quarta-feira, 5 de abril de 2023

Aparecido Raimundo de Souza (Irritante)

ALFINETE CARDOSO pega o telefone e liga para um número que está sobre a mesinha de cabeceira escrito num papel de guardanapo. Na quinta vez, atende uma voz feminina:

— Bom dia! Pois não?

— Bom dia. De onde fala?

— Que número o senhor ligou?

— O que estou falando com você, perdão, com a senhora.

— Tudo bem, senhor, mas qual o número?

— Minha linda, aí não é do Jóquei Clube?

— O senhor deve ter ligado errado. Aqui é da “Funerária Suba em Paz e Renasça na Eternidade”.

— Credo em cruz. Funerária? Estou fora. Obrigado.

Três minutos depois Alfinete Cardoso tenta novamente. Na pressa, pode, de fato, ter discado um número errado ao invés do correto. Na oitava vez, um homem de voz grossa se faz presente:

— Bom dia?

— Bom dia, meu amigo. Com quem falo, por favor?

— Com quem o senhor pretende, ilustre cavalheiro?

— Com o Durcaine do Jóquei Clube.

— Não, meu amigo. Aqui não é do Jóquei Clube. E nem tem essa pessoa com tal nome. Como é mesmo o patronímico que o senhor mencionou?

— Durcaine.

—  Realmente o senhor se enganou.

— O que funciona aí?

— O açougue do Barbosinha.

Alfinete Cardoso se espanta:

—  Meu Deus, não é possível. Açougue do Barbosinha?

— Sim senhor. Por que a estranheza?

— Por nada, desculpe.

Impaciente, a criatura parte para nova tentativa. Comprime as teclas pausadamente, objetivando não errar. Na segunda vez, atende uma criança:

—  Oi... quem é?

— Sou eu... é vovô?

Alfinete Cardoso apura o rosto num sorriso amarelo. Fala com certa ternura na voz:

— Como é seu nome, meu doce?

— O meu?

— Sim!

A menina, feliz da vida se debulha faceira num enorme contentamento:

— Você sabe, vô. É Lulu. 

— Lulu, que nome bonito. Mamãe está?

— Acho que está!

— Chama ela pro titio.

— É vovô?

— Não, não é o vovô.

— Quem é então?

— Chama sua mãe para o titio.

— É vovô. Vovô por que mudou a voz?

— Não mudei...

— Mudou sim, E você não é meu tio, é vovô. Pai da minha mãe. 

Alfinete Cardoso, irritado, pensa em desligar o telefone:

Todavia, desiste:

— Minha gatinha querida, chama a sua mamãe:

— Me dá um tempo. Vou espiar se ela está no troninho.

Alfinete Cardoso meio sem graça cai numa gargalhada repentina: 

— Era só o que me faltava...

Dois minutos depois a garota retorna à carga:

— Vô, a mãe não está.  

— Meu Deus! E quem ficou aí com você?

— A Ziguinha, vô. Você sabe. Por que pergunta se já sabe que é a Ziguinha e não a mamãe?

— Não sou seu avô, minha linda. E quem é a Ziguinha?

— Vovô, por acaso você bebeu?

Alfinete Cardoso começa a dar sinais de estar às portas de mandar aquela garotinha às favas e encerrar o papo furado: 

— Lulu, Luluzinha, pelo amor de Deus, me chama a sua mãe.

— Vô, ela não está. Serve a Ziguinha?

— Que seja. Pede para vir falar comigo.

— Você vai me comprar a nova bonequinha da Barbie? Ontem você prometeu... 

— Gracinha, já falei: não sou seu avô.

— É sim. Por que está mudando a voz? A mamãe pegou você no flagra beijando a Ziguinha... eu sei de tudo... 

— De tudo o que, como, Lulu?

— Vô, não cansa a minha beleza. A Ziguinha cantou a pedra pra mamãe... sou pequena, mas não sou besta. Mamãe está careca de saber que você tem um caso com a Ziguinha. Vai me dar a nova bonequinha da Barbie?  

Silêncio momentâneo:

— Ei, vô, tá me ouvindo?

A quietude continua...

— Vô... fala comigo... vôôôôôôô...

Alfinete Cardoso se encontra a poucos passos de explodir:

— Estou ouvindo.

— Vai me dar a bonequinha nova da Barbie?

— Se eu der você chama a sua mãe ou a tal da Ziguinha?

— Não. Mas passo o telefone para o meu tio Durcaine. Ele acabou de chegar do Jóquei Clube... 

Durcaine finalmente entra na linha. Sorri bonachão:

— Fala meu amigão Alfinete. Tudo azul?  

Alfinete Cardoso pálido, sem voz, atônito e espantado, interrompe imediatamente a comunicação.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

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