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sábado, 9 de outubro de 2021
Contos e Lendas do Mundo (Inglaterra: O Sr. Vinagre e a Sorte)
Há muito tempo, vivia um pobre homem cujo nome verdadeiro foi esquecido. Era velho e pequenino, e tinha o rosto enrugado; por isso, os amigos o chamavam de Sr. Vinagre.
Sua mulher também era velha e pequenina, e moravam os dois numa cabana, velha e pequenina, nos fundos de um pequeno lote, há muito abandonado.
Um dia, enquanto varria a cabana, a Sra. Vinagre usou tanta força que a porta, velha e pequenina, desabou. Ela ficou assustada. Saiu correndo da casa e gritou:
- John! John! A casa está desabando. Vamos ficar sem um teto para nos proteger.
O Sr. Vinagre aproximou-se da casa e olhou para a porta. Em seguida, disse:
- Não se preocupe, querida. Vista seu abrigo e vamos partir em busca da sorte.
A Sra. Vinagre colocou então um chapéu, e o Sr. Vinagre pôs a porta sobre a cabeça, e eles partiram.
Caminharam sem parar o dia inteiro. À noitinha, chegaram a uma floresta escura, de árvores muito altas.
- Este lugar dá um bom abrigo - disse o Sr. Vinagre.
Pôs-se a subir numa árvore, e lá improvisou uma cama, encaixando a porta sobre os galhos. A Sra. Vinagre subiu em seguida, e deitaram-se os dois.
- É melhor ficarmos sobre a casa do que ela sobre nós - disse ele. Mas a mulher já dormia profundamente, e não o escutou.
Escureceu rapidamente, e o Sr. Vinagre também caiu no sono. À meia-noite, ele foi acordado por um barulho lá embaixo. Ergueu-se, e ficou prestando atenção.
– Aqui, Jack, aqui estão cinco moedas para você – disse um deles – aqui, Bob, três moedas para você.
O Sr. Vinagre olhou para baixo. Viu três homens sentados ao chão. Havia uma lamparina acesa perto deles.
- Ladrões! - gritou assustado, e pulou para um galho mais alto.
Ao pular, desencaixou dos galhos a porta, que caiu no chão com estardalhaço, e a Sra. Vinagre foi junto.
Os ladrões tomaram tamanho susto que saíram correndo atabalhoadamente, e desapareceram na floresta escura.
- Machucou-se, querida? - perguntou o Sr. Vinagre.
A mulher respondeu: - Eu, não! Mas quem haveria de dizer que a porta iria desabar no meio da noite? E temos aqui uma bela lamparina acesa, a iluminar nosso recanto.
O Sr. Vinagre desceu da árvore. Pegou a lamparina e fitou-a. Mas o que seriam aquelas coisinhas brilhantes espalhadas pelo chão?
- Moedas de ouro! Moedas de ouro! - gritou. Pegou uma delas e olhou-as contra a luz.
- Encontramos nossa sorte! Encontramos nossa sorte! - gritou a Sra. Vinagre. E começou a pular de alegria.
Puseram-se a juntar o ouro. Haviam cinquenta moedas; eram todas brilhantes, amarelas e bem redondinhas.
- Que sorte a nossa! - disse o Sr. Vinagre.
- Que sorte a nossa! - disse a Sra. Vinagre.
Os dois sentaram-se ao chão e ficaram olhando para o ouro até o amanhecer.
A Sra. Vinagre disse, então: - Bem, vamos fazer o seguinte: vá até a cidade e compre uma vaca. Vou tirar o leite para fazer manteiga, e nada mais nos faltará.
- É uma boa ideia - disse o Sr. Vinagre.
E logo partiu, ficando a mulher a esperá-lo à beira da estrada.
O Sr. Vinagre passeou pela rua da cidade, à procura do que comprar. Depois de algum tempo, chegou um fazendeiro com uma vaca gorda e bonita.
- Ah, se essa vaca fosse minha - disse o Sr. Vinagre -, eu seria o homem mais feliz do mundo.
- É uma vaca muito boa - disse o fazendeiro.
- Bem - disse o Sr. Vinagre -, dou-lhe estas cinquenta moedas de ouro por ela.
O fazendeiro sorriu e estendeu a mão para receber o dinheiro.
- Pode ficar com ela - disse ele. - Gosto de agradar aos amigos.
O Sr. Vinagre tomou do cabresto e saiu com ela, passeando para cima e para baixo na rua.
- Sou o homem mais sortudo do mundo, pois veja só como todos olham para mim e minha vaca.
Porém, no fim da rua havia um homem tocando gaita de foles. Ele parou para ouvi-lo. Doce melodia!
- Ora, é a música mais bela que já ouvi - disse o Sr. Vinagre. - E veja só como as crianças aproximam-se dele, e jogam-lhe moedinhas! Se essa gaita fosse minha, eu seria o homem mais feliz do mundo.
- Pois vendo-a, então - disse o gaiteiro.
- Vende, mesmo? Mas não tenho dinheiro; dou-lhe, portanto, esta vaca em troca.
- Pode ficar com a gaita - disse o gaiteiro. - Gosto de agradar aos amigos.
O Sr. Vinagre pegou a gaita de foles, e o gaiteiro foi-se embora levando a vaca consigo.
- Vamos ouvir um pouco de música - disse o Sr. Vinagre. Todavia, por mais que tentasse, não conseguia tocar. Todo som que produzia não passava de ruídos dissonantes.
As crianças, em vez de atirar-lhe moedinhas, riam-se dele. Fazia frio e, enquanto tentava tocar o instrumento, seus dedos enregelavam-se. Ficou pensando que seria melhor ter ficado com a vaca.
Mal partira de volta para casa, passou por ele um homem com luvas nas mãos.
- Ah, se essas lindas luvas fossem minhas - disse ele -, eu seria o homem mais feliz do mundo.
- Quanto pretende pagar por elas? - perguntou-lhe o homem.
- Não tenho dinheiro, mas dou-lhe esta gaita de foles - respondeu o Sr. Vinagre.
- Bem - disse o homem -, pode ficar com elas, pois gosto de agradar aos amigos.
O Sr. Vinagre entregou o instrumento e colocou as luvas nas mãos enregeladas.
- Que sorte a minha! - ia dizendo a caminho de casa.
Logo suas mãos estavam aquecidas, mas a estrada era ruim e a caminhada, difícil. Estava muito cansado, quando chegou ao sopé de uma colina íngreme.
- Como conseguirei chegar lá em cima? - disse ele.
Naquele momento, surgiu um homem descendo a colina em sua direção. Trazia na mão um cajado, que o ajudava a descer.
- Meu amigo - disse o Sr. Vinagre -, se eu tivesse esse cajado para me ajudar a subir a colina, seria o homem mais feliz do mundo.
- Quanto pretende pagar por ele? - perguntou o homem.
- Não tenho dinheiro, mas dou-lhe este par de luvas bem quentes - disse o Sr. Vinagre.
- Bem - disse o homem -, pode ficar com ele, pois gosto de agradar aos amigos.
As mãos do Sr. Vinagre estavam bastante aquecidas. Entregou, então, as luvas para o homem, e pegou o cajado para ajudar na caminhada.
- Que sorte a minha! - dizia ele, enquanto esforçava-se para concluir a subida.
No topo da colina, parou para descansar. Mas enquanto pensava na sorte que tivera durante o dia inteiro, ouviu alguém gritar seu nome. Levantou o olhar e avistou apenas um papagaio verde, pousado num galho de árvore.
- Sr. Vinagre! Sr. Vinagre! - dizia o pássaro.
- Pois não? - indagou o Sr. Vinagre.
- Que estupidez! Que estupidez! - respondeu o pássaro. - O senhor partiu em busca da sorte, e a encontrou. Depois trocou-a por uma vaca, e esta por uma gaita de foles, e a gaita por um par de luvas, e as luvas por um cajado que poderia ter apanhado em qualquer canto da estrada. Ha! ha! ha! ha! ha! Que estupidez! Que estupidez!
O Sr. Vinagre ficou muito zangado com isso. Atirou o cajado contra o papagaio com toda a força. Mas o pássaro repetia apenas "Que estupidez! Que estupidez!", e o cajado foi parar no alto da árvore, onde o homem não o alcançaria.
O Sr. Vinagre prosseguiu lentamente, pois tinha muito no que pensar. A mulher o esperava à beira da estrada e, ao avistá-lo, foi logo gritando:
- Onde está a vaca? Onde está a vaca?
- Bem, não sei direito onde ela está - disse o Sr. Vinagre; e contou-lhe toda a história.
Conta-se que ela lhe disse coisas que o agradaram bem menos do as que lhe dissera o papagaio, mas isso fica entre o Sr. e a Sra. Vinagre, e não interessa a mais ninguém.
- Não estamos em situação pior do que estávamos ontem - disse o Sr. Vinagre. - Vamos voltar para casa e cuidar da nossa velha cabaninha.
Colocou outra vez a porta sobre a cabeça, e partiu. E a Sra. Vinagre o acompanhou.
Sua mulher também era velha e pequenina, e moravam os dois numa cabana, velha e pequenina, nos fundos de um pequeno lote, há muito abandonado.
Um dia, enquanto varria a cabana, a Sra. Vinagre usou tanta força que a porta, velha e pequenina, desabou. Ela ficou assustada. Saiu correndo da casa e gritou:
- John! John! A casa está desabando. Vamos ficar sem um teto para nos proteger.
O Sr. Vinagre aproximou-se da casa e olhou para a porta. Em seguida, disse:
- Não se preocupe, querida. Vista seu abrigo e vamos partir em busca da sorte.
A Sra. Vinagre colocou então um chapéu, e o Sr. Vinagre pôs a porta sobre a cabeça, e eles partiram.
Caminharam sem parar o dia inteiro. À noitinha, chegaram a uma floresta escura, de árvores muito altas.
- Este lugar dá um bom abrigo - disse o Sr. Vinagre.
Pôs-se a subir numa árvore, e lá improvisou uma cama, encaixando a porta sobre os galhos. A Sra. Vinagre subiu em seguida, e deitaram-se os dois.
- É melhor ficarmos sobre a casa do que ela sobre nós - disse ele. Mas a mulher já dormia profundamente, e não o escutou.
Escureceu rapidamente, e o Sr. Vinagre também caiu no sono. À meia-noite, ele foi acordado por um barulho lá embaixo. Ergueu-se, e ficou prestando atenção.
– Aqui, Jack, aqui estão cinco moedas para você – disse um deles – aqui, Bob, três moedas para você.
O Sr. Vinagre olhou para baixo. Viu três homens sentados ao chão. Havia uma lamparina acesa perto deles.
- Ladrões! - gritou assustado, e pulou para um galho mais alto.
Ao pular, desencaixou dos galhos a porta, que caiu no chão com estardalhaço, e a Sra. Vinagre foi junto.
Os ladrões tomaram tamanho susto que saíram correndo atabalhoadamente, e desapareceram na floresta escura.
- Machucou-se, querida? - perguntou o Sr. Vinagre.
A mulher respondeu: - Eu, não! Mas quem haveria de dizer que a porta iria desabar no meio da noite? E temos aqui uma bela lamparina acesa, a iluminar nosso recanto.
O Sr. Vinagre desceu da árvore. Pegou a lamparina e fitou-a. Mas o que seriam aquelas coisinhas brilhantes espalhadas pelo chão?
- Moedas de ouro! Moedas de ouro! - gritou. Pegou uma delas e olhou-as contra a luz.
- Encontramos nossa sorte! Encontramos nossa sorte! - gritou a Sra. Vinagre. E começou a pular de alegria.
Puseram-se a juntar o ouro. Haviam cinquenta moedas; eram todas brilhantes, amarelas e bem redondinhas.
- Que sorte a nossa! - disse o Sr. Vinagre.
- Que sorte a nossa! - disse a Sra. Vinagre.
Os dois sentaram-se ao chão e ficaram olhando para o ouro até o amanhecer.
A Sra. Vinagre disse, então: - Bem, vamos fazer o seguinte: vá até a cidade e compre uma vaca. Vou tirar o leite para fazer manteiga, e nada mais nos faltará.
- É uma boa ideia - disse o Sr. Vinagre.
E logo partiu, ficando a mulher a esperá-lo à beira da estrada.
O Sr. Vinagre passeou pela rua da cidade, à procura do que comprar. Depois de algum tempo, chegou um fazendeiro com uma vaca gorda e bonita.
- Ah, se essa vaca fosse minha - disse o Sr. Vinagre -, eu seria o homem mais feliz do mundo.
- É uma vaca muito boa - disse o fazendeiro.
- Bem - disse o Sr. Vinagre -, dou-lhe estas cinquenta moedas de ouro por ela.
O fazendeiro sorriu e estendeu a mão para receber o dinheiro.
- Pode ficar com ela - disse ele. - Gosto de agradar aos amigos.
O Sr. Vinagre tomou do cabresto e saiu com ela, passeando para cima e para baixo na rua.
- Sou o homem mais sortudo do mundo, pois veja só como todos olham para mim e minha vaca.
Porém, no fim da rua havia um homem tocando gaita de foles. Ele parou para ouvi-lo. Doce melodia!
- Ora, é a música mais bela que já ouvi - disse o Sr. Vinagre. - E veja só como as crianças aproximam-se dele, e jogam-lhe moedinhas! Se essa gaita fosse minha, eu seria o homem mais feliz do mundo.
- Pois vendo-a, então - disse o gaiteiro.
- Vende, mesmo? Mas não tenho dinheiro; dou-lhe, portanto, esta vaca em troca.
- Pode ficar com a gaita - disse o gaiteiro. - Gosto de agradar aos amigos.
O Sr. Vinagre pegou a gaita de foles, e o gaiteiro foi-se embora levando a vaca consigo.
- Vamos ouvir um pouco de música - disse o Sr. Vinagre. Todavia, por mais que tentasse, não conseguia tocar. Todo som que produzia não passava de ruídos dissonantes.
As crianças, em vez de atirar-lhe moedinhas, riam-se dele. Fazia frio e, enquanto tentava tocar o instrumento, seus dedos enregelavam-se. Ficou pensando que seria melhor ter ficado com a vaca.
Mal partira de volta para casa, passou por ele um homem com luvas nas mãos.
- Ah, se essas lindas luvas fossem minhas - disse ele -, eu seria o homem mais feliz do mundo.
- Quanto pretende pagar por elas? - perguntou-lhe o homem.
- Não tenho dinheiro, mas dou-lhe esta gaita de foles - respondeu o Sr. Vinagre.
- Bem - disse o homem -, pode ficar com elas, pois gosto de agradar aos amigos.
