sábado, 16 de maio de 2009

Eunice Arruda (Divagações ao Sabor das Ondas)


PROPÓSITO

Viver pouco mas
viver muito
Ser todo o pensamento
Toda a esperança
Toda a alegria
ou angústia — mas ser

Nunca morrer
enquanto viver
G G G G G G G G G G

OUTRA DÚVIDA

Não sei se é
amor

ou

minha vida que pede
socorro

De Invenções do Desespero (1973)
G G G G G G G G G G

ERRO

Edifiquei minha
casa sobre a
areia

Todo dia recomeço

De As Pessoas, As Palavras (1976)
G G G G G G G G G G

OBSERVANDO

sim

as horas de trégua

Quando se afiam
as facas
G G G G G G G G G G

UM DIA

um dia eu
morrerei
de sol, de
vida acumulada
na convulsão
das ruas

um dia eu
morrerei e
não
podia:

há poemas
escorregando de meus dedos
e um vinho não
provado

De Os Momentos (1981)
G G G G G G G G G G

DEUS E O DOMINGO

Eu ia ser feliz
domingo
naquele tempo bastava pouco
Não sabia que no
domingo
é fácil chover
e muito difícil viver
Ah, eu ia ser feliz
Mas
domingo Deus descansa
e a gente sofre mais

De O Chão Batido (1963)
G G G G G G G G G G

ENGANO

afinal
construímos prédios
casas jardins rosas
desabrocharam
trêmulas, afinal fomos
submissos às ocupações do dia
às estações do ano
à rotação da terra

Pensávamos ser esta a nossa pátria
G G G G G G G G G G

RISCO

Um poema livre
da gramática, do som
das palavras
livre
de traços

Um poema irmão
de outros poemas
que bebem a correnteza
e brilham
pedras ao sol

Um poema
sem o gosto
de minha boca
livre da marca
de dentes em seu dorso
Um poema nascido
nas esquinas nos muros
com palavras pobres
com palavras podres
e
que de tão livre

traga em si a decisão
de ser escrito ou não

De Risco (1998)
G G G G G G G G G G

GEOGRAFIA

estar em
algum lugar

sempre

deixar o
corpo
posto
em algum lugar

porto
onde voltar

(do livro “OS MOMENTOS” – l981)
G G G G G G G G G G

TRANSFORMAÇÃO

Anjo
dá guarda

Eu estou atravessando

Também me empresta
de tuas asas
o vôo

Que eu chegue a nenhum lugar
G G G G G G G G G G

TAREFA

cabe agora
morrer o corpo

dia a
dia ir

me desacostumando
do rosto
que eu chamava
meu

(do livro “RISCO” – 1988)
G G G G G G G G G G

SACIEDADE BIOGRÁFICA

Tenho andado sem pés
voado sem asas
Sou um sonho espalhado

Os rios recebem minhas cartas
com freqüência
facas me apontam o coração

O que poderia dizer
(os pássaros já cantaram)
o que poderia amar
(os amantes se suicidaram)

Os assassinos conhecem o meu nome

(do livro “RISCO” – l988)
G G G G G G G G G G

NOTÍCIAS

As crianças morrem

Em piscinas
lagoas
no centro da cidade
O corte na testa
barrigas inchadas
costas afundadas

As crianças
elas também nos abandonam

(do livro “MUDANÇA DE LUA” – l986)
G G G G G G G G G G

UM VISITANTE

Quem escreve
é
um visitante

Chega nas horas da noite
e toma o lugar do
sono
Chega à mesa do almoço
come a minha fome

Escreve
o que eu nem supunha
Assina o meu nome

(Mudança de lua, 1986)
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Fontes
– Carlos Machado. Poesia.net – numero 172 ano 4 – São Paulo, 19 julho 2006. Disponível em http://www.algumapoesia.com.br/poesia2/poesianet172.htm
– Jornal de Poesia. http://www.jornaldepoesia.jor.br/ea.html
– Blog da Eunice Arruda. http://poetaeunicearruda.blogspot.com/

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