Não esperava mais que Ricardo voltasse. Ricardo que preencheu tantas horas da minha vazia meninice, brincando comigo, me fazendo rir, me contando histórias, enquanto eu, inocente e sem perspectiva, ouvia a vitrola, ou me imaginava estrela de cinema. Ricardo sempre perto, embalando os meus sonhos, contando casos, me levando doces. E eu, por meu lado, na minha inocência útil, fazendo com que Ricardo encontrasse o seu amor ao lado da namorada que era minha vizinha. Era por ela que Ricardo vinha à minha casa. Não por mim. Não por minha solidão. Por ela. Por Marieta.
Ele trazia a irmã, a Lúcia, para ficar comigo enquanto ele e a Marieta namoravam. Era belo ...Eu achava lindo. Os dois juntinhos, eu e a Lúcia observando. Mas não deu certo. Brigaram. Marieta foi embora de nossas vidas.
Mas como tudo tem ciclos, um dia Ricardo apareceu com nova namorada. Irmã da minha amiga, a Joyce. Achei mais lindo ainda. Só que o que eu não sabia, era por que eu achava tudo lindo. No fundo eu amava Ricardo. E amava tanto que começava a amar as mulheres que ele amava.
E essa agora, como era mesmo o nome? Irene, se não me engano. Não lembro, nem quero lembrar. Fui até assistir ao casamento dele. Era um amor bonito, puro, segundo a Joyce. Mas eu não sei porque, Ricardo começou a se fixar no meu pensamento. Não sabia na época, pelo menos.
Acompanhava todos os passos da Joyce, das irmãs dela, da Irene, mas o que eu queria mesmo era saber do Ricardo - O seu sorriso, os seus olhos, a maneira de me tratar, quando me encontrava, tinha sempre uma palavra de carinho: aquela menina que ele conheceu pequena, que era para ele uma irmãzinha. Eu adorava, sem saber que, no fundo, eu não estava nem um pouco a fim de ser irmãzinha...
Os tempos passaram. Lá se vão uns quarenta anos. E agora Ricardo voltou. Teve aventuras, teve dissabores, não está mais com a Irene, que se transformou na Mabel, que não era nem um pouco parecida com a Marieta, e que não tinham nada a ver comigo.
Não pensei que Ricardo voltasse. Nem tampouco que voltasse com tanta impetuosidade sobre o meu sonho, sobre a minha emoção. Foi como um sonho. Um dia acordei e vi Ricardo ao meu lado. Não saiu do meu lado o dia todo. Fiquei menina de novo, rejuvenesci, amei Ricardo na minha imaginação. Pensei que desta vez ele ficaria. Não... não podia. É tarde. Era melhor que fosse embora. Era melhor esquecer. Mas como? Pensar noutra coisa, noutros Ricardos? Não foi possível. Ele quis ficar.
Deixei. Consenti. Sonhei de novo. Sonhei com ele junto a mim, me amando como agora eu sei que gostaria que ele me amasse. Deixei que ele tomasse conta dos meus dias, dos meus pensamentos, dos meus sonhos, das minhas fantasias. Fiquei horas ao lado dele sonhando, esperando.
Só então soube que ele procurava a Ângela. Ângela, era esse o nome. E chamei Ângela. Mais uma vez eu fui a ponte para o amor de Ricardo. Não era mais a menininha que ele tratava como irmã, não era mais a amiga da irmã, não era, nem mesmo fui, a namorada, a amante, a mulher que ele procurava. Eu era o caminho para que ele se encontrasse. E levei Ricardo até Ângela. Fiz o encontro dos dois, deixei que se amassem, que se unissem, que não se separassem.
Fiquei com eles vários dias, até ter certeza de que realmente Ricardo tinha encontrado a mulher de sua vida.
Nunca mais, Ricardo, nunca mais me procure. Sei que não sou para você, que você não é para mim. Você foi somente a minha fantasia, o meu amor imaginário, a segurança de uma época triste e solitária, quando ninguém, mas ninguém mais além de você, podia casar com os meus pensamentos. Seja feliz. Sejam felizes. Ângela, adoro você que encontrou Ricardo num momento certo, num momento bom para ele, para você, para mim. Deixe que a vida faça vocês dois um exemplo de felicidade e amor para quem quer que os veja, como estão sendo para mim.
Às vezes me sinto em Ângela, às vezes me imagino com Ricardo como se fosse Ângela, ou Ângela fosse eu. Assim me recupero um pouco das frustrações que a vida me trouxe. Mas sei que amanhã, que daqui uns dias, quando não mais estiver com a garganta me apertando tanto, vou poder falar, cantar, dizer a todos que estou muito feliz. Cheguei a meu destino. Ricardo voltou. E eu dei a ele um destino que não era, de nenhum modo, o meu.
Fonte:
Cláudio de Cápua. Era uma vez… (coletânea de contos). Comptexto: outubro 1989.
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