sábado, 16 de março de 2019

Francisco José Pessoa (BRASILIDADE - Um canto de amor à Pátria)


(poema classificado no Concurso do Café Patriota)

Idolatrada Pátria abençoada
por Deus, nosso magnânimo arquiteto,
que pôs beleza no teu chão e teto
e fez ramagens para a passarada.
Se feio fez, foi pouco, quase nada,
de belo Ele fez muito, estando às provas,
o sobe e desce de belas corcovas
o choramingo das tuas cascatas
o sopro alegre do vento nas matas
e o vaivém de um mar que se renova.

És tudo isso, Brasil, e muito mais...
o teu perfil de mãe me dá direito
de sentir-me afagado no teu peito
pois ouvir teu ninar me deixa em paz...
isso torna teu filho mais capaz
de lutar com amor e temperança,
hasteando a bandeira da esperança
honrar o dizer Ordem e Progresso
junto a ti, meu Brasil, sou réu confesso
quero  estar preso a ti, sem ter fiança.

Fonte:
Poema enviado pelo poeta

Trovas sobre Ciúme I


Estranha dor, que persiste
teimosa como um perfume:
já cicatriza a saudade
- e dói-me ainda o ciúme.
Anderson Braga Horta
Brasília/DF


O amor me fez tresloucado,
a saudade me fez triste.       
Mas foi com as farpas do ciúme
que mais fundo me feriste.
Anderson Braga Horta
Brasília/DF


Guarda este pranto, sê forte,
foi pra morrer que nasci.
Ou tens ciúme da morte
que quer levar-me de ti?
Anis Murad   
Rio de Janeiro/RJ, 1904 - 1962   

No vazio dos meus dias,
fico a pensar no meu bem:
as suas horas vazias
são preenchidas por quem?
Anis Murad   
Rio de Janeiro/RJ, 1904 - 1962


O ciúme, sem exagero,
tempera o amor com seu sal...
Mas também, sendo tempero,
em demasia faz mal !       
Archimimo Lapagesse 
Florianópolis/SC, 1897 – 1966, Rio de Janeiro/RJ   


Se o Amor é cego, o Ciúme
índa é mais cego, porque,
não vendo nada, presume
que vê bem o que não vê!
Archimimo Lapagesse 
Florianópolis/SC, 1897 – 1966, Rio de Janeiro/RJ   

Despertei sobressaltada
ouvindo-o dizer: "meu bem!"
Pus-me a escutá-lo intrigada,
ele sonha... mas com quem?
Carolina Azevedo Castro
Recife/PE, 1909 - ????, Curitiba/PR


Não é quando vais embora
que tenho ciúmes assim,
é quando estás como agora,       
pensativo, junto a mim.        
Carolina Azevedo Castro
Recife/PE, 1909 - ????, Curitiba/PR

A vida às vezes resume
contrastes deste teor:      
só se morre de ciúme       
quando se vive de amor.
Colbert Rangel Coelho
Pitangui/MG, 1925 - 1975, Rio de Janeiro/RJ

Quando o ciúme deu fim
do nosso amor, duvidei.    
Não supunha que cupim
desse em madeira de lei.     
Colbert Rangel Coelho
Pitangui/MG, 1925 - 1975, Rio de Janeiro/RJ

Amor que não tem ciúme           
lembra a guitarra sem fado;
lareira fria, sem lume;
um verso de pé quebrado      
Durval Mendonça  
Rio de Janeiro , 1906 – 2001


Dizes que sou ciumento.        
Não posso contradizer-te
se vivo a todo momento
o momento de perder-te.
Durval Mendonça  
Rio de Janeiro , 1906 – 2001


Duas vidas separadas,
dois amores... Dois queixumes...
Duas saudades... Dois nadas...
Somos nós dois, - dois ciúmes!...
Edgard Barcelos Cerqueira
Rio de Janeiro/RJ, 1913 - ????


Vou confessar a verdade:
o meu amor se resume,
de longe, - em sentir saudade...
de perto, - em sentir ciúme!
Edgard Barcelos Cerqueira
Rio de Janeiro/RJ, 1913 - ????


Sou ciumenta e não minto,
é bom que saibas, meu bem:
o que for meu, não consinto
que seja de mais ninguém.
Iraci do Nascimento e Silva
Natividade/RJ, 1913 - ????, Rio de Janeiro/RJ


Nas lindas noites de lua
que ciúme sofre o mar
vendo a rocha, toda nua
sob os beijos do luar.
Jesy Barbosa
Campos/RJ, 1902 - 1987, Rio de Janeiro/RJ


Quanto mais teu corpo enlaço
mais padeço o meu tormento,
por saber que o meu abraço
não prende o teu pensamento!
Jesy Barbosa
Campos/RJ, 1902 - 1987, Rio de Janeiro/RJ


Não condenes, por favor,
os meus ciúmes, Maria.
Olha que os cegos de amor
também precisam de guia!   
José Maria Machado de Araújo 
Vila Nova de Famalicão/Portugal, 1922 – 2004, Rio de Janeiro/RJ   

Disse: "Que trova bonita!"
Mas tu não ouviste bem
e logo indagaste aflita:
"Quem é que é bonita, quem?"
José Maria Machado de Araújo 
Vila Nova de Famalicão/Portugal, 1922 – 2004, Rio de Janeiro/RJ   

Nisto afinal se resume
teu sofrimento sem fim:       
só por não ter eu ciúme,     
tens tu ciúme de mim.        
Paulo Emílio Pinto 
Conselheiro Lafaiete, 1906 – ????, Belo Horizonte/MG


Fonte:
Luiz Otávio e J.G. de Araujo Jorge (org.). Coleção “Trovadores Brasileiros”. Editora Vecchi, 1959.

Chico Anísio (Não se põe Amendoim nos Ouvidos)


   Com tantos lugares maiores e mais práticos, o menino achou de enfiar o amendoim exatamente no ouvido. Ouvido esquerdo, que foi o escolhido por comodidade, visto tratar-se de um menino canhoto.

   A família, na Tijuca, em meio ao ajantarado do domingo, mesmo na hora em que o pai procurava uma sintonia melhor para escutar as corridas, ficou em pânico por causa de uma frase.

   — Mãe — disse o menino que enfiara o amendoim no ouvido —, não estou ouvindo direito.

   — Não está ouvindo direito, como? — indagou a mãe.

   — Como? — inquiriu o menino dando uma inflexão diferente ao advérbio.

   — Tua mãe está perguntando — intrometeu-se o pai abandonando, durante o que dizia, a sintonia no rádio — como é que você não está ouvindo direito. Entendeu?

   — O senhor está perguntando se eu entendi? — voltou o menino, sentado no lugar ao lado da cabeceira.

   — É, entendeu? — tornou o pai, levando à boca, com um ligeiro auxílio indicador-polegar, um pedaço de rabada.

   — Entendeu o quê? — desentendeu o menino.

   — Você está surdo? — gritou a irmã da outra cabeceira que ficava sob a Ceia do Senhor.

   — Será que ninguém compreende o que eu falo? — vociferou o menino, já se pondo de pé. — Eu estou dizendo que não estou ouvindo direito.

   — Você não está ouvindo direito? — insistiu a mãe, já tão aflita, que nem ligava mais para a rabada que esfriava no prato.

   — O que foi que a senhora disse? — questionou o menino, retornando mais calmo ao seu assento.

   — Esse menino está doido — admitiu o pai, voltando a tentar captar a narrativa dos páreos.

   — Doido, não — contestou a mãe —, que ele não é maluco. Você é louco?

   — Um pouco, mãe — respondeu o menino, pensando que a mãe lhe perguntara ser mouco.

   — Não estou entendendo coisa nenhuma — reagiu a irmã numa irritação que mostrava que ela não entendia coisa nenhuma. — Fala comigo, Geraldinho. O que é que há?

   — Falou comigo? — quis saber o menino que enfiara um amendoim no ouvido.

   — Ele está crecré — resolveu a irmã, voltando ao caqui, que era muito mais interessante do que aquele diálogo absurdo.

   Por alguns momentos, sem falar, todos comeram. Rabada ou caqui, feijão ou melancia. O silêncio era tão absoluto que o pai quase conseguiu achar a estação que procurava. Aí, o menino falou.

   — Mãe, não estou ouvindo quase nada.

   — Você já disse isso.

   — O que foi que a senhora disse? — perguntou o menino que não estava ouvindo quase nada.

   — Eu disse que você já disse que não está escutando direito! — irritou-se a mãe com a boca cheia de rabada.

   — Como? — arguiu o menino com o ouvido cheio de amendoim.

   — Eu acho melhor botar esse garoto de castigo — sugeriu o pai, com um dedo no dial, outro na polenta.

   — Foi você quem falou, Terezinha? — perguntou o menino quase surdo ao ouvir a voz do pai.

   — Foi o pai — volveu a irmã de cabelos longos e paciência cortada rente.

   — O quê? — era o menino quem perguntava.

   — Geraldinho! — bradou o pai, deixando o rádio de lado numa atitude tão absurda quanto esta estória. — Presta atenção. Olha para mim. Está escutando o que eu estou falando?

   — O senhor está falando? — sussurrou o menino, preso entre as mãos do pai que lhe deixavam resquícios de rabada e polenta nos ombros.

   — Estou! — gritou o pai, com um soco tão forte na mesa que fez a concha mergulhar no feijão.

   — Não adianta. Eu não estou escutando quase nada — monocordiou o menino Geraldinho.

   — Sabe o que é que eu acho? — ponderou a irmã. — Eu acho que o Geraldinho não está escutando direito.

   — Se ele não está escutando direito — ponderou de novo a mãe — por que não avisa? Está escutando agora, Geraldinho?

   — O quê?

   — Está escutando agora? — repetiu mais alto o pai.

   — Ãh?

   — Está escutando? — esganiçou-se a irmã da cabeceira.

   — Olhem. Eu já disse, e vocês não entendem. Eu não estou escutando direito — falou Geraldinho, já irritado.

   — Ele não está escutando direito — traduziu a mãe, tomando uma visível atitude de defesa do filho que tinha colocado amendoim no ouvido.

   — Mas por quê? — indagou o pai apoplético.

   — Como? — murmurou o menino, numa pergunta a medo, pela notória apoplexia paterna que geralmente dava motivo a surras homéricas.

   O pai esqueceu as corridas de Pernambuco, que tentava escutar, e pediu um lápis que lhe foi entregue pela filha, em meio às folhas de um caderno escolar. O pai escreveu, com letras de imprensa, a pergunta:

— DESDE QUANDO VOCÊ NÃO ESTÁ ESCUTANDO DIREITO?

   Empurrou, com má vontade, o caderno para o lado do menino.

   — Quer saber desde quando eu não estou escutando direito? — quis assegurar-se o menino de ter lido certo.

   — É, Geraldinho — disse a mãe muito maternal —, desde quando?

   — Como? — perguntou Geraldinho muito trêmulo.

   O pai respondeu passando o dedo sob a frase que esfregava na cara do menino.

   — Desde que eu enfiei um amendoim no ouvido.

   Tiraram o amendoim, deram-lhe uma surra e o mandaram para fora da sala, em sinal de protesto.

   O menino foi e voltou chorando, para se sentar na cadeira em frente à tevê.

   — Fazendo a gente ficar doida, esse moleque! — comentou a mãe, tirando a mesa do ajantarado.

