
 
Fabiane Rodrigues da Silva - Professor   
 
José Feldman - A locomotiva da vida   
 
Marcelo de Oliveira Souza  - Agonia   
 
Carlos Alberto dos Santos (Pedro Victor ) - Amor de capim
 
Carlos Alberto dos Santos (Pedro Victor ) - Cachoeira Adormecida
 
Carlos Alberto dos Santos (Pedro Victor ) - Entre folhas
 
Carlos Alberto dos Santos (Pedro Victor ) - Labaredas   
 
Leandro Campos Alves - Reflexão   

Fonte:
Rozelia Scheifler Rasia
(Alpas 21)

Hildemar Cardoso Moreira (Poemas Avulsos)


CACÓFATOS DO AMOR

A  Neusa

Minha bela e doce amada
Ó querida esposa minha
Tu serás eternamente
A minha meiga rainha,
E o amor que hoje te tenho
Ainda é o mesmo que te tinha.

Hoje é o aniversário
De nossa feliz união,
Receba pois a homenagem
De todo o meu coração
E o amor que deixo patente
Nos versos que por ti são.

Nestes versos, minha amada
Vai a homenagem singela
De quem vislumbra no verso
A mais bonita aquarela
E que tem dentro do peito
Coração que por ti gela.

Querida, com a certeza
Que eu vivo para adora-la
Receba toda a ternura
No suspiro que se exala
Do peito deste poeta
Que não se cansa de ama-la.

FOI ENGANO

                     Querida Neusa

Se me ponho a lembrar os tempos idos,
Se busco reviver o meu passado,
A imagem de meus entes mais queridos
Me vem como a um retrato contemplado.

E folhando meus escritos de outras eras
Vejo poemas de amor impregnados,
Plenos de realismo e de quimeras
Que existe em corações apaixonados.

E relendo meus escritos do passado
Li um soneto que eu compus qual derrotado,
Porque havia perdido minha amada.

Foi engano, meu Deus, pois felizmente.
O amor falou mais alto e num repente,
Nos unimos pra trilhar a mesma estrada.

MEU CHIMARRÃO

Sempre quando me acordo
Louvo a Deus numa prece
Como o filho que agradece
Tantas graças recebidas.
Tão grandes que não se mede
As graças que nos concede
Em todas as nossas vidas.

Me levanto, lavo o rosto,
Ponho a chaleira na chama
Pois o apetite reclama
O sabor de um chimarrão.
Eu penso que sou viciado,
Nesse recurso abençoado
Nessa gostosa infusão.

Certa feita conversando
Declarou uma boticária
Que erva mate LEGENDÁRIA
No falar de muitas crenças
Além de muito gostosa,
É uma seiva milagrosa,
Remédio pra várias doenças.

Não sei se a crença exagera,
Mas sei que o Xande queria
Que fosse pura e sadia
Da fonte a fabricação,
E seus filhos respeitosos
Sempre do pai orgulhosos
Vem mantendo a tradição.

E a tradição dessa erva
Não vem do tempo do Monge.
Mas vem de longe, muito longe,
Já de outra geração,
Sempre mantendo a pureza
Do que vem da natureza
Pra um gostoso chimarrão.

MEU CORPO

Quase um século de vida aqui na terra
Tem o corpo que altivo me sustenta,
E a gene de ancestrais nele descerra
Em várias circunstâncias que ele enfrenta.

Exausto, algumas  vezes se declina,
Mas retorna para a luta cotidiana,
Porque aquilo que eu sou,lhe determina
Cumprir o que, do Alto então se emana.

E relembrando o tempo já vivido
Esse corpo se sente agradecido
Pela alma que dirige os passos seus.

Porque entende que o corpo necessita
De uma alma que o dirija e que reflita
Nos respeitos que devemos para Deus.

NOSSA PROMESSA DE AMOR

Já quando jovem, Deus brindou-me a vida
Com a beleza de mulher prendada
Que então por Ele foi-me concedida
Ante a promessa de ser sempre amada.

Entrelaçamos, por isso, nossas almas
Num “SIM” que então dissemos comovidos,
Para vivermos horas tensas e horas calmas
Deixando o amor guiar nossos sentidos.

E esse amor que é inconcluso e ardente
Sessenta anos vem norteando a gente
Tal como um raio de luminosidade.

Os anos passam, e nós envelhecemos
Mas a promessa sempre manteremos
Se é eterna a vida, pela eternidade.

PRECE PELA COMUNIDADE

Ao Colegio Miguel Franco Filho

Contenda terra querida
Que ao poeta deste guarida,
Dás o teto, dás o pão.
Por isso em versos que faço,
Eu vos concedo um pedaço
De meu grande coração.

Comunidade de bravos,
De brasileiros e eslavos,
Que Deus no mundo criou.
O teu passado distante
Nos lembra o forte emigrante,
Quando em teu solo aportou.

Irmanando-se ao altivo,
Ao brasileiro nativo,
Forma a raça varonil,
Que com luta e braço forte
Exporta ao sul e ao norte,
O cereal para o Brasil.

Contenda, teu nome á luta,
Mas não é guerra, é labuta,
É demanda pela paz.
Se plantar a Deus agrada,
Quer com trator ou enxada,
Teu filho é isso que faz.

Mas o terno e deslumbrante,
É em manhã de sol radiante,
Em uniforme escolar,
Ver teus filhos bem contentes,
Bandos tafuís sorridentes,
O aprendizado a buscar.

É de Deus a criatura,
Buscando beber cultura
Que é na vida um bem precioso.
Eu vejo em ti mocidade,
Marchar a comunidade
Pra um futuro esplendoroso.

Se este poeta merecesse,
Que Deus do céu concedesse,
Por amor ou por piedade,
Uma graça eu pediria:
Que só reinasse alegria
Em nossa comunidade.

QUEM DIRIA

Quem diria, meu Deus, oh quem diria
Que chegássemos a idade que chegamos
Ouvindo o eco do SIM que aquele dia
Há cinquenta anos nervosos pronunciamos.

Éramos dois, então, que se amavam
Há quanto tempo não sei eu, você ignora
Se nossas almas já antes se cruzavam
Ou se talvez o nosso amor nasceu agora.

O que eu sei, querida, é que esse amor é grande
Que junto a ti eu vivo onde quer que eu ande
Seja na terra, no mar ou nos espaços.

Meio século faz que juntos palmilhamos
Vivendo o mesmo amor que na paixão juramos.
Entre brigas de amor, beijos e abraços.

SER MÃE

Quisera homenagear-te minha amada
Pelo fato de ser mãe de minha filha.
Porém  já fostes por Deus homenageada
Ao conceder-te ser mãe, que maravilha!

Já quando planejou povoar a terra,
O Excelso Criador, a Sua semelhança
Criou o homem que no peito encerra
O sonho de ser pai de uma criança.

E criou a mulher com tal ternura
Para nela perpetuar a criatura,
No ventre santo porque é gerador.

Você querida gerou essa menina
Que já é mãe numa missão divina,
Ambas florindo meu jardim do amor.

Fonte: