sábado, 16 de maio de 2009

Trova II


Fonte:
Portal CáEstamosNós

Ralf Gunter Rotstein (Poeta da Chuva)

SÉCULO XXI

Tantas correntes! Tantos desvarios!
Tão poucas consciências descontentes
E, em tão imensa multidão, as gentes
Riem de dias cada vez mais frios!

Riem felizes, tiritando os dentes,
Riem felizes, não ouvindo os chios
Que aguardam essas águas concorrentes
Que passam por lugares tão sombrios!

E todos, deslizando, vão em paz,
Cada vez com mais frio e cada vez,
Para aquecer-se, se abraçando mais.

Vão todos: e se sai alguém da terna
Turba, dando braçadas para trás,
Levam-no, sorridentes, pela perna.
G G G G G G G G G G

SINFONIA

Em meio à tempestade, o som de algum trovão
Meus ouvidos alcança e, como a voz de um santo,
O corpo me arrepia e me inunda de encanto
E sublime prazer o pasmo coração.

Faz crescer minha mágoa e, enquanto as gotas vão
Por meus poros entrando, encontra em mim um canto
Que jamais recebeu e nem sonhou ter tanto
Sincero acolhimento ou tal consolação.

A chuva, ao meu redor, é intensa sinfonia
E vejo que não mais do que um novo instrumento
Ao vir-me abençoar ela de mim queria.

Tristezas que somar às que já tenho invento.
Já não sou nada mais: sou nota e melodia;
Sou os santos trovões e os sussurros do vento.
G G G G G G G G G G
Ralf Gunter Rotstein, o Poeta da Chuva, nasceu na cidade do Rio de Janeiro – RJ e mora em Curitiba–PR desde pequeno. Também desde cedo teve interesse crescente pela poesia e passou logo a exercitá-la. Publicou seu primeiro livro, Um Dia de Chuva, em 2008, pelo Instituto Memória. Seu segundo livro, Sonhos Pluviais será publicado em 2009 pelo Projeto Cultural Abrali. Em 2008 tornou-se membro do Centro de Letras do Paraná e associado da Academia Paranaense de Poesia e freqüenta as reuniões de ambos, sendo também membro do Projeto Cultural Abrali.
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Fonte:
Andréa Motta. http://simultaneidades.blogspot.com

Ronald De Carvalho (Caravelas da Poesia)


O MERCADOR DE PRATA, DE OURO E ESMERALDA

Cheira a mar! cheira a mar!
As redes pesadas batem como asas,
As redes úmidas palpitam no crepúsculo.
A praia lisa é uma cintilação de escamas.
Pulam raias negras no ouro da areia molhada,]
O aço das tainhas faísca em mãos de ébano e bronze.]
Músculos, barbatanas, vozes e estrondos, tudo se mistura,
Tudo se mistura no criar da espuma que ferve nas pedras.
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

EPIGRAMA

Enche o teu copo, bebe o teu vinho,
enquanto a taça não cai das tuas mãos...
Há salteadores amáveis pelo teu caminho.
Repara como é doce o teu vizinho,
repara como é suave o olhar do teu vizinho,
e como são longas, discretas, as suas mãos...
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

UMA NOITE EM LOS ANDES

"Naquela noite de Los
Andes eu amei como nunca o Brasil.

De repente,
Um cheiro de Bogari, um cheiro de varanda
carioca balançou no ar...

Vinha não sei de onde o murmúrio de um
córrego tranqüilo,
escorregando como um lagarto pela terra
molhada.

A sombra vestia uma frescura de folhas
úmidas.

Um vagalume grosso correu no mato.
Queimou-se no sereno.

Eu fiquei olhando uma porção de cousas
doces maternais...

Eu fiquei olhando, longo tempo o céu da
noite chilena as quatro estrelas de um
cruzeiro pendurado fora do lugar..."
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

SABEDORIA

Enquanto disputam os doutores gravemente
sobre a natureza
do bem e do mal, do erro e da verdade,
do consciente e do inconsciente;
enquanto disputam os doutores sutilíssimos,
aproveita o momento!

Faze da tua realidade
uma obra de beleza

Só uma vez amadurece,
efêmero imprudente,
o cacho de uvas que o acaso te oferece...
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨


BRASIL
A Fernando Haroldo

Nesta hora de sol puro
palmas paradas
pedras polidas
claridades
faíscas
cintilações

Eu ouço o canto enorme do Brasil!
(...)

Eu ouço todo o Brasil cantando, zumbindo, gritando,
[vociferando!
Redes que se balançam,
sereias que apitam,
usinas que rangem, martelam, arfam, estridulam, ululam e
[roncam,
tubos que explodem,
guindastes que giram,
rodas que batem,
trilhos que trepidam,
rumor de coxilhas e planaltos, campainhas, relinchos, aboiados
[e mugidos,
repiques de sinos, estouros de foguetes, Ouro-Preto, Bahia,
[Congonhas, Sabará,
vaias de Bolsas empinando números como papagaios,
tumulto de ruas que saracoteiam sob arranha-céus,
vozes de todas as raças que a maresia dos portos joga no sertão!

Nesta hora de sol puro eu ouço o Brasil.
Todas as tuas conversas, pátria morena, correm pelo ar...
a conversa dos fazendeiros nos cafezais,
a conversa dos mineiros nas galerias de ouro,
a conversa dos operários nos fornos de aço,
a conversa dos garimpeiros, peneirando as bateias
a conversa dos coronéis nas varandas das roças...

Mas o que eu ouço, antes de tudo, nesta hora de sol puro
palmas paradas
pedras polidas
claridades
brilhos
faíscas
cintilações

é o canto dos teus berços, Brasil, de todos esses teus berços,
[onde dorme, com a boca escorrendo leite,
[moreno, confiante,
o homem de amanhã!
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

Ronald de Carvalho (16 Maio 1893 – 15 Fevereiro 1935)

Ronald de Carvalho (Rio de Janeiro, 16 de maio de 1893 — Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 1935), foi um poeta e político brasileiro.

Filho do engenheiro naval Artur Augusto de Carvalho e de Alice Paula e Silva Figueiredo de Carvalho, Ronald de Carvalho nasce na cidade do Rio de Janeiro - RJ no dia 16 de maio de 1893.

No ano de 1899 inicia o curso secundário no Colégio Abílio (Rio de Janeiro), formando-se em 1907. No ano seguinte, ingressa no curso de Direito da Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais, formando-se bacharel no ano de 1912. Nessa época já colaborava com a revista A Época e com o jornal "Diário de Notícias", de Rui Barbosa.

Em 1913 vai para Paris estudar Filosofia e Sociologia. Nessa cidade faz sua estréia literária com a publicação da obra "Luz gloriosa", que mostra uma a forte influência de Charles Baudelaire e Paul Verlaine.

No ano de 1914 começa a exercer atividades diplomáticas e estabelece-se em Lisboa - Portugal. Conhece então os membros do grupo modernista desse país e, em 1915, já integrado a esse grupo, participa do lançamento da revista "Orpheu", marco inicial do modernismo português.

De volta ao Brasil, publica, em 1919, a obra "Poemas e Sonetos" que revela um certo contato com a estética parnasiana.

A experiência de fincar o marco inicial modernismo em Portugal parece ter agradado a Ronald de Carvalho, pois em 1922 participa ativamente da SAM (Semana de Arte Moderna), marco inicial do Modernismo no Brasil.

Na noite de 15 de fevereiro, segundo dia da SAM, Ronald de Carvalho causa o maior escândalo ao declamar o poema "Os Sapos", de autoria de Manuel Bandeira. Isso ocorre porque o poema satiriza violentamente a poesia e, sobretudo os poetas parnasianos, que são comparados a sapos coachando.

Depois da sua participação explosiva na SAM, Ronald dá novos rumos sua poesia: ainda em 1922 publica "Epigramas irônicos e sentimentais"; dois anos depois, é vez de "Toda a América". Nesta última obra percebe-se que o poeta está sob forte influência de Walt Whitman, pois seus versos agora são amplos e com ritmo livre.

Em 1924, dirigiu a Seção dos Negócios Políticos e Diplomáticos na Europa. Durante a gestão de Félix Pacheco, esteve no México, como hóspede de honra daquele governo.

Em 1926, foi oficial de gabinete do ministro Otávio Mangabeira. Exerceu cargos diplomáticos de relevância, servindo na Embaixada de Paris, com o embaixador Sousa Dantas, por dois anos, e depois em Haia (Países Baixos).

Foi secretário da Presidência da República, cargo que ocupava quando morreu. Em concurso realizado pelo Diário de Notícias, em 1935, foi eleito Príncipe dos Prosadores Brasileiros, em substituição a Coelho Neto. Colaborou, com destaque, em O Jornal. Casou com Leilah Accioly de Carvalho, com quem teve quatro filhos.

Ronaldo de Carvalho falece a 15 de fevereiro de 1935, no Rio de Janeiro, vítima de um acidente de automóvel, ocorrido em 19 de janeiro

No campo da literatura, além de poesia, Ronald de Carvalho dedicou-se aos ensaios, à crítica literária, e aos estudos de história da literatura.

Obras
Luz Gloriosa (1913)
Pequena História da Literatura Brasileira (1919)
Poemas e Sonetos (1919)
Epigramas Irônicos e Sentimentais (1922... )
Espelho de Ariel (1923), crítica literária
Toda a América (1926)

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/
http://www.mundocultural.com.br/

Mehmet Murat İldan (16 Maio 1965)

(tradução José Feldman)

Dramaturgo e novelista contemporâneo turco, Mehmet Murat Ildan nasceu no dia 16 de maio, em Elazig, na parte Oriental da Turquia. Devido a ocupação do pai dele, continuou os estudos em Ankara. Em 1982, o diploma de escola secundária, obtendo o primeiro lugar no Ankara Private Yenisehir College . Ele passou um ano na Escola Preparatória Inglesa em Ankara (na Universidade Técnica do Oriente Médio - METU). Então em 1983, fez cursos do Departamento de Eletrônica como um estudante de tempo integral em Gaziantep METU Campus.