   — Como? — perguntou o menino, que acabara de enfiar um amendoim no ouvido direito.

Fonte:
Chico Anysio. O Batizado da Vaca.

sexta-feira, 15 de março de 2019

Trova 344 - José Feldman (Maringá/PR)


Clarisse da Costa (Eu me livro com livro)


As cartas de certa forma desenvolvem a escrita, a criatividade, os pensamentos e os sentimentos, tais como os livros. Os livros têm uma particularidade, nos trazem conhecimento e nos fazem viajar por diversos temas e personagens. Normalmente o cenário é a vida. O que mais aprecio é o lado humano que muitos autores abordam. Alguns até nos fazem questionar quem somos. Um olhar para dentro de si.

É como passear por dentro de si, abrir asas e se libertar de tudo aquilo que nos faz mal. Tipo eu me livro. Uma das obras populares brasileiras da literatura que particularmente eu curto e que se enquadra nesse contexto se chama "Tempo de Esperas", do Padre Fábio de Melo. A obra mostra todas as vertentes da vida em meio a uma desilusão amorosa. É como uma reflexão que nos salva.

O tempo vai passando e aquela dor rompe uma barreira. Por mais difícil que seja a dor, fortalece. Aprendemos a lidar com ela. De um jeito, ou de outro adquirimos aprendizado. A dor da perda me fez ver que a vida não acaba porque achamos que é o fim. Ela segue. O tempo passa. Não é porque erramos que não devemos mais viver. A vida é como um livro, vire a sua página e comece tudo de novo.

Sempre há tempo para recomeçar. O amor vive somente a sua espera. Ele se aprisiona à medida que nós ficamos alimentando algo que perdemos. Enquanto não se viram as páginas do livro da sua vida, ficamos ali amando o que nunca nos pertenceu. E que, de certa forma, nós mesmos podemos ter estragado tudo.

Talvez seja a hora de formarmos laços com o tempo e saber esperar. Mais que um dom, a espera é sabedoria e requer paciência. Desde cedo aprendi que o amor transforma. Mas sempre tive a certeza que tudo parte de um querer. Nos últimos anos, o amor tem sido um brinquedo nas mãos de algumas pessoas. Ao invés de fazer o bem, tem feito o mal. Mas a culpa é de quem brinca com o sentimento das pessoas. O afeto não parte da ilusão e sim daquilo que é verdadeiro. Não abra o livro dos sentimentos se não for para fazer e sentir com verdade. Nós somos os autores de nossa história, a libertação parte da nossa vontade. Os livros são apenas o início de tudo.

Fonte:
A autora


Mifori (Pantuns e Poemas Livres)


Pantum 1   
O TREM DO NOVO TEMPO


Neste trem do novo tempo
embarco com esperança,
um suave passatempo
eu fortaleço a confiança.

Embarco com esperança
nas amizades que faço.
Eu fortaleço a confiança,
seguindo o comboio de aço.

Nas amizades que faço
a clarear minha visão,
seguindo o comboio de aço,
sinto o amor no coração.

A clarear minha visão
sem ter nenhum contratempo,
sinto o amor no coração
neste trem do novo tempo.

Pantum 2
NOSSOS CAMINHOS


Nossos caminhos... De novo
se cruzaram no além-mar
numa festa de ano novo...
Mais que um sonho a proclamar!

Se cruzaram no além-mar
num caminhar renovado,
mais que um sonho a proclamar
um encontro inusitado.

Num caminhar renovado
não se detém na estrada;
um encontro inusitado
deixa a cruz menos pesada.

Não se detém na estrada
quando o amor é verdadeiro;
deixa a cruz menos pesada
o abraço companheiro.

Quando o amor é verdadeiro
a felicidade é rima;
e o abraço companheiro
afagando se aproxima.

A felicidade é rima
no caminho que promovo,
afagando se aproxima
nossos caminhos... De novo.
______________________
Poemas livres
______________________

AMOR INFINITO

Amor infinito...
É o Incondicional,
aquele que é...
Eterno, sem fim!...
Não depende do real,
nem de você, nem de mim!

Amor infinito...
É vida que borbulha,
fonte que jamais seca
acolhedor qual divina “tulha",
surge e permanece
e envolve legal.
Vive aqui, ali, além...
Sem ser sentimental.
E envolvente... Na sua infinitude!
É transcendental!
É o amor que eleva, não ilude.
Esse amor infinito...
Só o meu Deus tem
com sua onipotência
a todos mostra
e nós o vemos
só como nos convém.

POEIRA DE SONHO

Foi uma poeira de sonho
sob a lua acetinada,
que tristonha
trouxe-me a brisa.
Nessa poeira descobri
o Sol dormindo no poente.
Numa atitude comovente
ela o despertou.
Minha alma se abriu
para uma nova vida.
A vida de sonhos e poesias!
 
Fonte: A poetisa

Lima Barreto (A Barganha)


as palavras com *, ver o vocabulário ao final do texto
____________________________________________
E o “turco”, desde muito cedo, andava pelos subúrbios a mercar aqueles coloridos registros de santos. Havia um são João Batista, com a sua tanga, o seu bordão de pastor e o seu inocente carneiro que olhava doce tudo o que via fora da estampa; havia um Cristo com o coração muito rubro à mostra, coroado de espinhos, e os olhos revirados para o Céu que naquele dia estava lindo, de um profundo azul-cobalto; havia uma Ceia em que Jesus presidia, mansueto e resignado, apesar de se saber traído, e havia muitos outros santos e santas que o “turco” levava, alguns enrolados, mas outros diante do seu peito arquejante das suas caminhadas de humilde bufarinheiro*, daquelas modestas paragens da cidade.

E ele ia:

— Compra, sinhor! Muita bonita!

Das casas, às vezes, lá saía uma mulher ou outra, de cores as mais variadas, e indagava com desprezo:

— Olá! O que é que você leva aí?

Miguel José parava, aproximava-se da porteira e respondia:

— Santa, sinhora! Muita bonita!

— Que santos tem?

— Muitas, sinhora. Tuda bonita.

Desenrolava os registros e a rapariga começava a examinar. De repente, à vista de uma daquelas oleo-gravuras, ela gritava:

— Leocádia! Leocádia!

Lá do interior da casa respondiam:

— Que é?

A outra acudia:

— Vem cá. Vem ver uma coisa.

Vinha uma outra rapariga e a que estava, recomendava, mostrando um dos quadros do “turco”:

— Vê só como é lindo este Menino Jesus.

A outra examinava e concordava. O “turco” se animava e perguntava:

— Não quer compra ele?

Uma delas ia ao encontro da pergunta do bufarinheiro:

— Quanto é?

— Barata, sinhora.

— Quanto?

— Dois mil-réis.

— Chi, meu Deus! É caro, muito mesmo.

O pobre ambulante não fazia negócio algum; e continuava com a sua carga sagrada a palmilhar aquelas ruas que são mais propriamente veredas.

Ainda se houvesse árvores, sombra que amaciasse aquela manhã quente, embora linda e cristalina, o seu ofício seria suportável; mas não as havia. Tudo era descampado e as ruas eram batidas pelo sol em chapa. Lá ia ele. As calças ficavam-lhe pelos tornozelos; o chapéu era de feltro, mas não se sabia se era preto, azul, cinzento. Tinha todas as cores próprias a chapéus dessa espécie. Em um pé calçava uma botina amarela; em outro, um sapato preto.

— Cumpra, sinhor! Coisa bonita de Deus! Cumpra.

Foi dizendo isto a um petulante crioulo, muito preto, de um preto fosco e desagradável, cabeleira grande, gordurosa, repartida ao alto, e o chapéu a dançar-lhe em cima dela; foi dizendo isto a ele que lhe ia acontecendo urna grande desgraça naquela manhã. O negro, ao ouvi-lo, chegou-se muito junto ao “turco” e indagou com um ar autoritário:

— Que é que você está dizendo?

O humilde armênio pensou logo que tratava com um soldado de polícia à paisana, pois lhe parecia que, na terra em que estava, todos os pretos são soldados e podem prender todos os armênios.

Com essa convicção, Miguel José respondeu cheio de respeito e acatamento:

— Dizia, sinhor: cumpra santo muita bonita.

O negro perfilou-se todo, tomou uns ares judiciais ou policiais, chegou o chapéu de palha para a testa e disse:

— Você parece que não é civilizado.

— Cumo, sinhor?

— Sim, você é herege, inimigo de Nosso Senhor.

— Não, sinhor.

O preto desarmou-se um pouco de seus ares judiciais ou policiais, tomou-se mais suave, quis fazer de penetrante e sagaz. Perguntou:

— Você come carne de porco?

E Miguel José olhou as montanhas pedregosas que ele via lá, longe, esbatidas* no azul profundo da manhã, ressaltando quase inteiramente na ambiência translúcida do dia, e lembrou-se da sua aldeia armênia, das suas cabras, das suas ovelhas, dos seus porcos.

A sua fisionomia dura contraiu-se um pouco e os seus olhos de carneiro quiseram chorar de recordação, de sofrimento, de mágoa. Ele se encheu todo de uma pesada tristeza; mas pôde responder:

— Sim, senhor, eu coma.

— Então você é cristão? insistiu o preto.

— Sim, sinhor; diga a sinhor sou cristão.

— Admira.

— Por quê, sinhor?

— Porque você diz “vender” “comprar” santos.

— Cuma se diz então?

— Troca-se. Aprenda — está ouvindo! É falta de respeito, é sacrilégio dizer comprar ou vender santos. Aprendeu?

— Sim, sinhor. Obrigada, sinhor.

E o crioulo se foi, deixando o pobre armênio arrasado por mais aquele déspota que passava sobre a sua pobre raça; mas mesmo assim, continuou na sua mercancia*.

Lá se foi ele por aquelas ruas de tão caprichoso nivelamento que permite as carroças que por lá se arriscam andarem no ar com burros e tudo. Lá ia ele:

— Cumpra, sinhor! Muita bonita.

Subia, descia ladeiras; parava nas portas; mas não fazia negócio algum.

Num pequeno campo, encontrou uma porção de crianças a empinar papagaios. Parou um pouco para ver aquele divertimento interessante que as crianças da sua terra não conheciam. Veio um pequenote:

— Ó Zê! O que é que você leva aí?

— Santo, menina. Pede mamãe compra uma.

— Ora, esta! Lá em casa tem tanto santo — para que mais um? Vende ali, aos “bíblias”.

Miguel José percebeu bem a malícia da criança, pois de uma feita caíra na tolice de oferecer um registro a essa espécie de religiosos e se vira atrapalhado. Não que o tivessem maltratado, mas um deles, baixinho, com um pincenez* muito puro de vidros cristalinos, o levara para o interior da casa, lera-lhe uma porção de coisas de um livro e depois quisera que ele se ajoelhasse e abandonasse os registros. Noutra não cairia ele…

Continuou o caminho, mas estava cansado. Ansiava por uma sombra, onde repousasse um pouco. Havia muitas árvores, mas todas no interior das casas, nas chácaras, nos quintais ou nos jardins. Uma assim pública, na margem da rua, em terreno abandonado que o abrigasse aí, por uns dez minutos, ele não encontrava.

E seria tão bom descansar assim fazendo o seu minguado almoço, para continuar até à tarde a sua faina, vendo se ganhava pelo menos uns dez ou cinco tostões de comissão com a venda daquelas coisas sagradas.

E continuou o seu caminho, tendo sempre exposta diante do peito a imagem de Cristo, coroado de espinhos, a mostrar o coração muito rubro, com os seus misericordiosos olhos a procurar o Céu, naquela manhã muito linda, de um profundo azul-cobalto…

Afinal, achou uma mangueira, maltratada, cheia de ervas parasitas, a crescer na borda do cominho, num terreno desocupado. Sentou-se, tirou da algibeira um naco de pão dormido, uma cebola e pôs-se a comer, olhando as montanhas pedroucentas* que assomavam ao longe e lhe faziam lembrar a terra natal. Ele não tinha nenhum nítido pensamento sobre a vida, a natureza e a sociedade…

Não tardou que se lhe viesse juntar um companheiro. Era também um “volante” como ele; mas a sua mercancia era outra, menos espiritual. Vendia sardinhas, de que trazia um cesto cheio. Era um português, cheio de saúde, de força, de audácia. Vinha suado, mais do que o armênio; entretanto, não dava mostras de ter ressentimentos nem do sol nem da dureza do seu ofício. O armênio olhou-o com inveja e pensou de si para si:

— Como é que esse homem pode ser alegre, pode ter esperanças?

O português, sem auxílio, arriou o grande cesto na sombra e sentou-se também cheio de confiança e desembaraço.

Foi logo dizendo:

— Bons dias, patrício.

Miguel José fez uma voz sumida:

— Bom dia, sinhor.

O português, sem mais aquela, observou:

— Qual senhor! Qual nada! Cá entre nós, é você pra baixo. Isto de senhor é lá pros doutores, não é para nós que andamos aqui aos tombos.

E emendou comunicativo:

— Que diabo — ó patrício! — que tu comes pra aí?

O “turco” disse-lhe e o Manuel da Silva considerou:

— Lá na minha terra, há quem goste disto; mas eu nunca me acostumei. Cebola pra mim, só na comida. Numa bacalhoada, ah!…

Miguel José continuava a mastigar sua cebola com pão, enquanto Manuel da Silva contava a féria. Contada que ela foi, disse bem alto:

— Pela hora que é, as coisas não vão mal. Até o meio-dia vendo tudo…

Guardou o dinheiro na bolsa que tinha a tiracolo e perguntou subitamente ao companheiro de acaso:

— Você já vendeu muito hoje, patrício?

— Nada, sinhor.

— Está você a dar com o tal de senhor! Pergunto se você já vendeu alguma coisa hoje, homem!

— Nada.

— O que é que você vende?

— Santo, sinhor.

— Santo?

— Sim; santo.

— Deixa ver isto, como é? fez o português curioso.

O armênio passou-lhe os registros coloridos e o vendedor de sardinhas pôs-se a olhá-los com espanto e deslumbramento artístico de aldeão simplório. Achou tudo aquilo bonito: aquele Jesus, mostrando o coração; são João, com o carneirinho; o Menino Jesus — tudo muito lindo aos seus olhos maravilhados de camponês cândido e enfeitiçado pelas coisas do senhor vigário.

Refletiu de si para si: “Coisas tão bonitas, se não as vendeu, é porque este ‘turco’ é mesmo burro. Comigo, já as tinha vendido, ganhado dinheiro e ficado com algumas, pra pôr lá no quarto”.

Veio-lhe uma ideia.

— Patrício! Você quer fazer um negócio?

Os olhos de carneiro do armênio luziram mais forte e com mais esperança.

— Qual é? perguntou ele.

— Tenho ali na cesta cerca de vinte mil-réis de sardinhas, vendidas a duas por um vintém. Se você vendê-las a vinte, ganha o dobro. Quer você trocar estes santos pelo cesto de sardinhas?

Miguel José rapidamente pesou os prós e contras da operação comercial. Sabia bem, por experiência própria, que a população, até as crianças, se mostrava refratária à mercadoria espiritual de que ele era portador; e, pelo que lhe vira ainda agora nas mãos, a do seu companheiro não se portava da mesma forma.

Em se tratando de sardinhas, as coisas não corriam da mesma maneira como no tocante a santos. Considerou bem e logo respondeu:

— Tá feita, sinhor.

Os dois se despediram e trocaram de carga. Miguel José voltou a passar pelos mesmos lugares em que oferecera os registros, sem nenhum resultado; mas, quando apregoou as sardinhas, não teve mãos a medir. Vendeu-as a vintém, então fez escambos de compensação e, de tal forma correram-lhe as coisas que, dentro de três horas, tinha vendido tudo, podia pagar os registros à loja e lucrava cinco mil e tanto.

Manuel da Silva, o alegre português das sardinhas, saiu muito ancho com os seus registros; mas não foi logo vendê-los.

A frugalidade do “turco” tinha-lhe dado uma fome extraordinária. Procurou uma casa de pasto e comeu a fartar, acompanhado de um bom martelo de verdasco.

Bem alimentado, satisfeito, dispôs-se a “trocar” o são João Batista, Menino Jesus, correndo a sua freguesia de peixes e crustáceos.

Batia as portas:

— Mamãe, dizia uma criança, está aí o seu Manuel.

A mãe perguntava lá de dentro:

— Ele traz camarão?

— Não, mamãe; quer vender santos.

— Para que deu agora, seu Manuel! Ora, vejam só! Vender santos. Diga a ele que não quero.

Dessa e de outra maneira, ele foi percorrendo em vão sua freguesia das sardinhas, sem mercar uma única estampa religiosa.

A sua alegria matinal se ia e todo o seu desgosto se voltava terrível contra ele mesmo. Não fora o “turco” que o embrulhara; fora ele mesmo que propusera aquele negócio. Era castigo. Ia tão bem com as sardinhas, para que fizera aquela barganha?

Andou até quase a noitinha e nada vendeu. Ao recolher-se, ainda quis ver as oleo-gravuras que o haviam deslumbrado.

Mirou uma, mirou outra e, olhando-as firmemente, refletiu:

— Se não fosse por faltar o respeito devido a Nosso Senhor Jesus Cristo, que ai está, eu havia de dizer que tudo isso são coisas do diabo que aquele “turco” me impingiu. Nunca mais! Tarrenego*!
_____________________
vocabulário:
Bufarinheiro = vendedor ambulante de bugigangas
Esbatidas = de tom ou colorido pálido
Mercancia = ato de mercanciar, mercadejar, primeira palavra para mercado, negociação.
Pincenez = modelo de óculos que não apresenta hastes. A fixação se dá fixando o óculos sobre o nariz.
Pedroucentas = com um montão de pedras.
Tarrenego! - interjeição. exprime desagrado, repulsa ou censura; tesconjuro.

quarta-feira, 13 de março de 2019

J. G. de Araújo Jorge (12 Trovas Marias)


1
A essa Maria que passa
minha oração já compus:
- Maria cheia de graça !
- Maria cheia de luz!

2
Deus pôs no céu três Marias
na mesma constelação,
e na noite de meus dias
mais três, no meu coração...

3
Há tantas Marias, tantas,
que quantas há eu nem sei. . .
Sei que há belas, feias, santas, . . .
...e a Maria que eu amei. . .

4
Há tantas Marias, tantas,
quantas são as aves no ar,
as nuvens no céu, e as plantas
na terra, e as ondas do mar...

5
Mar adoçado com mel,
dia de luz, claro dia,
misto de mar, terra e céu,
eis o teu nome: Maria.

6
Maria , nome tão doce
que nos sugere outro mar,
mar que salgado não fosse...
... doce até de pronunciar...

7
Maria Clara, Maria
dos Anjos, da Conceição...
E aquela que eu chamaria
Maria do coração. . .

8
Marias que não tem fim ...
. . . das Dores, do Ó, do Socorro . . .
A que diz morrer por mim
e a Maria por quem morro . . .

9
Ó Maria concebida
para ser o meu pecado...
Nos teu braços, minha vida
é um barco desarvorado.

10
Ó Marias . . . Repetidas
simbolizais a mulher,
se há sempre nas nossas vidas
uma Maria qualquer . . .

11
Ó Marias, que eu agora
junto na mesma quadrinha:
- Do céu, a Nossa Senhora,
- da Terra, a senhora minha...

12
Por duas Marias erra
meu viver de déu em déu:
- a que me perde na terra,
- a que me salva, no céu.

Fonte:
J.G. de Araujo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. IV, 1965.


Leon Eliachar (Dicionário de Bolso) Letras N até S

N

Namoro
— passatempo a quatro mãos.

Noivado — período de desajustamento antes do casamento.

O

Oba — palavra que todo revistógrafo brasileiro usa para encerrar o seu show musicado. Na Espanha se usa OLÉ e nos Estados Unidos, IUHU.

Ópera — conjunto de pessoas que praticam os maiores desatinos cantando.

Orador — sujeito que quando abre a boca faz todo mundo fechar os olhos.

P

Palavrão — equipamento mais importante do motorista.

Patrocinador — único sujeito que paga para ouvir seus programas.

Perdão — melhor maneira de esquecer o erro do próximo até a primeira oportunidade.

Pêsames — palavras de gentileza sempre recebidas com a cara fechada.

Plágio — outro sujeito ter tido a nossa ideia primeiro.

Pontualidade — coincidência de duas pessoas chegarem com o mesmo atraso.

Problema — é isso que a gente tem e pede pros outros resolver mas os outros também têm e pedem pra gente resolver.

Procurador — é esse sujeito que passa o dia inteiro nos procurando para saber qual a atitude que deve tomar em nosso lugar.

Promissória — intervalo entre uma assinatura e um milhão de desculpas.

Q

Quadro-negro
— é esse quadro que sempre sai branco nos desenhos.

Quarto de hora — são esses quarenta minutos que a namorada nos pede para retocar a pintura no toalete.

Quinta-feira — dia em que percebemos que não fizemos esta semana tudo o que vamos deixar para a semana que vem.

R

Rascunho
— é o que a gente escreve cinco vezes de forma diferente em cima do mesmo papel e quando vai passar a limpo não entende mais o que escreveu.

Recibo — comprovante que a gente guarda toda a vida pra provar que pagou e só dão de duvidar que não pagamos no dia em que resolvemos rasgá-lo.

Rede — coisa que só para de balançar quando a gente dorme.

Regente — sujeito que só enfrenta o público de costas.

Relógio de pulso — algema que nos prende apenas por um pulso.

Renúncia — gesto que se torna nobre porque não há outro jeito.

Reta — uma curva cortando caminho.

Retrato — isso que a gente fica por conta quando não sai parecido e mais por conta quando sai.

Retrocesso — tecla que não entra no curso de datilografia mas que os datilógrafos acabam usando mais.

Rotina — é esse esforço que a gente faz diariamente para sair da rotina.

S

Sacrifício
— pequena cota do nosso "eu" que depositamos na boa fé alheia para sacar com juros.

Saldo — grande estoque que encalha e o comerciante resolve vender uma peça de cada vez.

Sapato — condução de pobre.

Saudade — retrocesso do pensamento.

Secretária — moça que arruma a vida do patrão e desarruma a da patroa.

Segredo — isso que vai rolando de ouvido em ouvido e volta sempre com mais detalhes.

Sexo — coisa que antes de Freud era indecência; depois, psicanálise.

Sinal luminoso — é isso que abre precisamente com a buzina do carro que está atrás do nosso.

Striptease — uma mulher vestida de olhos.

Suéter — é essa peça de lã que as mulheres usam para fazer os homens suarem.

terça-feira, 12 de março de 2019

Lavínio Gomes de Almeida (Canteiro de Trovas)


A densa treva a cobrir
a montanha do calvário
faz a gente concluir:
- Sombra é uma luz ao contrário.

Ah, Santos! Com que egoísmo
tomas o meu coração!
Teu solo é meu catecismo;
Teu amor, minha oração...

Carnaval!... Tantas folias...
Pagodes doidos de insano!
Cai a máscara três dias
da face que a usou um ano!...

Conceitos, no livro breve
da vida, em página vaga,
vem nosso sonhos, e os escreve;
chega o destino, e, os apaga...

Cruz nas velas, cruz nas luzes
deste céu, brilhante joia...
Mas, por que Deus, tantas cruzes
nas montanhas de Pistóia?

Da História, no vasto trilho,
deixando impressos meus passos,
bem quisera ser teu filho
e erguer-te, Santos, no braço!

Da ternura faço o tema,
das desditas, minha prosa...
De cada dor, um poema,
de cada espinho, uma rosa!

Descalços pelo gramado,
teus pés mansamente vão...
Pões, no pisar, tanto agrado
que eu tenho inveja do chão...

De tudo o que for deleite,
Deus, só deixou, para mim,
a candeia sem azeite,
da vida que chega ao mim...

Deus fez Eva num segundo,
Mas teve um choque, parou!
O seu barro vagabundo
era tão mau que rachou.

Deus que deu ao mar as águas
e às matas deu as graúnas,
pôs, em minh’alma, mais mágoas
que grãos de areia nas dunas...

Durante as longas esperas
de reabrir-se o mosteiro,
a teimosia da heras
já cobre um mural inteiro...

Enquanto choro os fracassos
que a vida me tem imposto,
o tempo imprime seus passos
sobre as rugas do meu rosto!

Envolvido em meus lençóis,
ouço a chuva sobre as hortas
solfejando si bemóis
na clave das horas mortas!

Ergue-te, povo oprimido,
toma tua decisão!
Querem manter-te entretido,
mesmo sem circo e sem pão!

Evolando após a infância,
a juventude é fumaça
tão fugaz, como a fragrância
de um bom perfume que passa...

Faz tanto frio lá fora,
não te vás, detém teus passos!
Eu quero despir-te agora
para vestir-te de abraços...

Já tendo a morte defronte,
nem da vida teve pena:
para não gastar com ponte
quis “pinguela” de safena...

Mais aumentas meu desejo
se colocas, sem ressábios,
a nota “sol” do teu beijo
sobre a flauta dos meus lábios.

Meu sonho bom, tu me bastas,
mas, perto do amargo fim,
se por acaso te afastas,
morre um pedaço de mim!

Meus sentimentos ressalto,
ouvindo do céu conselhos:
sinto-me muito mais alto
quando fico de joelhos.

Na estrada sem estações
do tempo, que, insano, corre,
o amor, cheio de emoções,
nasce... cresce... e depois morre...

Na estrada sem estações,
onde jamais há demoras,
minutos são os vagões
do “trem-sem-volta” das horas.

Na inquietação que se aguça,
carrego na alma dorida
a grande montanha-russa
do sobe-e-desce da vida.

Nas fantasias douradas
da minha imaginação,
fui herói, fiz cavalgadas
sem tirar os pés do chão.

Neste silêncio, as demoras,
em noite escura, sem fim,
eu sinto aceno de auroras,
se acaso estás junto a mim.

No curso de minha vida
foi a tua aparição
a comédia mais fingida
de um Carnaval de ilusão.

No seu viver temerário,
que a nenhum lugar conduz,
quem passa por um calvário
leva vestígios da Cruz!...

Num ato de bom agouro,
se o véu da história descerro,
vislumbro uma pena de ouro
quebrando grilhões de ferro...

Pobre menino vadio,
triste pária pequenino,
és um grande desafio,
sem infância, sem destino...

Presente! Tens frágil glória...
És barco a vagar no escuro!
Fração de tempo, irrisória,
entre o passado e o futuro...

Qual vaqueiro de esperanças,
aboio, com emoção,
a manda das lembranças
nos pastos do coração.

Sei que todo salafrário
que deixa o credor às tontas,
detesta sempre o rosário,
que é feito também de contas.

Sempre só e abandonado
nos teus momentos de ausência,
eu sou segundo parado
no mostrador da existência...

Sofredor sempre se esquiva
de mostrar a dor por fora...
Quando a lágrima é furtiva,
maior é a dor de quem chora...

Sonhando novas auroras,
no meu viver sem ninguém,
me embala a dança das horas
pelo amanhã que não vem...

Vai findar-se a mocidade!
Com ela os sonhos se vão...
Fico noivo da saudade
e viúvo da ilusão...

Veleiro que ao vendo avanças,
a demandar outras plagas,
tu vais cheio de esperanças
sobre a esperança das vagas!

Velhas cartas... meu degredo...
Com pranto as pude escrever.
Há no seu bojo um segredo
que o mundo não vai saber!

Vi, morando em teu rosto,
ao buscar sinais de amor,
pantomimas de mau gosto,
comédia escondendo a dor...

Voltei... a rua, em verdade,
em quase nada mudou...
Mas tinha agora a saudade,
que em cada esquina brotou...

Contos e Lendas do Mundo (África: O Irmão Coelho e o Bebê de Alcatrão)

As histórias do Irmão Coelho eram contadas primeiramente pelos escravos afro-americanos, e são provenientes dos mitos de animais de África. Estas histórias foram registradas por um jornalista de origem europeia, chamado Joel Chandler Harris.

- Toca a levantar, Irmão Raposo! - disse o Irmão Coelho numa manhã soalheira, passando a correr pelo seu inimigo sonado. Agora, o Irmão Raposo era maior do que o coelho, mais forte do que ele e tinha dentes mais afiados, mas o Irmão Coelho estava sempre a levar a melhor sobre ele!

O Irmão Raposo planejou mudar tudo isso - para sempre. A razão por que estava com um ar meio sonolento não se devia ao fato de o barulhento do Irmão Coelho ter acabado de acordá-lo. Não, o Irmão Raposo estava cansado porque estivera a planejar travessuras até tarde.

Rastejara até ao poço de alcatrão, onde o pez borbulhava do chão e moldara um pedaço de modo a parecer-se com um coelho bebê.

Depois, o Raposo levou o bebê de alcatrão e sentou-se no meio do canteiro de terra que ele sabia que o Irmão Coelho palmilhava todos os dias até à sua plantação de alfaces. Então, foi sorrateiramente até casa e enroscou-se, fingindo ter estado lá a dormir toda a noite.

Quando o coelho agarrou o bebê de alcatrão, saudou-o.

- Bom dia, jovem - disse ele. - Onde estão a tua mamã e o teu papá?

Como é óbvio, o bebê de alcatrão não respondeu, porque ele era isso mesmo: um bebê feito de alcatrão. Nessa altura, o Irmão Coelho deu-lhe um bom abanão - só para descobrir que as suas patas se agarravam a ele como cola. Depois, utilizou as patas traseiras para se libertar do alcatrão pegajoso e também elas ficaram coladas.

 Foi então que o Irmão Raposo surgiu. Estivera escondido num buraco, sempre à espreita.

 - Parece que esta noite vou ter guisado de coelho! - riu-se ele. - Acho que vou pôr-te ao lume! - disse, agarrando o Irmão Coelho pelas orelhas.

- Oh, então está bem - disse o coelho. - Pensei que me ias atirar para aquele canteiro de roseiras-bravas.

- Pensando melhor, vou esfolar-te e depois comer-te - disse o raposo, aborrecido por o coelho não parecer estar assustado com a ameaça.

- Desde que não me atires para dentro do canteiro - suplicou o Irmão Coelho.

- Ou posso pendurar-te numa árvore - disse o Irmão Raposo.

- Parece desagradável - concordou o Irmão Coelho. - Mas não tão desagradável como o canteiro.

- Então é mesmo para aí que vais! - exclamou o raposo. Libertando-o do bebê de alcatrão, atirou-o ao ar... e o Irmão Coelho aterrou no canteiro de rosas-bravas cheias de espinhos.

- Obrigado por me soltares, Irmão Raposo - gritou o Irmão Coelho. Esqueceste-te que nós coelhos nascemos e crescemos no meio das roseiras bravas. - E, com isto, foi-se embora saltitando.

Tal como um escravo consegue enganar o seu dono com astúcia, mais uma vez o Irmão Coelho derrotara o Irmão Raposo fazendo-o passar por parvo.

Fonte:

Arthur de Azevedo (A Dívida)


I

Montenegro e Veloso formaram-se no mesmo dia, na Faculdade de Direito de São Paulo. Depois da cerimônia da colação do grau, foram ambos enterrar a vida acadêmica num restaurante, em companhia de outros colegas, e era noite fechada quando se recolheram ao quarto que, havia dois anos, ocupavam juntos em casa de umas velhotas na Rua de São José. Aí se entregaram à recordação da sua vida escolástica, e se enterneceram defronte um do outro, vendo aproximar-se a hora em que deviam separar-se, talvez para sempre. Montenegro era de Santa Catarina e Veloso do Rio de Janeiro; no dia seguinte aquele partiria para Santos e este para a capital do Império. As malas estavam feitas.

– Talvez ainda nos encontremos, disse Montenegro. O mundo dá tantas voltas!

– Não creio, respondeu Veloso. Vais para a tua província, casas-te, e era uma vez o Montenegro.

– Caso-me?! Aí vens tu! Bem conheces as minhas ideias a respeito do casamento, ideias que são, aliás, as mesmas que tu professas. Afianço-te que hei de morrer solteiro.

– Isso dizem todos…

– Veloso, tu conheces-me há muito tempo: já deves estar farto de saber que eu quando digo, digo.

– Pois sim, mas há de ser difícil que em Santa Catarina te possas livrar do conjugo vobis. Na província ninguém toma a sério um advogado solteiro.

– Enganas-te. Os médicos, sim; os médicos é que devem ser casados.

– Não me engano tal. Na província o homem solteiro, seja qual for a posição que ocupe, só é bem recebido nas casas em que haja moças casadeiras.

– Quem te meteu essa caraminhola na cabeça?

– Se fosses, como eu, para a Corte, acredito que nunca te casasses; mas vais para o Desterro: estás aqui estás com uma ninhada de filhos. Queres fazer uma aposta?

– Como assim?

– O primeiro de nós que se casar pagará ao outro… Quanto?

– Vê tu lá.

– Deve ser uma quantia gorda.

– Um conto de réis.

– Upa! Um conto de réis não é dinheiro. É preciso que a aposta seja de vinte contos, pelo menos.

– Ó Veloso, tu estás doido? Onde vamos nós arranjar vinte contos de réis?

– O diabo nos leve se aqueles canudos não nos enriquecerem

– Está dito! Aceito! Mas olha que é sério!

– Muito sério. Vai preparando papel e tinta enquanto vou comprar duas estampilhas.

– Sim, senhor! Quero o preto no branco! Há de ser uma obrigação recíproca, passada com todos os efes e erres!

Veloso saiu e logo voltou com as estampilhas.

– Senta-te e escreve o que te vou ditar.

Montenegro sentou-se, tomou a pena, mergulhou-a no tinteiro, e disse:

– Pronto.

Eis o que o outro ditou e ele escreveu:

"Devo ao Bacharel Jaime Veloso a quantia de vinte contos de réis, que lhe pagarei no dia do meu casamento, oferecendo como fiança desse pagamento, além da presente declaração, a minha palavra de honra."

– Agora eu! disse Veloso, sentando-se:

"Devo ao Bacharel Gustavo Montenegro a quantia de vinte contos de réis…etc."

As declarações foram estampilhadas, datadas e assinadas, ficando cada um com a sua.

No dia seguinte Montenegro embarcava em Santos e seguia para o Sul, enquanto Veloso, arrebatado pelo trem de ferro, se aproximava da Corte.

II

Montenegro ficou apenas três anos em Santa Catarina, que lhe pareceu um campo demasiado estreito para as suas aspirações: foi também para a Corte, onde o Conselheiro Brito, velho e conhecido advogado, amigo da família dele, paternalmente se ofereceu para encaminhá-lo, oferecendo-lhe um lugar no seu escritório.

Chegado ao Rio de Janeiro, o catarinense desde logo procurou o seu companheiro de estudos, e não encontrou da parte deste o afetuoso acolhimento que esperava. Veloso estava outro: em três anos transformara-se completamente. Montenegro veio achá-lo satisfeito e feliz, com muitas relações no comércio, encarregado de causas importantes, morando numa bela casa, frequentando a alta sociedade, gastando à larga.

O catarinense, que tinha uma alma grande, sinceramente estimou que a sorte com tanta liberalidade houvesse favorecido o seu amigo; ficou, porém, deveras magoado pela maneira fria e pelo mal disfarçado ar de proteção com que foi recebido.

Veloso não se demorou muito em falar-lhe da aposta de São Paulo.

– Olha que aquilo está de pé!

– Certamente. A nossa palavra de honra está empenhada.

– Se te casas, não te perdoo a dívida.

– Nem eu a ti.

Os dois bacharéis separaram-se friamente. Veloso não pagou a visita a Montenegro, e Montenegro nunca mais visitou Veloso. Encontravam-se às vezes, fortuitamente, na rua, nos bondes, nos tribunais, nos teatros, e Veloso perguntava infalivelmente a Montenegro:

– Então? ainda não és noivo?

– Não.

– Que diabo! estou morto por entrar naqueles vinte contos…

III

Um dia, Montenegro foi convidado para jantar em casa do Conselheiro Brito. Não podia faltar, porque fazia anos o seu venerando protetor, mestre e amigo. Lá foi, e encontrou a casa cheia de gente.

Passeando os olhos pelas pessoas que se achavam na sala, causou-lhe rápida e agradabilíssima impressão uma bonita moça que, pela elegância do vestuário e pela vivacidade da fisionomia, se destacava num grupo de senhoras.

Era a primeira vez que Montenegro descobria no mundo real um físico de mulher correspondendo pouco mais ou menos ao ideal que formara.

Não há mulher, por mais inexperiente, a quem escapem os olhares interessados de um homem. A moça imediatamente percebeu a impressão que produzira, e, ou fosse que por seu turno simpatizasse com Montenegro, ou fosse pelo desejo vaidoso de transformar em labareda a fagulha que faiscaram seus olhos, o caso é que se deixou vencer pela insistência com que o bacharel a encarava, e esboçou um desses indefiníveis sorrisos que nas batalhas do amor equivalem a uma capitulação.

O acordo tácito e imprevisto daquelas duas simpatias foi celebrado com tanta rapidez, que Montenegro, completamente hóspede na arte de namorar, chegou a perguntar a si mesmo se não era tudo aquilo o efeito de uma alucinação.

O namoro foi interrompido pela esposa do Conselheiro Brito, que entrou na sala e cortou o fio a todas as conversas, dizendo:

– Vamos jantar.

À mesa, por uma coincidência que não qualificarei de notável, colocaram Montenegro ao lado da moça.

Escusado é dizer que ainda não tinham acabado a sopa, e já os dois namorados conversavam um com o outro como se de muito se conhecessem. Na altura do assado, Montenegro acabava de ouvir a autobiografia, desenvolvida e completa, da sua fascinadora vizinha.

Chamava-se Laurentina, mas todas as pessoas do seu conhecimento a tratavam por Lalá, gracioso diminutivo com que desde pequenina lhe haviam desfigurado o nome. Era órfã de pai e mãe. Vivia com uma irmã de seu pai, senhora bastante idosa e bastante magra, que estava sentada do outro lado da mesa, cravando na sobrinha uns olhares penetrantes indagadores. Os pais não lhe deixaram absolutamente nada, além da esmeradíssima educação que lhe deram; mas a tia, que generosamente a acolheu em sua casa, tinha, graças a Deus, alguma coisa, pouca, o necessário para viverem ambas sem recorrer ao auxilio de estranhos nem de parentes. Para não ser muito pesada à tia, Lalá ganhava algum dinheiro dando lições de piano e canto em casas particulares; eram os seus alfinetes.

– Fui educada um pouco à americana, acrescentou; saio sozinha à rua sem receio de que me faltem ao respeito, e sou o homem lá de casa. Quando é preciso, vou eu mesma tratar dos negócios de minha tia.

E elevando a voz:

– Não é assim, titia?

– É, minha filha, respondeu do lado oposto a velha, embora sem saber de que se tratava.

Lalá era suficientemente instruída, e tinha algum espírito mais que o comum das senhoras brasileiras. Essas qualidades, realmente apreciáveis, tomaram proporções exageradas na imaginação de Montenegro.

Este disse também a Lalá quem era, e contou-lhe os fatos mais interessantes da sua vida, exceção feita, já se sabe, da famosa aposta de São Paulo.

E tão entretidos estavam Montenegro e Lalá nas mútuas confidências que cada vez mais os prendiam, que nenhuma atenção prestaram aos incidentes da mesa, inclusive os brindes, que não foram poucos.

Acabado de jantar, improvisou-se um concerto e depois dançou-se. Lalá cantou um romance de Tosti. Cantou mal, com pouca voz, sem nenhuma expressão, e a Montenegro pareceu aquilo o non plus ultra da cantoria. Dançou com ela uma valsa, e durante a dança apertaram-se as mãos com uma força equivalente a um pacto solene de amor e fidelidade.

Ele sentia-se absolutamente apaixonado quando, de madrugada, se encaminhou para casa, depois de fechar a portinhola do carro e magoar os dedos da moça num último aperto de mão.

Era dia claro quando o bacharel conseguiu adormecer. Sonhou que era quase marido. Estava na igreja, de braço dado a Lalá, deslumbrante nas suas vestes de noiva. Mas ao subir com ela os degraus do altar, reconheceu na figura do sacerdote, que os esperava de braços erguidos, o seu colega Veloso, credor de vinte contos de réis.

IV

Nesse mesmo dia Montenegro estava sozinho no escritório, e trabalhava, quando entrou o Conselheiro Brito.

– Bom dia, Gustavo.

– Bom dia, conselheiro.

O velho advogado sentou-se e pôs-se a desfolhar distraidamente uns autos; mas, passados alguns minutos, disse muito naturalmente, sem levantar os olhos:

– Gustavo, aquilo não te serve.

– Aquilo quê?

– Faze-te de novas! A Lalá.

– Mas…

– Não negues. Toda a gente viu. Vocês estiveram escandalosos. Se tens em alguma conta os meus conselhos, arrepia carreira enquanto é tempo. Tu conhece-a?

– Não, senhor; mas encontrei-a em sua casa, e tanto bastou para formar
dela o melhor conceito.

– Lá por isso, não, meu rapaz! Eu não fumo, mas não me importa que fumem perto de mim.

– Então ela…?

– Não digo que seja uma mulher perdida, mas recebeu uma educação muito livre, saracoteia sozinha por toda a cidade e não tem podido, por conseguinte, escapar á implacável maledicência dos fluminenses. Demais, está habituada ao luxo, ao luxo da rua, que é o mais caro; em casa arranjam-se ela e a tia sabe Deus como. Não é mulher com quem a gente se case. Depois, lembra-te que apenas começas e não tens ainda onde cair morto. Enfim, és um homem: faze o que bem te parecer.

Essas palavras, proferidas com uma franqueza por tantos motivos autorizada, calaram no ânimo do bacharel. Intimamente ele estimava que o velho amigo de seu pai o dissuadisse de requisitar a moça, – não pelas consequências morais do casamento, mas pela obrigação, que este lhe impunha, de satisfazer uma dívida de vinte contos de réis, quando, apesar de todos os seus esforços, não conseguira até então pôr de parte nem o terço daquela quantia.

Mas o amor contrariado cresce com inaudita violência. Por mais conselhos que pedisse à razão, por mais que procurasse iludir-se a si próprio, Montenegro não conseguia libertar-se da impressão que lhe causara a moça. O seu coração estava inteiramente subjugado. Ainda assim, lograria, talvez, vencer-se, se, vinte dias depois do seu encontro com Lalá, esta não lhe escrevesse um bilhete que neutralizou todos os seus elementos de reação.

"Doutor. – Sinto que o nosso romance o enfastiasse tanto, que o senhor não quisesse ir além do primeiro capítulo. Entretanto, não imagina como sofro por não saber os motivos que atuaram no seu espírito para interromper tão bruscamente… a leitura. Diga-me alguma coisa, dê-me uma explicação que me tranquilize ou me desengane. Esta incerteza mata-me. Escreva-me sem receio, porque só eu abro as minhas cartas. – Lalá."

A primeira ideia de Montenegro foi deixar a carta sem resposta, e empregar todos os meios e modos para esquecer-se da moça e fazer-se esquecer por ela; refletiu, porém, que não poderia justificar o seu procedimento, se recusasse a explicação com tanta delicadeza solicitada. Resolveu, portanto, responder a Lalá com um desengano categórico e formal, e mandou-lhe esta pílula dourada:

"Lalá. – Deus sabe quanto eu a amo e que sacrifício me imponho para renunciar à ventura e á glória de pertencer-lhe; mas um motivo imperioso existe, que se opõe inexoravelmente à nossa união. Não me pergunte que motivo é esse; se eu lhe revelasse, a senhora achar-me-ia ridículo. Basta dizer-lhe que a objeção não parte de nenhuma circunstância a que esteja ligada a sua pessoa; parte de mim mesmo, ou antes, da minha pobreza.
Adeus, Lalá; creia que, ao escrever-lhe estas linhas, sinto a pena pesada como se estivessem fundidos nela todos os meus tormentos. – G. M."

– Que conselho me dá vosmecê? perguntou Lalá à sua tia, depois de ler para ela ouvir a carta de Montenegro.

– O conselho que te dou é tratares de arranjar quanto antes uma entrevista com esse moço, e entenderes-te verbalmente com ele. Isto de cartas não vale nada. Ele que te diga francamente qual é o tal motivo… e talvez possamos remover todas as dificuldades. Não percas esse marido, minha filha. O Doutor Montenegro é um advogado de muito futuro; pode fazer a tua felicidade.

No dia seguinte Montenegro recebeu as seguintes linhas:

"Amanhã, quinta-feira, às duas horas da tarde, tomarei um bonde no Largo da Lapa, porque vou dar uma lição na Rua do Senador Vergueiro. Esteja ali por acaso, e por acaso tome o mesmo bonde que eu e sente-se ao pé de mim. Recebi a sua carta; é preciso que nos entendamos de viva voz. – Lalá."

