domingo, 31 de maio de 2009

John Maxwell Coetzee (Diário de um Mau Ano)



Gênero: Ficção

«Diário de um Mau Ano» é um misto de romance e compilação de pequenos ensaios, com uma estrutura original em que cada página está dividida em três partes: a primeira com os ensaios propriamente ditos, a segunda com o diálogo entre o escritor dos ensaios e a sua datilógrafa, Anya, e a terceira com o diálogo entre esta e o seu marido, Alan.

O romance baseia-se na história da escrita dos ensaios, elaborados por um escritor em final de vida que assume que já não tem capacidade para escrever romances e que por isso aceitou um convite de uma editora para que participasse num livro que reune ensaios de vários escritores. Atraído por uma jovem que mora no mesmo prédio, convida-a para que seja sua datilógrafa, sob a suspeita do seu marido de que o escritor pretenda algo mais. No desenrolar da história, criam-se e acentuam-se as divergências entre Alan e os escritos de JC, algo ingênuos do ponto de vista de Anya e completamente ultrapassados segundo o ultra-liberal Alan. À medida que se estreita uma relação de amizade e compaixão entre Anya e JC, o radicalismo de Alan acentua-se conduzindo a narrativa a uma situação de ruptura entre as personagens, num desenlace onde os valores de JC são postos à prova.

Os ensaios são pertinentes na forma como abordam as temáticas contemporâneas subjacentes (em 2007), assim como pertinentes são os comentários de Anya e Alan aos mesmos. Num jogo em que o leitor pode ser levado a pensar que as opiniões transmitidas nos ensaios equivalem às opiniões de Coetzee, os comentários das outras duas personagens a essas mesmas opiniões funcionam como um contraponto, que convidam a uma reflexão e a uma chamada de atenção sobre as várias formas de abordar cada temática e as sensibilidades que podem ser tomadas relativamente à mesma, prevalecendo, nas temáticas mais explosivas, o bom senso de quem menos sabe sobre as mesmas, Anya.
Os ensaios:

1. Sobre as Origens do Estado ; 2. Sobre o Anarquismo ; 3. Sobre a Democracia ; 4. Sobre Maquiavel ; 5. Sobre o Terrorismo ; 6. Sobre os Sistemas de Guiagem ; 7. Sobre a Al-Qaeda ; 8. Sobre as Universidades ; 9. Sobre a Baía de Guantanamo ; 10. Sobre a Vergonha Nacional ; 11. Sobre a Maldição ; 12. Sobre a Pedofilia ; 13. Sobre o Corpo ; 14. Sobre o Abate de Animais ; 15. Sobre a Gripe das Aves ; 16. Sobre a Competição ; 17. Sobre o Desígnio Inteligente ; 18. Sobre Zenão ; 19. Sobre as Probabilidades ; 20. Sobre os Assaltos ; 21. Sobre os Pedidos de Desculpa ; 22. Sobre o Asilo na Austrália ; 23. Sobre a Vida Política na Austrália ; 24. Sobre a Esquerda e a Direita ; 25. Sobre Tony Blair ; 26. Sobre Harold Pinter ; 27. Sobre a Música ; 28. Sobre o Turismo ; 29. Sobre o Uso do Inglês ; 30. Sobre a Autoridade na Ficção ; 31. Sobre a Outra Vida

1. Um Sonho ; 2. Sobre a Correspondência de Admiradores ; 3. O Meu Pai ; 4. Insh'allah ; 5. Sobre a Emoção das Massas ; 6. Sobre a Barafunda da Política ; 7. O Beijo ; 8. Sobre a Vida Erótica ; 9. Sobre o Envelhecimento ; 10. Ideia para uma História ; 11. La France Moins Belle ; 12. Os Clássicos ; 13. Sobre a Vida da Escrita ; 14. Sobre a Língua Materna ; 15. Sobre Antjie Krog ; 16. Sobre Ser Fotografado ; 17. Sobre Ter Pensamentos ; 18. Sobre os Pássaros do Ar ; 19. Sobre a Compaixão ; 20. Sobre as Crianças ; 21. Sobre a Água e o Fogo ; 22. Sobre o Enfado
23. Sobre J.S. Bach ; 24. Sobre Dostoievski

Excerto:

O Estado coloca um escudo à volta da economia. Além disso, por enquanto, por falta de melhor meio, toma as decisões macroeconomicas quando precisam de ser tomadas e fá-las cumprir; mas isso é outra história para outro dia. Escudar a economia não é banditismo, Anya. Pode degenerar em banditismo, mas estruturalmente não é banditismo. O problema do teu Señor C é que não é capaz de pensar estruturalmente. Para onde quer que olhe, vê motivos pessoais em ação. Quer ver crueldade. Quer ver ganância e exploração. Para ele é tudo um jogo de moralidade, o bem contra o mal. O que ele não consegue ver ou se recusa a ver é que os indivíduos são jogadores numa estrutura que transcende os motivos individuais, que transcende o bem e o mal. Até os tipos de Camberra e das capitais dos Estados, que podem realmente ser bandidos a nível pessoal - nesse ponto estou disposto a dar a mão à palmatória -, que podem andar a traficar influências e a roubar massa à sorrelfa e a juntá-la para o seu futuro pessoal, até esses tipos trabalham dentro do sistema, quer se apercebam disso, quer não.

Dentro do mercado, digo eu.

Dentro do mercado, se quiseres. O que está para além do bem e do mal, como disse Nietzsche. Bons motivos ou maus motivos, no fim de contas são apenas motivos, vetores da matriz, que a longo prazo acabam por se nivelar. Mas o teu fulano não vê isso. Ele vem de outro mundo, doutra era. O mundo moderno está para além dele.

Fonte:
Citador

Nenhum comentário: