segunda-feira, 18 de maio de 2009

Omar Khayyam (Rubayat)

Rubaiyat é o plural da palavra persa rubai, e quer dizer quadras, quartetos. O Rubaiyat de Khayaam é composto de 120 quadras.

RUBAYAT
Omar Khayyan
1
Nunca murmurei uma prece,
nem escondi os meus pecados.
Ignoro se existe uma Justiça, ou Misericórdia;
mas não desespero: sou um homem sincero.

2
O que vale mais? Meditar numa taverna,
ou prosternado na mesquita implorar o Céu?
Não sei se temos um Senhor,
nem que destino me reservou.

3
Olha com indulgência aqueles que se embriagam;
os teus defeitos não são menores.
Se queres paz e serenidade, lembra-te
da dor de tantos outros, e te julgarás feliz.

4
Que o teu saber não humilhe o teu próximo.
Cuidado, não deixes que a ira te domine.
Se esperas a paz, sorri ao destino que te fere;
não firas ninguém.

5
Busca a felicidade agora, não sabes de amanhã.
Apanha um grande copo cheio de vinho,
senta-te ao luar, e pensa:
Talvez amanhã a lua me procure em vão.

6
Não procures muitos amigos, nem busques prolongar
a simpatia que alguém te inspirou;
antes de apertares a mão que te estendem,
considera se um dia ela não se erguerá contra ti.

7
Alcorão, o livro supremo, pode ser lido às vezes,
mas ninguém se deleita sempre em suas páginas.
No copo de vinho está gravado um texto de adorável
sabedoria que a boca lê, a cada vez com mais delícia.

8
Há muito tempo, esta ânfora foi um amante,
como eu: sofria com a indiferença de uma mulher;
a asa curva no gargalo é o braço que enlaçava
os ombros lisos da bem amada.

9
Que pobre o coração que não sabe amar
e não conhece o delírio da paixão.
Se não amas, que sol pode te aquecer,
ou que lua te consolar?

10
Hoje os meus anos reflorescem.
Quero o vinho que me dá calor.
Dizes que é amargo? Vinho!
Que seja amargo, como a vida.

11
É inútil a tua aflição;
nada podes sobre o teu destino.
Se és prudente, toma o que tens à mão.
Amanhã... que sabes do amanhã?

12
Além da Terra, pelo Infinito,
procurei, em vão, o Céu e o Inferno.
Depois uma voz me disse:
Céu e Inferno estão em ti.

13
Não vamos falar agora, dá-me vinho. Nesta noite
a tua boca é a mais linda rosa, e me basta.
Dá-me vinho, e que seja vermelho como os teus lábios;
o meu remorso será leve como os teus cabelos.

14
Tenho igual desprezo por libertinos ou devotos.
Quem irá dizer se terão o Céu ou o Inferno?
Conheces alguém que visitou esses lugares?
E ainda queres encher o mar com pedras?

15
Na sombra azulada do jardim
o ar da primavera renova as rosas
e ilumina os meigos olhos da minha amada.
Ontem, amanhã... é tão grande o prazer agora.

16
Bebo, mas não sei quem te fez, ó grande ânfora;
podes conter três medidas de vinho, mas um dia
a Morte te quebrará. Numa outra hora perguntarei
como foste criada, se foste feliz, ou por que serás pó.

17
Como o rio, ou como o vento,
vão passando os dias.
Há dois dias que me são indiferentes:
O que foi ontem, o que virá amanhã.

18
Não me lembro do dia em que nasci;
não sei em que dia morrerei.
Vem, minha doce amiga, vamos beber desta taça
e esquecer a nossa incurável ignorância.

19
Khayyam, enquanto erguias a tenda da Sabedoria,
caíste na fogueira da dor; agora és cinzas.
O Anjo Azrail cortou as cordas da tua tenda
e a Morte vendeu-a por uma ninharia.

20
É inútil te afligires por teres pecado;
também é inútil a tua contrição:
além da morte estará o Nada,
ou a Misericórdia.

21
Cristãos, judeus, muçulmanos, rezam,
com medo do inferno; mas se realmente soubessem
dos segredos de Deus, não iam plantar
as mesquinhas sementes do medo e da súplica.

22
Na estação das rosas procuro um campo florido
e sento-me à sombra com uma linda mulher;
não cuido da minha salvação: tomo o vinho
que ela me oferece; senão, o que valeria eu?

23
O vasto mundo: um grão de areia no espaço.
A ciência dos homens: palavras. Os povos,
os animais, as flores dos sete climas: sombras.
O profundo resultado da tua meditação: nada.

24
Eu estava com sono e a Sabedoria me disse:
A rosa da felicidade não se abre para quem dorme;
por quê te entregares a esse irmão da morte?
Bebe vinho; tens tantos séculos para dormir.

25
Admito que já resolveste o enigma da Criação;
e o teu destino? Aceito que desvendaste a Verdade;
e o teu destino? Está bem, viveste cem anos felizes
e ainda tens muitos para viver; e o teu destino?

26
Ninguém desvendará o Mistério. Nunca saberemos
o que se oculta por trás das aparências.
As nossas moradas são provisórias, menos aquela última.
Não vamos falar, toma o teu vinho.

27
Olha, um dia a alma deixará o teu corpo
e ficarás por trás do véu, entre o Universo
e o desconhecido. Enquanto não chega a hora,
procura ser feliz. Para onde irás depois?

28
Os sábios mais ilustres caminharam nas trevas da ignorância,
e eram os luminares do seu tempo.
O que fizeram? Balbuciaram algumas frases confusas,
e depois adormeceram, cansados.

29
A vida é um jogo monótono que dá dois prêmios:
A Dor e a Morte.
Feliz a criança que expirou ao nascer;
mais feliz quem não veio ao mundo.

30
Na feira que atravessas não procures amigos
ou abrigo seguro. Aceita a dor que não tem remédio
e sorri ao infortúnio; não esperes que te sorriam:
Seria tempo perdido.

31
O mundo gira, distraído dos cálculos dos sábios.
Renuncia à vaidade de contar os astros
e lembra-te: vais morrer, não sonharás mais,
e os vermes da terra cuidarão do teu cadáver.

32
Aquele que criou o Universo e as estrelas
exagerou quando inventou a dor.
Lábios vermelhos como rubis, cabelos perfumados,
quantos sois no mundo?

33
Velho mundo sob o passo do cavalo branco e negro
dos dias e das noites, és o palácio triste onde mil Djenchids
sonharam com a glória e mil Bahrams com o amor,
e a cada manhã acordavam chorando.

34
Sono sobre a terra, sono debaixo da terra.
Sobre a terra, sob a terra: homens deitados.
Nada em toda a parte. Deserto.
Homens chegam, outros partem.

35
Enquanto o rouxinol lhe entoava um hino,
murchou a bela rosa por causa do vento sul.
Lamentaremos por ela ou por nós?
Quando morrermos, outra rosa desabrochará.

36
Se não tiveste a recompensa que merecias,
não te importes, não esperes nada;
já estava tudo nas páginas daquele livro
que o vento da eternidade vai virando ao acaso.
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Fontes:
KHAYYAM, Omar. Rubaiyat. Tradução de Alfredo Braga.eBookLibris, 2003.
Capa do Livro = http:// http://www.portaldetonando.com.br/

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