O tom desse bilhete desagradou a Montenegro. Quem o lesse diria ter sido escrito por uma senhora habituada a marcar entrevistas. Entretanto, à hora aprazada o bacharel achou-se no Largo da Lapa. Recuar seria mostrar uma pusilanimidade moral, que o envergonharia eternamente. Depois, como ele possuía todas as fraquezas do namorado, deixou-se seduzir pela provável delícia dessa viagem de bonde. Quando o veículo parou no Largo do Machado, Lalá sabia já qual o motivo pecuniário que se opunha ao casamento. Ouvira sem pestanejar a confissão de Montenegro.

– O motivo é grave, disse ela; o Doutor Veloso tem a sua palavra de honra, e o senhor não pode mudar de estado sem dispor de uma soma relativamente considerável; mas… eu sou mulher e talvez consiga…

– O quê? perguntou Montenegro sobressaltado.

– Descanse. Sou incapaz de cometer qualquer ação que nos fique mal. Separemo-nos aqui. Eu lhe escreverei.

Lalá estendeu a mão enluvada que Montenegro apertou, desta vez sem lhe magoar os dedos.

Ele apeou-se e galgou o estribo de outro bonde que partia para a cidade.

– Já está pago, disse o condutor a Montenegro quando este lhe quis dar um níquel.

O bacharel voltou-se para verificar quem tinha pago por ele, e deu com os olhos em Veloso, que lhe disse de longe, rindo-se:

– Foi por conta daqueles vinte, – sabes?

– Reza-lhes por alma! bradou Montenegro, rindo-se também.

V

Esse "reza-lhes por alma" queria dizer que Montenegro voltara desencantado do seu passeio de bonde. Lalá parecera-lhe outra, mais desenvolta, mais americana, completamente despida do melindroso recato que é o mais precioso requisito da mulher virgem. Ele deixou-se convencer de que a moça, depois de ouvir a exposição franca e leal das suas condições de insolvabilidade, desistira mentalmente de considerá-lo um noivo possível, dizendo por dizer aquelas palavras "talvez eu consiga", palavras à-toa, trazidas ali apenas para fornecer o ponto final a um diálogo que se ia tornando penoso e ridículo.

Montenegro fez ciente do seu desencanto ao Conselheiro Brito, que lhe deu parabéns, e dai por diante só se lembrou de Lalá como de uma bonita mulher de quem faria com muito prazer sua amante mas nunca sua esposa. Desaparecera completamente aquele doce enlevo causado pela primeira impressão. O "reza-lhes por alma" saiu-lhe dos lábios com a impetuosidade de um grito da consciência. A desilusão foi tão pronta como pronto havia sido o encanto. Fogo de palha.

VI

Entretanto, mal sabia Montenegro que Lalá concebera um plano extravagante e o punha em prática enquanto ele, tranquilo e despreocupado, imaginava que ela o houvesse posto à margem. Depois de aconselhar-se com a tia, que não primava pelo bom senso, a professora de piano e canto encheu-se de decisão e coragem, foi ter com o Doutor Veloso no seu escritório e disse-lhe que desejava dar-lhe duas palavras em particular.

A beleza de Lalá deslumbrou o advogado, e, como este era extremamente vaidoso, viu logo ali uma conquista amorosa em perspectiva.

– Tenha a bondade de entrar neste gabinete, minha senhora.

Lalá entrou, sentou-se num divã, e contou ao Doutor Veloso toda a sua vida, repetindo, palavra por palavra, o que dissera a Montenegro durante o jantar do Conselheiro Brito.

Admirado de tanta loquacidade e de tanto espírito, Veloso perguntou-lhe, terminada a história, em que poderia servi-la.

– Sou amada por um homem que é digno de mim, e o nosso casamento depende exclusivamente do doutor.

– De mim?

– A minha ventura está nas suas mãos. Custa-lhe apenas vinte contos de réis. Não quero crer que o doutor se negue a pagar por essa miserável quantia a felicidade… de uma órfã.

– Não compreendo.

– Compreenderá quando eu lhe disser que o homem por quem sou amada é o seu amigo e colega Doutor Gustavo Montenegro.

– Ah! ah!…

– Escusado é dizer que ele ignora absolutamente a resolução, que tomei, de vir falar-lhe.

– Acredito.

– Qual é a sua resposta?

– Minha senhora, balbuciou Veloso, sorrindo; eu tenho algum dinheiro, tenho... mas perder assim vinte contos de reis…

– Recusa?

– Não, não recuso; mas peço algum tempo para refletir. Depois de amanhã venha buscar a resposta.

A conversação continuou por algum tempo, e Veloso começou a sentir pela moça a mesmíssima impressão que ela causara a Montenegro.

Lalá notou o efeito que produzia, e pôs em distribuição todos os seus diabólicos artifícios de mulher astuta e avisada.

– Feliz Gustavo!

– Feliz… por quê?

– É amado!

– Oh! não vá agora supor que ele me inspirasse uma paixão desenfreada!

– Ah!

– É um marido que me convém, isso é; mas se o doutor não abrir mão da dívida, e ele não se puder casar, não creia que eu me suicide!

Ouvindo esta frase, Veloso adiantou-se tanto, tanto, que, dois dias depois, quando Lalá foi saber a resposta, ele recebeu-a com estas palavras:

– Não!… Se eu abrisse mão dos vinte contos, ele seria seu marido, e…

– E…?

– E eu… tenho ciúmes.

No dia seguinte ele era apresentado à tia, manejo aconselhado pela própria velha.

– Este é mais rico, mais bonito e até mais inteligente que o outro… Não o deixes escapar, minha filha!

A verdade é que Veloso não se introduziu em casa de Lalá com boas intenções; mas a esperteza da moça e as indiscrições do advogado determinaram em breve uma situação de que ele não pôde recuar.

Imagine-se a surpresa de Montenegro quando lhe anunciaram o casamento de Lalá com o seu colega, e a indignação que dele se apoderou quando por portas travessas veio ao conhecimento do modo singular por que fora ajustado esse consórcio imprevisto.

VII

No dia seguinte ao do casamento, estava Montenegro no escritório, quando recebeu um cheque de vinte contos de réis, enviado pelo marido de Lalá.

– Não acha que devo devolver este dinheiro? perguntou ele ao Conselheiro Guedes.

– Não; mas não o gastes; afianço-te que terás ocasião mais oportuna para devolvê-lo.

E assim foi.

A lua-de-mel não durou dois meses. Os dois esposos desentenderam-se e logo se separaram judicialmente. Ele voltou à vida de solteiro e ela tornou para casa da tia.

Um dia Montenegro encontrou-a num armarinho da Rua do Ouvidor, e tais coisas lhe disse a moça, tais protestos fez e tão arrependida se mostrou de o haver trocado pelo outro, que dois dias depois ela entrava furtivamente em casa dele.

Nesse mesmo dia o desleal Veloso recebeu uma cartinha concebida nos seguintes termos:

"Doutor Veloso. – Devolvo-lhe intacto o incluso cheque de vinte contos de réis, porque a divida que ele representa é uma estudantada imoral, sem nenhum valor jurídico. – Gustavo Montenegro."

                                                                             Fonte: Arthur de Azevedo. Contos Fora da Moda.

segunda-feira, 11 de março de 2019

XV Concurso de Trovas da UBT Maranguape (Prazo - correios ou e-mail: 31 de Março de 2019)


Promoção: UBT-Maranguape, ACLA, Delegacia do CRC-CE de Maranguape, Cascatinha Clube de Serra, Programa Brasil Trovador – Rádio Maranguape FM 87,9, [www.maranguapefm.com.br]

REGULAMENTO
1. MODALIDADE E TEMAS

Trovas [em português]. O tema deve constar claramente na trova e ser Trova inédita.

1.1. NACIONAL/INTERNACIONAL
[exceto Trovadores do Ceará]

1.1.1. - Fé (l/f) – Trovadores veteranos

1.1.2. - Amigo (l/f) – Novos trovadores.

1.2. ESTADUAL
[Somente para Trovadores do Ceará]

Paz (l/f) [duas trovas p/concorrente, inclusive para Juventrova (estudantes) de todas as UBTs do Ceará e de Maranguape].

1.3. MUNICIPAL
[exclusivo p/trovadores de Maranguape - acadêmicos da ACLA, membros da UBT-Maranguape e estudantes (Juventrova)]

1.3.1. - Amizade (l/f)

1.3.2. – Prata (l/f) [referindo-se as minas de prata da serra de Maranguape, no tempo dos holandeses].

Duas (2) trovas por tema.

OBS:
a) As Trovas devem enviadas apenas para um dos sistemas: i) sistema de envelopes ou; ii) por e-mail.

b) Pelo sistema de envelopes deverá constar no envelope pequeno (branco), acima o tema e o âmbito. Abaixo da trova digitada ou datilografada, a categoria para Novo Trovador.

Enviar para:
XV Concurso de Trovas - UBT-Maranguape
A/C Francisco Lopes
Rua Major Agostinho, 558 – Centro
CEP. 61.940-090 – MARANGUAPE/CE


Remetente: Luiz Otávio

c) Por e-mail:

Fiel depositário - Gutemberg Liberato. para o e-mail:
ubt.ceara@gmail.com

As trovas recebidas por e-mail serão copiadas para o coordenador, sem o nome e o endereço do concorrente conforme orientação da UBT-Nacional.

d) Sistema de e-mail: o tema, as trovas, a categoria Novo trovador e o âmbito pelo qual concorre o trovador, nome e endereço completo, Município e Estado, deverão constar no corpo do e-mail.

e) Novo Trovador é aquele trovador que não obteve até a divulgação deste regulamento 03 (três) classificações em concursos de trovas da UBT em nível nacional.

f) Autorização: O simples envio das trovas autoriza a publicação das trovas classificadas e não eliminadas. O não cumprimento de quaisquer dos itens acima implicará na desclassificação automática da trova.

2) PRAZO:

Até 31.03.2019 (recebidas pelo e-mail ou pelo correio).

3) CLASSIFICAÇÕES:

3 vencedores, menções honrosas,3 menções especiais, 3 destaques para cada um dos temas, veteranos e novos.

Nos âmbitos estadual e municipal haverá classificação por grupos:

a) Estudantes; b) Professores e funcionários de escolas; c) Membros da ACLA e UBT-Maranguape.

4) PRÊMIOS:

Diplomas aos 12 classificados por tema e categoria. Os diplomas serão enviados por e-mail.

5) PREMIAÇÃO:

Prevista para ocorrer na celebração de aniversário da ACLA, dia 26.05.2019 (a confirmar).

Maranguape, CE, 14 de dezembro de 2018
Francisco Lopes (Dedé Lopes) - Pres. UBT-MARANGUAPE e UBTCeará/ Secretário da ACLA e Coordenador do Concurso.

XXV Jogos Florais de Porto Alegre (Prazo: 30 de Junho de 2019)

REGULAMENTO

1. Os XXV JOGOS FLORAIS DE PORTO ALEGRE, constituídos de Concursos de Trovas (Literárias) e Festividades, promovidos e realizados pela UNIÃO BRASILEIRA DE TROVADORES, Seção de Porto Alegre, obedecerão à seguinte regulamentação:

2. Para efeito destes concursos, entende-se por TROVA a composição poética de quatro versos (linhas) setissilábicos, rimando o 1° com o 3° e o 2° com o 4°, e expressando um sentido completo.

3. Os temas (valendo derivados e palavras cognatas), âmbitos e gêneros serão os seguintes:

NACIONAL/INTERNACIONAL

OURO (trovas líricas e/ou filosóficas)

BRONZE (trovas humorísticas)

INTERNACIONAL
(trovadores domiciliados fora do país) Língua hispânica

ORO (trovas líricas e/ou filosóficas)

ESTADUAL (RS)

PRATA (trovas líricas e/ou filosóficas)

JOIA (trovas humorísticas)

NOVOS TROVADORES DE TODO O PAÍS
(trovadores que ainda não tenham recebido três premiações nacionais, em concurso promovidos pelas UBT).

OURO (trovas líricas e/ou filosóficas)

INTEGRANTES DA BRIGADA MILITAR DO RS (ATIVOS OU INATIVOS)

HONRA (Liricas e filosóficas)

4. Cada autor poderá enviar um máximo de 3 trovas (inéditas) por tema, pelo sistema de envelopes, ou seja, cada trova deve ser datilografada ou digitada na face de um pequeno envelope, de aproximadamente 8 x 11cm, colocando-se dentro de referido envelope uma papeleta de identificação.

Esses envelopes devem ser colocados dentro de um maior, e remetidos para o ndereço do concurso, colocando-se como remetente “Luiz Otávio” e o próprio endereço do concurso.

5. As trovas concorrentes devem ser remetidas para:

XXV JOGOS FLORAIS DE PORTO ALEGRE
Rua Otto Niemeyer, 2460
CEP 91910-001 – Porto Alegre – RS


6. TROVAS HISPANICAS:

As trovas em língua espanhola devem ser remetidas somente via e-mail para o seguinte endereço:

zetejohnson@hotmail.com (Lisete Johnson - Porto Alegre/RS – Brasil)

7. CONCURSO BRIGADIANO:

As trovas devem ser remetidas exclusivamente via Internet, para o seguinte endereço: zetejohnson@hotmail.com (Lisete Johnson - Porto Alegre/RS – Brasil)

8. Prazo para remessa: 30.06.19. Carimbo do correio.

9. Serão constituídas comissões julgadoras compostas por trovadores de reconhecido mérito literário, para todos os concursos, sendo que, para os concursos nacionais/internacionais, os julgadores serão de Porto Alegre, e para os concursos estaduais, serão de outros Estados. Para os concursos de língua hispânica, serão convidados literatos estreitamente ligados à literatura espanhola e membros do corpo consular.

Para o Concurso Brigadiano serão convidados também membros integrantes da Brigada Militar do RS.

10. A premiação, composta de troféus e diplomas, será outorgada quando das festividades, a se realizarem nos dias 25, 26 e 27 de outubro/19. Haverá um número básico de 5 Vencedores, 5 Menções Honrosas e 5 Menções Especiais, a critério da Comissão Julgadora, em cada categoria. Não haverá repetição de troféu, na mesma categoria.

11. Os casos omissos serão resolvidos pela Diretoria da entidade promotora do evento.

PORTO ALEGRE, 01.03.2019
Flávio Roberto Stefani
Presidente
Mais informações: Rua Otto Niemeyer, 2460
CEP 91910-001 Porto Alegre RS
Fone: 0**51 3243 8400 e 99986 3520
ubtportoalegre.wordpress.com
E-mail: flaviorstefani@gmail.com

6ª Etapa do Concurso do Projeto de Trovas Para Uma Vida Melhor


A União Brasileira de Trovadores, Seção de São José dos Campos, Estado de São Paulo, Brasil, tem a honra e o dever de vir comunicar e convidar a todos, em continuação, para a 6ª Etapa do Concurso do Projeto de Trovas Para Uma Vida Melhor, cujo objetivo sempre foi e continua sendo a divulgação de princípios e valores universais e humanitários por meio desta modalidade poética: a Trova que os senhores trovadores tão bem têm demonstrado.

Vamos iniciar essa 6ª ETAPA desenvolvendo e fortalecendo princípios e valores que falam sobre o que há nos cotovelos da vida. Não apenas nos cotovelos da ruas de cada um, como as surpresas, as crises, os desafios, que pedem criatividade, compromisso, mudança, respeito.
 
PROJETO DE TROVAS PARA UMA VIDA MELHOR – 6ª Etapa.TEMA: SURPRESA
PRAZO: DE 01/03/2019 à 31/06/2019

RESULTADO E ENTREGA DE DIPLOMAS: a partir de 01/10/2019

CRITÉRIOS:

1. Uma trova inédita por trovador

2. O Tema tem que constar no corpo da trova: ABAB, conforme regras da UBT Nacional Brasileira.

3. A Inscrição pode ser por e-mail ou por envelope (dentro do envelope grande, endereçado ao responsável pelo recebimento, virá um envelope menor lacrado, com os dados do trovador – nome, endereço, telefone e e-mail, - tendo na frente do envelopinho a trova colada).

4. A Comissão de Julgadores é soberana.

5. Serão três grupos:
Grupo 1: Nacional - em Língua Portuguesa; ( VETERANO/OU/ NOVO TROVADOR)
Grupo 2: Internacional - em Língua Espanhola ( VET. OU N.TROV.) e
Grupo 3: Estudantil em Língua Portuguesa (Alunos de 12 a 18 anos).

COORDENADORES:

A) Língua Portuguesa:


1)Inscrição por e-mail: 

Fiel Depositária: Selma Patti Spinelli - selmapattispin@uol.com.br

2) Inscrição por carta, envelope:
Gloria Tabet Marson
Rua Major Dietrich Ott, 71 - Jardim das Colinas
CEP: 12242-111 – São José dos Campos, SP.


B) Língua Espanhola:

Coordenadora e Fiel Depositária: Cristina Oliveira Chávez –
Inscrição por e-mail: Cristina Oliveira Chávez <CoLibriRoseBeLLe@aol.com>

Inscrição por envelope: 
Maria Luiza Walendowsky
Rua Clementina D. Sgrott, 110
Bairro São luiz
CEP. 88351-708
Brusque – Santa Catarina


Coordenadora Final: Maria Luiza Walendowsky <inhawalen@hotmail.com>
Maria Inez Fontes Ricco
Presidente da União Brasileira de Trovadores
Seção de São José dos Campos - SP - Brasil

domingo, 10 de março de 2019

Vivaldo Terres (Poemas Escolhidos) VII



MEU QUERIDO PORTUGAL
Minha homenagem em especial a todos os portugueses... 
Radicados ou não nesse belo Portugal

Meu querido Portugal! Com teus encantos profundos.
Tu és pequenininho, mais és grande para o mundo...
És conhecido em toda parte, da Europa ao Japão.
Graças as tuas belezas que despertam multidões.

Meu querido Portugal! Tu és um predestinado.
Para descobrir novas terras para isso fostes criados.
E nunca foste esquecido...
Pois por Deus és sempre lembrado.

Tua missão foi divina, e repleta de muita luz.
Para descobrir novas terras...
E através da catequese ganhar almas para Jesus.
O mestre crucificado e morto pregado na cruz.  

MULHER PORTUGUESA

Lembro-me de ti oh beleza estrangeira...
...sem igual!
Tu es toda encantamento.
És filha de Portugal.

Deste país valoroso, de navegantes famosos...
De poetas e escritores,
Tu tens no corpo a beleza.
Na alma a grande nobreza...
No teu coração nascem flores!

És mulher formada a vista.
Que a todos, tu conquistas...
Sem teres dificuldades!
Em Portugal és rainha,
Que pena não seres minha...
Pois te amo de verdade!

Tua música é divina!
O teu fado me fascina!
Faz-me lembrar o passado...
A grande Amália Rodrigues
Que partiu nos deixando saudades!

CARNAVAL É UMA QUIMERA

Carnaval é uma quimera,
Vestida de fantasia...
Nos lábios um belo sorriso,
Cheio de hipocrisia.

É festa milenar, pois e pagam...
Com certeza, vivendo de ilusões,
De uma suposta alegria
Porém causando tristeza.

São noites e dias felizes para qualquer folião,
Que fogem da realidade,
E às vezes sem condição,
Pois gastam tudo que tem,
E ficam até sem o pão.

Graças a Deus que as igrejas,
Fazem retiros excelentes,
Para louvar ao senhor,
Pois pensamos diferentes,
Não gostamos do pecado,
Pois Deus está com a gente.

CHRISTINE
 Christine és tu a própria beleza,
Tu és algo de divino, és obra da natureza.
Desta natureza perfeita,
Que vai das matas a flor,
Tu és todo encantamento,
Tu te desmanchas em amor.

És filha do universo, dos rios...
...das matas e da flor!
Tu és toda iluminada,
Tu te desmanchas em amor;

Às vezes nas tuas horas de tristeza e dissabor;
Ajoelhas-te de mãos postas,
Pedindo auxílio ao Senhor;
E nesse instante também,
Tu te desmanchas em amor.

Das flores és a mais bela,
Moldada pelo criador,
Teu coração sei que é puro,
Tua alma tem valor,
Em qualquer lugar do mundo,
Tu te desmanchas em amor.

TE AMO

Tu és uma mulher meiga e bonita,
Teus carinhos são tão grandes como a tua calma,
Às vezes quando não estas contente...
É porque motivos outros te feriram a alma.

Alma tão boa de bondade eterna,
Bondade esta que a todos encanta,
Te amo tanto, que quero que um dia,
Tu sejas minha, muito minha, oh Santa!

Vives no mundo com objetivo...
De acabar com a senda da maldade,
Nascestes mesmo para praticar o amor,
Para mostrar a tua dignidade.

És para todos nós que te rodeiam.
O anjo bom, a fada da bondade,
Isto porque em toda tua vida,
O que mais fizestes foi à caridade.

VEM MATAR O MEU DESEJO

Onde estás, oh, minha amada!
Vem matar o meu desejo.
Quero ver-te nos meus braços
E amar-te o tempo inteiro.

Vem correndo, vem depressa,
Oh bela filha do sul,
Meu coração te espera.
Delirante e sonhador,
Quero cobri-te de beijos,
 E ofertar-te o meu amor.

Quero amar-te, oh, querida!
Enquanto vida eu tiver
Quero aconchegar-te ao peito...
Venhas de onde vier!
Quero dizer para o mundo,
Que sempre te amei!
E jamais amarei outra mulher.

Fonte: O poeta

Cora Coralina (Bondade também se Aprende!)


"Sou aquela mulher que fez a escalada da montanha da vida, removendo pedras e plantando flores".

Um repórter perguntou à Cora Coralina o que é viver bem?

Ela lhe disse: "Eu não tenho medo dos anos e não penso em velhice. E digo pra você, não pense.

Nunca diga estou envelhecendo, estou ficando velha. Eu não digo. Eu não digo estou velha, e não digo que estou ouvindo pouco. É claro que quando preciso de ajuda, eu digo que preciso.

Procuro sempre ler e estar atualizada com os fatos e isso me ajuda a vencer as dificuldades da vida. O melhor roteiro é ler e praticar o que lê.

O bom é produzir sempre e não dormir de dia.

Também não diga pra você que está ficando esquecida, porque assim você fica mais.

Nunca digo que estou doente, digo sempre: estou ótima.

Eu não digo nunca que estou cansada. Nada de palavra negativa. Quanto mais você diz estar ficando cansada e esquecida, mais esquecida fica. Você vai se convencendo daquilo e convence os outros. Então silêncio!

Sei que tenho muitos anos. Sei que venho do século passado, e que trago comigo todas as idades, mas não sei se sou velha não. Você acha que eu sou?

Posso dizer que eu sou a terra e nada mais quero ser. Filha dessa abençoada terra de Goiás.

Convoco os velhos como eu, ou mais velhos que eu, para exercerem seus direitos. Sei que alguém vai ter que me enterrar, mas eu não vou fazer isso comigo.

Tenho consciência de ser autêntica e procuro superar todos os dias minha própria personalidade, despedaçando dentro de mim tudo que é velho e morto, pois lutar é a palavra vibrante que levanta os fracos e determina os fortes. O importante é semear, produzir milhões de sorrisos de solidariedade e amizade.

Procuro semear otimismo e plantar sementes de paz e justiça. Digo o que penso, com esperança. Penso no que faço, com fé. Faço o que devo fazer, com amor. Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende.

Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir."

Jorge Amado (Mar Morto) 2a. e 3a. partes


Resumo comentado por Jayrus Luna

2ª parte

A segunda parte da obra denomina-se O PAQUETE VOADOR (nome do segundo barco de Guma) e compõe-se de nove capítulos.

Primeiro capítulo - Roteiro do mar grande

Meses de dificuldades no cais. Poucas viagens. Trabalho só para a boia. Quando Guma estava de bom humor, Lívia acompanhava-o, às vezes ficava sozinha, com o velho Francisco, ouvindo as histórias do cais. Sabia que o marido estava no mar e que podia não voltar. Gostou quando Esmeralda, amásia de Rufino, veio morar junto dela. Era uma mulata bonita e peituda.

Às vezes, a professora Dulce passava por lá e dava dois dedos de prosa. Esmeralda não gostava de Rufino que, se morresse no mar, ela arranjaria outro, ele já era o quarto. E ficava com insinuações para cima de Guma, que evitava, pois ela era amásia de Rufino, que era seu amigo.

Guma no "Valente" e mestre Manuel no "Viajante sem Porto" apostam corrida. Guma ganha. Andando pela praia, Lívia e Maria Clara encontram duas ciganas, e uma delas disse a Lívia que eles, ela e o marido, estavam passando por dificuldades, que as coisas iriam melhorar, que Guma corria grande perigo. Já há um ser que se move dentro de Lívia.

Segundo capítulo - Esmeralda

Grávida, Lívia procura Dr. Rodrigo, que ajudava as mulheres do cais e não se negava, inclusive, a fazer anjos, pois era um favor para muitas daquelas mulheres que passavam fome.

Guma, ao saber que ia ser pai, avisou a todos, primeiro a Rufino, e foi comemorar no Farol das Estrelas. Esmeralda falou a Guma que não tinha topado ainda com um homem que lhe fizesse um filho. Não queria um filho de Rufino. Ela era preta e queria melhorar a família. E mais uma vez, insinuou-se para Guma. Lívia passou mal e quase abortou. Guma chamou Esmeralda e doutor Rodrigo para ajudá-lo.

Enquanto Lívia dorme, Guma, sozinho com Esmeralda, deita-se com a amásia do seu melhor amigo. Depois, num momento de cólera, ameaça matá-la, quando ouve os passos dos tios de Lívia que chegavam com o velho Francisco. Lívia passava bem.

Terceiro capítulo  - Eram cinco meninos
Após a melhora de Lívia, Guma viajou, fugindo das perseguições de Esmeralda e tentando evitar Rufino, pois havia quebrado a lei do cais, traindo seu melhor amigo. Sentia vergonha. Encontrou Rufino no mar com a canoa engolindo água, parte da carga de açúcar perdida, que foi removida para o "Valente". Lívia e Esmeralda esperam os seus homens no cais. Somente Guma chega e, ao subir a ladeira com Lívia, Esmeralda sente ciúme. Guma fugia dela.

Leôncio, dado como morto, irmão do velho Francisco e tio de Guma, chega misteriosamente. Todos se assustam, principalmente o velho Francisco que pede que ele vá embora, mas Lívia permite que ele fique por duas noites. Saiu para andar pelo porto e nunca mais voltou. Guma tem receio de que Esmeralda conte a Rufino o seu relacionamento com ele. Esmeralda tinha os seios pontudos, e Rufino estava enrabichado por ela.

Na viagem seguinte, Rufino perguntou a Guma se ele já tinha ouvido falar de Esmeralda no cais. Veem os destroços de três saveiros. Salvam a tripulação. Eram cinco crianças que o pai esperava. Só sobrou uma.

Quarto capítulo - Água mansa

Depois do novo desaparecimento de Leôncio, velho Francisco pouco parava em casa, vivia no cais, bebia no Farol das Estrelas, voltava sempre bêbado. Rufino já desconfiava de que Esmeralda andava enganando-o, de que era corno. Achou uma carta dela endereçada a um marinheiro do "Miranda".

Num passeio de canoa, com troca de acusações, Esmeralda, sabendo que ia morrer, conta em detalhes o seu envolvimento com Guma, mas Rufino não acreditou. E ela ria. E foi rindo que morreu. Rufino abriu a cabeça dela com o remo: matou-a e, depois, jogou-se no mar para ser comido pelos tubarões. Morreu sem alegria. Só encontraram, depois, pedaços dos cadáveres.

Guma trabalhando no mar, Lívia achava cada vez mais que a vida dele corria perigo. Os tios dela iam visitá-la, queriam que Guma deixasse aquela vida do cais e fosse trabalhar na cidade alta.

Quinto capítulo - O "Valente"

" Valente" era o nome do saveiro de Guma. Aqui, Jorge Amado destaca a volta de Chico Tristeza, um negro que fora embora há muito tempo e, agora, voltava hercúleo, contando histórias. Trouxe um xale de seda para a sua mãe que vendia cocada.

A história que mais impressionou a todos foi a da África. Ali, vida de negro era pior que vida de cachorro. Lá, num descarregamento do Lloyd Brasileiro, os negros trabalhavam sob o chicote do branco. Aí, um preto que era foguista do navio, de nome Bagé, viu um negro ser chicoteado. Tomou o chicote das mãos do branco francês e, à frente de todos, deu-lhe uma surra. Nunca ninguém tinha visto aquilo. Chico Tristeza foi embora. Seu navio só demorou dois dias.

Sexto capítulo - O Filho

O Dr. Rodrigo foi chamado, pois Guma, no acidente, ficou com um ferimento na cabeça, mas primeiro teve que atender Lívia. Nasceu o filho de Guma. Ao invés de ficar alegre, Guma estava triste: seu filho nasceu, e ele não tinha um saveiro. Com a ajuda do dr. Rodrigo, comprou de João Caçula, para pagar em parcelas, o "Roncador", que passou a chamar de "Paquete Voador".

Sétimo capítulo - Toufick, o árabe

Nesse capítulo, aparece a figura do árabe Toufick, que chegou na terceira classe de um navio e vivia em uma aldeia entre os desertos. Com sua mala de mascate, sem conhecer direito a língua, já vendia sombrinhas, seda barata e bolsas às empregadas e criadas da Bahia. Aos poucos, foi conhecendo a cidade; morava num bairro árabe da Ladeira do Pelourinho.

Por suas qualidades de comerciante, foi trabalhar para F. Murad, o árabe mais rico da cidade, dono de uma casa de tecido que tomava quase todo um quarteirão e contrabandista de seda.

Oitavo capítulo - Contrabandista

Frederico, o filho de Guma e Lívia, já começava a andar, mas não queria saber de brincar com trenzinho, ursinho ou palhaço. Preferia brincar com um barquinho numa bacia de água, prenúncio de que teria o destino do pai.

O "Roncador", comprado a prazo de João Caçula, havia-se transformado em "Paquete Voador". Guma devia a dr. Rodrigo, que não cobrava, mas João Caçula vivia no seu pé, querendo que ele vendesse o barco para lhe pagar o que devia.

Toufick propõe a Guma que aceite transportar o contrabando de sedas, serviço feito por Xavier, que o deixou na mão. Guma podia ganhar, de uma só vez, até quinhentos mil réis e pagar o seu saveiro em dois ou três meses. Guma reluta, mas, por extrema necessidade, aceita o serviço, recebendo cem mil réis de adiantamento. Na primeira viagem, conhece Haddad, outro contrabandista, e F. Murad, o árabe mais rico da cidade.

Rodolfo e Lívia já desconfiavam de que Guma estava metido no negócio de contrabando, até que ele, encurralado e sem argumentos, diz a ela que, quando acabasse de pagar o "Paquete Voador", deixaria aquela vida.

Guma pagou o saveiro. Tomou amizade ao árabe Toufick. A vida havia melhorado. Guma tinha duzentos e cinquenta mil réis em casa e estava livre de dívidas. Em breve, quando juntassem um conto de réis, deixariam aquela vida para morar na cidade alta. Dariam um destino melhor para o filho.

Nono capítulo - Terras de Aiocá

Guma manda avisar a Rosa Palmeirão, nas terras do Norte, que o "neto" dela já havia nascido. Lívia a recebeu como uma irmã. Guma, enfrentando um grande temporal, numa das viagens de contrabando, com Toufick, Haddad e, desta vez, com Antônio, jovem árabe e filho de F. Murad, naufraga com o "Paquete Voador". Os tubarões devoram Haddad, Guma salva Toufick e fica ouvindo os gritos e F. Murad, na praia, pedindo pelo filho. Guma volta ao mar, pega o jovem que é jogado na praia pela forte correnteza.

Numa luta mortal com tubarões, Guma desaparece. O vento joga o "Paquete Voador" na areia do porto.

3ª parte

A terceira parte da obra denomina-se MAR MORTO e possui quatro capítulos.

Primeiro capítulo - O mar é doce amigo

 No "Viajante sem Porto", mestre Manuel, dr. Rodrigo, o velho Francisco, Maneca, Maria Clara e Lívia chegam ao local onde Guma desapareceu. O velho Francisco acende uma vela. Onde o pires parasse, lá estaria o corpo. Era só mergulhar. Todas as tentativas foram em vão. Guma desapareceu salvando dois, teve a morte mais heroica do cais.

Segundo capítulo - A noite é para o mar

Aqui, temos a volta da mãe de Guma, depois de vinte anos, velha e trôpega, meio cega. Toufick agradece a Lívia por Guma ter salvado a vida dele e a de Antônio. Murad, pai de Antônio, mandara uma certa quantia em dinheiro. Em certa estação de rádio da Bahia, alguém pede às mulheres que rezem para encontrar o corpo de uma marinheiro que morreu afogado. Lívia assume o comando do "Paquete Voador".

Terceiro capítulo - Hora da noite

Lívia sente o peso da solidão. O seu homem estava longe, morto no mar. Outros homens rondavam a sua porta. Para ela, a noite continua. A noite sem estrelas do mar morto.

Quarto capítulo - Estrela

A professora Dulce olha da escola. Os saveiros saem. Lívia, bem frágil, e Rosa Palmeirão, de navalha na saia e punhal no peito, seguem no veleiro. Rosa Palmeirão parece um homem em cima do "Paquete Voador".

O velho Francisco, olhando para o mar, vê Lívia em pé, no "Paquete Voador". E grita para os outros no cais: "- Vejam! Vejam! É Janaína."

Era a segunda vez que ele a via. 

Segundo Jorge Amado, "assim contavam na beira do cais."

Fonte: