sábado, 22 de abril de 2023

Vanice Zimmerman (Tela de Versos) 15

 

Lima Barreto (Eficiência militar)

(Historieta chinesa)

LI-HU ANG-PÔ, vice-rei de Cantão, Império da China, Celeste Império, Império do Meio, nome que lhe vai a calhar, notava que o seu exército provincial não apresentava nem garbo marcial, nem tampouco, nas últimas manobras, tinha demonstrado grandes aptidões guerreiras.

Como toda a gente sabe, o vice-rei da província de Cantão, na China, tem atribuições quase soberanas. Ele governa a província como reino seu que houvesse herdado de seus pais, tendo unicamente por lei a sua vontade.

Convém não esquecer que isto se passou, durante o antigo regime chinês, na vigência do qual, esse vice-rei tinha todos os poderes de monarca absoluto, obrigando-se unicamente a contribuir com um avultado tributo anual, para o Erário do Filho do Céu, que vivia refestelado em Pequim, na misteriosa cidade imperial, invisível para o grosso do seu povo e cercado por dezenas de mulheres e centenas de concubinas. Bem.

Verificado esse estado miserável do seu exército, o vice-rei Li-Huang-Pô começou a meditar nos remédios que devia aplicar para levantar-lhe o moral e tirar de sua força armada maior rendimento militar. Mandou dobrar a ração de arroz e carne de cachorro, que os soldados venciam. Isto, entretanto, aumentou em muito a despesa feita com a força militar do vice-reinado; e, no intuito de fazer face a esse aumento, ele se lembrou, ou alguém lhe lembrou, o simples alvitre de duplicar os impostos que pagavam os pescadores, os fabricantes de porcelana e os carregadores de adubo humano - tipo dos mais característicos daquela babilônica cidade de Cantão.

Ao fim de alguns meses, ele tratou de verificar os resultados do remédio que havia aplicado nos seus fiéis soldados, a fim de dar-lhes garbo, entusiasmo e vigor marcial.

Determinou que se realizassem manobras gerais, na próxima primavera, por ocasião de florirem as cerejeiras, e elas tivessem lugar na planície de Chu-Wei-Hu - o que quer dizer na nossa língua: "planície dos dias felizes". As suas ordens foram obedecidas e cerca de cinquenta mil chineses, soldados das três armas, acamparam em Chu-Wei-Hu, debaixo de barracas de seda. Na China, seda é como metin aqui.

Comandava em chefe esse portentoso exército, o general Fu-Shi-Tô que tinha começado a sua carreira militar como puxador de tilburi em Hong-Kong. Fizera-se tão destro nesse mister que o governador inglês o tomara para o seu serviço exclusivo.

Este fato deu-lhe um excepcional prestígio entre os seus patrícios porque, embora os chineses detestem os estrangeiros, em geral, sobretudo os ingleses, não deixam, entretanto, de ter um respeito temeroso por eles, de sentir o prestígio sobre-humano dos "diabos vermelhos", como os chinas chamam os europeus e os de raça europeia.

Deixando a famulagem do governador britânico de Hong-Kong, Fu-Shi-Tô não podia ter outro cargo, na sua própria pátria, senão o de general no exército do vice-rei de Cantão. E assim foi ele feito, mostrando-se desde logo um inovador, introduzindo melhoramentos na tropa e no material bélico, merecendo por isso ser condecorado com o dragão imperial de ouro maciço. Foi ele quem substituiu, na força armada cantonesa, os canhões de papelão, pelos do Krupp; e, com isto, ganhou de comissão alguns bilhões de taels (moeda chinesa), que repartiu com o vice-rei. Os franceses do Canet queriam lhe dar um pouco menos, por isso ele julgou mais perfeitos os canhões do Krupp, em comparação com os do Canet. Entendia, a fundo, de artilharia, o ex-fâmulo do governador de Hong-Kong.

O exército de Li-Huang-Pô estava acampado havia um mês nas "planícies dos dias felizes", quando ele se resolveu ir assistir-lhe as manobras, antes de passar-lhe a revista final.

O vice-rei, acompanhado do seu séquito, do qual fazia parte o seu exímio cabeleireiro Pi-Nu, lá foi para a linda planície, esperando assistir manobras de um verdadeiro exército germânico. Antegozava isso como uma vítima sua e, também, como constituindo o penhor de sua eternidade no lugar rendoso de quase rei da rica província de Cantão. Com um forte exército à mão, ninguém se atreveria a demiti-lo dele. Foi.

Assistiu as evoluções com curiosidade e atenção. A seu lado, Fu-Shi-Pô explicava os temas e os detalhes do respectivo desenvolvimento, com a abundância e o saber de quem havia estudado Arte da Guerra entre os varais de um cabriolé.

O vice-rei, porém, não parecia satisfeito. Notava hesitações, falta de élan (brio) na tropa, rapidez e exatidão nas evoluções e pouca obediência ao comando em chefe e aos comandados particulares; enfim, pouca eficiência militar naquele exército que devia ser uma ameaça à China inteira, caso quisessem retirá-lo do cômodo e rendoso lugar de vice-rei de Cantão. Comunicou isto ao general que lhe respondeu:

— É verdade o que Vossa Excelência Reverendíssima, Poderosíssima, Graciosíssima, Altíssima e Celestial diz; mas os defeitos são fáceis de remediar.

— Como? – perguntou o vice-rei.

— É simples. O uniforme atual muito se parece com o alemão: mudemo-lo para uma imitação do francês e tudo estará sanado.

Li-Huang-Pô pôs-se a pensar, recordando a sua estadia em Berlim, as festas que os grandes dignatários da corte de Potsdam lhe fizeram, o acolhimento do Kaiser e, sobretudo, os taels que recebeu de sociedade com o seu general Fu-Shi-Pô... Seria uma ingratidão; mas... Pensou ainda um pouco e, por fim, num repente, disse peremptoriamente:

— Mudemos o uniforme, e já!

(Careta, Rio, 9-9-1922)

Fonte:
Disponível em Domínio Público.
Lima Barreto. O homem que sabia javanês. Publicado originalmente em 1911.

Lélia Miguel Moreira de Lima (Buquê de Trovas)


Admirar tanta beleza,
na densa e bela floresta,
não só pela realeza
e nem do que dela resta.
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A prece muito me acalma,
faz dormir a incerteza.
A prece refaz minha alma,
com fé e muita pureza.
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Aquela folha que vaga,
naquela mata, sou eu!
Aquele vento que afaga,
lembra quando eras meu.
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Assim diz velho ditado;
"O respeito é bom e eu gosto!"
Mesmo sendo criticado,
nisto tudo sempre aposto.
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Cada vez que me refaço,
logo fico mais conciso,
e o orgulho ganha espaço,
é tudo que mais preciso.
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Calmamente aparecendo,
se vê a chuva caindo,
mansamente vem chegando,
para o verde ficar lindo,
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Colorida é nossa vida,
cheia de muita esperança,
história muito vivida,
plena de amor e lembrança.
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Ele está sempre a sonhar
que já é um milionário,
não crê que está a pensar
que também é visionário.
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Em berço de ouro nasceu,
em boa hora chegou,
a sorte lhe apareceu
e bons caminhos trilhou.
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E sempre em plena bonança,
brincar na lama gostava,
nos bons tempos de criança,
em casa, a vara cantava.
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Eu quero chorar seu choro,
quero sorrir seu sorriso.
Eu venho implorar em coro,
pois nada foi de improviso.
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Eu quisera nesta vida,
ver amor nos corações,
também andar na avenida,
dos anjos ouvir canções.
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Eu vivo nesta esperança
de jamais ter desencanto.
Bons momentos na lembrança,
é a vida um belo encanto.
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Feliz é estar a seu lado,
seu olhar aquece o inverno,
Sem você tudo é findado,
para mim, será eterno.
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Feliz quem tem esperança,
jamais chega a esmorecer.
A vida, sempre em bonança,
nunca se deixa abater.
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Fuga, refúgio incerto,
se não podemos estar,
é o caminho correto
para o problema enfrentar.
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Impressionante conduta,
sempre com muita coerência.
Sabendo usar a batuta,
incomparável cadência.
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Ipês cobrem a selva,
de mil cores iluminam
e na linda e humilde relva
muitas flores o sublimam.
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Lindos lugares eu vi,
não há como contestar:
Ceará nunca esqueci,
quero o mais breve voltar.
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Ninguém espera uma crise,
precisamos preparar.
Se pressenti-la me avise,
não podemos assustar.
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Nós mudamos de morada,
muitas coisas descartamos.
Basta esperar a alvorada
que sempre nos contentamos.
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Qual centelha faiscante,
sua amizade, para mim,
mesmo estando tão distante,
encanta como jasmim.
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Quando menos esperamos,
deparamos com mudança,
nossos gostos contrapomos,
partimos para bonança.
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Saudade palavra doce,
anima nosso viver,
bom seria se assim fosse,
bons momentos reviver.
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Sem batom não temos cor,
e sem sol não temos vida,
sem luar nos falta amor
sem saúde falta lida.
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Ter humildade na vida,
sempre com muita esperança.
História tão bem vivida,
cheia de amor e bonança.
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Uma amizade sincera
é difícil encontrar.
Na verdade, eu pensara:
– Mais fácil, um cão adestrar.
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Fonte:
Autores diversos da UBT-Angra dos Reis. Sementes poéticas. SP: Daya Ed., 2021.
Enviado por Jessé Nascimento.

Aparecido Raimundo de Souza (Palavras à juventude)

OS GRITOS DE REBELDIA e de clamores em uníssonos que frequentemente lançam aos quatro cantos do mundo os nossos jovens, obviamente necessitam de respostas rápidas, claras e imediatas. Aliás, exigem palavras de força e poder, energia e vigor, palavras de ordem, como as de um mantra, que os coloquem nos caminhos da realidade e lhes mostrem com toda clareza possível, que não podem haver soluções para as questões individuais e sociais, enquanto os homens não começarem por conhecerem melhor as prerrogativas que lhes deparam as ativações conscientes de seus mecanismos psico-espirituais. 

Todos, indistintamente, se rebelam, se indisciplinam, se amotinam e se tumultuam frente a sistemas pedagógicos ensaiados e sem êxito. Em outras palavras: capengas e obsoletos, reclamam, e com razão, uma preparação integral para a vida e sabemos, têm direitos a ela. Os vazios e superficiais, ainda que as lacunas frívolas das inexperiências, imprescindivelmente carecem ser supridas e adjudicadas, fornidas e abastecidas com o conhecimento de fatores básicos que desenvolvam um critério lógico e próprio e, que ao mesmo tempo, lhes permitam resolver humana e condignamente os entraves diários, e ainda, lhes facultem formar, com o mínimo de lucidez e acerto, um destino verdadeiramente promissor e venturoso. Tipo um porvir sem falhas ou meios termos.

Essas gerações que aí estão, e a cada dia vemos sair à luta por seus ideais, esperam encontrar no amanhã a base sólida para suas reivindicações mais prementes. Prescindem de um esteio, de uma mão firme que as guiem pelas vias da superação individual. Isso as impulsionarão a olharem, via do sucesso pleno, para o futuro, eis que levam no sangue o mandado da constante renovação, incumbência que não só atingirá o progresso material, como também o espiritual, baluartes dignos dos fortes que, insatisfeitos por viverem em um mundo convulsionado por interesses mesquinhos e subalternos, pelejam por uma vida melhor e menos degradante. 

Os nossos jovens carecem, portanto, de estímulos nobres e raciocínios fecundos a respeito de suas condutas e perspectivas pósteras. Urge, sem mais delongas, se instruírem a respeito do conteúdo informativo das perícias e práticas da vida cotidiana, base fundamental do comportamento humano e social. Não será evidentemente pelo trilhar do descontrole e dos desacertos, das desarmonias e heterodoxias que acharão as soluções das questões intrínsecas que os oprimem e perturbam. Necessitamos, pois, encarregarmos as gerações de hoje e as vindouras, no tocante a avançarem até as altas regiões dos entendimentos, ou até a explicação do mais escondido dos mistérios para a realização plena de seus espíritos. 

Quando todas as coisas trazidas acima forem inquestionáveis, certamente diminuirão as distâncias para alcançarem o equilíbrio pleno entre os grandes avanços científicos e técnicos e os que concernem à natural essência do ser pensante. Sendo assim, legar aos moços uma capacitação integral é assegurar-lhes uma existência digna e nobre, correta e honrosa, vitoriosa e benemérita. Com esses e outros privilégios poderão se considerar donos e senhores dos seus reinados. Ninguém ousará violar ou macular a felicidade conquistada. E ao chegarem à idade madura, suas integridades serão invioláveis e invulneráveis. 

Esta é a mensagem que dirijo a todos os jovens desse Brasil grandioso e sem fronteira, a se unirem no propósito único da reconstrução que nos alimenta. Estamos ainda, a bem da verdade, no tempo de dar o grandioso exemplo. Por fim, anunciarmos entre brados e vivas aos quatro cantos do mundo que nas entranhas do nosso coração, da nossa alma, do nosso ser, a América está gestando o futuro promissor da humanidade. 

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Stephanie Wong Ken (Dicas de Escrita) Formas de Criar um Vilão Verossímil em Ficção, parte 2, final

MÉTODO 2: DANDO UM PASSADO AO VILÃO

1) Dê um nome diferente ao vilão 

O nome do personagem deve se destacar do resto e ter uma energia sinistra. Pode ser um apelido que ele recebeu no passado, ter a ver com algo que a pessoa viveu ou estar relacionado à aparência física dela.

Por exemplo: o vilão "Voldemort", de Harry Potter, tem um nome ameaçador e sinistro, enquanto "Sr. Tom Ripley", de O Talentoso Ripley, traz um ar de frieza.

2) Dê destaque ao passado sombrio do vilão 

Pense na história do vilão, incluindo uma infância ou adolescência difícil, para gerar empatia dos leitores. Em vez de ele nascer mau, mostre como ele se tornou mau. Explore o que aconteceu para ele passar para o lado errado.

Por exemplo: você pode dar ao vilão uma infância violenta, na qual ele sofria bullying de outras crianças ou era negligenciado pelos pais, ou até pensar em um personagem que foi vítima de algum abuso e acabou mudando de lado.

Você também pode criar um vilão que não se sente amado pelos parentes ou amigos e, assim, é levado a se tornar vingativo e irado.

3) Identifique quando o vilão se tornou mau

Determine o principal momento ou experiência em que o vilão passou do lado bom ao mau. Inclua esse momento como uma cena na obra para mostrar a transformação aos leitores. Ele pode ter acontecido na infância, quando o personagem foi negligenciado pela família, ou até na idade adulta, depois de viver algo traumático.

Por exemplo: o seu personagem pode ter ficado mau depois de ser humilhado pelos colegas de escola na frente da pessoa de quem ele gostava ou após ver a sua família ser assassinada.

4) Determine quais são os valores morais e as crenças do vilão

Até os vilões seguem sistemas de honra e códigos morais. Pense no que o seu personagem acredita — mesmo que seja algo distorcido e fora da realidade — para deixar isso claro e torná-lo mais verossímil para os leitores.

Por exemplo: o seu vilão pode acreditar que todos devem seguir as leis, sem quaisquer exceções. Isso vai tornar o personagem ainda mais vilanesco, já que ele tem uma visão "preto no branco" do mundo à sua volta e é indiscriminado na hora de punir os infratores.

MÉTODO 3: TORNANDO O VILÃO COMPLEXO E VEROSSÍMIL

1) Dê alguns traços positivos ao vilão

Não dê somente características perversas ao personagem, ou ele vai ficar unidimensional e nada interessante. Pense também em traços positivos e complexos, capazes de mostrar que ele tem um lado humano.

Por exemplo: o seu vilão pode ser dedicado à família e fazer de tudo para protegê-la; ou pode ser implacável em defesa dos animais e da natureza.

Pense em um objetivo ou desejo que oriente toda a jornada do vilão. Esse objetivo ou desejo pode ser errado ou mal-intencionado, mas o vilão ainda precisa de uma motivação. Mostre aos leitores o que ele quer na história para deixar claro que é um personagem vivo e pensante. Esse objetivo deve manter o enredo mais chamativo e cheio de reviravoltas.

Por exemplo: o vilão pode querer se vingar do assassino da família ou apenas criar laços afetivos e de amizade com alguém.

2) Descreva o vilão em detalhes vívidos

Seja específico em relação à forma de o vilão andar, falar e se mexer na história. Dê traços que sejam distintos, como uma cicatriz no roto ou algo do tipo, além de hábitos e tiques nervosos.

Por exemplo: J. K. Rowling descreve Voldemort como alguém pálido, com fendas no lugar do nariz, de olhos vermelhos e com uma voz sibilante, parecida à de uma serpente.

A autora deixa clara a semelhança do vilão com os répteis, que são traiçoeiros, sorrateiros e perigosos.

3) Dê ao vilão uma forma distinta de falar

Torne o diálogo particular ao personagem. Pense em como o vilão fala em cada cena e encha-o de personalidade (assim como o protagonista).

Por exemplo: o vilão pode falar de maneira formal, mesmo quando está insultando os seus oponentes, ou ser calado ou monossilábico, até quando está prestes a ferir alguém.

Inspire-se em frases clássicas de vilões, como "Diga adeus aos seus sonhos" ou "Você achou mesmo que podia me derrotar?".