Em 1988, obteve grau de bacharelado em Economia com "Certificado de Honra" (na METU). No mesmo ano, obteve também uma Bolsa de estudos do Ministério de Educação do Governo turco para mestre e doutores em Economia da União Européia. Em 1989, ele passou 8 meses em um Curso de francês Intensivo, em Vichy, na França. Em 1990, fez cursos na área de finanças como um estudante de tempo integral na Universidade Louis-Pasteur (ULP) na Estrasburgo-França. No mesmo ano, ocupou cursos avançados em inglês durante 6 meses, ao Centro de Cambridge para Idiomas em Cambridge - a Inglaterra.

Ele obteve o grau de Mestre de Artes em Economias da Universidade de Essex, na Inglaterra em 1991. Em 1994, enquanto fazia o doutorado, fez o serviço militar na Turquia. Em 1997, foi premiado como Doutor de grau de Filosofia em Economias pela Universidade de Essex..

CARREIRA LITERÁRIA

A carreira literária dele começara em 1993 com um livro de poesia chamada Bright Candles (Velas Luminosas); foi escrito em inglês na Inglaterra e publicou na Turquia em 1995. Em 1997, um poema deste livro foi publicado na antologia de poesias Georgian Blue Poetry Anthology . Entre os anos 1993 - 1998, não escreveu nada; escreveu apenas alguns artigos políticos num jornal turco. Em 1998, escreveu histórias durante 6 meses. Em 1999, ele abandonou a ocupação de economia. Ele trabalhou como um tradutor no Turkish Daily News somente durante um dia. Do ano 2000 em diante, se dedicou a literatura, tornando-se um escritor profissional.

Publicou 7 peças teatrais e 25 histórias. Os romances " Diário do Antiquário Arago", " Rosas debaixo de Paris " e “As Primeiras Tristezas do Jovem Werther ” e seu livro "Amantes da Ilha de Samos", também foram publicados. Duas de suas peças teatrais , Galileo Galilei & o Diário de Emmanuel Arago, foram aceitos para o repertório do Turkish State National Theatre. Também, a peça "Olhos Mágicos", a "Profecia do Mendigo" e o "Diário de Emmanuel Arago" foram incluídos no repertório no repertório do Istanbul City Theatre. Seis de suas peças foram traduzidas para o inglês por Yurdanur Salman, lingüista famoso em Istanbul. Sua peça "Os Olhos Mágicos" foi publicada na revista literária Absinthe - New European Writing, nos Estados UNidos. O escritor é sócio da "Associação de Dramaturgos" em Istanbul; "Associação de Autores Turcos (AA)" em Ankara; Associação Profissional de Trabalhos Científicos e Literários", em Istanbul; e " International P.E.N, Turkish P.E.N Association" em Istanbul.

PRÊMIOS

Sua peça "Olhos Mágicos" adquiririu o "Melhor Prêmio de Peça Teatral" em Istanbul Kadiköy Municipality National Playwriting Competition, em 2000. A mesma peça ganhou o " Melhor Prêmio de Enredo" em Istanbul Maltepe University 2004 Interuniversity Theatre Competition. Outra peça, "a Profecia do Mendigo", se tornou um finalista em " AQT 2005 Vancouver Canada International Playwriting Competition. Sua história "A Mosca Doméstica" obteve o segundo melhor lugar em Samim Kocagöz National Story Competition. Suas histórias: a Arca de Noé, Ponte Férroviária, Perseguição e Raça Infinita foram consideradas dignas de louvor e publicadas em " ZOKEV Ahmet Naim Çiladir National Story Competition

Trabalhos Publicados

Peças de Teatro
– Ghosts of Forest, 2000
– Sakyamuni, 2000
– Eyes of Magic, 2000
– Galileo Galilei, 2001
– Beggar's Prophecy, 2001.
– Mohandas Karamchand Gandhi, 2002.
– William Shakespeare, 2002.

Outros:
– Antiquary Arago's Diary, 2005 (novela).
– Roses underneath Paris, 2006 (novela).
– Lovers of Samos Island, 2006 (romance)
– The First Sorrows of Young Werther, 2007 (novela).

Fonte:
http://muratildan.webs.com/cv.htm

Julián Gustems (Era uma vez)


Era uma vez uma princesa muito feia.

Era uma vez um príncipe muito formoso.

A princesa era esperta como a fome.

O príncipe era grosseiro como um urso.

Vocês pensaram que o príncipe e a princesa se conheceram e se amaram. Pensaram que uma princesa tão esperta pudesse conquistar um príncipe tão grosseiro. Vocês pensaram, também, que uma bela e difícil história de amor impediu a bela união. Poderão pensar também que os dois estavam feitos um para o outro. Que a beleza do príncipe compensaria a feiúra da princesa. Ou que a feiúra da princesa se refletiria na beleza do príncipe. Também pensaram que o casamento de semelhantes príncipes ia ser o acontecimento do século, e que a imprensa, o rádio, a televisão iriam brigar pela notícia. Porque se comentava que assim seria. Pois não se deu assim. O formoso príncipe, ao que parece, não é tão idiota para unir seu destino a uma princesa tão pouca favorecida. Não que ela, tão esperta, não houvesse pressentido que um marido tão formoso fosse permanecer casado por mais de dois dias.

Que triste destino se a princesa e o príncipe se enamorassem!

Não seria mais normal que a princesa fosse bela e o príncipe feio?

Por que sou um escritor tão afastado da normalidade? Que me custaria fazer feliz um casal de príncipes tão notáveis? Uns dizem que sou vingativo e que não tenho coração. Porém não creio que assim seja. Na verdade, me sobra sinceridade. E sou realis¬ta. E é por isso que tenho deixado que os príncipes andem aos trancos, sem se encontrarem.

Fonte:
Conto extraído do livro Un poco de locura y otros temas, Barcelona, Espanha, 1997, em tradução de Nilto Maciel.
http://www.jornaldepoesia.jor.br/juliangustems1.html

Nilto Maciel (Pode me chamar de anjo mau)



– Vamos, Gabriel, que a assembléia já deve ter começado.

– Sim, vamos logo, Rafael.

E saíram, quase a correr.

No salão, todos se voltaram para a porta principal, ao perceberem a chegada dos retardatários. Os da mesa também reprovaram, com olhos duros, o atraso dos dois congressistas, que sentaram-se nas últimas cadeiras e se puseram a ouvir o orador.

– Estranho! – murmurou Rafael.

– O orador ou o ambiente?

– Tudo. Você não percebeu nada, Gabriel? Para mim entramos pela porta errada, ou estou ficando louco.

O orador se inflamava, a platéia aplaudia, ficava de pé, enquanto Gabriel e Rafael cochichavam, sentados.

– Se isto não for a assembléia dos anjos maus, dou minha cara a bofete – dizia Rafael.

– Que anjos maus, que nada! Vamos ouvir a fala do orador.

Rafael irritava-se cada vez mais e só faltava gritar. Haviam sido enganados, sim senhor, ludibriados.

– Cala a boca – aconselhava Gabriel.

– Como calar a boca, seu idiota? Não vê a cara de todos, os gestos, as feições dessa gente? Ou está cego? Repare bem: são anjos maus. Sim, são diabos. Não tenho a menor dúvida.

– Que importam as feições, os gestos, as aparências, meu caro Rafael?

– Você se esquece de que o Belo independe dos nossos sentidos. Se analisarmos a fundo uma forma que à primeira vista nos parece bela ou feia, veremos quão débeis somos, quão pobre é nossa percepção. Seremos capazes então de encontrar a Verdade e descobrir o Belo naquilo que nos pareceu Feio, e vice-versa.

– Então está a concordar comigo: esses anjos são maus para você, que os vê apenas pelos sentidos, superficialmente...

Rafael sorriu, deu uma palmadinha na coxa do companheiro.

– Eu já esperava por essa conclusão sua. Porém cabe a mim mesmo concluir meu pensamento. Antes, quero dar meus parabéns a você. Muito inteligente! Seu raciocínio está corretíssimo.

Gabriel franziu a testa e olhou espantado para seu interlocutor.

– Dá-se que você inverteu tudo. Quem está se deixando levar pelas aparências não sou eu. Você ainda os vê como anjos bons porque não tem senso crítico ou se contaminou da primeira impressão ou da “certeza” trazida de casa de que estávamos entre anjos bons.

Entusiasmado com as próprias palavras, Rafael gesticulava, elevava o tom da voz, como se fosse ele quem devesse ser ouvido pela platéia. E já quase todos os congressistas se mostravam irritados, a reclamar, pedir silêncio. O próprio presidente da mesa interrompeu o orador e quis saber o que ocorria.

Rafael levantou-se e, cheio de gestos, pôs-se a bradar:

– Fomos enganados, vocês nos ludibriaram.

– Queira explicar-se, companheiro – pediu o presidente.

– Pois digo que caímos na arapuca e estamos entre os malditos anjos maus.

A platéia toda se agitou, aos gritos, apupos, vaias.

O presidente pediu calma. Desejava explicar aos presentes e especialmente aos retardatários um mal-entendido.

– Todos sabem, exceção talvez desses dois jovens, da realização deste congresso de anjos maus, como diz a propaganda oficial. Mas quem somos e o que fazemos? Somos aqueles que durante séculos e séculos vimos combatendo os tais anjos bons, os chamados anjos da guarda ou anjos custódios. Combatemos esses lobos vestidos de cordeiros e, até a sua total destruição, nossa luta permanecerá. Sim, temos garras em vez de mãos e braços fortes em vez de asinhas. Inventamos e usamos armas as mais terríveis. Porque a necessidade da guerra impôs-nos essa fisionomia e esse modo de agir. Somos os derrubadores de impérios e, por isso, anjos maus. E eles, os anjos bons, os de asinhas e rostos infantis, o que são? Andorinhas a voar no espaço da metafísica e aves de rapina que bicam e matam às escondidas seus semelhantes.

Rafael, caído na cadeira, espumava de ódio e viam-se as garras por detrás de suas asas apontadas para o pescoço de Gabriel, que aplaudia o presidente, cheio de sorrisos.

– Na essência, Rafael, não nos enganamos. Pode me chamar de anjo mau.

