quinta-feira, 14 de maio de 2009

José Santos Chocano (O Poeta no Papel)


BRASÃO

Sou o cantor da América autóctone e selvagem;]
minha lira tem alma, meu canto um ideal.
Meu verso não balança pendido da ramagem,]
com um vaivém pausado de rede tropical...]

Quando me sinto um Inca, eu rendo vassalagem
ao Sol, que me dá o cetro de seu poder real;
quando hispano, evocando a colonial imagem,
são as minhas estrofes trombetas de cristal.

A fantasia vem-me de antepassado mouro:
os Andes são de prata, mas o Leão é de ouro;
e as duas castas fundo com épico fragor.

O sangue é espanhol e incaica sua batida;
e se não fora Poeta, talvez fosse na vida
um branco Aventureiro ou um índio Imperador!
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OS CAVALOS DOS CONQUISTADORES

Seus pescoços eram finos e suas ancas
Reluzentes e seus cascos musicais...
Os cavalos eram fortes!
Os cavalos eram ágeis!
Não! Não foram somente os guerreiros,
De couraças e penachos e espadas e estandartes,
os que fizeram a conquista
das selvas e dos Andes:
Os cavalos andaluzes, cujos nervos
têm chispas da raça voadora dos árabes
estamparam suas gloriosas ferraduras
nos secos pedregais,
nos úmidos pântanos,
nos rios ressoantes,
nas neves silenciosas,
nos pampas, nas serras, nos bosques e nos vales.
Os cavalos eram fortes!
Os cavalos eram ágeis!

Um cavalo foi o primeiro,
nos tórridos pantanais,
quando um grupo de Balboa caminhava
despertando as solidões adormecidas,
que imediatamente deu o aviso
do Pacífico Oceano, porque rajadas de ar
ao olfato lhe trouxeram
as salinas umidades;
e o cavalo de Quesada, que no alto
se deteve vendo, no fundo dos vales,
de uma torrente a lambada
como o gesto de uma cólera selvagem,
saudou com um relincho
a planície interminável...
e desceu com fácil trote,
os degraus dos Andes,
como por escadas milenares
que rangiam sob o golpe dos cascos musicais...
Os cavalos eram fortes!
Os cavalos eram ágeis!
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OS ANDES

Qual de Laocoonte a escultural serpente
trançando grandes mármores desnudos,
atam os Andes os seus nós nervudos
pelo corpo de todo um continente.

Horror dantesco estremecer se sente
por sobre esse tropel de heróis membrudos
que se alçam com graníticos escudos
e com elmos de prata refulgente.

Faz-se de cada herói a ânsia infinita
porquanto quer gritar, treme e dá salto,
e parte-se de dor... porém não grita.

Apenas deixa, estático e sombrio,
lá resvalar do pico bem mais alto
a silenciosa lágrima de um rio...
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QUEM SABE?

Ó! índio que assomas à porta
da tua rústica mansão,
para minha sede tens água?
para meu frio, cobertor?
Para minha fome, tens milho?
Para meu sonho, meu rincão?
Breve quietude para minha andança?
- Quem sabe, senhor?

Índio que lavras com sofrimento
Terras que de outro dono são:
Ignoras que devem tuas
ser, por teu sangue e teu suor?
Ignoras que a temerária cobiça
séculos atrás, lhe roubou?
Ignoras que és o dono?
– Quem sabe, senhor?

Índio de fronte taciturna
e de pupilas sem fulgor,
que pensamento é o que escondes
em tua enigmática expressão?
Que é o que buscas em tua vida?
Que é o que imploras a teu Deus?
Que é o que sonha teu silêncio?
- Quem sabe, senhor?

Ó raça antiga e misteriosa
de coração impenetrável
que vês, sem gozar, a alegria
e sem sofrer vês a dor;
és augusto como os Andes,
o Grande Oceano e o Sol!
Esse teu gesto de resignação
É de uma sábia indiferença
e de um orgulho sem rancor.

Corre em minhas veias teu sangue;
E, por tal sangue, se meu Deus
me interrogasse o que eu prefiro
- cruz ou laurel, espinho ou flor
beijo que apague meus suspiros
ou fel que me acalme a canção?
responderia, duvidando
- Quem sabe, senhor?
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NOITES ANTIGAS*

I
(Espanhola)

Era um baile solene de pretéritas damas
e nobres cavalheiros de tesos colarinhos.
Fora, um jardim: havia muitos pares sozinhos,
um romorar de fontes e um tremular de ramas.

A orquetra adormecida por sobre os pentagramas;
e, com um um ritmo suave de ondas enlasguescentes,
graves damas luziam caudas desfalecentes,
bocas feitas de flores e olhos feitos de chamas.

Ao largo quadro impunham seus enérgicos toques
os galãs, passeando, com gestos orgulhosos,
os seus ilustres fraques e os seus finos estoques.

Lacrimejavam velas, palpitavam espelhos;
e, em mesas nacaradas, teciam, preguiçosos,
monótonos carteios, dsencantados velhos...

II

(Veneziana)

O marmóreo Palácio, que, nos turvos canais,
grava sua brancura como visão de encanto,
dorme: já a noite o envolve em seu manto sedoso
e uma Lua coquete ri-se nos seus cristais.

Uma gôndola sulca as águas sepulcrais;
risonho bandolim tange um galante engenho;
abrem-se gelosias; e o amoroso empenho
corre escadas rangentes e prepara punhais.

Beijo, suspiro, arrulho. (Diálogo de pombas...)
Rasga a dama ao amor a estreita vestidura,
e saltam livremente suas virgíneas pomas...

Distante remo turba a quietude... Uma terna
fuga entre abraços; e eis que, em meio à note escura,
por sobre a água estremece a luza de uma lanterna.

III

(Romana)

É a noite cesárea de uma fúnebre orgia:
Fervem festas pagãs nos jardins negrejantes.
A voz que traz o vento vem das feras distantes;
e há um acre perfume de embriaguez e agonia.

Bacanal de soldados se abre ao César, que guia
carro ebúrneo, em vertigem, entre frondes e lianas;
e, enquanto arde o clarão de cem tochas humanas,
cem fanfarras detonam em horrenda harmonia.

César manda que, em meio a essas vivas fogueiras,
para apreciar o espanto que os semblantes demuda,
cem escravos lhes soltem as feras carniceiras...

E vê-se que, de súbito, atravessa a paisagem
uma virgem cristã, castamente desnuda,
cem escravos lhes soltem as feras carniceiras...

E vê-se que, de súbito, atravessa a paisagem
uma virgem cristã, castamente desnuda,
amarrada na cauda de um cavalo selvagem...

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* Poemas publicados originalmente na Revista Americana, 1911, vol. V, segundo pesquisa de Fontes de Alencar, publicada como ensaio no JORNAL da ANE (Associação Nacional de Escritores), Ano II, n. 11, Maio de 2008, p. 12.
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Tradução de Solon Borges dos Reis e Anderson Braga Horta
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Fonte:
http://www.antoniomiranda.com.br/

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