domingo, 16 de abril de 2023

Caldeirão Poético LXI


Adélia Maria Woellner
Curitiba/PR

PRECE

Eu queria cantar o mundo,
com voz bem afinada,
e fazer ressoar meu canto
em cada canto,
em cada estrada.

Eu queria tocar qualquer instrumento,
que vertesse som,
que fluísse música com harmonia
e fazer cada corpo vibrar
ao compasso da minha melodia.

Eu queria ser pintor,
espalhar cores, muitas cores,
manchar telas com habilidade,
retratar a natureza, os sentimentos,
alegrar olhos e almas
e transmitir paz, serenidade.

Eu pedi a Deus tudo isso,
pois queria enternecer corações,
encher a vida de alegria,
colorir pensamentos
e despertar emoções...

Antes mesmo de nascer,
eu pedi para ser esteta...
Ah! como eu pedi a Deus!...
Pedi tanto, tanto,
que Deus me fez poeta.
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Adriana Mayrinck
Rio de Janeiro/RJ

A EMBRIAGUEZ DE UMA SAUDADE

Passo em descompasso
por ares distantes,
desfaço-me em melodias
tímidas e inaudíveis
de um lugar que ficou retido
na memória quase insana
e que traz saudade.

O olhar desfocado em miragens,
a pele marcada pelas passagens
de dores e êxtases
relembra outras paragens
que ainda cheira a maresia
e ventos quentes.

O corpo reage incansável,
com lentidão e firmeza
e grita em silêncio a sua insatisfação.

Notícias vindas de longe
de um cotidiano massacrado,
de um país humilhado
que resiste a inexistência
do que vai além.

Revolta-me o aprisionamento
a matança e a destruição
Mas líquido é o tempo
que baila na cor rubra
da essência que absorvo
em uma taça inexistente
dos sabores tropicais.

Embriago-me e retenho
o que está ao meu alcance.
Faço redemoinho com o ar e a terra
Espalho a palavra em ecos que bailam
e que liberta a esperança

que espera.
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Carlos Pena Filho
Recife/PE, 1929 – 1960

PARA FAZER UM SONETO

Tome um pouco de azul, se a tarde é clara,
e espere pelo instante ocasional.
Nesse curto intervalo Deus prepara
e lhe oferta a palavra inicial.

Aí, adote uma atitude avara:
se você preferir a cor local,
não use mais que o sol de sua cara
e um pedaço de fundo de quintal.

Se não, procure a cinza e essa vagueza
das lembranças da infância, e não se apresse,
antes, deixe levá-lo a correnteza.

Mas ao chegar ao ponto em que se tece
dentro da escuridão a vã certeza,
ponha tudo de lado e então comece.
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Castro Alves
Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira/BA, 1847 — 1871, Salvador/BA

A QUEIMADA

Meu nobre perdigueiro! vem comigo.
Vamos a sós, meu corajoso amigo,
Pelos ermos vagar!
Vamos lá dos gerais, que o vento açoita,
Dos verdes capinais n'agreste moita
A perdiz levantar!

Mas não!... Pousa a cabeça em meus joelhos...
Aqui, meu cão!... Já de listrões vermelhos
O céu se iluminou.
Eis súbito da barra do ocidente,
Doido, rubro, veloz, incandescente,
O incêndio que acordou!

A floresta rugindo as comas curva...
As asas foscas o gavião recurvo,
Espantado a gritar.
O estampido estupendo das queimadas
Se enrola de quebradas em quebradas.
Galopando no ar.

E a chama lavra qual jiboia informe,
Que, no espaço vibrando a cauda enorme,
Ferra os dentes no chão...
Nas rubras roscas estortega as matas...,
Que espadanam o sangue das cascatas
Do roto coração.

O incêndio - leão ruivo, ensanguentado,
A juba, a crina atira desgrenhado
Aos pampeiros dos céus!
Travou-se o pugilato... e o cedro tomba...
Queimado..., retorcendo na hecatomba
Os braços para Deus.

A queimada! A queimada é uma fornalha!
A irara pula; o cascavel - chocalha...
Raiva, espuma o tapir!
E ás vezes sobre o cume de um rochedo
A corça e o tigre - náufragos do medo –
Vão trêmulos se unir!

Então passa-se ali um drama augusto...
N’último ramo do pau-d'arco adusto
O jaguar se abrigou...
Mas rubro é o céu... Recresce o fogo em mares...
E após... tombam as selvas seculares...
E tudo se acabou!…
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Ruy Espinheira Filho
Salvador/BA

DESCOBERTA

Só depois percebemos
o mais azul do azul,
olhando, ao fim da tarde,
as cinzas do céu extinto.

Só depois é que amamos
a quem tanto amávamos;
e o braço se estende, e a mão
aperta dedos de ar.

Só depois aprendemos
a trilhar o labirinto,
mas como acordar os passos
nos pés há muito dormidos?

Só depois é que sabemos
lidar com o que lidávamos.
E meditamos sobe esta
inútil descoberta

enquanto, lentamente,
da cumeeira carcomida
desce uma poeira fina
e nos sufoca.

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