Fontes
http://www.jornaldepoesia.jor.br/nilto6.html
Imagem = http://acertodecontas.blog.br/

Eunice Arruda (Divagações ao Sabor das Ondas)


PROPÓSITO

Viver pouco mas
viver muito
Ser todo o pensamento
Toda a esperança
Toda a alegria
ou angústia — mas ser

Nunca morrer
enquanto viver
G G G G G G G G G G

OUTRA DÚVIDA

Não sei se é
amor

ou

minha vida que pede
socorro

De Invenções do Desespero (1973)
G G G G G G G G G G

ERRO

Edifiquei minha
casa sobre a
areia

Todo dia recomeço

De As Pessoas, As Palavras (1976)
G G G G G G G G G G

OBSERVANDO

sim

as horas de trégua

Quando se afiam
as facas
G G G G G G G G G G

UM DIA

um dia eu
morrerei
de sol, de
vida acumulada
na convulsão
das ruas

um dia eu
morrerei e
não
podia:

há poemas
escorregando de meus dedos
e um vinho não
provado

De Os Momentos (1981)
G G G G G G G G G G

DEUS E O DOMINGO

Eu ia ser feliz
domingo
naquele tempo bastava pouco
Não sabia que no
domingo
é fácil chover
e muito difícil viver
Ah, eu ia ser feliz
Mas
domingo Deus descansa
e a gente sofre mais

De O Chão Batido (1963)
G G G G G G G G G G

ENGANO

afinal
construímos prédios
casas jardins rosas
desabrocharam
trêmulas, afinal fomos
submissos às ocupações do dia
às estações do ano
à rotação da terra

Pensávamos ser esta a nossa pátria
G G G G G G G G G G

RISCO

Um poema livre
da gramática, do som
das palavras
livre
de traços

Um poema irmão
de outros poemas
que bebem a correnteza
e brilham
pedras ao sol

Um poema
sem o gosto
de minha boca
livre da marca
de dentes em seu dorso
Um poema nascido
nas esquinas nos muros
com palavras pobres
com palavras podres
e
que de tão livre

traga em si a decisão
de ser escrito ou não

De Risco (1998)
G G G G G G G G G G

GEOGRAFIA

estar em
algum lugar

sempre

deixar o
corpo
posto
em algum lugar

porto
onde voltar

(do livro “OS MOMENTOS” – l981)
G G G G G G G G G G

TRANSFORMAÇÃO

Anjo
dá guarda

Eu estou atravessando

Também me empresta
de tuas asas
o vôo

Que eu chegue a nenhum lugar
G G G G G G G G G G

TAREFA

cabe agora
morrer o corpo

dia a
dia ir

me desacostumando
do rosto
que eu chamava
meu

(do livro “RISCO” – 1988)
G G G G G G G G G G

SACIEDADE BIOGRÁFICA

Tenho andado sem pés
voado sem asas
Sou um sonho espalhado

Os rios recebem minhas cartas
com freqüência
facas me apontam o coração

O que poderia dizer
(os pássaros já cantaram)
o que poderia amar
(os amantes se suicidaram)

Os assassinos conhecem o meu nome

(do livro “RISCO” – l988)
G G G G G G G G G G

NOTÍCIAS

As crianças morrem

Em piscinas
lagoas
no centro da cidade
O corte na testa
barrigas inchadas
costas afundadas

As crianças
elas também nos abandonam

(do livro “MUDANÇA DE LUA” – l986)
G G G G G G G G G G

UM VISITANTE

Quem escreve
é
um visitante

Chega nas horas da noite
e toma o lugar do
sono
Chega à mesa do almoço
come a minha fome

Escreve
o que eu nem supunha
Assina o meu nome

(Mudança de lua, 1986)
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Fontes
– Carlos Machado. Poesia.net – numero 172 ano 4 – São Paulo, 19 julho 2006. Disponível em http://www.algumapoesia.com.br/poesia2/poesianet172.htm
– Jornal de Poesia. http://www.jornaldepoesia.jor.br/ea.html
– Blog da Eunice Arruda. http://poetaeunicearruda.blogspot.com/

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Trova I

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Fontes:
XAVIER, Francisco Cândido. Humorismo no Além.
Montagem em cima da imagem da http://picasaweb.google.com/

August Strindberg (O Sonho)



Drama

Em abril de 1907, O Sonho foi encenado pela primeira vez.

A peça começou a ser escrita no outono de 1901, quando Strindberg casou-se com Harried Bosse. Pouco tempo depois Harried o abandonou, levando consigo o sonho da felicidade matrimonial. Sofrendo sozinho por quarenta dias, Strindberg concluiu que a vida é uma ilusão na qual se é incapaz de realizar os sonhos. A peça foi concluída no final desse mesmo ano.

O título, A Dream Play, traduzido como O Sonho também pode ser entendido como “Uma Peça de Sonho” ou “Uma peça que sonhei”, isto é, o drama que o autor idealizou. Strindberg, inclusive, refere-se à obra como “minha peça mais querida, filha de minha melhor dor”.

O tema inicial da peça girava em torno da história de um homem que esperava por sua noiva num teatro. A espera era em vão, pois ela nunca chegaria. O foco, porém, passou para o que antes era apenas um “sub-enredo”: a personagem principal agora era a filha de Indra, que veio à terra para compartilhar as agonias da existência humana.

O Sonho é talvez o primeiro drama a conter o universo onírico como realidade, como gênero em si. Peças tradicionais já haviam incorporado cenas ilustrando sonhos ou pesadelos, mas nenhuma se baseou inteiramente nisso. Deste modo, Strindberg abandonou a percepção convencional de tempo e espaço. Segundo suas próprias palavras, “o autor atentou para a figura inconseqüente do sonho. Tudo pode acontecer, tudo é possível e provável. Tempo e lugar não existem; numa base insignificante de realidade, a imaginação gira, modelando novos padrões; há a mistura de memórias, experiências, livres fantasias, incongrutitudes e improvisações. As personagens se duplicam, se multiplicam, se separam, evaporam, condensam, dispersam, reúnem. Mas uma percepção governa sobre todas elas : para o sonhador não há segredos, escrúpulos, leis. O sonho não absolve ou justifica condenações, somente as relata. Tal como no sonho é mais freqüente o sofrimento que a felicidade, esse conto bruxuleante é acompanhado de uma dose de melancolia e compaixão por todos os seres humanos.” À frente de seu tempo, Strindberg baseava-se em filosofias orientais para justificar sua crença de que o mundo é apenas ilusão.

Estreando “O sonho” no teatro, o autor fez algumas anotações em seu diário. De acordo com elas, “o amor é um pecado e sua dor é o melhor inferno que existe. Se o mundo existe, existe através do pecado (do amor, das relações carnais, de Maya), e por isso é apenas um sonho, uma ilusão. Assim se justifica a minha peça do sonho (“my dream play”) ser uma fotografia da vida. Esse mundo, o sonho, é um fantasma cuja destruição é a missão dos ascetas (aqueles que negaram a carne e vivem do espírito). Mas tal missão entra em conflito com o instinto do amor, que oscila entre a sensualidade e o sofrimento trazido pelo remorso (a culpa cristã que também se instalou nos ascetas). Isso me parece a resposta para o enigma da vida... Todo dia eu leio o Budismo.”.

Fonte:
http://www.opalco.com.br

August Strindberg (22 Janeiro 1849 – 14 Maio 1912)


Johan August Strindberg (22 de janeiro de 1849 - 14 de maio de 1912), pintor, escritor e dramaturgo sueco, é autor, entre outros, de O Pelicano. Figura ao lado de Henrik Ibsen, Søren Kierkegaard e Hans Christian Andersen como o maior escritor escandinavo. É um dos pais do teatro moderno. Seus trabalhos são classificados como pertencentes os movimentos literários Naturalismo e Expressionismo.

August Strindberg nasceu em Estocolmo, em 22 de janeiro de 1849, terceiro filho do mercador Carl Strindberg e sua ex-empregada doméstica, Ulrika Norling. Sua infância foi pobre e sua mãe morreu quando ele tinha treze anos. Era um garoto sensível e, ao mesmo tempo rebelde, nunca tendo se ajustado nas escolas que frequentou.

Frequentou a Universidade de Uppsala. Estudou na Universidade de Uppsala, de onde saiu após um semestre. Nessa época, acometido de uma forte depressão, decidiu matar-se em seu pequeno apartamento ingerindo uma pílula de ópio. Não morreu e acordou numa profusão de memórias infantis, de onde obteve em apenas algumas horas sua primeira peça. Foi nomeado em 1874 bibliotecário da Real Biblioteca de Estocolmo o que lhe permitiu assegurar o seu futuro econômico e tentou a vida também como jornalista.

As suas primeiras peças teatrais denotam influências de Ibsen e Kierkegaard e aí transparece uma personalidade amarga e torturada: O Livre Pensador (1869), Hermion (1869), O Mestre Olof (1872), A Viagem de Pedro Afortunado (1882) e A Mulher do Cavaleiro Bent (1882). Sua primeira peça importante, Mestre Olof, de 1872, é um drama sobre a revolta contra as convenções sociais e todos os tipos de poder.

O Quarto Vermelho (1879), uma novela, foi sua estréia no mundo literário, como o primeiro romance naturalista da literatura sueca, com a ajuda de sua primeira esposa, com quem se casou em 1877, a Baronesa Siri von Essen, que estava grávida de sete meses. Este filho, porém, não vingou, mas o casal teve mais três filhos: Karin, Greta e o menino Hans.

As alucinações, visões e neuroses que tem no decorrer da vida não prejudicam sua criatividade, mas dificultam seus relacionamentos.

Casa-se e divorcia-se três vezes. O fracasso do seu primeiro matrimônio com Siri von Essen (1877-1891) deu à sua obra um tom misógino, que está patente, em especial nos contos de Esposos (1884). Revela rancor contra as mulheres em várias peças, especialmente em O Pai (1887), Camaradas (1897) e Senhorita Júlia (1899).

Em 1886, Strindberg termina sua novela biográfica, O Filho de um Empregado (The Son of a Servant). Nessa época, Strindberg escreveu "Miss Julie", enquanto vivia na Dinamarca. Essa peça foi encenada em 1889, com sua esposa no papel principal, o que "coincidentemente" acabou com o casamento dos dois após 12 anos de convivência. Escreveu também "Em Defesa de um Louco", em que descreve seu primeiro casamento.

Strindberg muda-se para a Europa Central, vivendo em diversas cidades, convivendo com seus amigos Edvard Munch e Gaughin e acabando por conhecer Frieda Uhl, uma jovem austríaca com quem veio a se casar e divorciar em apenas um ano.

Começa, então, seu período chamado Inferno, em que se interessa por ocultismo e alquimia e lê o filósofo Swedenborg. Nesse período escreve as novelas "Inferno" e "Lendas". O Inferno não dura muito e Strindberg volta para a Suécia em 1897 onde termina, em 1898, a peça "Para Damasco", precursora do teatro expressionista, que influencia inúmeros dramaturgos alemães. Nessa época, iniciou um diário, o "Diário Oculto", que manteve até 1908 e é uma das melhores fontes para se entender o autor e seu trabalho.

No Diário, ele descreve sua relação com sua terceira esposa, Harried Bosse, com quem teve um filho, descasou-se e tornou-se seu amante. Desse divórcio resultou, em parte, sua obra prima expressionista: a peça "O Sonho" (A Dream Play), escrita em 1901.

Finalmente, livrou-se de Bosse e de seu diário oculto e mudou-se para um apartamento onde teve um período muito produtivo, do ponto de vista artístico, tendo escrito as peças "Páscoa" e "A Dança da Morte", esta última uma obra primas do simbolismo.

Morreu de câncer em Maio de 1912 e em seu túmulo há a singela expressão latina O CRUX AVE SPES UNICA (Salve Ó Cruz, Nossa única Esperança)

Fontes
http://www.algosobre.com.br/
http://pt.wikipedia.org/
http://www.opalco.com.br/

Ondjaki (A libélula)

[palavras para o dr. carvalho]

se destas pedras uma
anunciasse
o que a faz silêncio:
aqui, muito perto,
[...] isso se abriria, como ferida
em que terias de mergulhar
Paul Celan, A Força da Luz

Um som fluido abandonava a casa, roçava na poeira das trepadeiras no jardim, influenciava as mangas e os mamões no seu processo de maturação, arrepiava uma libélula inebriada que ali adormecera, fazia o sol abrandar e chegava, ainda forte, ainda nítido, ao ouvido da mulher. Depois disto, um sorriso.

Na aparelhagem o som acontecia contínuo, ininterrupto. O doutor solidificara este hábito domingueiro: sentar-se no fresco da sua varanda ouvindo durante extensos momentos a voz de Adriana Calcanhoto. Ora dormitava, ora lia, ora escrevia, ora se quedava simplesmente de olhos rasgados contemplando as nuvens gordas azularem o céu. Para ele não se tratava de beatificar um domingo, mas sim a própria paz. Aliás, «domingo» era, para o doutor, uma palavra muito interna. Fosse um poço.

Pressentindo isto - que o doutor se apresentava em pleno estado de domingo -, a mulher hesitou. Encostou a testa ao ferro do portão e quis acreditar no impossível: que não tinha sede. A testa latejava; os olhos se queriam, de facto, fechar, olvidar o mundo, cessar a prestação dos serviços visuais. O frio do portão trouxe-lhe agrado aos dedos, ao coração também. E a música invadia-lhe os poros. Então, aí sim, ela dividiu uma sensação com o doutor. Ele, no mesmo instante pensava: esta voz, sim, pode ser dividida. A voz de Adriana, empurrando a tarde: “será que a gente é louca, ou lúcida... quando quer que tudo vire música...”

No intervalo de voz, a libélula decidiu acordar, mover-se em zum-zum aberto, e aterrisar junto aos apontamentos do doutor. Rabiscos, memórias recusadas, esquebras de horas mais sensíveis que escusava aceitar como suas. “Eu perco o chão, eu não acho as palavras” - e a libélula conseguiu acordá-lo. Há anos que acertara as contas com os animais e se apaziguara numa relação equilibrada com eles. Mantinha uma relação ainda conflituosa com as baratas e os sardões, mas já não era homem para matar. Em vez disso, usava sorrir. Não raras vezes, pela manhã, sentia saudades de ver correr olongos como vira lá longe, na infância, na província do Namibe; também por vezes, na praia, encontrando cavalos suados se detinha, de olhos a quererem fechar, saboreando o odor forte a pêlo de cavalo suado. Se feliz ou em vésperas de viajar, sonhava com borboletas brancas ou ligeiramente amarelas, e não procurava interpretar o sonhado. Há anos que fizeras as pazes com os animais, incluindo a espécie dengosa dos gatos, à qual ele mesmo infligira uma baixa mortal. Os gatos, essencialmente os gatos, reaproximaram-no dos bichos.

Foi depois da libélula que reparou na mulher encostada ao seu portão, de olhos fechados, pareceu-lhe, a ouvir a música de Adriana,

“Tenho por princípios nunca fechar portas, mas... como mantê-las abertas, o tempo todo...”

Descruzou as pernas; lentamente as desceu da outra cadeira, enfiou as sandálias. Andando, mirava o ar tranquilo da libélula caminhando sobre as suas letras, sobre o cheiro da sua tinta 971 violet. Era tinta um tanto pegajosa, exigia mesmo um ritmo acelerado de escrita pois, em contacto com o ar, era veloz em solidificar. Mas a libélula não é um inseto curioso, o doutor sabia, ela não chegaria ao frasco, não beberia. Um degrau, dois. Está junto ao portão e a mulher, ao contrário do que ele desejava, não abriu os olhos. Mas falou.

- Desculpe interrompê-lo...

Nem foi susto nem foi coisa de se descrever. Simplesmente o doutor não contava com aquela noção de proximidade. Ela sentira-o?

- Reconheço o cheiro da tinta... O senhor escreve com uma pena?

- Não... Isto é... Sim, é uma espécie de pena...

O portão estava destrancado. Ele fez menção de o abrir, ela abriu os olhos, afastou-se ligeiramente das grades.

- Desculpe interrompê-lo, mas estou com muita sede - ela, talvez esperando que o doutor, num qualquer comentário, revelasse se desculpava ou não a intromissão, se se sentira incomodado ao ponto de alterar o seu humor.

O portão foi aberto pela mão certeira do doutor, enquanto a outra executava um gesto afável que a elucidou. Aquele homem não era facilmente perturbável. “Lá mesmo esqueci que o destino, sempre me quis só...”

- Água ou refrigerante? - o doutor.

- Água, por favor.

A mulher viu a libélula ali parada. Tinha a cor demasiado viva para estar morta ou embalsamada, mas era totalmente imune ao vento que balançava as folhas de papel. Aproximou-se da mesa sem se sentar - a mulher. Por curiosidade olhou as letras sobre o branco, não no intuito de ler a composição, mas pelo hábito de apreciação da estética ortográfica masculina. Era, viu depois, uma «espécie de pena», como lhe dissera o doutor, a que havia produzido aqueles gatafunhos encantadores. Não resistiu e chegou a mão perto: parecia cristal.

- É de vidro. Vidro mesmo. Não é bonita?

- Muito... É uma pena muito especial.

A água, num copo normal, chegou-lhe às mãos. O doutor entretanto pousou o jarro semigasto num lado longínquo da mesa, sem perturbar a libélula. Fez menção para que a mulher se sentasse.

- Obrigado... O senhor deve estranhar, não?

- Estranhar?

- Pedirem-lhe água... Já ninguém toca às campainhas para pedir água, não é?

- É... A senhora não é de cá, pois não?

- Não.

A mulher serviu-se novamente. Bebia devagar, como convinha.

- Contava uma avó minha que, certa ocasião, em Silva Porto, um senhor lhe entrou pela casa a dentro cheio de sede e lhe pediu água. Minha avó voltou à sala com um jarro de água muito fresca e assistiu-o beber três copos de água de seguida, sem parar.

- Foi?

- Foi. O senhor só teve tempo de lhe devolver o jarro, pois o copo partiu-se enquanto ele tombava no chão. Morreu ali mesmo, sabe? Desde então a minha avó vivia a contar esta estória, de resto, verdadeira, pois foi-me confirmada pelo meu avô.

- Não me assuste...

- Não foi para assustá-la, desculpe.

- E o que lhe disse o seu avô?

- Sabe, o meu avô era um homem de invulgar humor e sensibilidade. Em criança confirmou-me toda a estória e por fim disse-me: esse homem nem agradeceu a água à tua avó.

A mulher pousou o copo, respirou fundo.

- Sabe porquê que pedi água aqui na sua casa?

- Não.

- Por causa da música... Esta voz tão doce.

- Adriana.

- Como?

- Adriana Calcanhoto, cantora brasileira.

- É poeta?

- Também.

- Não... O senhor. O senhor é poeta?

- Ahn, eu! Não, sou médico. E a senhora?

- Eu estou cá de férias.

A libélula progrediu no terreno, finalmente mexeu-se, mas andando.

Nas expressões de ambos era visível o espanto, como duas crianças que atentas e boquiabertas assistissem, de repente, ao movimento gracioso de uma pedra. A libélula caminhou em direção ao objeto. Num breve sacudir de asas saltou e voltou a estar quieta - uma guerreira demarcando o território conquistado. “E a greve entre as estrelas só para mim”, a cantora progride na varanda, na tarde.

O objeto era uma redoma de vidro, certamente cara, que protegia uma pedra minúscula, cinzenta, banal. Uma pedra pequenina, era o máximo que se poderia dizer. Nem graciosa, nem curiosa, nem mesmo exótica ou atraente. Era uma pedra brutalmente vulgar. A instalação, contudo, valorizava a pedra.

- Julgo que o valor dessa pedra não pode ser medido pela sua aparência. É assim?

- É muito assim, sim.

- Mas esta redoma parece muito bem trabalhada...

O doutor, num gesto resoluto, abanou a libélula. (Uma surpresa para a mulher e para a libélula). O inseto voltou a pousar sobre as letras. A pedra e a sua redoma foram arremessadas ao chão. A mulher não teve tempo de invocar um susto. O objeto bateu ruidosamente no chão por duas vezes e, após rolar alguns centímetros, terminou a digressão. O doutor pegou no objeto e voltou a pousá-lo sobre a mesa, ao pé das letras, dos papéis, da libélula. O inseto, num breve aspergir de asas, realcançou o seu posto.

- Esta redoma é muito boa para proteger objetos valiosos.

A mulher voltou a sentir sede mas não quis incomodar.

- Uma oferta?

- Sim, uma oferta muito especial, muito sincera.

- Os médicos recebem muitas ofertas?

- Algumas, é uma maneira das pessoas expressarem carinho e gratidão.

E calou-se.

A mulher não queria partir mas julgou estar a forçar o momento. O doutor mantivera-se calado por mais de cinco minutos. À mulher pareceu justo que fosse sua a iniciativa de partir. A música parecia terminar e, a voz, era uma voz difícil de recordar no ouvido da memória.

- Adriana, disse?

- Adriana Calcanhoto. Brasileira.

- Muito obrigada pela água.

- De nada. Já sabe, beba sempre devagar...

- E agradeço antes de morrer!

O doutor quase sorriu. Os lábios contorceram-se; apenas uma tentação de sorriso. Talvez, só talvez.

O portão foi aberto. A mulher, pegando propositadamente nas grades reconheceu a sensação daquela frieza na pele.

- Sabe, foi num domingo. Fui chamado à frente de combate e ninguém queria operar o homem: tinha uma espécie de explosivo preso à perna. Era uma operação muito delicada, ainda hoje penso nisso, não deve ter sido coragem... Tive que fazer tudo muito devagar, enquanto o homem sofria com as dores, e ambos tínhamos que ser pacientes. Quase no fim, o soldado disse-me: deixa-me morrer, estou muito cansado já. Eu respondi: já te deixo morrer, mas deixa-me salvar-te primeiro.

- Ele morreu?

- Não. A operação correu bem. Ele, no fim, quis dar-me uma prenda. E não tinha nada. Descalçou a bota e disse: agora já sei porquê que a filha da puta desta pedra anda a me incomodar há dois dias. Toma lá, doutor, só pra não esquecermos esta nossa conversa de hoje. Você ficas com a pedra, eu fico com a cicatriz.

O portão fechou-se. A sede tinha passado. A mulher foi caminhando lentamente pelo passeio. Ouviu passos e a música recomeçou. “Minha música quer estar além do gosto, não quer ter rosto, não quer ser cultura.”

Entre duas folhas acastanhadas - numa janela de poeira - a mulher viu: a libélula, parada, ondulava o corpo. Fosse uma dança. Sob as suas patas, a pedra brutalmente vulgar repousava - entre a memória do homem e a redoma inquebrantável de vidro.
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ONDJAKI nasceu em Luanda, em 1977. Interessa-se pela interpretação teatral e pela pintura (duas exposições individuais, em Angola e no Brasil). Já em Lisboa, fez teatro amador durante dois anos e um curso profissional de interpretação teatral. No ano 2000 recebeu uma menção honrosa no prêmio António Jacinto (Angola) pelo livro de poesia actu sanguíneu. Participou em antologias internacionais (Brasil e Uruguai) e também numa antologia portuguesa. É membro da União dos Escritores Angolanos. É licenciado em Sociologia. Publicou "Actu Sanguíneu" (poesia, 200), "Momentos de aqui", (contos, 2001), "O Assobiador" (novela, 2002), "Há Prendisajens com o Xão" (poesia, 2003), "Bom Dia Camaradas" (romance, 2003), "Ynari, a menina das cinco tranças" (infanto-juvenil, 2003) e "Quantas Madrugadas Tem a Noite" (romance, 2004).

Fontes:
http://www.bestiario.com.br
Imagem =
http://www.baixaki.com.br

Nilto Maciel (Os contos de Oliveira Paiva)



Reunidas no livro Contos, em 1976, edição patrocinada pela Academia Cearense de Letras, organizada por Braga Montenegro e com introdução de Sânzio de Azevedo, finalmente as narrativas curtas de Oliveira Paiva deixaram as folhas envelhecidas do jornal A Quinzena e, assim, se salvaram do olvido. Os 12 contos coligidos são: "Corda Sensível", "O Ar do Vento, Ave Maria", "O Velho Vovô", "A Melhor Cartada", "Pobre Moisés que não o Foste!", "O Ódio", "A Barata e a Vela (Fábula)", "Variação Sobre um Tema de Buffon", "Ao Cair da Tarde", "De Preto e de Vermelho", "De Pena Atrás da Orelha" e "A Paixão". Publicados em 1887 e 1888, podem ser considerados como exercícios para a elaboração dos romances A Afilhada e Dona Guidinha do Poço. Sânzio de Azevedo ensina: "Todos são unânimes em admitir que o escritor ainda não estava em pleno domínio de suas potencialidades criadoras ao compor os contos estampados n'A Quinzena".

Muitos historiadores desconheciam os contos de Oliveira Paiva, certamente porque não buscaram as fontes, isto é, não pesquisaram jornais e revistas, onde se iniciavam e se iniciam a maioria dos escritores. Em História Concisa da Literatura Brasileira, Alfredo Bosi, por exemplo, não se refere ao contista Oliveira Paiva, embora o considere "prosador terso, que sabia descrever e narrar com mão certeira e intervir no momento azado com talhos irônicos de inteligência fina e crítica".

Sânzio de Azevedo, no estudo "Contos de Oliveira Paiva", editado como apresentação do livro Contos e no livro Aspectos da Literatura Cearense, analisa um a um os 12 contos do criador de A Afilhada e conclui: "Quer-nos parecer que "Corda Sensível", "O Ar do Vento, Ave-Maria", "A Melhor Cartada" e "O Ódio" são os melhores contos de quantos escreveu Oliveira Paiva, podendo mesmo redimir o autor de quaisquer falhas porventura encontradas nos demais". Prossegue: "É interessante observar que nenhum de seus contos se ressente daquela linguagem cientificista que prejudica muita página de nosso Realismo-naturalismo. Seria o caso de se dizer que Oliveira Paiva fugia a esses tiques, tanto assim que tal característica não empana a grandeza de Dona Guidinha do Poço, seu derradeiro trabalho de ficção".

Oliveira Paiva se vale de variadas técnicas na composição dos contos, a partir do prisma dramático, como na montagem das três cenas da primeira história, no mesmo palco, como se fosse um drama teatral. Na primeira, uma sala e nela um fardão "enfiado sobre o espaldar de uma cadeira de balanço". Ao fundo, a janela e parte da rua. Como personagens, a menina Maria (protagonista) e a "filha do cabo de ordens". Na segunda cena, mais curta, no dia seguinte, a mesma sala, o mesmo fardão, e não mais as meninas, mas a criada, que se espanta diante do estrago feito pelos ratos na roupa do coronel. A última cena, a maior, dias depois, se dá em algum cômodo da casa, e nela as personagens das primeiras cenas aparecem de novo e, ao lado delas, outras, sobretudo os ratos, antes somente mencionados. Não se trata, porém, de conto composto de três células dramáticas. Talvez de drama em três atos.

Esta técnica, a de cenas estanques, separadas pelo tempo e pela substituição e apresentação de personagens, aparece em outros contos.

Nem sempre o espaço da ação em Oliveira Paiva se resume a uma sala, como no primeiro conto. No segundo, esse espaço se abre, se amplifica: um cabeço, a mata cavernosa, além do horizonte, o céu, a lua. Em outro, o mar, as embarcações, em perfeita descrição topográfica.

Uma das ferramentas de linguagem mais freqüentes nos contos de Oliveira Paiva é a descrição de ambientes, pessoas e coisas. Não a descrição enfadonha, desnecessária, detalhista, mas aquela capaz de dar ao leitor perfeita visão do objeto descrito. Veja-se a descrição do fardão do coronel, no conto "Corda Sensível". Ora, a indumentária descrita será como que o objeto principal da narrativa, o alvo dos olhares, dos cuidados de todos, eis que os ratos - personagens fundamentais na história - dele se servirão como objeto de sua sanha.

Um dos pontos culminantes deste livro está em "O Ódio", onde narração e descrição se mesclam harmoniosamente: a amurada do navio, a gaiola de paus, onde se mantinha aprisionado um tigre, a fera "movendo-se com pés de seda e garbo de mulher", os marinheiros, o mar - tudo descrito com cores de tempestade, a prenunciar o desfecho trágico - e os homens em movimento, a fera a se debater na gaiola, e, súbito, o entrechoque de embarcações, o tumulto, os olhos do tigre a "bruxulear" nas ondas, a luta do homem com a fera, o fim.

Utiliza Oliveira Paiva, em algumas ocasiões, a narração simultânea de duas ações, como em "A Melhor Cartada", onde narra uma procissão do Senhor Morto e, ao mesmo tempo, porque se dá no mesmo tempo, a movimentação de uns jogadores de baralho. O sacro e o profano em paralelas, como também no conto "A Paixão", onde a cerimônia religiosa é narrada enquanto o narrador, apaixonado, se dilacera - drama psicológico - remoendo o seu amor profano.

O mesmo processo de elaboração narrativa se vê em "Variações sobre um Tema de Buffon". E também alguns momentos de narração em estado de quase perfeição, como neste trecho, em que um capão sai em defesa de uns patinhos pela primeira vez em banho num açude: "Girava, acima e abaixo, já aflito, a percorrer a trincheira que isolava o abismo líquido. Agachava-se para entrar, recuando hidrófobo; olhava por baixo como galo a brigar; açoutava-se com as moles asas; eriçava a penaria do pescoço, ciscava nervosamente e penicava no chão, a chamar aqueles traquinas, cacarejando, gorgolejando, com a sua tocante responsabilidade de educador e aio"

Talvez por se tratar de fábula, como a chamou o autor, em "A Barata e a Vela" a narração pura e simples ocorre durante toda a narrativa, não fosse o breve diálogo do narrador com a traça. Esta maneira de escrever não está presente nos demais contos.

Paiva utiliza ora o ponto de vista da terceira pessoa, ora o da primeira. Às vezes esta aparece no plural. Em outras ocasiões a primeira pessoa se oculta na narração, e o leitor tem a impressão de estar lendo sob o foco onisciente. Veja-se "A Paixão", onde durante quase todo a história a narração parece estar sendo conduzida por narrador onisciente: Uma moça numa varanda a assistir às cerimônias da Paixão de Cristo, a descrição do templo, do ambiente, a multidão de fiéis, as irmãs de caridade, os padres, suas indumentárias, as velas, o tapete, o incenso no ar, o cantochão etc. Durante toda esta narração-descrição não mais aparece a moça, apenas chamada de "ela", e muito menos o narrador, embora sejam os dois os protagonistas. Somente no final o personagem-narrador ou narrador-testemunha, sem nome também, se apresenta: "Eu ajoelhava prostrado ante a divina figura do Mestre e o meu olhar trespassava-lhe também o coração fonte do amor". A jovem reaparece furtivamente na narração: "E as duas almas, feitas uma para a outra..." E mais adiante: "E do sudário desaparecera o Jesus sanguinolento, para pintar-se ela com o seu vestidinho preto e as suas pulseiras de ouro, a olhar-me para meu coração soluçante".