4) Torne o vilão tão esperto e capaz quanto o protagonista

O vilão tem que estar no mesmo nível físico e mental que o personagem principal para que o enredo da obra progrida normalmente. Dessa forma, ele vai ser mais interessante para os leitores do que se fosse bobo e truculento.

Por exemplo: o vilão Professor Moriarty, de Sherlock Holmes, é tão inteligente e astuto quanto o próprio detetive. Ele dificulta a vida de Holmes mais e sempre deixa tudo mais arriscado.

5) Faça o protagonista e o vilão entrarem em conflito

Os dois personagens sempre têm que estar no caminho um do outro. O vilão deve ser um obstáculo para o herói, o que vai gerar a tensão no enredo da obra.

Por exemplo: o vilão pode tentar fazer mal a todas as pessoas que são importantes para o herói, enquanto o protagonista tenta salvar a vida delas. Talvez os dois entrem em conflito para conseguir exatamente a mesma coisa.

Referências
1. https://www.writingforward.com/storytelling/create-a-villain
2. https://www.theparisreview.org/interviews/5653/stephen-king-the-art-of-fiction-no-
189-stephen-king
3. https://www.jerryjenkins.com/makes-great-villain-checklist-writing-good-bad-guy/
4. http://www.writersdigest.com/online-editor/6-ways-to-write-better-bad-guys
5. https://infinite-pathways.org/2017/06/07/how-to-create-credible-female-villains/
6. http://www.revistaestante.fnac.pt/10-grandes-viloes-da-literatura/
7. http://www.telegraph.co.uk/books/what-to-read/greatest-villains-literature/gil-martin/
8. http://www.scriptmag.com/features/ask-the-expert-how-to-create-a-great-villain
9. https://www.writingforward.com/storytelling/create-a-villain
10. http://www.writersdigest.com/online-editor/6-ways-to-write-better-bad-guys
11. https://infinite-pathways.org/2017/06/07/how-to-create-credible-female-villains/
12. https://www.nownovel.com/blog/how-to-create-a-great-villain/
13. http://www.writersdigest.com/online-editor/6-ways-to-write-better-bad-guys
14.http://inkandquills.com/2015/12/24/writing-101-creating-a-successful-hero-andvillain/
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Stephanie Wong Ken é uma escritora que mora no Canada. Seus textos já foram publicados por Joyland, Catapult, Pithead Chapel, Cosmonaut's Avenue e outras. Possui Mestrado em Ficção e Escrita Criativa, pela Portland State University.

Fonte:

sexta-feira, 21 de abril de 2023

José Fabiano (Muros de Trovas) 08

 

A. A. de Assis (A poeta ou a poetisa?)

Se alguém me perguntar se acho melhor ser chamado de idoso ou de velho, responderei que de velho. Melhor ainda: velhinho. Simples questão de preferência. Da mesma forma, e por igual razão, pode a autora de poemas denominar-se “a poeta” ou “a poetisa”. 

Fiz há algum tempo, via internet, em pesquisa informal cobrindo seis estados, a seguinte pergunta a 30 amigas que escrevem belos versos: – Você prefere ser tratada como “a poetisa” ou “a poeta”? –  14 disseram preferir “a poeta”, 9 “a poetisa”, 4 não responderam, e 3 se disseram indiferentes.

Na verdade, tal problema vem-se arrastando desde o início do século 19, quando surgiram em jornais e livros os primeiros poemas em língua portuguesa assinados por mulheres. Que nome dar a elas?

Poderiam os gramáticos e dicionaristas, já naquela época,  ter acomodado o substantivo “poeta” no grupo dos chamados “comuns de dois gêneros”, em meio a tantos outros terminados em “a”: o acrobata – a acrobata, o diplomata – a diplomata, o artista – a artista, o pianista – a pianista, o atleta – a atleta, o carioca – a carioca, o colega – a colega.    

Optaram eles, no entanto, pela formação do feminino mediante o acréscimo do sufixo “isa”, seguindo a linha dos nomes de cunho mitológico-religioso: diaconisa, pitonisa, profetisa, sacerdotisa. Assim entrou em circulação a forma “poetisa”, que até hoje perdura como feminino “oficial” de “poeta”. O Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa (1992), de Antônio Geraldo da Cunha, dá a palavra “poetisa” como “nascida” em 1813.

A partir, porém, da segunda metade do século 20, a forma “oficiosa” “a poeta” assumiu, como diriam os economistas, “viés de alta”. E em alta permanece, embora enfrentando ainda certa resistência, até de alguns gramáticos e dicionaristas, os quais, por prudência, costumam dar longo tempo ao tempo antes de assimilar novas tendências.

As duas formas – a poeta e a poetisa – têm seus defensores. A língua, entretanto, evolui naturalmente, e o que tem que acontecer acaba acontecendo. O “viés de alta” a favor de “a poeta” parece ser mais um desses fenômenos que ninguém consegue evitar. Fatores diversos concorrem nesse sentido, entre os quais os seguintes:        

1. há mais de meio século o feminino “a poetisa” vem sofrendo um processo de depreciação semântica;

2. a lei do menor esforço incentiva a opção pela palavra mais curta;

3. a mídia, que influi fortemente nos hábitos linguísticos do povo, tem demonstrado nítida preferência por “a poeta”.

Resta esperar para conferir. A língua, ao longo do tempo, já resolveu problemas bem mais complicados, e esse aí não ficará sem solução. Hão de um dia chegarem todos a um consenso quanto à maneira de nos referirmos às autoras de poemas. Até lá, o que de fato importa é que escrevam bons versos. E isso elas sabem fazer muitíssimo bem.

Fonte:
Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá, 23-3-2023. Obtida no Facebook do autor em 20.04.2023.

Filemon Martins (Poemas Escolhidos) XX

 A DESCONHECIDA

Ela chegou, sorriu. Não disse nada
e foi entrando sem pedir licença.
Depois, falou em tom de uma sentença;
"Eu vou fazer daqui minha morada."

Que conversa maluca e atrapalhada,
não vou brigar nem quero desavença
e mostrando tristeza e indiferença,
eu saí pela porta escancarada.

Depois, voltei e vi por uma fresta,
o clima que reinava era de festa,
muita música e alegria de verdade.

Um dia, ela partiu sentenciando:
contigo estive e andavas poetando,
— não soubeste que sou tua metade.
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AMOR E PAZ

Hoje, pensei na paz do teu amor
que a minha vida triste, ganharia
e lembrando que fui um sofredor,
não sinto mais o fel dessa agonia.

Não desejei ser grande nem senhor,
que o teu amor a mim já bastaria,
hoje sou mais feliz, sou servidor
e cultuo o teu ser, estrela guia.

O amor que nos uniu na caminhada
trouxe-nos paz, ventura à nossa estrada
e a água que faltava em meu deserto.

E ao recordar vitórias alcançadas,
meu desejo é sonhar nas madrugadas
sabendo que estarás aqui bem perto!
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DESPEDIDA

É tempo de partir... Quanta amizade
a gente vai deixando para trás.
Meu coração recorda com saudade
os tempos idos que a memória traz.

Vão-se os amores, sonhos e a vaidade,
tudo passou tão rápido e fugaz…
são lembranças da própria mocidade,
são saudades dos tempos de rapaz.

A Esperança que outrora me seguia
transformou-se em desgosto e nostalgia
ao recordar a mágoa que me oprime.

Chegando ao fim deste roteiro santo,
que eu possa ser a Luz que brilha tanto
que no meu verso a Inspiração sublime.
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LEMBRANDO O LAVRADOR

Eu me levanto cedo e abro a janela
para ver o romper da madrugada,
a Natureza em festa se revela
numa canção de amor bem orquestrada.

O Universo, de luz, parece tela
por um pintor supremo, executada,
tornando-se elegante passarela
onde faz coro a alegre passarada.

O sol desponta, quero uma caneta,
mas a enxada é que vem para a retreta
e quer dançar comigo no roçado...

A enxada tine e estronda pelo eito,
vou capinar a terra do meu jeito
só amanhã, que agora estou cansado!
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MEUS PESARES

Faz tanto tempo, eu me recordo agora
do amor sonhado quando jovem era,
mas que partiu levando a luz da aurora
deixando sem amor minha tapera.

Chorei e muito quando foste embora
ao constatar que a vida não espera,
e tive medo, um medo que apavora
quando se perde o amor na primavera.

Quanto tempo passou. Hoje cansado,
a lembrança avivou o meu passado,
já não procuro mais outra ilusão...

Restou somente esta saudade louca
dos beijos que deixei em tua boca,
e esta mágoa de amor no coração!

Fonte:
Enviado pelo autor.
Filemon Francisco Martins. Anseios do coração. São Paulo: Scortecci, 2011.

João Marques de Carvalho (Contos Paraenses) Desilusão

[A Fontes de Carvalho]

A sra. d. Joaquina era uma dessas impagáveis solteironas, que vivem sonhando amores e descobrindo tímidas paixões nas palavras alegremente zombeteiras dos moços que fingem corteja-las por distração.

Tinha ela a tez, — enrugada e mole como a casca do jenipapo maduro, — salpicada dessas manchas amarelas a que chamam sardas; encobria-as, em parte, com grandes e repetidas camadas de pó de arroz, comprado sempre na Loja Mariposa, da qual o co-proprietário Affonso, — o simpático Affonso, — vendia-lhe com muita dose de reclames e chamadas de atenção para a superioridade da fazenda.

Usava uns vestidos fora da moda, mal feitos, com algumas nódoas, nos quais primavam os enfeites vistosos, — uma garridice da sra. d. Joaquina.

O rosto dela denunciava 45 anos bem seguros entre os refegos* da engelhada (enrugada) epiderme, — posto que os cabelos, pretos e lustrosos como a cara suada de um negro de Minas, mostrassem porventura uma prova de menos idade.

As pessoas que viviam mais intimamente com ela murmuravam frases pouco lisonjeiras para os seus brios de "senhora bastante apresentável e digna do direito de aspirar a um bom casamento" — como ela pensava e dizia mui confidencialmente a certas amigas particulares.

Sempre houve maledicentes no mundo (salve a chapa!): foi por isso que uma dessas amigas, tendo tido uma altercação com ela, retirou-se de seu trato intimo, e espalhou pelos conhecidos a notícia de que a nossa personagem pintava os cabelos que, se não recebessem cotidianamente os respectivos afagos da esponja embebida em tintura, já deveriam estar sofrivelmente russos, quando não grisalhos. Parte dos ouvintes duvidou, supôs equivaler aquela afirmativa a uma intriga motivada pela recente inimizade; a outra parte acreditou, naturalmente.

A sra. d. Joaquina possuía uma educação medíocre, apenas suficiente para conhecer os seus deveres de "moça solteira", quanto à educação moral; quanto à intelectual, lia com desembaraço e alguns tropeços prosódicos as cartas repassadas de sentimentalidade de dois ou três namorados que tivera antigamente.

Eram essas leituras um desopilativo (divertido) benéfico para o seu “spleen*” de senhora entrada em anos e voltada à lastimosa condição de tia. Ai! A pobre d. Joaquina lastimava-se com tristeza de não haver em sua mocidade casado com o Guedes, o ferrageiro (negociante de ferragens) abastado, que se apaixonara loucamente por seus encantos, quando estes, ainda que em pequenina quantidade, escudavam-se em uns vinte e dois anos de existência. Ela não aceitara o amor dele, sonhando desposar um jovem barão, muito rico e elegante, como um que conhecera num romance do insípido Ponson du Terrail. O barão, porém, nunca apareceu. Agora era tarde para remediar o mal: o Guedes, em um momento de lúcida reflexão, resolvera viver em calmo e econômico celibato, apenas conservando em casa a Belisária, cozinheira, mulata gorda como um cevado, a qual ministrava-lhe afagos cheios de faceiros quindins, nas horas de amor, e boas tortas de camarões seguidas de compotas de delicioso bacuri, à sobremesa.

Dos outros ex-namorados a sra. d. Joaquina jamais tivera informações exatas, depois que por espontânea vontade os desenganara. Dizia-se vagamente que um fora negociar ao rio Madeira, de onde nunca regressou, talvez pela sedução de alguma iara encantadora. Do outro constava apenas que partira para seu país natal, — Portugal — afim de ir saborear à lareira, nos longos serões de inverno, — quando o suão* sibila nas grandes chaminés enegrecidas, — os suculentos nacos de paios da Beira, — daqueles paios tão glutonamente decantados pelo ilustre poeta João Penha.

Por essa arte, achava-se a sra. d. Joaquina disponível, e a dizermos tudo, deveremos acrescentar que alimentava agora umas secretas e dulçurosas esperanças de cativar o rebelde coração do Francisco da Natividade, o elegante dono de uma das melhores lojas da rua dos Mercadores. Este, porém, parecia não partilhar das mesmas intenções, porquanto ouvia-lhe os suspiros langorosos sem estremecer, sem pestanejar, sequer, em uma impassibilidade de múmia. Ela armava-lhe ratoeiras amorosas: mandava-lhe flores, fazia-lhe presentes de toalhas de labirinto e fronhas bordadas, temperava-lhe o café quando ele ia à casa da família dela, chegava-lhe fósforos acesos aos charutos, roçando os dedos nos dele, para silenciosamente lhe revelar a sua paixão.

Contudo, nada o comovia, e a sra. d. Joaquina rebelava-se intimamente contra o Francisco, quando, a sós, no momento de estender-se na sua fria rede de velha virgem, passava em revista pela memória todos os seus atos relativos ao bom andamento daquele amor.

Tal era o estado do coração da boa senhora na época em que o Natividade apresentou-lhe um sobrinho seu, recentemente chegado de Portugal.

A fina amabilidade do jovem lisboeta, de uma elegância tão natural, atraiu as boas graças da digna solteirona, que logo simpatizou com ele. Em menos de um mês o Raul tinha na sra. d. Joaquina uma amiga sincera, uma atenciosa admiradora do "seu caráter austero."

Ele, para retribuir-lhe as afabilidades, redobrava de cumprimentos, desfazia-se nas mais requintadas delicadezas.

Levada pelas erupções daquele seu coração vulcânico, ela começou a amar ao sobrinho, com o mesmo ardor com que pouco antes amara ao tio, o Francisco da Natividade. Cedo surpreendeu o bom moço as amorosas manobras da sra. d. Joaquina, e, julgando-o necessário, inteirou o parente sobre o afeto dela, para obedecer aos ditames do dever. Ambos riram-se muito da nova asneira da irrisória senhora.

Ou porque trouxesse de Lisboa os germes de uma bronquite, ou porque, já no Pará, apanhasse alguma constipação, Raul adoeceu, ficou pálido, perseguido por uma pequena tosse, e uma tarde, após o jantar, sentiu uma sufocação, seguida de agudas dores na parte interna do tórax, as quais comunicavam-lhe com as omoplatas. Como tivesse vontade de cuspir, curvou-se a meio sobre uma escarradeira e expeliu um pouco de sangue vivo.

— Santo Deus, que vejo?! — exclamou o tio, assustado. — Já, um medico, depressa! continuou, a correr atônito pela sala....

O facultativo chamado receitou-lhe um medicamento adequado, que estancou o sangue, e retirou-se depois de haver feito duas ou três recomendações sobre o tratamento.

Raul melhorou: dormiu bem durante a noite. Na tarde seguinte, porém, teve uma verdadeira e forte hemóptise*. Lá foi o moleque chamar novamente o doutor.

Depois de ausculta-lo, e interrogar sobre a vida passada e climas em que habitara, o médico aconselhou-o a partir para Portugal assim que pudesse. Assoberbado por tão assustadora recomendação, o bondoso Francisco da Natividade tratou logo de mandar o sobrinho pelo paquete que do Pará saiu seis dias depois.

No momento em que Raul despedia-se da sra. d. Joaquina, esta, chorando verdadeiras lágrimas de dó e de saudade, tirou do bolso uma carta lacrada a vermelho e deu-a ao enfermo, dizendo-lhe:

— Tome, seu Raul. Guarde isto. Quando chegar a Lisboa, leia e faça o que lhe peço. Mas, antes não a abra, pelo amor de Deus!

— Sim, minha senhora.... Os seus pedidos são ordens para mim.... Adeus!

Chegando á cidade do Tejo, estava Raul em um auspicioso pé de restabelecimento. Todavia, entrou a medicar-se com cuidado, resguardando-se de tudo quanto pudesse fazer-lhe mal. Estes úteis entretenimentos levaram-no a esquecer-se da sra. d. Joaquina.

Passaram os meses. Raul ficou curado: estava gordo e forte. Como os médicos lhe recomendassem que não viesse ao Brasil, tratou de procurar emprego no continente. Achou um, que pareceu-lhe agradável. Fez-se caixeiro viajante de uma conceituada casa comercial, para ir fazer cobranças pelas províncias.

Na véspera do dia em que tinha de seguir para a primeira excursão, — ao Alentejo, — estava ele arrumando umas roupas, quando, introduzindo a mão no bolso de um paletó que só vestia em viagem, encontraram seus dedos um objeto qualquer. Tirou-o para a claridade e viu uma carta toda amarrotada e suja. Reconheceu-a logo: era a carta que lhe dera a sra. d. Joaquina.

— Ah! que esquecimento o meu! — exclamou. — Que juízo não terá feito a meu respeito a impagável senhora....

E, cheio de curiosidade, rasgou o sobrescrito.