O Sr. Vinagre entregou o instrumento e colocou as luvas nas mãos enregeladas.
- Que sorte a minha! - ia dizendo a caminho de casa.
Logo suas mãos estavam aquecidas, mas a estrada era ruim e a caminhada, difícil. Estava muito cansado, quando chegou ao sopé de uma colina íngreme.
- Como conseguirei chegar lá em cima? - disse ele.
Naquele momento, surgiu um homem descendo a colina em sua direção. Trazia na mão um cajado, que o ajudava a descer.
- Meu amigo - disse o Sr. Vinagre -, se eu tivesse esse cajado para me ajudar a subir a colina, seria o homem mais feliz do mundo.
- Quanto pretende pagar por ele? - perguntou o homem.
- Não tenho dinheiro, mas dou-lhe este par de luvas bem quentes - disse o Sr. Vinagre.
- Bem - disse o homem -, pode ficar com ele, pois gosto de agradar aos amigos.
As mãos do Sr. Vinagre estavam bastante aquecidas. Entregou, então, as luvas para o homem, e pegou o cajado para ajudar na caminhada.
- Que sorte a minha! - dizia ele, enquanto esforçava-se para concluir a subida.
No topo da colina, parou para descansar. Mas enquanto pensava na sorte que tivera durante o dia inteiro, ouviu alguém gritar seu nome. Levantou o olhar e avistou apenas um papagaio verde, pousado num galho de árvore.
- Sr. Vinagre! Sr. Vinagre! - dizia o pássaro.
- Pois não? - indagou o Sr. Vinagre.
- Que estupidez! Que estupidez! - respondeu o pássaro. - O senhor partiu em busca da sorte, e a encontrou. Depois trocou-a por uma vaca, e esta por uma gaita de foles, e a gaita por um par de luvas, e as luvas por um cajado que poderia ter apanhado em qualquer canto da estrada. Ha! ha! ha! ha! ha! Que estupidez! Que estupidez!
O Sr. Vinagre ficou muito zangado com isso. Atirou o cajado contra o papagaio com toda a força. Mas o pássaro repetia apenas "Que estupidez! Que estupidez!", e o cajado foi parar no alto da árvore, onde o homem não o alcançaria.
O Sr. Vinagre prosseguiu lentamente, pois tinha muito no que pensar. A mulher o esperava à beira da estrada e, ao avistá-lo, foi logo gritando:
- Onde está a vaca? Onde está a vaca?
- Bem, não sei direito onde ela está - disse o Sr. Vinagre; e contou-lhe toda a história.
Conta-se que ela lhe disse coisas que o agradaram bem menos do as que lhe dissera o papagaio, mas isso fica entre o Sr. e a Sra. Vinagre, e não interessa a mais ninguém.
- Não estamos em situação pior do que estávamos ontem - disse o Sr. Vinagre. - Vamos voltar para casa e cuidar da nossa velha cabaninha.
Colocou outra vez a porta sobre a cabeça, e partiu. E a Sra. Vinagre o acompanhou.
Fonte:
Adaptação do conto por James Baldwin, em William J. Bennett.
Adaptação do conto por James Baldwin, em William J. Bennett.
O livro das virtudes : uma antologia. RJ: Nova Fronteira, 1995.
Humberto de Campos (Mme. London Bank)
Contam as crônicas do Império Romano que Mitridates, o famoso rei do Ponto, que enfrentou as hostes de Sila, de Pompeu e de Lúculo, apanhou, um dia, de surpresa, um general inimigo e, para matar-lhe a fome de riquezas, fez-lhe derramar pela garganta uma panela de ouro derretido. Incompletos nas suas informações, os historiadores antigos não dizem, de modo claro, como ficou a boca da vítima; a impressão que eu tenho, em seguida a essas leituras é, porém, que o general se tornou, com isso, o grande antepassado de certas senhoras e cavalheiros do nosso tempo, e que eu encontro diariamente na cidade, os quais transformaram a boca em Caixa de Conversão, depositando alí, em obturações dispendiosíssimas, grande parte da sua fortuna.
Felizmente, há entre as senhoras, espíritos esclarecidos que movem contra esse abuso uma campanha infatigável. Ainda ontem, uma destas beneméritas, D. Clara de Souza Castelo, que me fora apresentada pelo Sr. Dr. Afrânio Peixoto, me informava, preocupadíssima:
- Esta moda das dentaduras de ouro está se desenvolvendo, Sr. conselheiro, como o senhor não imagina.
E após uma dúzia de nomes próprios, aludindo a pessoas notabilizadas por esse mal gosto, assinalou, penalizada, uma ilustre dama atualmente em Petrópolis, cuja boca é considerada ali, pela quantidade de ouro que encerra, uma verdadeira sucursal dos cofres do London Bank.
- E não é só a falta de gosto, senhor conselheiro. - acentuava a minha curiosa conhecida da véspera - O pior de tudo, é o perigo a que está exposta uma criatura nessas condições. O senhor não conhece o caso de D. Laurentina, mulher do Dr. Filomeno Miranda?
A minha resposta foi, como era natural, negativa, e ela contou:
- D. Laurentina tem, como o senhor sabe, uma grande fortuna, herdada do pai. Aos vinte e cinco anos os seus dentes começaram a estragar-se, e ela, que possuía dinheiro, mandou obturá-los a ouro. E de tal maneira procedeu, que, hoje possui a boca inteiramente dourada! Quando ela fala, e os lábios se lhe descerram, é um deslumbramento, um luxo de ouro, que se tem a impressão de que se abriu de repente a porta grande da igreja da Candelária!
Eu tossi, estranhando a imagem, e Dona Clara continuou:
- O pior, porém, era o que lhe ia sucedendo. Imagine o senhor que, uma destas noites, ao regressar de uma visita, o Dr. Filomeno percebeu que havia ladrão na casa. Corajoso, hábil, experiente, empunhou ele o revólver, chamou os criados, e começou a percorrer o palacete. No quarto de dormir, o jardineiro abaixou-se, e olhou para debaixo da cama. E deu um grito, de horror e de alarma. O ladrão estava lá, debaixo do leito, escondido!
Por essa altura, D. Clara tomou fôlego, e reatou:
- Arrancado, à força, do esconderijo, pelo pulso dos criados, o miserável não negou o crime premeditado. Estava ali para roubar a fortuna da dona da casa!
- E estava armado? - indaguei, aflito.
- Estava, Sr. conselheiro, estava! - acudiu a minha informante.
E, olhando para um lado e outro, soprou-me, perversa, ao ouvido:
- Levava... um boticão!...
E soltou uma gargalhada sonora, demorada, reboante, dessas que somente sabem dar na terra, as mulheres de dentes bonitos.
Felizmente, há entre as senhoras, espíritos esclarecidos que movem contra esse abuso uma campanha infatigável. Ainda ontem, uma destas beneméritas, D. Clara de Souza Castelo, que me fora apresentada pelo Sr. Dr. Afrânio Peixoto, me informava, preocupadíssima:
- Esta moda das dentaduras de ouro está se desenvolvendo, Sr. conselheiro, como o senhor não imagina.
E após uma dúzia de nomes próprios, aludindo a pessoas notabilizadas por esse mal gosto, assinalou, penalizada, uma ilustre dama atualmente em Petrópolis, cuja boca é considerada ali, pela quantidade de ouro que encerra, uma verdadeira sucursal dos cofres do London Bank.
- E não é só a falta de gosto, senhor conselheiro. - acentuava a minha curiosa conhecida da véspera - O pior de tudo, é o perigo a que está exposta uma criatura nessas condições. O senhor não conhece o caso de D. Laurentina, mulher do Dr. Filomeno Miranda?
A minha resposta foi, como era natural, negativa, e ela contou:
- D. Laurentina tem, como o senhor sabe, uma grande fortuna, herdada do pai. Aos vinte e cinco anos os seus dentes começaram a estragar-se, e ela, que possuía dinheiro, mandou obturá-los a ouro. E de tal maneira procedeu, que, hoje possui a boca inteiramente dourada! Quando ela fala, e os lábios se lhe descerram, é um deslumbramento, um luxo de ouro, que se tem a impressão de que se abriu de repente a porta grande da igreja da Candelária!
Eu tossi, estranhando a imagem, e Dona Clara continuou:
- O pior, porém, era o que lhe ia sucedendo. Imagine o senhor que, uma destas noites, ao regressar de uma visita, o Dr. Filomeno percebeu que havia ladrão na casa. Corajoso, hábil, experiente, empunhou ele o revólver, chamou os criados, e começou a percorrer o palacete. No quarto de dormir, o jardineiro abaixou-se, e olhou para debaixo da cama. E deu um grito, de horror e de alarma. O ladrão estava lá, debaixo do leito, escondido!
Por essa altura, D. Clara tomou fôlego, e reatou:
- Arrancado, à força, do esconderijo, pelo pulso dos criados, o miserável não negou o crime premeditado. Estava ali para roubar a fortuna da dona da casa!
- E estava armado? - indaguei, aflito.
- Estava, Sr. conselheiro, estava! - acudiu a minha informante.
E, olhando para um lado e outro, soprou-me, perversa, ao ouvido:
- Levava... um boticão!...
E soltou uma gargalhada sonora, demorada, reboante, dessas que somente sabem dar na terra, as mulheres de dentes bonitos.
Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.
Minha Estante de Livros (Livros de Júlia Lopes de Almeida)
Autora de traços realistas que gozava de grande popularidade em sua época, Júlia Lopes foi praticamente esquecida pela crítica e pelo público após a revolução desencadeada pelos modernistas em 1922. Verdadeira injustiça contra uma autora tão competente e tão próxima dos grandes nomes do seu tempo, entre eles o próprio Machado de Assis, de quem era amiga. Infelizmente, o machismo do tempo a privou de ter uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, instituição que Júlia ajudou a criar.
No romance A Falência (1901), Julia apresenta um retrato sensível e profundo de uma parte da sociedade brasileira de seu tempo, os comerciantes de café que faziam fortuna intermediando os negócios entre os fazendeiros (produtores) e o mercado externo (consumidores), na República recém-proclamada, marcada fortemente pela cultura escravista e pelas práticas clientelistas sempre presentes no Brasil.
Fruto de um processo de quinze anos de elaboração, A Falência retrata a vida de Francisco Teodoro, português que chega ainda criança ao Rio de Janeiro e aos poucos faz fortuna. Quando os negócios vão bem, decide se casar com a bela Camila atendendo às convenções sociais do tempo. Do casamento sem amor, nascem quatro filhos, Mário (playboy), Ruth (sonhadora) e as pequenas gêmeas, Rachel e Lia. A vida social de Camila é rica, marcada por festas e pela presença constante do amante, Dr. Gervásio. Também participa da vida da família a sobrinha Nina, tratada como serviçal da casa.
A aparente estabilidade é rompida quando Teodoro, o financiador dos luxos, perde tudo em um negócio mal desenhado no mercado de café. A falência o leva ao desespero absoluto e ao suicídio. Desamparada, Camila deve abandonar a casa e os luxos, sendo salva pela sobrinha, Nina, que a acolhe em sua casa modesta. Enquanto todos trabalham para se sustentar, Camila ainda sonha com a grandeza, que espera recuperar pelas mãos do filho, que se casara com a rica Paquita, mas que não cumpre as expectativas da mãe. Abandonada também pelo amante, Camila se vê diante de outra falência, de ordem moral, pois se encontra também sem dignidade e respeito social.
Traçando de forma muito competente os perfis psicológicos das personagens, Julia Lopes de Almeida apresenta ao leitor uma ampla série de conflitos humanos, mostrando as ambivalências das escolhas e das condutas conforme os valores que regiam os comportamentos dos comerciantes abastados do século XIX. Importante e sensível documento do caráter humano, dedicado a criticar as ilusões e as hipocrisias que os seres humanos criam para si mesmos.
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A VIÚVA SIMÕES
A Viúva Simões, livro publicado em 1897, ainda pode surpreender o leitor, uma vez que a personagem principal Ernestina Simões, apesar de ser um retrato das mulheres burguesas da época, possui um caráter complexo e toma atitudes que demonstram suas angústias entrelaçadas a momentos de insegurança, desejo e manipulação. Ela possui o perfil de uma mulher que viveu uma vida toda dedicada ao casamento e às aparências e, a partir do retorno de um amor da juventude, sua vida se transforma. É como se ela estivesse presa em um casulo e desejasse, por fim, voar.
Ao observarmos o romance como um exemplo do machismo estrutural, esse bater de asas da viúva Simões, a faz cair em outro casulo, pois o seu namorado de infância, Luciano, ao retornar da Europa, a enche de esperança por uma vida amorosa que não se concretiza.
Ao decorrer da obra, o leitor irá conhecer Sara, filha de Ernestina com o seu falecido marido. Fica evidente outro ponto comum aos casamentos tradicionais, pois segundo a própria viúva Simões, está em Sara a sua verdadeira alegria. E Sara, em suas atitudes, representa um choque de gerações, apesar de também cair de forma trágica, como nos romances góticos, nas amarras do patriarcado.
Já o personagem Luciano, encantando em um primeiro momento por Ernestina, se mostra superficial e machista, pois preocupa-se com o fato de seu amor de infância não ser mais jovem, como se ele também não tivesse sofrido a passagem do tempo.
Aos poucos, Luciano começa a ver Ernestina como uma ameaça, por sua beleza e poder de sedução. Entretanto, neste mesmo momento, a viúva Simões se vê cada vez mais entregue à sua paixão de infância. No decorrer da história, de narrativa simples e fácil de ler, as intrigas vão crescendo até chegar ao interesse de Sara também por Luciano.
É muito interessante observar a trama construída pela autora, pois uma história que tinha tudo para ser mais uma sobre amores românticos, desconstrói essa ideia e nos entrega uma tragédia social, muito comum até hoje em dia, sobre as mulheres e seus casulos patriarcais.
Um grande destaque no livro são os diálogos, pois são construídos de uma forma sincera e honesta, sem a necessidade de colocar os homens, principalmente, como príncipes virtuosos e perfeitos.
Sara e Ernestina estão sozinhas nessa jornada por uma vida ao lado de alguém, porém, quando os casulos se tornam visíveis para o leitor, é tarde mais para elas insistirem na própria liberdade.
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A INTRUSA
Júlia Lopes de Almeida publicou o romance “A intrusa” em 1908 e, como uma características de suas obras, vamos encontrar a sociedade carioca em seus problemas pessoais e sociais.
No livro, narrado em terceira pessoa, o leitor conhecerá Argemiro, um homem viúvo que jurou no leito de morte de sua esposa que não casaria novamente. Sua filha Glória, uma criança descobrindo as belezas do mundo, é criada pela avó materna, uma baronesa que vive no campo. Glória vê o pai poucas vezes, quando vai até a sua casa na capital do Rio de Janeiro.
A princípio, sabemos da preocupação do pai em relação à educação de sua filha, que para ele não está adequada, pois ele teme que sua filha não cresça de acordo com os padrões sociais da época. Em um segundo momento, também é mostrado que ele sente saudades da criança, o que torna o motivo principal da contratação de uma governanta para a sua casa, que também exercerá o papel de educar sua filha.
Ao longo da narrativa, será possível perceber que Argemiro não está feliz vivendo sozinho. Essa solidão é perceptível em sua relação com a própria casa, pois a considera desorganiza, bagunçada, suja, sem vida – assim como ele próprio se encontra.
A sogra de Argemiro, mãe de sua esposa morta, lembra-o constantemente do juramento que ele fez e, ao descobrir a entrada de uma governanta na casa, teme que Argemiro deixe de cumprir o juramento e, assim, desrespeite a lembrança de sua filha. Entretanto, Argemiro faz um contrato inusitado com a governanta, chamada por sua sogra de “a intrusa”: ela viverá na casa, mas não será vista por Argemiro. E, como Alice, a governanta contratada precisa muito do trabalho, aceita a condição de ser invisível dentro da mansão.
O melhor amigo de Argemiro é um padre. Os dois passaram a infância juntos e mantêm uma relação de amizade muito próxima. Para o padre Assunção, o amor entre ele e Alice já fica evidente por seu amigo fazer grandes elogios sobre a mudança dos ares de sua casa com a chegada da governanta: tudo está bonito, organizado, limpo, mais iluminado e, principalmente, sua filha Glória está com um comportamento mais tranquilo ao mesmo tempo que demonstra mais interesse pelos estudos.
E se não bastasse o juramento de Argemiro, para sua sogra, tudo é motivo de ciúmes, pois, para ela, a governanta é uma intrusa, manipuladora, vulgar e não adequada para cuidar de sua neta. Porém, fica nas entrelinhas dos diálogos da baronesa que ela é apenas uma mulher que não consegue se distanciar de sua filha que morreu e, a mudança na rotina de Argemiro e sua casa, para ela, é como se fosse mais uma forma de matar a sua filha.
A Intrusa é um romance clássico, com ótimos diálogos e pequenas surpresas
Diferente da tragédia em “A viúva Simões”, o livro A Intrusa caminha para um fim romântico sem grandes surpresas. No entanto, os diálogos, que traçam perfis sociais muito condizentes com a época, introduzem o leitor de maneira ímpar ao universo político-social do Brasil oitocentista.
É possível observar as preocupações dos personagens em relação aos seus papeis e imagens sociais. Bem como, o contraponto entre o casamento por conveniência social e dinheiro versus o casamento por encantamento, admiração e amor.
Por fim, a pequena surpresa está na motivação dos personagens, pois Júlia Lopes de Almeida carrega a sua obra com muita perspicácia, o que deixa o leitor satisfeito com o final ao entender que, muito além de uma história de amor, a autora traduziu muito bem as relações familiares e sociais de um Brasil patriarcal, católico e pós-abolicionista.
Fontes:
Curso Etapa
– Livro & Café
A Viúva Simões
A Intrusa
Curso Etapa
– Livro & Café
A Viúva Simões
A Intrusa
sexta-feira, 8 de outubro de 2021
Barão de Itararé (Versos Diversos) 3
BRIGUEI COM ELA
Essa que vedes, de vestido azul,
De olhos castanhos e cabelos pretos,
Foi a virgem ideal de meus afetos
A mais linda deidade aqui do sul.
Eu era bem feliz! Nenhum lamento
Também da minha amada não se ouvia.
Minha ex-futura sogra protegia
O namoro que ia dando em casamento.
Numa risonha e esplêndida manhã,
Fui visita-la. D’ante mão já ia
Gozando a sensação d’um beijo morno.
Encontrei-a, reclinada num divã,
Toda poética, mas perdi a poesia:
Ela estava tirando pão do forno…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
DÍVIDA
Paga-se amor com amor,
Diz o prolóquio plebeu.
Pergunto-te, agora, ó flor,
Quando é que pagas o meu?
Não podes amortizar
Esta dívida sagrada?
Dá-me um sorriso, um olhar,
Depois não quero mais nada...
Ouço dizer por aí
Que tens alma cristalina,
E que possuis muitos dotes.
Não fica bem para ti,
Que és linda e "rica" menina
Andar passando calotes.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
O INVERNO
Eu gosto do inverno. O frio faz bem.
E eu sinto-me feliz: o inverno aí vem,
Com noites frias... rígidas noitadas....
As belas folhas verdes caem do galho
E as rosinhas, por falta de agasalho,
Tombam da haste, com as pétalas geladas.
E, se eu gosto do inverno, é só por isso:
A natureza despe o que é postiço,
Para mostrar-se aos homens tal qual é.
Os elegantes, não! Gostam da estica:
Enfiam polainas, luvas de pelica,
E andam na rua de cabeça em pé!
E ei–los com cilíndricos chapéus,
De pelo de castor, bradando aos céus,
Distribuindo entre moças barretadas.
E, por baixo do belo sobretudo,
De botões grandes e gola de veludo:
Casacos velhos, calças avariadas...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
RÉU D'AMOR
Sou réu d’amor. Confesso o meu pecado,
Porém não me arrependo d'esse crime,
Que amar alguém e ser também amado
É o crime mais gostoso, mais sublime.
A confissão, por certo, não redime
A quem quer continuar a ser culpado.
E se for, por acaso, condenado,
Não é razão pela qual eu desanime.
Pelo contrário. Altivo, embora fique
Meu coração partido em mil pedaços,
Eu quero que a justiça se pratique.
Sou réu de amor e julgo-me indefeso!
Peço justiça! Entrego-me a teus braços
E ternamente quero ficar preso!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
UM MATCH DE FOOTBALL
O dia estava lindo. Havia gente em penca.
O juiz apitou e começou a encrenca.
Nossa Senhora! Mas que charivari!
Tanta correria assim eu nunca vi.
Um jogador feroz, deu com o pé na bola
Que foi bater, bem certeira, na cartola
D’um cidadão que não contava com essa
Ao ver ameaçada a tampa da... cabeça…
E a louca multidão, bruta e malcriada,
Vaiou a um bom chefe de família honrada.
Outro caiu por terra. Deu-lhe vaia o povo.
Levantou-se fulo, mas caiu de novo.
Parecia aquilo, em meu pensar profundo,
Vinte e duas fúrias, perseguindo o mundo.
E, depois da hora e meia de combate,
O juiz apitou. 0 jogo estava empate.
Essa que vedes, de vestido azul,
De olhos castanhos e cabelos pretos,
Foi a virgem ideal de meus afetos
A mais linda deidade aqui do sul.
Eu era bem feliz! Nenhum lamento
Também da minha amada não se ouvia.
Minha ex-futura sogra protegia
O namoro que ia dando em casamento.
Numa risonha e esplêndida manhã,
Fui visita-la. D’ante mão já ia
Gozando a sensação d’um beijo morno.
Encontrei-a, reclinada num divã,
Toda poética, mas perdi a poesia:
Ela estava tirando pão do forno…
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DÍVIDA
Paga-se amor com amor,
Diz o prolóquio plebeu.
Pergunto-te, agora, ó flor,
Quando é que pagas o meu?
Não podes amortizar
Esta dívida sagrada?
Dá-me um sorriso, um olhar,
Depois não quero mais nada...
Ouço dizer por aí
Que tens alma cristalina,
E que possuis muitos dotes.
Não fica bem para ti,
Que és linda e "rica" menina
Andar passando calotes.
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O INVERNO
Eu gosto do inverno. O frio faz bem.
E eu sinto-me feliz: o inverno aí vem,
Com noites frias... rígidas noitadas....
As belas folhas verdes caem do galho
E as rosinhas, por falta de agasalho,
Tombam da haste, com as pétalas geladas.
E, se eu gosto do inverno, é só por isso:
A natureza despe o que é postiço,
Para mostrar-se aos homens tal qual é.
Os elegantes, não! Gostam da estica:
Enfiam polainas, luvas de pelica,
E andam na rua de cabeça em pé!
E ei–los com cilíndricos chapéus,
De pelo de castor, bradando aos céus,
Distribuindo entre moças barretadas.
E, por baixo do belo sobretudo,
De botões grandes e gola de veludo:
Casacos velhos, calças avariadas...
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RÉU D'AMOR
Sou réu d’amor. Confesso o meu pecado,
Porém não me arrependo d'esse crime,
Que amar alguém e ser também amado
É o crime mais gostoso, mais sublime.
A confissão, por certo, não redime
A quem quer continuar a ser culpado.
E se for, por acaso, condenado,
Não é razão pela qual eu desanime.
Pelo contrário. Altivo, embora fique
Meu coração partido em mil pedaços,
Eu quero que a justiça se pratique.
Sou réu de amor e julgo-me indefeso!
Peço justiça! Entrego-me a teus braços
E ternamente quero ficar preso!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
UM MATCH DE FOOTBALL
O dia estava lindo. Havia gente em penca.
O juiz apitou e começou a encrenca.
Nossa Senhora! Mas que charivari!
Tanta correria assim eu nunca vi.
Um jogador feroz, deu com o pé na bola
Que foi bater, bem certeira, na cartola
D’um cidadão que não contava com essa
Ao ver ameaçada a tampa da... cabeça…
E a louca multidão, bruta e malcriada,
Vaiou a um bom chefe de família honrada.
Outro caiu por terra. Deu-lhe vaia o povo.
Levantou-se fulo, mas caiu de novo.
Parecia aquilo, em meu pensar profundo,
Vinte e duas fúrias, perseguindo o mundo.
E, depois da hora e meia de combate,
O juiz apitou. 0 jogo estava empate.
Fonte:
Apporelly (Barão de Itararé). Pontas de cigarros: livro de versos diversos. Rio de Janeiro: O Globo, 1925.
Apporelly (Barão de Itararé). Pontas de cigarros: livro de versos diversos. Rio de Janeiro: O Globo, 1925.
Raul Pompéia (A Pomba e a Estrumeira)
Eu quero um noivo rico... Que não seja formoso!... Formosa já sou eu... Quero um noivo de ouro, de ouro como o bezerro. Adoro tudo que é de ouro: as jóias, as moedas e o bezerro mosaico. Quando durmo, sobre o meu corpo os sonhos entornam douradas cascatas... As auroras são belas para mim, porque têm diademas de ouro. Ama-se geralmente a montanha pela verdura basta e frondosa, que a reveste; eu amo a montanha, porque sinto lá dentro da crosta granítica, o espesso filão dourado. Há quem adore o ciciar do córrego, cachoeirando-se pelas pedrinhas afora; eu acho apenas adorável o ribeiro, quando rola palhetas de ouro nas areias do leito... Com o ouro faz-se o domínio e funde-se o trono. Os imperadores romanos faziam esculpir em ouro as próprias figuras...
Os raios do sol são de ouro.
Enfim, eu serei conquistada pelo ouro... A formosura tem a glória de valer o grande metal e de poder trocar-se por ele.
A mulher que se deixa conquistar pelo ouro passa a ser conquistadora; a fraqueza da formosura transfunde-se na onipotência do metal... De que serviria a nós outras, mulheres, a beleza, se a beleza não fosse ouro no mercado da vida e se o ouro não exigisse o formoso róseo da nossa carne para mais fino realce?!... Os homens dominam pela matéria, que é o ouro, nós dominamos pelo ideal, que é a sedução. A aliança dos dois domínios faz o domínio supremo... Esta é a verdade. Por isso, eu quero um noivo rico. Um noivo de ouro; de ouro maciço como o bezerro do velho testamento... Pertenço a quem mais der!... O calão vulgar da canalha chama isso vender-se...
Eu vendo-me!
Eu estava horrorizado. E ela dizia a brilhante catadupa de blasfêmias com aqueles mimosos lábios, que eu supusera feitos para o murmúrio doce das santas confidências da virtude e do amor...
Como era horrível a lagarta amarela do ouro, a sair por entre as rosas daquela boca!
.................................................................
Diante de nós, lá embaixo, no jardim, haviam acumulado a um canto uma grande porção de estrume.
Sobre o estrume, uma pomba branca, de lindos pés sanguíneos e sanguíneo bico, revolvia com as unhas o monte infecto, procurando alimento...
Fez-me estremecer o epigrama da casualidade.
Os raios do sol são de ouro.
Enfim, eu serei conquistada pelo ouro... A formosura tem a glória de valer o grande metal e de poder trocar-se por ele.
A mulher que se deixa conquistar pelo ouro passa a ser conquistadora; a fraqueza da formosura transfunde-se na onipotência do metal... De que serviria a nós outras, mulheres, a beleza, se a beleza não fosse ouro no mercado da vida e se o ouro não exigisse o formoso róseo da nossa carne para mais fino realce?!... Os homens dominam pela matéria, que é o ouro, nós dominamos pelo ideal, que é a sedução. A aliança dos dois domínios faz o domínio supremo... Esta é a verdade. Por isso, eu quero um noivo rico. Um noivo de ouro; de ouro maciço como o bezerro do velho testamento... Pertenço a quem mais der!... O calão vulgar da canalha chama isso vender-se...
Eu vendo-me!
Eu estava horrorizado. E ela dizia a brilhante catadupa de blasfêmias com aqueles mimosos lábios, que eu supusera feitos para o murmúrio doce das santas confidências da virtude e do amor...
Como era horrível a lagarta amarela do ouro, a sair por entre as rosas daquela boca!
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Diante de nós, lá embaixo, no jardim, haviam acumulado a um canto uma grande porção de estrume.
Sobre o estrume, uma pomba branca, de lindos pés sanguíneos e sanguíneo bico, revolvia com as unhas o monte infecto, procurando alimento...
Fez-me estremecer o epigrama da casualidade.
Fonte:
Raul Pompéia. Contos. Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Linguística da UFSC.
Raul Pompéia. Contos. Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Linguística da UFSC.
quarta-feira, 6 de outubro de 2021
Carlos Drummond de Andrade (Trem de Contos) 37, 38 e 39
O TEMPO NA RUA
Fizesse bom ou mau tempo, o mendigo sentava-se às sete da manhã no terceiro degrau da escada da igreja e ali ficava até as doze. Era tão pontual que os transeuntes, querendo saber as horas, não olhavam para o relógio da torre; olhavam para ele. Cada quarto de hora estampava-se em suas mãos, e a cada trinta minutos as rugas de seu rosto indicavam a medida do tempo.
Quando o relógio foi retirado da torre, para conserto, e nunca mais voltou, a presença do mendigo cresceu de importância. Muita gente lhe rogava que estendesse a permanência até findar o dia. Recusou-se a atender, alegando que tinha outras obrigações à tarde, sem esclarecer quais fossem.
No fim de alguns anos, era conhecido como o Tempo, mas a velhice fez com ele o que faz com os relógios. Já não fornecia indicações precisas, e causava grandes perturbações no horário das pessoas.
Tentaram removê-lo dali, e o Tempo não cedeu. A igreja foi demolida para dar espaço à nova rua. O Tempo continuou plantado no centro da pista, das sete às doze, sem que os guardas de trânsito conseguissem afastá-lo com boas ou rudes maneiras. Era evitado pelos motoristas e foi proclamado estátua matinal, atração da cidade.
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O TRABALHADOR INJUSTIÇADO
Papai Noel foi contratado para distribuir brinquedos na festa de Natal dos trabalhadores. Ao ver o ministro do Trabalho, expôs-lhe a situação:
— Ministro, nossa profissão ainda não foi regulamentada. Faça alguma coisa por nós.
— Como, se você e seus colegas só trabalham alguns dias por ano?
— Perdão, mas ainda que fosse um dia apenas, é trabalho regular, e em condições desfavoráveis. Ser Papai Noel na Europa é fácil, aqui o senhor não faz ideia. Além disso, passamos o ano inteiro à espera do Natal, com capacidade ociosa.
O ministro prometeu estudar o caso, mas acabou indeferindo a petição, com fundamento em parecer da assessoria, segundo o qual Papai Noel não existe.
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OU ISTO OU AQUILO
O dono da usina, entrevistado, explicou ao repórter que a situação é grave. Há excedente de leite no país, e o consumo não dá para absorver a produção intensiva:
— Uma calamidade. Imagine o senhor que o jornal aqui do município reclama contra a poluição do rio, que está coberto por uma camada alvacenta. Não é nenhum corpo estranho não, é leite. Estão jogando leite no rio porque não têm mais onde jogar. Os bueiros estão entupidos. A população, como o senhor deve saber, é insuficiente para beber toda essa leitalhada ou comê-la em forma de queijo, requeijão, manteiga e coisinhas.
— Insuficiente? Parece que a produção de crianças ainda é maior que a produção de leite.
— Numericamente sim, mas não têm capacidade econômica para beber leite. Têm apenas boca, entende? Então nada feito. Se falta dinheiro aos pais dos garotos para adquirir o produto, ainda bem que se joga o leite fora, em vez de jogar os garotos.
Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. Contos plausíveis. Publicado em 1981.
Carlos Drummond de Andrade. Contos plausíveis. Publicado em 1981.
Sonetos Brasileiros * 1 *
Manuel Botelho de Oliveira
(Salvador/BA, 1636 – 1711)
A MORTE DO PADRE VIEIRA
Fostes, Vieira, engenho tão subido.
Tão singular, e tão avantajado.
Que nunca sereis mais de outro imitado
Bem que sejais de todos aplaudido.
Nas sacras Escrituras embebido,
Qual Agostinho, fostes celebrado ;
Ele de África assombro venerado.
Vós de Europa portento esclarecido.
Morrestes. Porém não, que ao mundo atroa
Vossa pena, que aplausos multiplica.
Com que de eterna vida vos coroa ;
E quando imortalmente se publica,
Em cada rasgo seu a fama voa,
Em cada escrito seu uma alma fica.
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António Gomes Ferreira de Castilho
(Bahia, século XVII)
DESPEDIDA A UM FILHO
Filho, vem cá, escuta um pai amante
Que este último adeus vem dar-te triste;
Que sempre te amei muito, — tu o viste,
Que honrado te criei, isso é constante.
Hoje, tomando a região distante.
Que te mando estudar, tu já me ouviste:
Se tens empenho igual ao que me assiste.
Filho, vem cá, escuta um pai amante.
Vai, filho, estuda; e faze cuidadoso
Com que pagues a um pai, que antes ausente
Te quer ver do que ver-te em seu repouso.
Permita, enfim, o Céu Onipotente,
Que os olhos que hoje arraso de saudoso.
Algum dia os arrase de contente.
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Cláudio Manuel da Costa
(Mariana/MG, 1729 – 1789, Ouro Preto/MG)
SONETO
Estes os olhos são da minha amada,
Que belos, que gentis e que formosos!
Não são para os mortais tão preciosos
Os doces frutos da estação dourada.
Por eles a alegria derramada
Tornam-se os campos de prazer gostosos.
Em zéfiros suaves e mimosos
Toda esta região se vê banhada.
Vinde olhos belos, vinde, e enfim trazendo
Do rosto do meu bem as prendas belas,
Dai alívios ao mal que estou gemendo:
Mas ah! delírio meu que me atropelas!
Os olhos que eu cuidei que estava vendo
Eram (quem crera tal!) duas estrelas.
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Basílio da Gama
(Tiradentes/MG, 1741 – 1795, Lisboa/Portugal)
A UMA SENHORA
que o autor conheceu "no Rio de Janeiro e viu depois na Europa
Na idade em que eu brincando entre os pastores
Andava pela mão e mal andava,
Uma ninfa comigo então brincava
Da mesma idade e bela como as flores.
Eu com vê-la sentia mil ardores.
Ela punha-se a olhar e não falava;
Qualquer de nós podia ver que amava,
Mas quem sabia então que eram amores?
Mudar de sítio à ninfa já convinha,
Foi-se à outra ribeira; e eu naquela
Fiquei sentindo a dor que n'alma tinha.
Eu cada vez mais firme, ela mais bela;
Não se lembra ela já de que, foi minha.
Eu ainda me lembro que sou d'ela !…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
Tomaz António Gonzaga
(Porto/Portugal, 1744 – 1810, Ilha de Moçambique)
SONETO
Obrei quanto o discurso me guiava,
Ouvi aos sábios quando errar temia;
Aos bons no gabinete o peito abria,
Na rua a todos como iguais tratava.
Julgando os crimes nunca os votos dava.
Mais duro, ou pio do que a lei pedia:
Mas devendo salvar ao justo ria,
E devendo punir ao réu chorava.
Não foram, Vila Rica, os meus projetos,
Meter em férreo cofre cópia de ouro.
Que farte aos filhos, e que chegue aos netos
Outras são as fortunas, que me agouro,
Ganhei saudades, adquiri afetos.
Vou fazer d'estes bens melhor tesouro.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
Nota do blog:
Algumas palavras dos sonetos acima foram convertidos do português da época (1913) para o português atual.
Algumas palavras dos sonetos acima foram convertidos do português da época (1913) para o português atual.
Fonte:
Laudelino Freire (org.). Sonetos Brasileiros. Collectanea.
Laudelino Freire (org.). Sonetos Brasileiros. Collectanea.
Seculo XVII-XX. RJ: F. Briguiet, 1913.
Figueiredo Pimentel (O Príncipe Querido)
Ubaldo VI, rei do país de Karkom, foi um soberano tão bom, tão carinhoso e tão amante dos vassalos, que, depois de sua morte, e mesmo em vida, o povo o cognominou: o Bom Rei.
Estando um dia a caçar um coelho, que cães perseguiam, pulou em seus braços.
O rei acariciou o coelhinho e disse-lhe:
– Já que te colocaste sob minha proteção, não consentirei que te façam mal. E levou o bichinho para o palácio.
À noite, quando já estava em seus aposentos, pronto para se deitar, apareceu-lhe uma moça formosíssima, vestida de branco, com os deslumbrantes e opulentíssimos trajes de uma princesa real, tendo, porém, cingida à fronte, em vez de uma coroa, uma grinalda de rosas brancas.
Sua majestade ficou admirada de vê-la no quarto, porque a porta estava fechada, não sabendo como podia ter ela entrado.
– Eu me chamo Cândida e sou uma fada, disse ela. Estava no bosque, enquanto caçavas, e quis ver se eras bom como todo o mundo diz. Por isso encantei-me no coelhinho, e saltei em teus braços. Queria ver se eras bom para os animais, porque sei que quem tem piedade deles, ainda tem mais pelos homens, seus semelhantes. Se me tivesses recusado socorro, acreditaria que eras mau. Vim agradecer o serviço que me fizeste, e garantir-te a minha proteção. Pede o que quiseres, que te prometo fazer.
– Linda fada, disse o bom rei, deves saber o que desejo. Tenho um único filho que muito estimo, e por isso lhe chamo Querido. Se quereis conceder-me alguma graça, sede sua protetora.
– De boa vontade, tornou a fada, “posso fazê-lo o mais rico, o mais belo e o mais poderoso dos príncipes. Escolhe o que queres para ele.
– Nada disso desejo para meu filho, respondeu Ubaldo. Ficarei muito agradecido se fizerdes dele o melhor de todos os príncipes. De que lhe servirá ser belo, rico, poderoso, se for um malvado? Sabeis perfeitamente que seria infeliz, e que só a virtude fará dele um homem venturoso.
– Tens muita razão, mas não tenho poder para tanto. É preciso que ele trabalhe para ser um homem virtuoso. O mais que posso prometer é dar-lhe bons conselhos, protegê-lo, repreendê-lo e castigá-lo pelas suas faltas, se não se corrigir ou não se punir por suas próprias mãos.
O soberano ficou satisfeito com essa promessa da fada Cândida, e morreu pouco tempo depois.
O príncipe Querido chorou bastante a perda de seu velho pai, e daria todos os seus reinos, toda a sua fortuna para salvá-lo.
***
Dois dias após a morte do rei, estando Querido deitado, apareceu-lhe Cândida, que lhe disse:
– Prometi a teu falecido pai ser tua protetora, e vim cumprir minha palavra fazendo-te um presente.
E no mesmo instante colocou um anel de ouro no dedo do moço, dizendo-lhe:
– Guarda com muito cuidado este anel, que vale mais que todos os tesouros da terra. Todas as vezes que fizeres uma ação má, ele espetará teu dedo. Mas, se apesar disso, persistires, perderás a minha amizade e tornar-me-ei tua maior inimiga.
Dizendo tais palavras Cândida desapareceu, deixando o príncipe admirado. Querido conservou-se sensato por muito tempo, a ponto de não sentir o anel espetá-lo nenhuma vez.
Tempos depois, indo à caça, sentiu que o anel o incomodava, mas não fez caso; e, como não encontrasse pássaro algum para matar, voltou para casa de mau humor.
Entrando em seu quarto, uma cadelinha que possuía, chamada Mimosa, começou a saltar-lhe em frente, festejando-o, latindo alegremente.
– Passa fora! gritou. Hoje não estou disposto a receber festas.
A cadelinha, não entendendo o que lhe dizia o príncipe, puxou-lhe a aba do paletó, para obrigá-lo ao menos a olhar par ela.
Isto impacientou o príncipe, que lhe deu um pontapé. Nesse momento o anel deu-lhe uma ferroada tão forte que parecia alfinete.
Querido ficou muito admirado, e foi sentar-se a um canto do quarto, envergonhado da sua ação. E dizia consigo mesmo: "– Afinal de contas, está me parecendo que a fada brinca comigo. Que grande mal fiz em dar um pontapé num animal que me importuna? De que me serve ser senhor de um grande império, se não tenho liberdade de castigar o meu cão?"
– Eu não brinco contigo, disse uma voz que respondia ao pensamento do príncipe. Cometeste três faltas em vez de uma. Estavas de mau humor, porque não gostas de ser contrariado, e pensas que os animais e os homens foram feitos para te obedecer. Ficaste zangado, o que é malfeito, e demais, foste cruel para um animalzinho que não merecia ser maltratado. Sei que vales mais que o cão; mas, se é uma coisa razoável e permitida que os grandes possam maltratar os pequenos e os fracos, agora mesmo eu, que sou fada, podia castigar-te, e até te matar, porque sou mais forte que tu. A vantagem de ser senhor de um grande império não consiste em poder fazer o mal que se quer, mas sim todo o bem que se pode.
O jovem confessou a sua falta, e prometeu corrigir-se, mas depressa faltou à palavra. Em pequenino fora criado por uma velha ama que lhe fazia todas as vontades. Se acaso desejava alguma coisa, fazia manha, gritava, batia com o pé, esperneava a ponto de, para se calar lhe darem o que pedia. Ficou por isso com um gênio muito irascível. E demais, a ama lhe dizia sempre que ele um dia havia de ser rei e governar o povo, de sorte que todos teriam que lhe obedecer.
Mais tarde, quando moço, o príncipe compreendeu o seu mau gênio, mas não pôde emendar-se dos defeitos que na meninice adquirira. Dizia, então, consigo mesmo: “– Sou bem desgraçado em ter de combater todos os dias a minha cólera e o meu orgulho. Se me tivessem corrigido quando pequeno, hoje não sofreria tantos dissabores.”
O anel ferroava-o muitas vezes. Em várias ocasiões, ele se detinha em alguma ação má; mas em outras continuava, e o que havia de singular era o anel que o picava pouco por uma falta ligeira; mas quando fazia alguma maldade, o sangue saía do dedo. Por fim aquilo o impacientou, e querendo ser livre, jogou o anel fora, livrando-se dessa maneira das constantes ferroadas.
Julgou-se desde então o homem mais feliz do mundo, e começou a praticar toda a sorte de loucuras, de modo que se tornou um homem mau e perverso, que ninguém podia aturar.
Meses depois, percorrendo a passeio as ruas da capital, avistou à janela de uma casa de modesta aparência, uma formosíssima jovem, por quem imediatamente se apaixonou.
Essa moça, embora fosse de família paupérrima, não era ambiciosa, e fora criada com muito recato e honradez por seus pais. O príncipe, porém, julgando-a facilmente, imaginou que ela ficaria satisfeitíssima se lhe desse a mão de esposo. Assim dirigiu-se sem mais demora à casinha, e perguntou-lhe o nome. A rapariga respondeu que se chamava Zélia, e que era pastora. Então Querido propôs-lhe o casamento.
Espantada com tão brusca proposta, e não gostando do príncipe, a quem raríssimas vezes via, a formosa jovem recusou a honra que lhe fazia o filho do falecido rei.
– Por quê? perguntou Querido. Acaso te desagrado eu? ou me achas muito feio?
– Não, príncipe, sei que sois belo, porque agora mesmo estou olhando para vossa alteza. Mas a que me serviriam vossa beleza, vossa riqueza, lindos vestidos, carros magníficos que me dês, se as más ações que vos visse praticar todos os dias, me forçariam a vos desprezar e odiar? respondeu ela com a máxima franqueza.
Querido encolerizou-se muitíssimo com aquela recusa e mandou que os seus soldados a trouxessem ao palácio. Passou todo o dia agitado e, como estava verdadeiramente apaixonado, não teve coragem de lhe fazer mal.
Entre os seus favoritos havia um, chamado Xerim, seu irmão de leite, em quem ele depositava toda a confiança. Esse homem, que tinha inclinações baixas, próprias de um mau-caráter, lisonjeava as paixões do seu amo, e dava-lhe péssimos conselhos. Assim que viu o príncipe triste, tratou de indagar o motivo. Respondeu-lhe o jovem que não podia suportar o desprezo de Zélia, e que estava disposto a corrigir-se de seus defeitos, já que era preciso ser virtuoso para agradar à moça.
O perverso Xerim aconselhou-o, então:
– Príncipe, sois muito criança em vos incomodares com uma pastora. Se eu fosse vossa real majestade, obrigá-la-ia a obedecer-me. Lembrai-vos de que sois rei, e que é ridículo a tão alto personagem sujeitar-se aos caprichos de uma plebeia, que ficaria muito contente em ser vossa escrava. Prendei-a a pão e água, e vereis se ela consente ou não em se casar convosco. Ficareis desonrado, se souberem que uma moça do povo resiste aos vossos desejos.
– Mas não ficarei desonrado se fizer morrer uma inocente, porque Zélia não é culpada de nenhum crime? – replicou Querido, que ainda tinha uns restos de bons sentimentos.
– Uma pessoa não é inocente, quando não cumpre as vontades de seu rei. - retorquiu o infame - Contudo, é preferível que vos acusem de uma injustiça, do que de se estabelecer o princípio de desrespeito a um rei tão ilustre.
O favorito tocou o ponto fraco do rei que, receoso de ver a sua autoridade desprestigiada, abafou a vontade de se corrigir, e partiu para o quarto onde estava a moça, disposto a fazê-la consentir no casamento, ou então vendê-la como escrava no dia seguinte.
Quando o príncipe abriu a porta do quarto em que prendera a jovem, com a chave que sempre trazia no bolso, ficou como doido por não encontrá-la. Zélia havia fugido.
Existia nesse tempo um cortesão que estimava muito o príncipe, e que havia sido seu preceptor. Esse pobre homem, chamado Salomão, mais de uma vez o aconselhara a reprimir as suas loucuras. Querido, as primeiras vezes, ouvira-o de bom modo; mas, por fim impacientando-se, já não queria saber mais do velho, nem dos seus conselhos tendo retirado todas as regalias que o preceptor tinha no palácio.
Salomão, sendo muito sensato, os moços da corte não o estimavam, e por isso procuravam todos os meios de o molestar. Assim que o rei deu por falta de Zélia, não faltaram intrigantes que dissessem ter sido Salomão quem havia facilitado a fuga da moça, e até contaram que alguns criados ouviram a conversa em que ele promovia a fuga.
Possuiu-se o jovem soberano de grande raiva, e mandou que trouxessem o velho Salomão preso. Depois de dar essas ordens, retirou-se para o quarto. Apenas, porém, acabava de entrar, a terra toda tremeu, ouviu-se um grande trovão, e Cândida apareceu-lhe, dizendo:
– Prometi a teu pai dar-te bons conselhos, e punir-te se recusasses segui-los: desprezaste-os; não conservaste do homem senão a figura, e os teus crimes te mudaram em um monstro de terror para o céu e para a terra. Já é tempo que eu termine a minha promessa, castigando-te. Condeno-te a ficares semelhante aos animais quadrúpedes. Faço-te semelhante ao leão pela cólera, ao lobo pela gulodice, à serpente pela ingratidão, pois maltrataste o velho Salomão, aquele que foi teu segundo pai, e ao touro pela brutalidade. Traze em tua figura o caráter desses animais.
Apenas, a fada acabava de pronunciar tais palavras, viu-se o príncipe, com horror, tal como ela dissera: um monstro com cabeça de leão, chifres de touro, patas de lobo, e cauda de serpente. No mesmo instante achou-se em uma grande floresta, à beira de uma fonte, onde se refletia a sua horrível figura, e ouviu uma voz, que lhe disse:
– Olha o estado a que te reduziram teus crimes! Tua alma é mil vezes mais feia que a tua figura.
Reconheceu Querido a voz da fada, e possuído de furor, quis investir contra ela.
– Zombo da tua fraqueza e da tua raiva. Vou confundir o teu orgulho, colocando-te sob o domínio dos teus súditos.
A fera foi andando pela floresta quando de repente caiu num buraco muito fundo. Era um laço que caçadores de animais ferozes armavam para fazê-los cair. Os caçadores, que estavam à espreita, desceram, foram prender a fera e levaram-na acorrentada para a cidade, onde estava o seu palácio. Quando lá chegaram, viram toda a população em festas, e perguntaram o que significava aquela alegria.
Respondeu-lhes um homem do povo:
– O príncipe Querido só gostava de atormentar os seus súditos, e por isso fora fulminado em seu quarto por um raio. Deus não pudera suportar tanta crueldade, e livrara a terra de tão mau rei. Quatro homens cúmplices de seus crimes, quiseram partilhar o reino entre si, mas o povo que sabia terem sido os seus maus conselhos que prejudicaram o príncipe, expulsou-os do país e ofereceu a Salomão, a quem o príncipe Querido queria mandar matar, a coroa de rei. Esse digno cidadão acaba de ser coroado, e nós celebramos o dia de hoje como de nossa liberdade, porque Salomão é virtuoso, e vai trazer a seu povo a paz e a abundância.
A fera mordia de raiva a corrente em que estava presa, ao ouvir esse discurso, porém mais raivosa ainda ficou quando chegou à praça onde estava o palácio, e viu o velho sentado no trono, e. todo o povo a lhe desejar longa vida.
Salomão fez um sinal com a mão, pedindo silêncio, e disse:
– Aceitei a coroa que me oferecestes, para conservá-la ao príncipe Querido. Ele não morreu, como suponham. Uma fada me revelou; e talvez, um dia, vós o vejais virtuoso como era nos seus primeiros anos. Coitado! continuou ele derramando lágrimas, os aduladores o seduziram. Eu conhecia o seu coração, que era feito para a virtude e se não fossem os maus conselhos, ele era o nosso pai. Abominai os vossos vícios, mas lastimai o pobre príncipe, e roguemos a Deus que nos devolva o nosso rei, bom como fora seu pai. Eu me consideraria muito feliz, se soubesse que meu sangue derramado fá-lo-ia digno de um povo bom como sois.
As palavras de Salomão foram diretas ao coração do príncipe, que desde esse dia começou a ser dócil, não mais querendo partir a jaula em que estava.
O homem que tomava conta das feras, no jardim zoológico, era um bruto que a toda a hora castigava os animais. Querido sofria todos os castigos, manso como um cordeiro, não querendo nunca reagir contra o seu domador.
Aconteceu que um dia a jaula do tigre ficou aberta por descuido, e o desgraçado domador teria morrido, se não viesse à sua frente a curiosa fera, que lutando com a outra, a matou, salvando-lhe assim a vida.
O pobre homem não sabia como acariciar a fera que o tinha salvo, quando ouviu uma voz que disse:
– Não há uma boa ação sem recompensa.
Nisso, o príncipe foi de súbito transformado num lindo cão. O domador, vendo aquele espantoso caso, foi contar ao rei o sucedido, e este mandou vir para o palácio o cão, que se viu feliz na sua nova transformação. Mas aí não lhe davam o alimento necessário, porque diziam que quanto mais comida lhe dessem, mais ele cresceria, de sorte que o príncipe passou novas provações e, às vezes, até fome.
Certa vez, recebeu ele o seu pedaço de pão e ia devorá-lo, quando viu uma pobrezinha a arrancar ervas para comer. Teve pena da pobre mendiga, e deu-lhe o pedaço de pão, dizendo consigo mesmo que ele poderia esperar pela sua ração até o dia seguinte, e a pobre parecia estar com tanta fome que era bem capaz de morrer.
Estava pensando na miséria da desgraçada, quando ouviu grandes gritos. Eram quatro homens que empurravam Zélia pelo meio da rua, forçando-a entrar numa casa.
O cão sentiu não ser a fera que tinha sido, para poder livrar a moça que tanto amava. Contentou-se, porém, em latir, até ver se chegava alguém que a defendesse dos malfeitores. Não aparecendo quem viesse em socorro da vítima, o cão começou a esperar por Zélia para ver se ela aparecia.
Nisso viu uma janela abrir-se e imediatamente jogarem uma porção de carne assada perto do lugar onde ele estava. O cão, que não comia desde a véspera, estava já disposto a comer aquela carne, vinda tão a propósito, quando a pobre, vendo-o, gritou:
– Não comas desta carne, meu cãozinho que está envenenada.
No mesmo instante o príncipe ouviu uma voz que dizia:
– Vês tu que uma boa ação não fica sem recompensa?
E imediatamente viu-se mudado num belo pássaro azul. Começou a voar até a casa onde vira Zélia entrar, e, depois de percorrer todos os quartos, voou em direção a um bosque perto.
Qual não foi o seu espanto quando viu a moça sentada à sombra de uma árvore ao lado de um ermitão!
Assim que a viu, voou ao seu ombro, e começou a festejá-la. Zélia encantada pela mansidão do pássaro, correspondeu às carícias e disse que havia de o amar para sempre. Então o pássaro se transformou no príncipe Querido, tal como a moça o tinha visto da primeira vez.
O ermitão, vendo aquilo, transformou-se também na fada Cândida, e disse:
– Está quebrado o encanto, príncipe. Só voltarias à tua forma humana no dia em que Zélia gostasse de ti. Ela acabou de o confessar. Vou conduzir-te ao teu reino, onde está à tua espera o mais leal dos vassalos, o velho Salomão. Confia nele, que é o teu segundo pai. Segue-lhe sempre os conselhos, que te não arrependerás.
Mal a fada acabou de proferir estas palavras, o príncipe Querido viu-se no seu palácio, em companhia de Zélia. O velho Salomão, quando o viu, chorou de alegria. Querido tomou conta do reino, e casou-se com a pastora Zélia, vivendo desde então na mais completa felicidade.
Salomão escreveu a história do príncipe Querido, tal como acabamos de narrá-la, para ensinamento de todos, grandes e pequenos, ricos e pobres, fidalgos, e plebeus, reis e vassalos, a fim de que toda a gente se convença que a felicidade, neste mundo, consiste unicamente em vivermos em paz com a nossa consciência, fazendo sempre o bem, mesmo à custa dos maiores sacrifícios e nunca praticando o mal.
Estando um dia a caçar um coelho, que cães perseguiam, pulou em seus braços.
O rei acariciou o coelhinho e disse-lhe:
– Já que te colocaste sob minha proteção, não consentirei que te façam mal. E levou o bichinho para o palácio.
À noite, quando já estava em seus aposentos, pronto para se deitar, apareceu-lhe uma moça formosíssima, vestida de branco, com os deslumbrantes e opulentíssimos trajes de uma princesa real, tendo, porém, cingida à fronte, em vez de uma coroa, uma grinalda de rosas brancas.
Sua majestade ficou admirada de vê-la no quarto, porque a porta estava fechada, não sabendo como podia ter ela entrado.
– Eu me chamo Cândida e sou uma fada, disse ela. Estava no bosque, enquanto caçavas, e quis ver se eras bom como todo o mundo diz. Por isso encantei-me no coelhinho, e saltei em teus braços. Queria ver se eras bom para os animais, porque sei que quem tem piedade deles, ainda tem mais pelos homens, seus semelhantes. Se me tivesses recusado socorro, acreditaria que eras mau. Vim agradecer o serviço que me fizeste, e garantir-te a minha proteção. Pede o que quiseres, que te prometo fazer.
– Linda fada, disse o bom rei, deves saber o que desejo. Tenho um único filho que muito estimo, e por isso lhe chamo Querido. Se quereis conceder-me alguma graça, sede sua protetora.
– De boa vontade, tornou a fada, “posso fazê-lo o mais rico, o mais belo e o mais poderoso dos príncipes. Escolhe o que queres para ele.
– Nada disso desejo para meu filho, respondeu Ubaldo. Ficarei muito agradecido se fizerdes dele o melhor de todos os príncipes. De que lhe servirá ser belo, rico, poderoso, se for um malvado? Sabeis perfeitamente que seria infeliz, e que só a virtude fará dele um homem venturoso.
– Tens muita razão, mas não tenho poder para tanto. É preciso que ele trabalhe para ser um homem virtuoso. O mais que posso prometer é dar-lhe bons conselhos, protegê-lo, repreendê-lo e castigá-lo pelas suas faltas, se não se corrigir ou não se punir por suas próprias mãos.
O soberano ficou satisfeito com essa promessa da fada Cândida, e morreu pouco tempo depois.
O príncipe Querido chorou bastante a perda de seu velho pai, e daria todos os seus reinos, toda a sua fortuna para salvá-lo.
***
Dois dias após a morte do rei, estando Querido deitado, apareceu-lhe Cândida, que lhe disse:
– Prometi a teu falecido pai ser tua protetora, e vim cumprir minha palavra fazendo-te um presente.
E no mesmo instante colocou um anel de ouro no dedo do moço, dizendo-lhe:
– Guarda com muito cuidado este anel, que vale mais que todos os tesouros da terra. Todas as vezes que fizeres uma ação má, ele espetará teu dedo. Mas, se apesar disso, persistires, perderás a minha amizade e tornar-me-ei tua maior inimiga.
Dizendo tais palavras Cândida desapareceu, deixando o príncipe admirado. Querido conservou-se sensato por muito tempo, a ponto de não sentir o anel espetá-lo nenhuma vez.
Tempos depois, indo à caça, sentiu que o anel o incomodava, mas não fez caso; e, como não encontrasse pássaro algum para matar, voltou para casa de mau humor.
Entrando em seu quarto, uma cadelinha que possuía, chamada Mimosa, começou a saltar-lhe em frente, festejando-o, latindo alegremente.
– Passa fora! gritou. Hoje não estou disposto a receber festas.
A cadelinha, não entendendo o que lhe dizia o príncipe, puxou-lhe a aba do paletó, para obrigá-lo ao menos a olhar par ela.
Isto impacientou o príncipe, que lhe deu um pontapé. Nesse momento o anel deu-lhe uma ferroada tão forte que parecia alfinete.
Querido ficou muito admirado, e foi sentar-se a um canto do quarto, envergonhado da sua ação. E dizia consigo mesmo: "– Afinal de contas, está me parecendo que a fada brinca comigo. Que grande mal fiz em dar um pontapé num animal que me importuna? De que me serve ser senhor de um grande império, se não tenho liberdade de castigar o meu cão?"
– Eu não brinco contigo, disse uma voz que respondia ao pensamento do príncipe. Cometeste três faltas em vez de uma. Estavas de mau humor, porque não gostas de ser contrariado, e pensas que os animais e os homens foram feitos para te obedecer. Ficaste zangado, o que é malfeito, e demais, foste cruel para um animalzinho que não merecia ser maltratado. Sei que vales mais que o cão; mas, se é uma coisa razoável e permitida que os grandes possam maltratar os pequenos e os fracos, agora mesmo eu, que sou fada, podia castigar-te, e até te matar, porque sou mais forte que tu. A vantagem de ser senhor de um grande império não consiste em poder fazer o mal que se quer, mas sim todo o bem que se pode.
O jovem confessou a sua falta, e prometeu corrigir-se, mas depressa faltou à palavra. Em pequenino fora criado por uma velha ama que lhe fazia todas as vontades. Se acaso desejava alguma coisa, fazia manha, gritava, batia com o pé, esperneava a ponto de, para se calar lhe darem o que pedia. Ficou por isso com um gênio muito irascível. E demais, a ama lhe dizia sempre que ele um dia havia de ser rei e governar o povo, de sorte que todos teriam que lhe obedecer.
Mais tarde, quando moço, o príncipe compreendeu o seu mau gênio, mas não pôde emendar-se dos defeitos que na meninice adquirira. Dizia, então, consigo mesmo: “– Sou bem desgraçado em ter de combater todos os dias a minha cólera e o meu orgulho. Se me tivessem corrigido quando pequeno, hoje não sofreria tantos dissabores.”
O anel ferroava-o muitas vezes. Em várias ocasiões, ele se detinha em alguma ação má; mas em outras continuava, e o que havia de singular era o anel que o picava pouco por uma falta ligeira; mas quando fazia alguma maldade, o sangue saía do dedo. Por fim aquilo o impacientou, e querendo ser livre, jogou o anel fora, livrando-se dessa maneira das constantes ferroadas.
Julgou-se desde então o homem mais feliz do mundo, e começou a praticar toda a sorte de loucuras, de modo que se tornou um homem mau e perverso, que ninguém podia aturar.
Meses depois, percorrendo a passeio as ruas da capital, avistou à janela de uma casa de modesta aparência, uma formosíssima jovem, por quem imediatamente se apaixonou.
Essa moça, embora fosse de família paupérrima, não era ambiciosa, e fora criada com muito recato e honradez por seus pais. O príncipe, porém, julgando-a facilmente, imaginou que ela ficaria satisfeitíssima se lhe desse a mão de esposo. Assim dirigiu-se sem mais demora à casinha, e perguntou-lhe o nome. A rapariga respondeu que se chamava Zélia, e que era pastora. Então Querido propôs-lhe o casamento.
Espantada com tão brusca proposta, e não gostando do príncipe, a quem raríssimas vezes via, a formosa jovem recusou a honra que lhe fazia o filho do falecido rei.
– Por quê? perguntou Querido. Acaso te desagrado eu? ou me achas muito feio?
– Não, príncipe, sei que sois belo, porque agora mesmo estou olhando para vossa alteza. Mas a que me serviriam vossa beleza, vossa riqueza, lindos vestidos, carros magníficos que me dês, se as más ações que vos visse praticar todos os dias, me forçariam a vos desprezar e odiar? respondeu ela com a máxima franqueza.
Querido encolerizou-se muitíssimo com aquela recusa e mandou que os seus soldados a trouxessem ao palácio. Passou todo o dia agitado e, como estava verdadeiramente apaixonado, não teve coragem de lhe fazer mal.
Entre os seus favoritos havia um, chamado Xerim, seu irmão de leite, em quem ele depositava toda a confiança. Esse homem, que tinha inclinações baixas, próprias de um mau-caráter, lisonjeava as paixões do seu amo, e dava-lhe péssimos conselhos. Assim que viu o príncipe triste, tratou de indagar o motivo. Respondeu-lhe o jovem que não podia suportar o desprezo de Zélia, e que estava disposto a corrigir-se de seus defeitos, já que era preciso ser virtuoso para agradar à moça.
O perverso Xerim aconselhou-o, então:
– Príncipe, sois muito criança em vos incomodares com uma pastora. Se eu fosse vossa real majestade, obrigá-la-ia a obedecer-me. Lembrai-vos de que sois rei, e que é ridículo a tão alto personagem sujeitar-se aos caprichos de uma plebeia, que ficaria muito contente em ser vossa escrava. Prendei-a a pão e água, e vereis se ela consente ou não em se casar convosco. Ficareis desonrado, se souberem que uma moça do povo resiste aos vossos desejos.
– Mas não ficarei desonrado se fizer morrer uma inocente, porque Zélia não é culpada de nenhum crime? – replicou Querido, que ainda tinha uns restos de bons sentimentos.
– Uma pessoa não é inocente, quando não cumpre as vontades de seu rei. - retorquiu o infame - Contudo, é preferível que vos acusem de uma injustiça, do que de se estabelecer o princípio de desrespeito a um rei tão ilustre.
O favorito tocou o ponto fraco do rei que, receoso de ver a sua autoridade desprestigiada, abafou a vontade de se corrigir, e partiu para o quarto onde estava a moça, disposto a fazê-la consentir no casamento, ou então vendê-la como escrava no dia seguinte.
Quando o príncipe abriu a porta do quarto em que prendera a jovem, com a chave que sempre trazia no bolso, ficou como doido por não encontrá-la. Zélia havia fugido.
Existia nesse tempo um cortesão que estimava muito o príncipe, e que havia sido seu preceptor. Esse pobre homem, chamado Salomão, mais de uma vez o aconselhara a reprimir as suas loucuras. Querido, as primeiras vezes, ouvira-o de bom modo; mas, por fim impacientando-se, já não queria saber mais do velho, nem dos seus conselhos tendo retirado todas as regalias que o preceptor tinha no palácio.
Salomão, sendo muito sensato, os moços da corte não o estimavam, e por isso procuravam todos os meios de o molestar. Assim que o rei deu por falta de Zélia, não faltaram intrigantes que dissessem ter sido Salomão quem havia facilitado a fuga da moça, e até contaram que alguns criados ouviram a conversa em que ele promovia a fuga.
Possuiu-se o jovem soberano de grande raiva, e mandou que trouxessem o velho Salomão preso. Depois de dar essas ordens, retirou-se para o quarto. Apenas, porém, acabava de entrar, a terra toda tremeu, ouviu-se um grande trovão, e Cândida apareceu-lhe, dizendo:
– Prometi a teu pai dar-te bons conselhos, e punir-te se recusasses segui-los: desprezaste-os; não conservaste do homem senão a figura, e os teus crimes te mudaram em um monstro de terror para o céu e para a terra. Já é tempo que eu termine a minha promessa, castigando-te. Condeno-te a ficares semelhante aos animais quadrúpedes. Faço-te semelhante ao leão pela cólera, ao lobo pela gulodice, à serpente pela ingratidão, pois maltrataste o velho Salomão, aquele que foi teu segundo pai, e ao touro pela brutalidade. Traze em tua figura o caráter desses animais.
Apenas, a fada acabava de pronunciar tais palavras, viu-se o príncipe, com horror, tal como ela dissera: um monstro com cabeça de leão, chifres de touro, patas de lobo, e cauda de serpente. No mesmo instante achou-se em uma grande floresta, à beira de uma fonte, onde se refletia a sua horrível figura, e ouviu uma voz, que lhe disse:
– Olha o estado a que te reduziram teus crimes! Tua alma é mil vezes mais feia que a tua figura.
Reconheceu Querido a voz da fada, e possuído de furor, quis investir contra ela.
– Zombo da tua fraqueza e da tua raiva. Vou confundir o teu orgulho, colocando-te sob o domínio dos teus súditos.
A fera foi andando pela floresta quando de repente caiu num buraco muito fundo. Era um laço que caçadores de animais ferozes armavam para fazê-los cair. Os caçadores, que estavam à espreita, desceram, foram prender a fera e levaram-na acorrentada para a cidade, onde estava o seu palácio. Quando lá chegaram, viram toda a população em festas, e perguntaram o que significava aquela alegria.
Respondeu-lhes um homem do povo:
– O príncipe Querido só gostava de atormentar os seus súditos, e por isso fora fulminado em seu quarto por um raio. Deus não pudera suportar tanta crueldade, e livrara a terra de tão mau rei. Quatro homens cúmplices de seus crimes, quiseram partilhar o reino entre si, mas o povo que sabia terem sido os seus maus conselhos que prejudicaram o príncipe, expulsou-os do país e ofereceu a Salomão, a quem o príncipe Querido queria mandar matar, a coroa de rei. Esse digno cidadão acaba de ser coroado, e nós celebramos o dia de hoje como de nossa liberdade, porque Salomão é virtuoso, e vai trazer a seu povo a paz e a abundância.
A fera mordia de raiva a corrente em que estava presa, ao ouvir esse discurso, porém mais raivosa ainda ficou quando chegou à praça onde estava o palácio, e viu o velho sentado no trono, e. todo o povo a lhe desejar longa vida.
Salomão fez um sinal com a mão, pedindo silêncio, e disse:
– Aceitei a coroa que me oferecestes, para conservá-la ao príncipe Querido. Ele não morreu, como suponham. Uma fada me revelou; e talvez, um dia, vós o vejais virtuoso como era nos seus primeiros anos. Coitado! continuou ele derramando lágrimas, os aduladores o seduziram. Eu conhecia o seu coração, que era feito para a virtude e se não fossem os maus conselhos, ele era o nosso pai. Abominai os vossos vícios, mas lastimai o pobre príncipe, e roguemos a Deus que nos devolva o nosso rei, bom como fora seu pai. Eu me consideraria muito feliz, se soubesse que meu sangue derramado fá-lo-ia digno de um povo bom como sois.
As palavras de Salomão foram diretas ao coração do príncipe, que desde esse dia começou a ser dócil, não mais querendo partir a jaula em que estava.
O homem que tomava conta das feras, no jardim zoológico, era um bruto que a toda a hora castigava os animais. Querido sofria todos os castigos, manso como um cordeiro, não querendo nunca reagir contra o seu domador.
Aconteceu que um dia a jaula do tigre ficou aberta por descuido, e o desgraçado domador teria morrido, se não viesse à sua frente a curiosa fera, que lutando com a outra, a matou, salvando-lhe assim a vida.
O pobre homem não sabia como acariciar a fera que o tinha salvo, quando ouviu uma voz que disse:
– Não há uma boa ação sem recompensa.
Nisso, o príncipe foi de súbito transformado num lindo cão. O domador, vendo aquele espantoso caso, foi contar ao rei o sucedido, e este mandou vir para o palácio o cão, que se viu feliz na sua nova transformação. Mas aí não lhe davam o alimento necessário, porque diziam que quanto mais comida lhe dessem, mais ele cresceria, de sorte que o príncipe passou novas provações e, às vezes, até fome.
Certa vez, recebeu ele o seu pedaço de pão e ia devorá-lo, quando viu uma pobrezinha a arrancar ervas para comer. Teve pena da pobre mendiga, e deu-lhe o pedaço de pão, dizendo consigo mesmo que ele poderia esperar pela sua ração até o dia seguinte, e a pobre parecia estar com tanta fome que era bem capaz de morrer.
Estava pensando na miséria da desgraçada, quando ouviu grandes gritos. Eram quatro homens que empurravam Zélia pelo meio da rua, forçando-a entrar numa casa.
O cão sentiu não ser a fera que tinha sido, para poder livrar a moça que tanto amava. Contentou-se, porém, em latir, até ver se chegava alguém que a defendesse dos malfeitores. Não aparecendo quem viesse em socorro da vítima, o cão começou a esperar por Zélia para ver se ela aparecia.
Nisso viu uma janela abrir-se e imediatamente jogarem uma porção de carne assada perto do lugar onde ele estava. O cão, que não comia desde a véspera, estava já disposto a comer aquela carne, vinda tão a propósito, quando a pobre, vendo-o, gritou:
– Não comas desta carne, meu cãozinho que está envenenada.
No mesmo instante o príncipe ouviu uma voz que dizia:
– Vês tu que uma boa ação não fica sem recompensa?
E imediatamente viu-se mudado num belo pássaro azul. Começou a voar até a casa onde vira Zélia entrar, e, depois de percorrer todos os quartos, voou em direção a um bosque perto.
Qual não foi o seu espanto quando viu a moça sentada à sombra de uma árvore ao lado de um ermitão!
Assim que a viu, voou ao seu ombro, e começou a festejá-la. Zélia encantada pela mansidão do pássaro, correspondeu às carícias e disse que havia de o amar para sempre. Então o pássaro se transformou no príncipe Querido, tal como a moça o tinha visto da primeira vez.
O ermitão, vendo aquilo, transformou-se também na fada Cândida, e disse:
– Está quebrado o encanto, príncipe. Só voltarias à tua forma humana no dia em que Zélia gostasse de ti. Ela acabou de o confessar. Vou conduzir-te ao teu reino, onde está à tua espera o mais leal dos vassalos, o velho Salomão. Confia nele, que é o teu segundo pai. Segue-lhe sempre os conselhos, que te não arrependerás.
Mal a fada acabou de proferir estas palavras, o príncipe Querido viu-se no seu palácio, em companhia de Zélia. O velho Salomão, quando o viu, chorou de alegria. Querido tomou conta do reino, e casou-se com a pastora Zélia, vivendo desde então na mais completa felicidade.
Salomão escreveu a história do príncipe Querido, tal como acabamos de narrá-la, para ensinamento de todos, grandes e pequenos, ricos e pobres, fidalgos, e plebeus, reis e vassalos, a fim de que toda a gente se convença que a felicidade, neste mundo, consiste unicamente em vivermos em paz com a nossa consciência, fazendo sempre o bem, mesmo à custa dos maiores sacrifícios e nunca praticando o mal.
Fonte:
Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896.
Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896.
Minha Estante de Livros (Série O Mistério das Palavras Cruzadas , de Nero Blanc)
A série "O Mistério das Palavras Cruzadas" foi escrita por Nero Blanc – pseudônimo do casal americano Setev Zettler e Cordelia Frances Briddle, em uma alusão às tradicionais cores das palavras cruzadas.
Pacto Sinistro
Em Pacto Sinistro, a editora de palavras cruzadas Belle Graham e o detetive particular Rosco Polycrates estão no centro de uma trama hollywoodiana. Uma famosa atriz sai para velejar com uma amiga e as duas não regressam. Quando o bote salva-vidas surge inesperadamente em uma praia distante, torna-se provável que um crime tenha sido cometido. O detetive Rosco Polycrates e sua querida Belle Graham, editora de palavras cruzadas, afinam a ponta do lápis e aguçam o cérebro para solucionar mais este intrincado caso.
Tudo começa quando Belle encontra à sua porta um jogo de palavras cruzadas com algumas pistas intrigantes, deixadas por um desconhecido. Mas a verdade não surge com tanta facilidade e vai exigir muita habilidade para preencher os quadrados em branco…
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Tudo começa quando Belle encontra à sua porta um jogo de palavras cruzadas com algumas pistas intrigantes, deixadas por um desconhecido. Mas a verdade não surge com tanta facilidade e vai exigir muita habilidade para preencher os quadrados em branco…
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Até que a Morte os Separe
Os amantes de palavras cruzadas, Belle e Rosco, finalmente decidiram se casar. Mas a morte misteriosa de dois moradores de rua, cujos corpos foram encontrados sobre a seção de palavras cruzadas de jornais, conspira para adiar seus planos. Principalmente porque Rosco desaparece sem deixar pistas. Abandonada à própria sorte, Belle tem de resolver uma série de palavras cruzadas anônimas deixada na porta de casa. Se conseguir matar a charada, poderá elucidar os crimes, encontrar Rosco... e se casar. Se você gosta de desvendar mistérios, Até que a morte os separe, mais um livro da série Nero Blanc, é para você. Com uma leitura envolvente, esta nova modalidade de romance policial com palavras cruzadas dá a você a chance de participar da elucidação da trama.
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Conexão Caribe
De leitura agradável e envolvente, Conexão Caribe da origem a uma nova modalidade de romance policial. O pai de Belle Graham morre de ataque cardíaco durante uma viagem de trem. Mas Belle e o detetive Rosco Polycrates desconfiam de que essa não é a verdadeira causa de sua morte. E, assim, começam as investigações. Enigmáticas palavras cruzadas que chegam de Belize, na América Central, podem ser as únicas pistas que faltam para desvendar o mistério. Qual é a verdade que existe por trás da morte do professor Theodore Graham? Solucione as palavras cruzadas.. e o caso!
terça-feira, 5 de outubro de 2021
JB Xavier (A Praia)
Por alguma razão com a qual eu não conseguia atinar, as coisas começaram a dar errado em minha vida. Meu casamento vacilava, diante de diálogos ríspidos e incompreensões várias entre eu e minha esposa.
Meus filhos, submetidos a um ambiente tenso, estavam arredios e inseguros, temendo por uma possível separação, que nunca era citada em nossas discussões, mas que parecia mais palpável a cada dia.
Esta tensão em meu lar – se é que eu poderia ainda chamá-lo assim – foi afastando os já poucos amigos que eu possuía, até que um dia me encontrei só!
Notei isso num dia especialmente negro em minha vida, apesar de ser um dos mais bonitos dos que a natureza já havia me brindado. As 8:30 da manhã, meu diretor me chamou em sua sala e, com aquela conversa mole que eu já conhecia, por tanto tê-a utilizado, demitiu-me sumariamente. Diante de minha perplexidade, ele tentou fazer-me escutar as razões de minha demissão, dizendo-me que eu me transformara num elemento desagregador dentro da companhia, e que eram muitas as críticas de colegas que trabalhavam comigo.
De certa altura da conversa em diante, eu só via seus lábios se mexendo, mas já não o ouvia mais, porque o impacto de saber-me sem emprego causou uma revolta em meu estômago me fazendo sentir uma vontade terrível de vomitar.
Olhei através da janela, por trás de meu chefe, e vi uma palmeira balançando ao vento, e ao lado dela, o carro zero que eu havia acabado de comprar, e com cujas prestações do financiamento eu havia comprometido boa parte do meu salário. “E agora? Pensei eu. O que faço da vida?” Beirando os cinquenta anos não é exatamente uma idade fácil para se conseguir um emprego.
Pedi licença e saí rapidamente, indo até o banheiro, onde devolvi todo o café da manhã. Uma tremedeira incontrolável e uma tontura apossou-se de mim, e tive que encostar-me na parede para não cair.
Então desabei! Chorei copiosamente tudo o que já deveria ter chorado há muito. Chorei o fato de estar perdendo minha esposa, a quem eu amava desesperadamente; chorei por meus filhos, que aos poucos se afastavam de mim, tornando-se a cada dia mais distantes, e chorei por não haver um único amigo a quem eu pudesse recorrer naquele momento.
Um turbilhão desalinhava meus pensamentos, e eu não conseguia estabilizar uma linha coerente de raciocínio que me permitisse racionalizar a situação e estabelecer uma estratégia de ação. Eu só via o desespero do fantasma do desemprego, das dívidas se acumulando, da desagregação final da família e de meu nome sujo na praça.
Não sei por quanto tempo fiquei naquele banheiro, mas o que vi no grande espelho enquanto lavava o rosto para tentar me recompor e voltar à minha sala, me causou profundo desânimo. Vi um homem de rosto inchado, olhos injetados, semblante desesperado, bochechas trêmulas, desgrenhado e absolutamente perdido.
Meu amor próprio fora-se! Jamais pensei que passaria por isso um dia. Quando atravessei a sala em direção à minha mesa de trabalho para apanhar minhas coisas, senti os olhares postos em mim. Nenhum dos meus subordinados ou pares saiu de seus lugares e veio me oferecer apoio. Compreendi que estava sozinho! A possibilidade de eu ser odiado nunca me ocorrera. Como chefe de meu departamento, eu era enérgico, admito, mas não acreditava ser uma pessoa injusta. Entretanto, eu podia sentir um certo alívio no semblante das pessoas ao meu redor.
O turbilhão que me envolvia não me permitiu ver muito mais. Quando cheguei ao meu carro, estacionado sob a palmeira, notei que meu diretor me observava sorrateiramente através das persianas. Levantei o polegar fazendo-lhe um sinal de positivo – único blefe que consegui pensar como última vingança para desmascarar sua presença – fazendo-o afastar-se da janela.
Quando eu ia entrar no carro, Arnaldo, o jovem e brilhante engenheiro indígena que eu admitira há poucos dias, aproximou-se.
“Má hora” – pensei eu – “Não quero conversar com ninguém!”
- Desejo lhe agradecer por minha admissão – disse ele – minha origem estava me causando problemas para me integrar ao mercado de trabalho. Se não fosse o senhor...
- Arnaldo – respondi, interrompendo-o – Eu ...
- Se não se importar, chame-me de Nhuamã. É o meu nome de batismo...
- Ora! Que nome sonoro! Ele não constava em seu currículo...
- Bom, sou obrigado a esconder o que posso de minhas origens indígenas, porque ela só me causa problemas no mundo dos brancos – disse ele sorrindo...
- Bom, Nhuamã – acabei de ser demitido, e para falar a verdade, acabei de demitir também minha vontade, e talvez mesmo, minha auto estima... isso nunca tinha me acontecido – disse eu, tentando fazer graça, mas mal contendo a emoção.
- Preciso voltar ao trabalho. Almoce comigo hoje! Se puder, encontre-me no shopping da praia, na lanchonete de sempre...
- Ok! - Disse eu forçando um sorriso – estarei lá. Não tenho mesmo para onde ir...
O jovem despediu-se com um aceno e eu entrei no meu carro novinho, decidido a curti-lo o mais que podia, porque certamente dentro em pouco teria que devolve-lo à financeira!
Decidido a não ir para casa, porque eu sabia que a briga seria grande tão logo eu desse à minha esposa a notícia de minha demissão, fui a um cinema próximo, e fiquei aguardando a primeira sessão que começava às dez horas.
Eram 12:15 quando Arnaldo – ou Nhuamã, como queria ele - chegou. Eu estava encostado na pequena mureta de pedra que limitava a praia, quando sua mão tocou em meu ombro.
- Achei que o senhor não viria – disse ele.
- Qual foi a repercussão de minha demissão lá no escritório? – perguntei tentando sorrir.
Ao invés de responder, Nhuamã tirou os sapatos, enrolou as calças nas pernas e foi até a água, onde o mar ficou a lamber-lhe os pés.
- Minha vida foi toda passada junto ao mar – disse ele voltando até onde eu estava - tire seus sapatos e vamos dar uma caminhada pela praia para abrir o apetite.
- De que tribo você é? Perguntei enquanto descalçava meus sapatos.
- Tupinambá.
Lentamente fomos caminhando pela praia, em direção ao rochedo onde ela terminava, uns 300 metros adiante.
Enquanto caminhávamos, fui relatando minha vida, surpreso pela confiança que eu estava depositando em um quase desconhecido! Há muito tempo eu não fazia confidências. Meus últimos anos foram todos passados enclausurados dentro de mim mesmo. Não sei se isso aconteceu por falta de amigos, ou se os amigos se foram por eu ser assim.
Nhuamã parecia não estar muito interessado em meu desabafo. Enquanto eu falava e falava, ele parava a todo instante para juntar conchas. Na verdade eu não esperava que um jovem rapaz recém formado tivesse alguma coisa a me dizer. Se vim a esse encontro, foi principalmente porque não tinha o que fazer, e também para satisfazer minha curiosidade sobre como teria repercutido minha demissão lá na empresa.
Assim, caminhamos calmamente, como se tivéssemos o resto do dia ao nosso dispor. Eu, relatando coisas sobre minha vida que há muito não falava a ninguém, e ele, divertindo-se feito uma criança com as conchinhas coloridas que apanhava.
Confesso que comecei a me sentir meio idiota ao notar a situação ridícula de esperar que um jovem apenas alguns anos mais velho que meu filho, pudesse me incentivar ou tivesse algo a me dizer.
Quando chegamos ao extremo da praia, Nhuamã subiu por uma pequena trilha até o alto do rochedo, convidando-me a acompanhá-lo. Arfando, parei de falar até chegarmos ao topo, de onde se descortinava um lindo cenário.
Ficamos observando o oceano e a enseada, com o shopping no outro extremo da praia. Então Nhuamã falou:
- O senhor percebe agora onde está a causa dos seus problemas?
Eu o olhei intrigado, sem saber se sorria ou se o levava a sério. Ele ficou me olhando diretamente nos olhos, sem nenhuma expressão no rosto, num silêncio perturbador. Finalmente desisti de sustentar seu olhar.
- O que há para perceber? – perguntei um pouco envergonhado pela falta de perspicácia...Eu apenas lhe falava de alguns aspectos de minha vida...que aliás penso ser pouco interessante...
- Na cidadezinha onde me criei - disse Nhuamã - há uma praia muito parecida com esta, e, no dia em que me despedi da minha família para ir estudar na capital, meu pai levou-me por um passeio pela praia, como fiz com o senhor...
Fiquei em silêncio, sem ousar interrompe-lo.
- Tal como o senhor, eu lhe falei dos meus planos, enquanto passeávamos pela areia...contei-lhe de minhas intenções, do que eu pretendia ser um dia, e de tudo o que pudesse vir à mente de um jovem que iria partir para a sua jornada pelo mundo.
“Caminhando ao meu lado com as mãos às costas, meu pai ouviu pacientemente, tudo o que eu tinha a dizer. Quando chegamos ao outro lado da praia, ele falou pela primeira vez, e disse-me coisas que levei anos para compreender o verdadeiro sentido:
“- Meu filho querido – disse ele – tu serás infeliz se atravessares a vida como atravessaste esta praia...
“Eu quis dizer algo, mas ele levantou a mão, fazendo-me silenciar...
“- Há momentos para falar, e há momentos para ouvir – continuou ele - Usa menos a fala do que o ouvido. Faze da fala uma delicada harpa, que não fere os ouvidos de quem ouve, e faze do ouvido uma fonte de prazer. Não escuta, apenas. Ouve! Não olha, apenas. Vê! Se tivesses caminhado em silêncio, terias ouvido o murmurejar da água acariciando a areia...ou o carinho que o vento faz às copas das árvores...Se tivesses pensado menos em ti próprio, terias prestado atenção às belas conchas que adornam a praia, e que enfeitaram teu caminho por todo o percurso, embora delas não tenhas te dado conta.
“Depois de um instante, meu pai finalizou:
“- Amanhã caminharás num novo mundo. Ele será a tua praia. Tal como essa que acabamos de atravessar, ela também terá muitos escolhos, mas sempre haverá as lindas conchas para serem descobertas, se decidires prestar atenção a elas. Essas conchas poderão ser pessoas, situações ou coisas. Isso não importa. O importante é que elas estarão lá, à espera de que as descubras, e que com elas enfeite teu caminho...portanto, não pises nas conchas apenas porque elas não estão à altura da tua vista...Serás uma pessoa completa apenas no dia em que souberes reconhecer o brilho e a beleza das pessoas ao teu redor, não importa quão humildes ou nobres elas sejam."
Nhuamã parou de falar, mas eu continuei sob o efeito de suas palavras...
Enquanto ele falava pude ver com que descuido atravessei a praia de minha vida! Naqueles poucos instantes, tomei consciência do quão pouco ouvi o vento saudando as manhãs, do quão mais falei do que ouvi e de quantas pessoas interessantes passaram por minha vida sem que eu lhes tivesse dado atenção...
Então Nhuamã aproximou-se e ofereceu-me as lindas conchas que apanhara.
- Elas estavam lá o tempo todo...mas o senhor não as viu, e pisou em muitas delas...
Apanhei as conchas e fui até a beirada do rochedo, de onde pude ver a esteira magnífica do sol refletido na água. Até há poucos instantes eles eram apenas reflexos incômodos. Atrás de mim, a voz de Nhuamã soou calma:
- A caminhada abriu-me o apetite...vamos almoçar? Disse ele sorrindo.
Meus filhos, submetidos a um ambiente tenso, estavam arredios e inseguros, temendo por uma possível separação, que nunca era citada em nossas discussões, mas que parecia mais palpável a cada dia.
Esta tensão em meu lar – se é que eu poderia ainda chamá-lo assim – foi afastando os já poucos amigos que eu possuía, até que um dia me encontrei só!
Notei isso num dia especialmente negro em minha vida, apesar de ser um dos mais bonitos dos que a natureza já havia me brindado. As 8:30 da manhã, meu diretor me chamou em sua sala e, com aquela conversa mole que eu já conhecia, por tanto tê-a utilizado, demitiu-me sumariamente. Diante de minha perplexidade, ele tentou fazer-me escutar as razões de minha demissão, dizendo-me que eu me transformara num elemento desagregador dentro da companhia, e que eram muitas as críticas de colegas que trabalhavam comigo.