A utilização do ponto de vista em primeira pessoa, seja ela protagonista ou narrador-testemunha, faz de Oliveira Paiva um dos bons elaboradores de dramas psicológicos do seu tempo. Leia-se "Ao Cair da Tarde": personagens sem nome (um cocheiro, um velho e um moço), uma carruagem a conduzi-los a um cemitério, a descrição minuciosa da estrada, breves diálogos, nada de tragédias, nada de mortes, apesar da visita ao campo santo. Na mesma linha está "De Preto e de Vermelho", outro drama psicológico. Novamente a descrição se funde à narração, em exemplos de pura arte: "Um sapato pisava na mesa, revirado, entre os livros e os frascos". O verbo (narração) na mesma frase dos substantivos (descrição).

Um personagem sem nome descreve e narra, como se fosse apenas um observador. Ou, então, o narrador é onisciente, sendo o escritor: "Ele (o personagem) sentia atroar pelos salões a pancadaria da quadrilha pavorosa e danada e louca, vermelha como o sangue vivo, e negra como uns olhos que conheço". Em "De Pena Atrás da Orelha", que Sânzio de Azevedo analisa como sendo "a continuação do precedente", também quase não se vislumbra um enredo, uma trama, e onde se percebem até pedaços de frases constantes do outro conto, como "uma capa de rei", sem contar o tema: Numa quarta-feira de cinzas um rapaz, entre dormido e acordado, rememora cenas do carnaval. Sem querer desmerecer esta composição, há um quê de crônica nela, mormente a partir do parágrafo assim iniciado: "Um belo dia que se alevantava na rua!", até "... e cegos mendigos, com a mão no ombro dos guias de roupa suja e rota..."

Braga Montenegro vê nos contos de Oliveira Paiva "originalidade sem alarde, a força sugestiva dos símbolos, o inesperado da expressão valorizando os temas, estes muitas vezes perigosos pelo abuso do cotidiano".

A manipulação da linguagem nos contos de Oliveira Paiva é admirável, mesmo não tendo alcançado ainda, naquele tempo, a maturidade de narrador que culminaria em Dona Guidinha do Poço. Observador atento, impassível, paciente e imparcial, feito a coruja que pousa no mais alto e firme galho da mais alta e robusta árvore, vê, capta as imagens, os movimentos, as falas, os gestos das personagens, a arquitetura do espaço e dos objetos e, sem olhos de julgador - o Bem o Mal à sua frente -, descreve e narra como artista.

Fonte:
http://www.bestiario.com.br/3_arquivos/Os%20contos%20de%20Oliveira%20Paiva.html

Pindamonhangaba em Destaque



Sergio Meneghetti assume cadeira da Academia Pindamonhangabense de Letras

A APL - Academia Pindamonhangabense de Letras, presidida pela escritora Elisabete Guimarães, realizou no auditório da Santa Casa, na noite de quarta-feira (29 de abril), a reunião plenária solene referente ao mês de abril.

Após as formalidades habituais das reuniões da APL teve início a solenidade de posse do acadêmico Sérgio Antonio Meneghetti. Ele assumiu a cadeira nº 16 do quadro de membros honorários, que tem como patrono Benedito Marques Monteiro, o professor Jairo.
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Comemoração do Dia do Livro em Pindamonhangaba

A programação cultural do evento incluiu uma homenagem ao Dia Internacional do Livro, comemorado em 23 de abril. Foi apresentada ao público, a esquete "A súplica o livro", interpretada pelos atores Laila e Rafael. Ainda em alusão à data, coube ao professor e museólogo de Taubaté, Carlos Roberto Rodrigues, proferir palestra que teve como tema "Monteiro Lobato".

Pelo concurso literário realizado pela APL junto às escolas da rede pública e particular do município, foram premiados os alunos do ensino fundamental, quintas séries A e B do Colégio Emílio Ribas (sistema Anglo). Os alunos fizeram poemas sobre o tema "livro". Os trabalhos premiados foram declamados pelos acadêmicos Ricardo Estevão (professor do colégio Emílio Ribas) e Neila Cardoso, a coordenadora do referido certame cultural.

Na reunião da Academia destaque também para a homenagem em memória da acadêmica e trovadora Aurora Teixeira Mendes. "Dona Aurora", como era popularmente conhecida, foi relembrada em pronunciamento de sua filha Mitzi Vasques e da acadêmica Neila Cardoso. Livretos (obra póstuma) com as trovas da homenageada foram distribuídos aos acadêmicos presentes, numa gentileza de sua filha.

Para que fosse possível a realização da reunião solene, o auditório da Santa Casa foi gentilmente cedido pelo provedor da entidade, Luiz Carlos Loberto "Cacaio", também acadêmico e vice-presidente APL.

A apresentação da esquete foi uma participação do Departamento de Cultura da administração municipal ao evento da Academia de Letras.
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Palestra com Modesto Carone abre “Viagem Literária” em Pinda

Pindamonhangaba participa, pelo primeiro ano, do projeto estadual “Viagem Literária”. O evento será aberto em junho com um bate-papo com o autor Modesto Carone, principal tradutor dos textos de Franz Kafka para a língua portuguesa.

O autor Modesto Carone estará na Biblioteca Pública Municipal “Vereador Rômulo Campos D´Arace” (Bosque da Princesa), no dia 23 de junho, às 15 horas. Ele falará sobre “A Metamorfose”, de Franz Kafka, para o público jovem e adulto.

Os módulos “bate-papo com o autor” contam com a participação de autores de diferentes gerações, que são convidados a falar sobre um livro que tenha marcado a sua formação como leitor e escritor. Será uma oportunidade para conhecer ou ampliar o conhecimento sobre um autor e sua obra. E o melhor: o livro escolhido estará à disposição na biblioteca.

Viagem Literária

Lançado em 2008, o programa Viagem Literária consolidou-se, por meio de uma parceria entre a Secretaria de Estado da Cultura e as Bibliotecas Municipais das cidades participantes, como um dos mais amplos e diversificados projetos voltados ao livro e à leitura no Estado de São Paulo. Em sua primeira edição, levou autores e artistas consagrados a 40 municípios paulistas, atraindo milhares de pessoas às Bibliotecas. Em 2009, o programa cresceu: são 55 as cidades participantes.

De junho a novembro, cada biblioteca receberá uma atração mensal ligada à literatura. Serão 275 atividades, que têm por objetivo estimular o hábito de ler, incentivando o público a se aproximar mais da biblioteca de sua cidade. Bate-papo com autores, contação de estórias e oficinas de criação literária serão o passaporte para uma prazerosa viagem pelo mundo dos livros.

Toda a programação é gratuita e aberta ao público de todas as idades.

Cronograma de atividades

O “Viagem Literária” é realizado em diferentes módulos. No mês de junho, será o bate-papo com o autor: leituras escolhidas. Em agosto, acontecem as contações de estórias para crianças. Em setembro, novamente um bate-papo com o autor: literatura infanto-juvenil. Em outubro, bate-papo com o autor: literatura para todos e em novembro encerra com oficina de criação literária.
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Biblioteca da Vila São Benedito apresenta sarau na sexta-feira, 15 de Maio

A biblioteca pública municipal "Professora Maria do Carmo dos Santos Gomes", da Vila São Benedito, recebe nesta sexta-feira (15), o projeto "Sarau Professor Augusto César Ribeiro". O evento tem entrada franca e está marcado para as 20 horas.

Mais de 2 mil pessoas já prestigiaram os saraus realizados pela Prefeitura. Este evento foi criado há cerca de 2 anos, para promover reuniões sociais, despertar o interesse pela literatura, formar público, declamadores e estimular a habilidade de se apresentar em público.

Em cada evento, o sarau é realizado em uma das três bibliotecas públicas municipais: "Professora Maria do Carmo dos Santos Gomes", da Vila São Benedito, "Vereador Rômulo Campos D´Arace", no Bosque, e "Professora Bertha César", em Moreira César.

Essa é uma oportunidade para artistas em início de carreira ou mesmo amantes da literatura expressarem sua arte.
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História da Cidade de Pindamonhangaba

Data do final do século XVI a ocupação da área onde hoje se situa Pindamonhangaba. No local passou a existir uma "paragem", com ranchos e pastaria. Não se sabe exatamente quando o local passou a ser chamado PINDAMONHANGABA, nome indígena que significa "lugar onde se fazem anzóis".

A "paragem" estava fadada a se desenvolver rapidamente, já que suas terras eram excelentes; o clima ameno e sua posição a tornavam passagem obrigatória dos viajantes que se deslocavam do Vale do Paraíba para Minas Gerais. Por volta de 1680, Pindamonhangaba já era um povoado, vinculado ao Termo (Município) de Taubaté. Data dessa época a construção do primeiro templo, a capela de São José, erigida por Antonio Bicudo Leme e seu irmão, Braz Esteves Leme. Em 10 de julho de 1705, o povoado recebeu foros de vila, ficando, portanto, politicamente emancipado de Taubaté. Durante o século XVIII desenvolveu-se em Pindamonhangaba uma atividade agropastoril, com predominância da cultura de cana-de-açúcar e a produção de açúcar e aguardente, em engenhos.

Durante o período do café no Brasil, a cidade viveu sua fase de maior brilho e se destacou no cenário Nacional. O ciclo do café floresceu no Município a partir de 1820, e Pindamonhangaba se tornou um grande centro cafeeiro, apoiado em suas terras férteis e na mão-de-obra escrava. Nessa época foram construídos o Palacete 10 de Julho, o Palacete Visconde da Palmeira, o Palacete Tiradentes, a Igreja São José e a Igreja Matriz Nossa Senhora do Bom Sucesso, que ainda hoje são marcos da riqueza produzida pelo café. Pindamonhangaba foi elevada a cidade por lei provincial de 03 de abril de 1849 e ganhou do cronista e poeta Emílio Zaluar o título de "Princesa do Norte". O ciclo do café extinguiu-se no final da década de 1920, não tendo resistido aos golpes produzidos pela exaustão das terras, a libertação dos escravos e a crise econômica mundial. A partir daí, a economia passou a se apoiar na constituição de uma importante bacia leiteira, em extensas culturas de arroz e na produção de hortigranjeiros. Foi uma época de pequeno crescimento econômico, que se estendeu até o final da década de 1950, quando o Município entrou no ciclo pré-industrial. O período de 1970 a 1985 foi, para Pindamonhangaba, uma fase de crescimento industrial extremamente acelerado, que mudou, profundamente, a face do Município.