"Meu bom amigo, — leu. — Devo dizer-lhe uma coisa, que há muito aflue-me aos lábios, sem todavia sentir-me com ânimo de faze-lo: amo-o, amo-o, com todo o ardor de que é capaz o meu ardente coração! (Isto copiou ela do romance A Caridade Cristã, de Escrich, — pensou Raul). Peço-lhe que escreva-me logo, dizendo-me se fui por si acolhido o meu amor. (Aquele fui é que era genuinamente dela, só dela; o Raul bem o conheceu). Espero ansiosa a sua resposta, com a qual o meu amigo remeter-me-á meia dúzia de água circassiana, para eu dar de presente a uma conhecida minha. Disponha sempre do coração de sua eternamente, — JOAQUINA."

Raul casquinou uma sonora gargalhada terminando a leitura daquele modelo de ortografia, propriedade de termos e sintaxe; mas, logo fez-se mais sério e:

— Ora bolas! — disse. — Só os cabelos encantavam-me, por serem tão pretos e lustrosos... E era falsa aquela cor de azeviche!... Que desilusão!…
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* Vocabulário:
Refegos = dobras em pessoas gordas.
Spleen baço, segundo os gregos caracterizava sentimentos relacionados ao "pessimismo, ceticismo e um irresistível tédio.
Suão = diz-se de ou vento quente de sul e/ou de sudeste.
Hemóptise = é a eliminação de sangue do trato respiratório pela tosse.
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João Marques de Carvalho (1866-1910), escritor, diplomata e jornalista, Fundador da Academia Paraense de Letras. Foi um dos poucos escritores a conseguir na Amazônia paraense publicar uma produção literária tanto em periódicos quanto em volumes, a exemplo de poemas, contos e romances. Em prefácios de livros e publicações periódicas de naturezas diversas, o escritor paraense levantou com entusiasmo e veemência a bandeira do Naturalismo, estilo literário considerado excessivamente realista e cru, que adotou, defendeu e cultivou ao longo da carreira. Dessa maneira, Marques de Carvalho colocou- se na contracorrente da produção literária cultivada na província do Pará, pois a maioria dos colegas de ofício radicados na Belém oitocentista se demonstrava mais afeita ao Romantismo.

Fonte:
Disponível em Domínio Público.
João Marques de Carvalho. Contos Paraenses. PA: Pinto Barbosa e C., 1889. Disponível na Wikipedia. https://pt.wikisource.org/wiki/Contos_paraenses/Desillus%C3%A3o. Acesso em 21.04.2023. Convertido para o português atual por J. Feldman.

Stephanie Wong Ken (Dicas de Escrita) Formas de Criar um Vilão Verossímil em Ficção, parte 1

Um bom vilão pode ajudar a prender a atenção dos leitores e avançar o enredo de qualquer obra de ficção. Em vez de ser a personificação do mal, esse personagem tem que ser complexo e repleto de contradições, desejos e necessidades. Para criá-lo, comece fazendo um brainstorming de ideias e pense em uma história que o torne ainda mais interessante. Por fim, você também pode torná-lo complexo e verossímil para que o leitor crie uma conexão emocional com ele.

MÉTODO 1: FAZENDO UM BRAINSTORMING DE IDEIAS

1) Baseie o vilão em uma pessoa de verdade

Pense em alguém que conhece e acha um pouco maldoso ou complicado, escolha uma celebridade ou um criminoso que apareça bastante na mídia ou junte partes de várias pessoas em um personagem só.

Por exemplo: você pode usar um assassino em série da sua região ou um parente que fez algo horrível no passado como base para o vilão.

2) Use o seu maior medo para criar o vilão

Pense no que você mais teme e crie o vilão em cima disso. 

Por exemplo: se é morrer, torne o personagem a personificação da morte; se são aranhas, crie uma aranha gigante (e assim por diante). Assim, os leitores vão compartilhar da sua repulsa por ele.

Por exemplo: a vilã de Misery - Louca Obsessão, de Stephen King, foi baseada no vício em drogas e álcool que o autor enfrentou na juventude. King tinha medo desse vício e, por isso, transformou-o na personagem.

3) Torne o vilão parecido com o protagonista 

O vilão tem que ter traços e qualidades parecidos com os do protagonista (ou herói) da história, como as mesmas experiências ou a sensação de abandono na infância, por exemplo. Eles podem ter aspectos morais e valores diferentes, mas com certa semelhança — para que o leitor tenha empatia pelos dois. 

Por exemplo: o vilão pode sentir a mesma solidão que o protagonista e decidir fazer coisas violentas e maldosas para alcançar o seu objetivo, enquanto o herói vai pelo caminho da paz. 

Não use conceitos abstratos, como doenças, a guerra ou um conglomerado de empresas. Os leitores podem ter dificuldade para entender esses conceitos e, portanto, ter empatia pelo personagem. Evite-os para não causar confusão.

Se quiser usar um conceito abstrato como vilão, transforme-o em um personagem palpável. Por exemplo: crie um empresário sinistro para representar uma empresa corrupta ou um traficante de armas para representar a guerra.

4) Leia obras com bons exemplos de vilão

Busque esses exemplos em gêneros diferentes e veja como os autores os tornam críveis e interessantes para os leitores. Preste atenção às descrições físicas e às histórias dos personagens. Algumas sugestões:

Misery - Louca Obsessão, de Stephen King.
A saga Harry Potter, de J. K. Rowling.
A série As Crônicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin.
1984, de George Orwell.
O Talentoso Ripley, de Patricia Highsmith.
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continua… Método 2: Dando um passado ao vilão
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Stephanie Wong Ken é uma escritora que mora no Canada. Seus textos já foram publicados por Joyland, Catapult, Pithead Chapel, Cosmonaut's Avenue e outras. Possui Mestrado em Ficção e Escrita Criativa, pela Portland State University.

Fonte:
Wikihow. Disponível em https://pt.wikihow.com/Criar-um-Vilão-Verossímil-em-Ficção.

quinta-feira, 20 de abril de 2023

Edy Soares (Manuscritos (Di)versos) – 27: A promessa

 

Arthur de Azevedo (Banhos de mar)

Manuel Antônio de Carvalho Santos,
Negociante dos mais acreditados,
Tinha, em sessenta e tantos,
Uma casa de secos e molhados
Na Rua do Trapiche. Toda a gente
- Gente alta e gente baixa -
O respeitava. Merecidamente:

A sua firma era dinheiro em caixa.
Rubicundo, roliço,
Era já outoniço,
Pois há muito passara dos quarenta
E caminhava já para os cinquenta.
O bom Manuel Antônio
(Que assim era chamado),
Quando do amor o Deus (Deus ou demônio,
Porque como um demônio os homens tenta,
Trazendo-os num cortado)
Fez-o gostar deveras
De uma menina que contava apenas
Dezoito primaveras,
E na candura de anjo
Causava inveja às próprias açucenas.

Tinha a menina um namorado, é certo;
Porém o pai, um madeireiro esperto,
Que no outro viu muito melhor arranjo,
Tratou de convencê-la
De que, aceitando a mão que lhe estendia
Manuel Antônio, a moça trocaria
De um vaga-lume a luz por uma estrela.

Ela era boa, compassiva, terna,
E havia feito ao moço o juramento
De que a sua afeição seria eterna;
Porém dobrou-se à lógica paterna
Como uma planta se dobrara ao vento.

Sabia que seria
Tempo perdido protestar; sabia
Que, na opinião do pai, o casamento
Era um negócio e nada mais. Amava;
Sentia-se abrasada em chama viva;
Mas... tinha-se na conta de uma escrava,
Esperando, passiva,
Que um marido qualquer lhe fosse imposto,
Contra o seu coração, contra o seu gosto.

Calou-se. Que argumento
Podia a planta contrapor ao vento?

No dia em que a notícia
Do casamento se espalhou na praça,
A Praia Grande inteira achou-lhe graça
E comentou-a com feroz malícia,
E na porta da Alfândega,
E no leilão do Basto
Outro caso não houve era uma pândega!

Que às línguas fornecesse melhor pasto
Durante uma semana, ou uma quinzena,
Pois em terra pequena
Nenhum assunto é facilmente gasto,
E raramente um escândalo se pilha.
Quando um dizia: - A noiva do pateta
Podia muito bem ser sua filha,
Logo outro exagerava: - Ou sua neta!

O moço desdenhado,
Que na tesouraria era empregado,
E metido a poeta,
Durante muito tempo andou de preto,
Com a barba por fazer, muito abatido;
Mas, se a barba não fez, fez um soneto,
Em que chorava o seu amor perdido.

Do barbeiro esquecido
Só foi à loja, e vestiu roupa clara,
Depois que a virgem que ele tanto amara
Saiu da igreja ao braço do marido.

Pois, meus senhores, o Manuel Antônio
Jamais se arrependeu do matrimônio;
Mas, passados três anos,
Sentiu que alguma coisa lhe faltava:
Não se realizava
O melhor dos seus planos.

Sim, faltava-lhe um filho, uma criança,
Na qual pudesse reviver contente,
E este sonho insistente,
E essa firme esperança
Fugiam lentamente.
À proporção que os dias e os trabalhos
Seus cabelos tornavam mais grisalhos.

Recorreu à Ciência:
Foi consultar um médico famoso,
De muita experiência,
E este, num tom bondoso,
Lhe disse: - A Medicina
Forçar não pode a natureza humana.
Se o contrário imagina,
Digo-lhe que se engana.

Manuel Antônio, logo entristecido,
Pôs os olhos no chão; mas, decorrido
Um ligeiro intervalo,
O médico aduziu, para animá-lo:
- Todavia, Verrier, se não me engano,
Diz que os banhos salgados
Dão belos resultados...
Experimente o oceano! -

No mesmo dia o bom Manuel Antônio,
Á vista de juízo tão idôneo,
Tinha casa alugada
Lá na Ponta d'Areia,
Praia de banhos muito frequentada,
Que está do porto à entrada
E o porto aformoseia.

Nessa praia, onde um forte
Do século dezessete
Tem tido vária sorte
E medo a ninguém mete;
Nessa praia, afamada
Pela revolta, logo sufocada
De um Manuel Joaquim Gomes,
Nome olvidado, como tantos nomes;
Nessa praia que... (Vide o dicionário
Do Doutor César Marques) nessa praia,
Passou três meses o quinquagenário,
Com a esposa e uma aia.

Não sei se coincidência
Ou propósito foi: o namorado
Que não tivera um dia a preferência,
Maldade que tamanhos
Ais lhe arrancou do coração magoado,
Também se achava a banhos
Lá na Ponta d'Areia...

Creia, leitor, ou, se quiser, não creia:
Manuel Antônio nunca o viu; bem cedo,
Sem receio, sem medo
De deixar a senhora ali sozinha,
Para a cidade vinha
Num escaler que havia contratado,
E voltava à tardinha.

Tempos depois - marido afortunado!
Viu que a senhora estava de esperanças...

Ela teve, de fato,
Duas belas crianças,
E o bondoso doutor, estupefato,
Um ótimo presente,
Que o pagou larga e principescamente!

Viva o banho de mar! ditoso banho!
Dizia, ardendo em júbilo, o marido.
- Eu pedia-lhe um filho, e dois apanho!
Doutor, meu bom doutor, agradecido!

Pouco tempo durou tanta ventura;
Fulminado por uma apoplexia,
Baixou Manuel Antônio à sepultura.

O desdenhado moço um belo dia
A viúva esposou, que lhe trazia
Amor, contos de réis e formosura.

E no leilão do Basto,
Diziam todos os desocupados
Que nunca houve padrasto
Mais carinhoso para os enteados.

Fonte:
Disponível em Domínio Público.
Arthur de Azevedo. Contos em verso. Publicado originalmente em 1909.