segunda-feira, 24 de abril de 2023

Alba Christina Campos Netto (História de suspense)

Já era tarde quando Antônio telefonou.

- Recebi seu conto para a revista. Está bom, mas...

- Mas... o que?

- Para dizer a verdade não gostei. Está chato, sabe? Não é que não esteja bom, mas aquilo não é Você ... Entende, não?

- Sim, entendo.

- Você pode substituí-lo?

No momento estava difícil imaginar histórias. Mil e uma ocupações tomavam-me o tempo.

- Você tem muita pressa?

- Ora, se tenho... gosto de ler suas histórias.

- É que me sobra pouco tempo, agora que tenho o bebê... Mas conte comigo.

- Está bem. Dou dez dias de prazo.

- Bom. Se eu não puder levar, você pode vir buscar?

- Ah, que pergunta...

No dia seguinte fiquei pensando no assunto. A empregada havia faltado e o serviço acumulou. Minha máquina estava emprestada. As ideias fugiam-me da cabeça. e eu queria me livrar logo daquele encargo. Além de tudo, precisava aproveitar enquanto Cláudia dormia, para escrever o bendito conto.

Foi então que me lembrei: havia deixado meus óculos em casa de Betty, quando fui ver televisão. E agora? Tinha de ir buscar.

Nem bem saí de casa, reparei que um velho me seguia. De onde surgiu, não reparei. Fui andando, e ele atrás de mim. No ponto do ônibus olhava-me, com olhar insistente. Em dado momento começou a sorrir.

Era um tipo de homem do povo, vestido com simplicidade. Baixinho, magro, feio, mas tinha olhos brilhantes, que chamavam a atenção. Resolvi entrar numa loja. Andei, olhando os balcões, fugindo das vendedoras que vinham procurar servir. Passei nisto uns vinte minutos - o tempo que julguei necessário para o velho ter sumido - quando vi que a loja dava saída para a outra rua, onde também passava um ônibus para a casa de Betty.

- Ótimo, pensei.

Havia uma fila grande. Esperei uns minutos, e quando o ônibus chegou, vi com surpresa, que lá estava o velho outra vez, atrás de mim. Comecei a ficar com medo.

O ônibus parou, foram todos entrando, e quando o velho acabou de entrar, o fiscal mandou fechar a porta.

Apressei-me a passar a borboleta, mas assim que me sentei, o velho sentou-se ao meu lado.

Pensei que iria me dirigir a palavra, mas ele continuava mudo, os olhos brilhando, fixos em mim.

Quis voltar. A rua onde Betty morava era meio deserta, e eu não poderia me aventurar, com um desconhecido louco me perseguindo. Mas para meu sossego, ele desceu do ônibus bem antes de mim.

Contei a Betty o sucedido.

- Preciso de um copo d'água. Estou cansada, até...

- Mas também esses tarados... Outro dia um veio da cidade até aqui, me seguindo.

- Pois, é. Ainda bem que desistiu, viu que não sou de nada.

Na saída Betty acompanhou-me até o portão.

- Cuidado, hein, por essa rua deserta.

Segui, muito confiante, ao ponto do ônibus. Não havia ninguém na rua, felizmente. O ônibus chegou, parou, e quando eu ia subindo, vejo que alguém subia também. E quem poderia ser senão o velho personagem do dia?

O mais depressa que pude, procurei lugar perto de alguém, para evitar que ele se sentasse de novo ao meu lado. Tive vontade de pedir a alguém no ônibus que me acompanhasse até em casa. Mas alguns minutos depois, sem que eu percebesse, ele já havia desaparecido. Daí por diante, eu olhava de todo lado. Pelo caminho para casa ia vendo se tinha gente em volta, a quem pudesse pedir socorro. Mas o velho desistira, mesmo. Nem sinal.

Continuei meu caminho sossegada, e quando ia abrindo o portão de casa, ouvi uma voz suave, me chamando;

– Por favor, moça, preciso só dizer uma palavrinha.

Fiquei dura ao ver novamente o velho.

– Não tenha medo, minha filha. Só queria pedir um favor, importante. Conhece o Mendonça, seu vizinho, aquele daquela casa? - e apontou a casa da esquerda.

- Conheço, disse trêmula.

- Pois vá à casa dele hoje mesmo. Ele vai para a Europa a semana que vem. É preciso impedir essa viagem a todo custo. Diga à esposa dele que de modo algum o deixe viajar. Entendeu bem? Ele não deve embarcar de modo algum.

- Só isso, perguntei, morrendo de medo, louca para entrar em casa e vê-lo sumir.

- E se algo acontecer, continuou ele, avise a esposa que procure dentro do baú velho, embrulhado num papel verde, embaixo das fotografias da família...

Aquela conversa misteriosa foi me fazendo ficar gelada, e devo ter virado sorvete quando vi que o velho sumira, como por encanto. Tamanho pavor se apoderou de mim, que nem entrei em casa, pois não havia ninguém. Corri para a casa do dr. Mendonça, onde entrei esbaforida. Fui contando toda a história a dona Adélia, que não se mostrou assustada.

- Que brincadeira de mau gosto. 

– Mas quem seria? Para saber que o dr. Mendonça vai a semana que vem para a Europa, para falar no baú com as fotografias da família?

- Ora, alguém que deve conhecer o Mendonça, ou saber da vida dele. Quanto ao baú velho com fotografias de família, quase todo mundo tem. não é? Beba um copo d'água e não pense mais nisso.

Mesmo assim, pedi que me acompanhasse de volta.

Passaram-se, os dias e o dr. Mendonça embarcou. Eu ainda pensava no velho, com medo que ele aparecesse para ajustar contas. Estava com aquela ideia fixa, quando, uma tarde, vi que a casa ao lado estava cheia de gente. Uma irmã de dona Adélia veio me chamar, dizendo que dona Adélia recebera um cabograma, avisando que o dr. Mendonça havia falecido a bordo, de um colapso cardíaco.

Entrei com as pernas bambas. Dona Adélia olhava-me alucinada. Nenhuma de nós sabia o que dizer. Nem murmurar "meus sentimentos", ou coisa parecida, eu pude.

- E o que mais disse ele? perguntou-me. Que procurasse no baú velho, não foi?

- Sim, disse eu, arrepiada.

- Venham comigo, disse dona Adélia levantando-se da cadeira, e puxando as irmãs e amigas pela mão.

Eu as segui, por solidariedade, ou por curiosidade, não sei. Entramos num quarto, lá no fundo do quintal, onde havia montes de coisas velhas guardadas: livros, vestidos, móveis antigos, uma porção de quinquilharias, e o velho baú.

Abriu-o, depois de tirar de cima um montão de revistas empoeiradas.

- Cartões de Natal, participações de noivado, convites de casamento, para que guardar tudo isso, Adélia?

- Aqui estão as fotografias. E aqui o embrulho verde.

Fui ficando tonta, enquanto dona Adélia desembrulhava.

– Ora, nada demais, o retrato de meu avô, falecido há vinte anos. Já está meio apagado. 

Todas devem ter ficado horrorizadas ao olhar para mim - ao reconhecer no retrato o velho que me havia seguido, dei um grito, e teria caído se uma senhora não me segurasse.

Mas Cláudia já está acordando, eu preciso ir vê-la. Felizmente terminei o conto. Há uma hora estou escrevendo, e eis tudo que pude imaginar. Só resta esperar a revista sair, e ver se Antônio realmente preferiu esta história à outra.

Fonte:
Cláudio de Cápua. Era uma vez… (coletânea de contos). Comptexto: outubro 1989.

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