Ele pensou, repensou, resolveu fazer o vestibular para o curso de Direito. Não pôde estudar quando jovem, porque desde cedo precisou trabalhar para ajudar no sustento dos pais idosos e de dois irmãos menores, que graças ao seu sacrifício puderam frequentar regularmente a escola e conquistar seus diplomas universitários.
Aos 52 anos, com dois filhos e uma filha bem encaminhados, decidiu enfim levar avante o que não pudera realizar quando moço: de escala em escala, trabalhando de dia e estudando de noite, terminou o primeiro e o segundo graus. Em seguida, sem cursinho, inscreveu-se para o vestibular.
Contava mais com a tarimba acumulada ao longo da vida do que propriamente com a base escolar. Antigo contador prático (atividade iniciada como aprendiz de escritório quando contador era ainda chamado de “guarda-livros”), inteligência acima da média, grande experiência profissional, ampla cultura geral resultante do acentuado gosto pela leitura, o coroa de 52 anos peitou os jovens concorrentes e acabou classificando-se em primeiro lugar. Chegou a ser notícia em alguns jornais.
Estudou Direito na mesma universidade onde a filha caçula fazia o curso de História. Iam juntos para as aulas todas as noites, trocando ideias sobre provas, trabalhos etc. Pai e filha como se fossem irmãos, anulando pela alegria do estudo a diferença de idades. Ele todo serelepe com a sua pasta de livros.
Essa é uma história que acompanhei de perto, embora o protagonista vivesse em outra cidade, bem distante daqui. Mas sei de muitos outros casos de pessoas que começaram a vida estudantil depois dos filhos. No início ficavam meio sem jeito, contudo logo se misturavam com a moçada e era como se houvessem renascido. Você talvez tenha alguém assim na sua família.
E o curioso é que os coroas quase sempre se saem muito bem nos cursos. Se lhes faltou escolaridade na infância e na juventude, em compensação ganharam rica experiência em uma longa e árdua vida de trabalho.
Em nossa região histórias como essa foram sempre bastante comuns. Pessoas que vieram para aqui na época do pioneirismo e que se entregaram totalmente à luta pela construção de um patrimônio para a família. Só depois de vencerem a dura etapa da formação de um pé de meia e do encaminhamento dos filhos é que finalmente puderam entrar numa escola, quase todos se destacando entre os melhores alunos de suas turmas – certamente pela maturidade, pelo conhecimento de vida prática e pela maior consciência do valor do estudo.
Aquele homem de 52 anos, que tirou o primeiro lugar no vestibular de Direito, foi assim.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 20-4-2023)
Fonte:
Obtido no facebook do autor.
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