Fontes:
http://www.pindamonhangaba.sp.gov.br/
Tribuna do Norte. Cultura e Lazer. 8 de maio de 2009. http://www.tribunadonorte.net/
Tribuna do Norte. Cultura e Lazer. 5 de maio de 2009. http://www.tribunadonorte.net/
Fotomontagem = José Feldman

quinta-feira, 14 de maio de 2009

José Santos Chocano (O Poeta no Papel)


BRASÃO

Sou o cantor da América autóctone e selvagem;]
minha lira tem alma, meu canto um ideal.
Meu verso não balança pendido da ramagem,]
com um vaivém pausado de rede tropical...]

Quando me sinto um Inca, eu rendo vassalagem
ao Sol, que me dá o cetro de seu poder real;
quando hispano, evocando a colonial imagem,
são as minhas estrofes trombetas de cristal.

A fantasia vem-me de antepassado mouro:
os Andes são de prata, mas o Leão é de ouro;
e as duas castas fundo com épico fragor.

O sangue é espanhol e incaica sua batida;
e se não fora Poeta, talvez fosse na vida
um branco Aventureiro ou um índio Imperador!
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OS CAVALOS DOS CONQUISTADORES

Seus pescoços eram finos e suas ancas
Reluzentes e seus cascos musicais...
Os cavalos eram fortes!
Os cavalos eram ágeis!
Não! Não foram somente os guerreiros,
De couraças e penachos e espadas e estandartes,
os que fizeram a conquista
das selvas e dos Andes:
Os cavalos andaluzes, cujos nervos
têm chispas da raça voadora dos árabes
estamparam suas gloriosas ferraduras
nos secos pedregais,
nos úmidos pântanos,
nos rios ressoantes,
nas neves silenciosas,
nos pampas, nas serras, nos bosques e nos vales.
Os cavalos eram fortes!
Os cavalos eram ágeis!

Um cavalo foi o primeiro,
nos tórridos pantanais,
quando um grupo de Balboa caminhava
despertando as solidões adormecidas,
que imediatamente deu o aviso
do Pacífico Oceano, porque rajadas de ar
ao olfato lhe trouxeram
as salinas umidades;
e o cavalo de Quesada, que no alto
se deteve vendo, no fundo dos vales,
de uma torrente a lambada
como o gesto de uma cólera selvagem,
saudou com um relincho
a planície interminável...
e desceu com fácil trote,
os degraus dos Andes,
como por escadas milenares
que rangiam sob o golpe dos cascos musicais...
Os cavalos eram fortes!
Os cavalos eram ágeis!
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OS ANDES

Qual de Laocoonte a escultural serpente
trançando grandes mármores desnudos,
atam os Andes os seus nós nervudos
pelo corpo de todo um continente.

Horror dantesco estremecer se sente
por sobre esse tropel de heróis membrudos
que se alçam com graníticos escudos
e com elmos de prata refulgente.

Faz-se de cada herói a ânsia infinita
porquanto quer gritar, treme e dá salto,
e parte-se de dor... porém não grita.

Apenas deixa, estático e sombrio,
lá resvalar do pico bem mais alto
a silenciosa lágrima de um rio...
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QUEM SABE?

Ó! índio que assomas à porta
da tua rústica mansão,
para minha sede tens água?
para meu frio, cobertor?
Para minha fome, tens milho?
Para meu sonho, meu rincão?
Breve quietude para minha andança?
- Quem sabe, senhor?

Índio que lavras com sofrimento
Terras que de outro dono são:
Ignoras que devem tuas
ser, por teu sangue e teu suor?
Ignoras que a temerária cobiça
séculos atrás, lhe roubou?
Ignoras que és o dono?
– Quem sabe, senhor?

Índio de fronte taciturna
e de pupilas sem fulgor,
que pensamento é o que escondes
em tua enigmática expressão?
Que é o que buscas em tua vida?
Que é o que imploras a teu Deus?
Que é o que sonha teu silêncio?
- Quem sabe, senhor?

Ó raça antiga e misteriosa
de coração impenetrável
que vês, sem gozar, a alegria
e sem sofrer vês a dor;
és augusto como os Andes,
o Grande Oceano e o Sol!
Esse teu gesto de resignação
É de uma sábia indiferença
e de um orgulho sem rancor.

Corre em minhas veias teu sangue;
E, por tal sangue, se meu Deus
me interrogasse o que eu prefiro
- cruz ou laurel, espinho ou flor
beijo que apague meus suspiros
ou fel que me acalme a canção?
responderia, duvidando
- Quem sabe, senhor?
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NOITES ANTIGAS*

I
(Espanhola)

Era um baile solene de pretéritas damas
e nobres cavalheiros de tesos colarinhos.
Fora, um jardim: havia muitos pares sozinhos,
um romorar de fontes e um tremular de ramas.

A orquetra adormecida por sobre os pentagramas;
e, com um um ritmo suave de ondas enlasguescentes,
graves damas luziam caudas desfalecentes,
bocas feitas de flores e olhos feitos de chamas.

Ao largo quadro impunham seus enérgicos toques
os galãs, passeando, com gestos orgulhosos,
os seus ilustres fraques e os seus finos estoques.

Lacrimejavam velas, palpitavam espelhos;
e, em mesas nacaradas, teciam, preguiçosos,
monótonos carteios, dsencantados velhos...

II

(Veneziana)

O marmóreo Palácio, que, nos turvos canais,
grava sua brancura como visão de encanto,
dorme: já a noite o envolve em seu manto sedoso
e uma Lua coquete ri-se nos seus cristais.

Uma gôndola sulca as águas sepulcrais;
risonho bandolim tange um galante engenho;
abrem-se gelosias; e o amoroso empenho
corre escadas rangentes e prepara punhais.

Beijo, suspiro, arrulho. (Diálogo de pombas...)
Rasga a dama ao amor a estreita vestidura,
e saltam livremente suas virgíneas pomas...

Distante remo turba a quietude... Uma terna
fuga entre abraços; e eis que, em meio à note escura,
por sobre a água estremece a luza de uma lanterna.

III

(Romana)

É a noite cesárea de uma fúnebre orgia:
Fervem festas pagãs nos jardins negrejantes.
A voz que traz o vento vem das feras distantes;
e há um acre perfume de embriaguez e agonia.

Bacanal de soldados se abre ao César, que guia
carro ebúrneo, em vertigem, entre frondes e lianas;
e, enquanto arde o clarão de cem tochas humanas,
cem fanfarras detonam em horrenda harmonia.

César manda que, em meio a essas vivas fogueiras,
para apreciar o espanto que os semblantes demuda,
cem escravos lhes soltem as feras carniceiras...

E vê-se que, de súbito, atravessa a paisagem
uma virgem cristã, castamente desnuda,
cem escravos lhes soltem as feras carniceiras...

E vê-se que, de súbito, atravessa a paisagem
uma virgem cristã, castamente desnuda,
amarrada na cauda de um cavalo selvagem...

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* Poemas publicados originalmente na Revista Americana, 1911, vol. V, segundo pesquisa de Fontes de Alencar, publicada como ensaio no JORNAL da ANE (Associação Nacional de Escritores), Ano II, n. 11, Maio de 2008, p. 12.
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Tradução de Solon Borges dos Reis e Anderson Braga Horta
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Fonte:
http://www.antoniomiranda.com.br/

José Santos Chocano (14 Maio 1875 – 13 Julho 1934)



José Santos Chocano Gastañodi (Lima, Peru, 14 de maio de 1875 - Santiago do Chile, 13 de julho de 1934) foi um poeta peruano, conhecido também pelo pseudônimo de "El Cantor de América" (O Cantor da América). Em sua poesia descreve e representa seu país, onde é mais conhecido - bem como também no meio literário - apenas por Chocano.

«Walt Whitman tiene el norte, pero yo tengo el sur» (Chocano)

Ingressou na faculdade de letras da Universidad Nacional Mayor de San Marcos, com a idade de catorze anos. Teve uma vida agitada, acusado de subversão, foi preso aos vinte anos, o que o levou a percorrer a América, como diplomata e aventureiro. Assim foi que desempenhou, desde tenra idade, algumas missões diplomáticas por seu país e que levaram-no incialmente à Colômbia e logo à Espanha. Foi secretário de Pancho Vila e colaborador do ditador gautemalteco Manuel Estrada Cabrera, o que quase o levou ao fuzilamento em 1920, quando este foi derrubado. Em 1922, em Lima, foi feito poeta laureado, a 31 de outubro de 1925

Na Espanha conheceu Rubén Darío, que fez o prólogo de seu belo livro Alma América

Em um duelo matou o jovem escritor e rival Edwin Elmore. Preso, foi solto em dois anos por um indulto, indo viver em Santiago onde, em 1934, foi assassinado numa rua por Martín Bruce Padilla, um esquizofrênico que acreditava possuir Chocano um mapa de tesouro.

Estilo literário

É considerado pela crítica como modernista, movimento do qual foi um dos representantes peruanos mais distintos na língua espanhola, junto a nomes como Rubén Darío (Nicarágua), Manuel González Prada (Peru), José Martí (Cuba), Manuel Gutiérrez Nájera (México), José Asunción Silva (Colômbia) e outros proeminentes dentro desse estilo literário. Entretanto, alguns autores, como o estadunidense Willis Knapp Jones, o colocam como romântico, chegando a denominá-lo como "novomundista".

Dentre suas obras poéticas ressaltam:
Iras Santas ;
En La Aldea ;
Azahares (Versos Lirícos);
Selva Virgen ;
La Epopeya Del Morro [Poema Americano].
El Derrumbe.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/
http://www.antoniomiranda.com.br/

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Miriam Panighel Carvalho (A Palavra)


A palavra que é escrita
Talvez seja a que mais fala
Traduz o que o peito grita
Sempre que a boca se cala
Fonte:

Raimundo Correia (Teia de Poesias)


AMOR E VIDA

Esconde-me a alma, no íntimo, oprimida,
Este amor infeliz, como se fora
Um crime aos olhos dessa, que ela adora,
Dessa, que crendo-o, crera-se ofendida.

A crua e rija lâmina homicida
Do seu desdém vara-me o peito; embora,
Que o amor que cresce nele, e nele mora,
Só findará quando findar-me a vida!

Ó meu amor! como num mar profundo,
Achaste em mim teu álgido, teu fundo,
Teu derradeiro, teu feral abrigo!

E qual do rei de Tule a taça de ouro,
Ó meu sacro, ó meu único tesouro!
Ó meu amor! tu morrerás comigo!
(Sinfonias, 1883.)

AS POMBAS

Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada...

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais...
(Sinfonias, 1883.)

A CAVALGADA

A lua banha a solitária estrada...
Silêncio!... Mas além, confuso e brando,
O som longínquo vem-se aproximando
Do galopar de estranha cavalgada.

São fidalgos que voltam da caçada;
Vêm alegres, vêm rindo, vêm cantando.
E as trompas a soar vão agitando
O remanso da noite embalsamada...

E o bosque estala, move-se, estremece...
Da cavalgada o estrépito que aumenta
Perde-se após no centro da montanha...

E o silêncio outra vez soturno desce...
E límpida, sem mácula, alvacenta
A lua a estrada solitária banha...
(Sinfonias, 1883.)

MAL SECRETO

Se a cólera que espuma, a dor que mora
N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse, o espírito que chora,
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo
Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja aventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!
(Sinfonias, 1883.)

DESDÉNS

Realçam no marfim da ventarola
As tuas unhas de coral felinas
Garras com que, a sorrir, tu me assassinas,
Bela e feroz... O sândalo se evolua;

O ar cheiroso em redor se desenrola;
Pulsam os seios, arfam as narinas...
Sobre o espaldar de seda o torso inclinas
Numa indolência mórbida, espanhola...

Como eu sou infeliz! Como é sangrenta
Essa mão impiedosa que me arranca
A vida aos poucos, nesta morte lenta!

Essa mão de fidalga, fina e branca;
Essa mão, que me atrai e me afugenta,
Que eu afago, que eu beijo, e que me espanca!
(Versos e versões, 1887.)

O MISANTROPO

A boca, às vezes, o louvor escapa
E o pranto aos olhos; mas louvor e pranto
Mentem: tapa o louvor a inveja, enquanto
O pranto a vesga hipocrisia tapa.

Do louvor, com que espanto, sob a capa
Vejo tanta dobrez, ludíbrio tanto!
E o pranto em olhos vejo, com que espanto,
Que escarnecem dos mais, rindo à socapa!

Porque, desde que esse ódio atroz me veio,
Só traições vejo em cada olhar venusto?
Perfídias só em cada humano seio?

Acaso as almas poderei sem custo
Ver, perspícuo e melhor, só quando odeio?
E é preciso odiar para ser justo?!
(Versos e versões, 1887.)

ÚLTIMO PORTO

Este o país ideal que em sonhos douro;
Aqui o estro das aves me arrebata,
E em flores, cachos e festões, desata
A Natureza o virginal tesouro;

Aqui, perpétuo dia ardente e louro
Fulgura; e, na torrente e na cascata,
A água alardeia toda a sua prata,
E os laranjais e o sol todo o seu ouro...

Aqui, de rosas e de luz tecida,
Leve mortalha envolva estes destroços
Do extinto amor, que inda me pesam tanto;

E a terra, a mãe comum, no fim da vida,
Para a nudeza me cobrir dos ossos,
Rasgue alguns palmos do seu verde manto.
(Aleluias, 1891.)

PLENILÚNIO

Além nos ares, tremulamente,
Que visão branca das nuvens sai!
Luz entre as franças, fria e silente;
Assim nos ares, tremulamente,
Balão aceso subindo vai...

Há tantos olhos nela arroubados,
No magnetismo do seu fulgor!
Lua dos tristes e enamorados,
Golfão de cismas fascinador!

Astro dos loucos, sol da demência,
Vaga, notâmbula aparição!
Quantos, bebendo-te a refulgência,
Quantos por isso, sol da demência,
Lua dos loucos, loucos estão!

Quantos à noite, de alva sereia
O falaz canto na febre a ouvir,
No argênteo fluxo da lua cheia,
Alucinados se deixam ir...

Também outrora, num mar de lua,
Voguei na esteira de um louco ideal;
Exposta aos euros a fronte nua,
Dei-me ao relento, num mar de lua,
Banhos de lua que fazem mal.

Ah! quantas vezes, absorto nela,
Por horas mortas postar-me vim
Cogitabundo, triste, à janela,
Tardas vigílias passando assim!

E assim, fitando-a noites inteiras,
Seu disco argênteo n’alma imprimi;
Olhos pisados, fundas olheiras,
Passei fitando-a noites inteiras,
Fitei-a tanto, que enlouqueci!

Tantos serenos tão doentios,
Friagens tantas padeci eu;
Chuva de raios de prata frios
A fronte em brasa me arrefeceu!

Lunárias flores, ao feral lume,
- Caçoilas de ópio, de embriaguez -
Evaporaram letal perfume...
E os lençóis d’água, do feral lume
Se amortalhavam na lividez...

Fúlgida névoa vem-me ofuscante
De um pesadelo de luz encher,
E a tudo em roda, desde esse instante,
Da cor da lua começo a ver.

E erguem por vias enluaradas
Minhas sandálias chispas a flux...
Há pó de estrelas pelas estradas...
E por estradas enluaradas
Eu sigo às tontas, cego de luz...

Um luar amplo me inunda, e eu ando
Em visionária luz a nadar,
Por toda a parte, louco arrastando
O largo manto do meu luar...
(Poesias completas, vol. 1, 1948.)
Fonte:
Academia Brasileira de Letras

Raimundo Correia (13 Maio 1859 – 13 Setembro 1911)

Raimundo Correia (R. da Mota de Azevedo C.), magistrado, professor, diplomata e poeta, nasceu em 13 de maio de 1859, a bordo do navio brasileiro São Luís, ancorado na baía de Mogúncia, MA, e faleceu em Paris, França, em 13 de setembro de 1911.

Foram seus pais o Desembargador José Mota de Azevedo Correia, descendente dos duques de Caminha, e Maria Clara Vieira da Silva. Vindo a família para a Corte, o pequeno Raimundo foi matriculado no Internato do Colégio Nacional, hoje Pedro II, onde concluiu os estudos preparatórios em 1876. No ano seguinte, matriculou-se na Faculdade de Direito de São Paulo. Ali encontrou um grupo de rapazes entre os quais estavam Raul Pompéia, Teófilo Dias, Eduardo Prado, Afonso Celso, Augusto de Lima, Valentim Magalhães, Fontoura Xavier e Silva Jardim, todos destinados a ser grandes figuras das letras, do jornalismo e da política.

Em São Paulo, no tempo de estudante, colaborou em jornais e revistas. Estreou na literatura em 1879, com o volume de poesias Primeiros sonhos. Em 1883, publicou as Sinfonias, onde se encontra um dos mais conhecidos sonetos da língua portuguesa, “As pombas”. Este poema valeu a Raimundo Correia o epíteto de “o Poeta das pombas”, que ele, em vida, tanto detestou. Recém-formado, veio para o Rio de Janeiro, sendo logo nomeado promotor de justiça de São João da Barra e, em fins de 1884, era juiz municipal e de órfãos e ausentes em Vassouras. Em 21 de dezembro daquele ano casou-se com Mariana Sodré, de ilustre família fluminense. Em Vassouras, começou a publicar poesias e páginas de prosa no jornal O Vassourense, do poeta, humanista e músico Lucindo Filho, no qual colaboravam nomes ilustres: Olavo Bilac, Coelho Neto, Alberto de Oliveira, Lúcio de Mendonça, Valentim Magalhães, Luís Murat, e outros. Em começos de 89, foi nomeado secretário da presidência da província do Rio de Janeiro, no governo do conselheiro Carlos Afonso de Assis Figueiredo. Após a proclamação da República, foi preso. Sendo notórias as suas convicções republicanas, foi solto, logo a seguir, e nomeado juiz de direito em São Gonçalo de Sapucaí, no sul de Minas.

Em 22 de fevereiro de 1892, foi nomeado diretor da Secretaria de Finanças de Ouro Preto. Na então capital mineira, foi também professor da Faculdade de Direito. No primeiro número da Revista que ali se publicava, apareceu seu trabalho “As antiguidades romanas”. Em 97, no governo de Prudente de Morais, foi nomeado segundo secretário da Legação do Brasil em Portugal. Ali edita suas Poesias, em quatro edições sucessivas e aumentadas, com prefácio do escritor português D. João da Câmara. Por decreto do governo, suprimiu-se o cargo de segundo-secretário, e o poeta voltou a ser juiz de direito. Em 1899, residindo em Niterói, era diretor e professor no Ginásio Fluminense de Petrópolis.

Em 1900, voltou para o Rio de Janeiro, como juiz de vara cível, cargo em que permaneceu até 1911. Por motivos de saúde, partiu para Paris em busca de tratamento. Ali veio a falecer. Seus restos mortais ficaram em Paris até 1920. Naquele ano, juntamente com os do poeta Guimarães Passos também falecido na capital francesa, para onde fora à procura de saúde foram transladados para o Brasil, por iniciativa da Academia Brasileira de Letras, e depositados, em 28 de dezembro de 1920, no cemitério de São Francisco Xavier.

Raimundo Correia ocupa um dos mais altos postos na poesia brasileira. Seu livro de estréia, Primeiros sonhos (1879) insere-se ainda no Romantismo. Já em Sinfonias (1883) nota-se o feitio novo que seria definitivo em sua obra o Parnasianismo. Segundo os cânones dessa escola, que estabelecem uma estética de rigor formal, ele foi um dos mais perfeitos poetas da língua portuguesa, formando com Alberto de Oliveira e Olavo Bilac a famosa trindade parnasiana. Além de poesia, deixou obras de crítica, ensaio e crônicas.

Bibliografia
Obras de poesia:
Primeiros sonhos (1879); Sinfonias (1883); Versos e versões (1887); Aleluias (1891); Poesias (1898, 1906, 1910, 1916); Poesias completas, 2 vols., org. de Múcio Leão (1948); Poesia completa e prosa, org. de Valdir Ribeiro do Val (1961).

Fonte:
Academia Brasileira de Letras