De certa altura da conversa em diante, eu só via seus lábios se mexendo, mas já não o ouvia mais, porque o impacto de saber-me sem emprego causou uma revolta em meu estômago me fazendo sentir uma vontade terrível de vomitar.
Olhei através da janela, por trás de meu chefe, e vi uma palmeira balançando ao vento, e ao lado dela, o carro zero que eu havia acabado de comprar, e com cujas prestações do financiamento eu havia comprometido boa parte do meu salário. “E agora? Pensei eu. O que faço da vida?” Beirando os cinquenta anos não é exatamente uma idade fácil para se conseguir um emprego.
Pedi licença e saí rapidamente, indo até o banheiro, onde devolvi todo o café da manhã. Uma tremedeira incontrolável e uma tontura apossou-se de mim, e tive que encostar-me na parede para não cair.
Então desabei! Chorei copiosamente tudo o que já deveria ter chorado há muito. Chorei o fato de estar perdendo minha esposa, a quem eu amava desesperadamente; chorei por meus filhos, que aos poucos se afastavam de mim, tornando-se a cada dia mais distantes, e chorei por não haver um único amigo a quem eu pudesse recorrer naquele momento.
Um turbilhão desalinhava meus pensamentos, e eu não conseguia estabilizar uma linha coerente de raciocínio que me permitisse racionalizar a situação e estabelecer uma estratégia de ação. Eu só via o desespero do fantasma do desemprego, das dívidas se acumulando, da desagregação final da família e de meu nome sujo na praça.
Não sei por quanto tempo fiquei naquele banheiro, mas o que vi no grande espelho enquanto lavava o rosto para tentar me recompor e voltar à minha sala, me causou profundo desânimo. Vi um homem de rosto inchado, olhos injetados, semblante desesperado, bochechas trêmulas, desgrenhado e absolutamente perdido.
Meu amor próprio fora-se! Jamais pensei que passaria por isso um dia. Quando atravessei a sala em direção à minha mesa de trabalho para apanhar minhas coisas, senti os olhares postos em mim. Nenhum dos meus subordinados ou pares saiu de seus lugares e veio me oferecer apoio. Compreendi que estava sozinho! A possibilidade de eu ser odiado nunca me ocorrera. Como chefe de meu departamento, eu era enérgico, admito, mas não acreditava ser uma pessoa injusta. Entretanto, eu podia sentir um certo alívio no semblante das pessoas ao meu redor.
O turbilhão que me envolvia não me permitiu ver muito mais. Quando cheguei ao meu carro, estacionado sob a palmeira, notei que meu diretor me observava sorrateiramente através das persianas. Levantei o polegar fazendo-lhe um sinal de positivo – único blefe que consegui pensar como última vingança para desmascarar sua presença – fazendo-o afastar-se da janela.
Quando eu ia entrar no carro, Arnaldo, o jovem e brilhante engenheiro indígena que eu admitira há poucos dias, aproximou-se.
“Má hora” – pensei eu – “Não quero conversar com ninguém!”
- Desejo lhe agradecer por minha admissão – disse ele – minha origem estava me causando problemas para me integrar ao mercado de trabalho. Se não fosse o senhor...
- Arnaldo – respondi, interrompendo-o – Eu ...
- Se não se importar, chame-me de Nhuamã. É o meu nome de batismo...
- Ora! Que nome sonoro! Ele não constava em seu currículo...
- Bom, sou obrigado a esconder o que posso de minhas origens indígenas, porque ela só me causa problemas no mundo dos brancos – disse ele sorrindo...
- Bom, Nhuamã – acabei de ser demitido, e para falar a verdade, acabei de demitir também minha vontade, e talvez mesmo, minha auto estima... isso nunca tinha me acontecido – disse eu, tentando fazer graça, mas mal contendo a emoção.
- Preciso voltar ao trabalho. Almoce comigo hoje! Se puder, encontre-me no shopping da praia, na lanchonete de sempre...
- Ok! - Disse eu forçando um sorriso – estarei lá. Não tenho mesmo para onde ir...
O jovem despediu-se com um aceno e eu entrei no meu carro novinho, decidido a curti-lo o mais que podia, porque certamente dentro em pouco teria que devolve-lo à financeira!
Decidido a não ir para casa, porque eu sabia que a briga seria grande tão logo eu desse à minha esposa a notícia de minha demissão, fui a um cinema próximo, e fiquei aguardando a primeira sessão que começava às dez horas.
Eram 12:15 quando Arnaldo – ou Nhuamã, como queria ele - chegou. Eu estava encostado na pequena mureta de pedra que limitava a praia, quando sua mão tocou em meu ombro.
- Achei que o senhor não viria – disse ele.
- Qual foi a repercussão de minha demissão lá no escritório? – perguntei tentando sorrir.
Ao invés de responder, Nhuamã tirou os sapatos, enrolou as calças nas pernas e foi até a água, onde o mar ficou a lamber-lhe os pés.
- Minha vida foi toda passada junto ao mar – disse ele voltando até onde eu estava - tire seus sapatos e vamos dar uma caminhada pela praia para abrir o apetite.
- De que tribo você é? Perguntei enquanto descalçava meus sapatos.
- Tupinambá.
Lentamente fomos caminhando pela praia, em direção ao rochedo onde ela terminava, uns 300 metros adiante.
Enquanto caminhávamos, fui relatando minha vida, surpreso pela confiança que eu estava depositando em um quase desconhecido! Há muito tempo eu não fazia confidências. Meus últimos anos foram todos passados enclausurados dentro de mim mesmo. Não sei se isso aconteceu por falta de amigos, ou se os amigos se foram por eu ser assim.
Nhuamã parecia não estar muito interessado em meu desabafo. Enquanto eu falava e falava, ele parava a todo instante para juntar conchas. Na verdade eu não esperava que um jovem rapaz recém formado tivesse alguma coisa a me dizer. Se vim a esse encontro, foi principalmente porque não tinha o que fazer, e também para satisfazer minha curiosidade sobre como teria repercutido minha demissão lá na empresa.
Assim, caminhamos calmamente, como se tivéssemos o resto do dia ao nosso dispor. Eu, relatando coisas sobre minha vida que há muito não falava a ninguém, e ele, divertindo-se feito uma criança com as conchinhas coloridas que apanhava.
Confesso que comecei a me sentir meio idiota ao notar a situação ridícula de esperar que um jovem apenas alguns anos mais velho que meu filho, pudesse me incentivar ou tivesse algo a me dizer.
Quando chegamos ao extremo da praia, Nhuamã subiu por uma pequena trilha até o alto do rochedo, convidando-me a acompanhá-lo. Arfando, parei de falar até chegarmos ao topo, de onde se descortinava um lindo cenário.
Ficamos observando o oceano e a enseada, com o shopping no outro extremo da praia. Então Nhuamã falou:
- O senhor percebe agora onde está a causa dos seus problemas?
Eu o olhei intrigado, sem saber se sorria ou se o levava a sério. Ele ficou me olhando diretamente nos olhos, sem nenhuma expressão no rosto, num silêncio perturbador. Finalmente desisti de sustentar seu olhar.
- O que há para perceber? – perguntei um pouco envergonhado pela falta de perspicácia...Eu apenas lhe falava de alguns aspectos de minha vida...que aliás penso ser pouco interessante...
- Na cidadezinha onde me criei - disse Nhuamã - há uma praia muito parecida com esta, e, no dia em que me despedi da minha família para ir estudar na capital, meu pai levou-me por um passeio pela praia, como fiz com o senhor...
Fiquei em silêncio, sem ousar interrompe-lo.
- Tal como o senhor, eu lhe falei dos meus planos, enquanto passeávamos pela areia...contei-lhe de minhas intenções, do que eu pretendia ser um dia, e de tudo o que pudesse vir à mente de um jovem que iria partir para a sua jornada pelo mundo.
“Caminhando ao meu lado com as mãos às costas, meu pai ouviu pacientemente, tudo o que eu tinha a dizer. Quando chegamos ao outro lado da praia, ele falou pela primeira vez, e disse-me coisas que levei anos para compreender o verdadeiro sentido:
“- Meu filho querido – disse ele – tu serás infeliz se atravessares a vida como atravessaste esta praia...
“Eu quis dizer algo, mas ele levantou a mão, fazendo-me silenciar...
“- Há momentos para falar, e há momentos para ouvir – continuou ele - Usa menos a fala do que o ouvido. Faze da fala uma delicada harpa, que não fere os ouvidos de quem ouve, e faze do ouvido uma fonte de prazer. Não escuta, apenas. Ouve! Não olha, apenas. Vê! Se tivesses caminhado em silêncio, terias ouvido o murmurejar da água acariciando a areia...ou o carinho que o vento faz às copas das árvores...Se tivesses pensado menos em ti próprio, terias prestado atenção às belas conchas que adornam a praia, e que enfeitaram teu caminho por todo o percurso, embora delas não tenhas te dado conta.
“Depois de um instante, meu pai finalizou:
“- Amanhã caminharás num novo mundo. Ele será a tua praia. Tal como essa que acabamos de atravessar, ela também terá muitos escolhos, mas sempre haverá as lindas conchas para serem descobertas, se decidires prestar atenção a elas. Essas conchas poderão ser pessoas, situações ou coisas. Isso não importa. O importante é que elas estarão lá, à espera de que as descubras, e que com elas enfeite teu caminho...portanto, não pises nas conchas apenas porque elas não estão à altura da tua vista...Serás uma pessoa completa apenas no dia em que souberes reconhecer o brilho e a beleza das pessoas ao teu redor, não importa quão humildes ou nobres elas sejam."
Nhuamã parou de falar, mas eu continuei sob o efeito de suas palavras...
Enquanto ele falava pude ver com que descuido atravessei a praia de minha vida! Naqueles poucos instantes, tomei consciência do quão pouco ouvi o vento saudando as manhãs, do quão mais falei do que ouvi e de quantas pessoas interessantes passaram por minha vida sem que eu lhes tivesse dado atenção...
Então Nhuamã aproximou-se e ofereceu-me as lindas conchas que apanhara.
- Elas estavam lá o tempo todo...mas o senhor não as viu, e pisou em muitas delas...
Apanhei as conchas e fui até a beirada do rochedo, de onde pude ver a esteira magnífica do sol refletido na água. Até há poucos instantes eles eram apenas reflexos incômodos. Atrás de mim, a voz de Nhuamã soou calma:
- A caminhada abriu-me o apetite...vamos almoçar? Disse ele sorrindo.
Minha Estante de Livros (Livros de Arthur C. Clarke)
Em um futuro muito distante, toda a humanidade está confinada a uma única cidade, totalmente fechada. Ninguém pode sair da cidade, que funciona como o último reduto da raça humana. Todas as necessidades humanas são atendidas por um sofisticado sistema de computadores e a vida é virtualmente eterna. Os seres humanos, após uma existência muito prolongada, são armazenados em bancos de memória dos computadores para depois ressuscitarem, evitando o tédio da vida eterna. Mas nem todos se conformam com esta situação: um jovem quer saber o que há lá fora. Esse inconformismo dá origem a uma das mais belas histórias da ficção científica.
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TERRA IMPERIAL
O livro conta a história de Duncan MacKenzie (jovem herdeiro da terceira geração da linhagem clônica do autocrata de Titã (ou Saturno VI) - o maior satélite natural de Saturno e o corpo celeste mais parecido com a Terra no Sistema Solar). Nascido na Terra, na era interplanetária, Duncan vive em Titã com a família (Pai e Avô). A ação se passa no século XXIII e decorre em ambiente cheio de enigmas, mistérios. A intercessão imaginária dos vários planetas (habitados ou não) junto a Titã dá lugar às cenas mais desconcertantes, embora não totalmente imprevisíveis... Mas o centro de decisões ainda permanece na Terra, que continua a ser, nessa época, um Estado controlado por homens e não por máquinas. O romance leva da primeira base marciana a Saturno e a outros mundos ainda hoje desconhecidos. Toda a narrativa se passa ao mesmo tempo num plano de exatidão científica e, evidentemente, de fantasia, talvez profética.
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MUNDOS PERDIDOS DE 2001
Aqui estão as histórias inéditas que Arthur C. Clarke construiu a partir de toda essa experiência - novas histórias, ainda mais fantásticas e ousadas. Trata-se de uma esplêndida revelação. Não só para admiradores de Arthur C. Clarke, sempre ansiosos por conhecer tudo que ele produz, nem tampouco, para os apaixonados da ficção científica, no qual Clarke é estrela de primeira grandeza, mas também para todas as pessoas que apreciam histórias - pouco importa se passadas em nosso planeta ou em mundo estranhos - transformadas, pela força da inteligência, o poder da imaginação criativa e presciente e o perfeito, brilhante domínio do ofício de escrever, naquilo que chamam de uma obra de arte.
Aparecido Raimundo de Souza (parte 48) Pivô
RODRIGO COMPLETARIA seis anos de casado. Para comemorar o evento, programou uma festinha íntima: só parentes e amigos mais chegados. O encontro aconteceria no domingo, na casa dos sogros, os pais de Laura, a esposa, com quem tinha dois filhos: Thiago, o caçula, de três anos, e Luciana, de cinco. Durante a semana, a dupla ficou por conta dos preparativos. Carne para o churrasco, carvão, bebidas, convites, refrigerantes, além dos docinhos e salgadinhos, o que seria servido no almoço, na sobremesa... enfim, tudo precisava estar nos conformes, nos mínimos detalhes. E, assim, foram vistos, revistos e repassados, cada etapa, para dar certo e a comemoração se tornar inesquecível e marcar o momento, para sempre. E, de fato, marcou.
De fato, no domingo, a casa se apinhou de encômios e júbilos exultantes. Tinha gente saindo pelo ladrão. O Rodrigo e a Laura não contavam com um número tão expressivo de amigos e amigas que pintaram, de última hora, tanto da sua parte como das relações da esposa. Até um tio que residia nos cafundós do interior de Minas Gerais resolveu dar os ares da graça, trazendo, a tiracolo, a família. Telefonou confirmando a presença. Não deu para trás. Viajou mais de oito horas e chegou logo depois das cinco da tarde. Quando a buzina do seu carro soou forte e, em seguida a campainha, Rodrigo pediu licença à turba animada e se dirigiu à porta principal para receber os ilustres convidados.
— Tio Léo, quanto tempo?
Em meio a desenfreada aglomeração dos tresloucados, tio e sobrinho trocaram fortes e fraternos abraços.
— Espera ai, cadê a tia?
— Ficou para traz tirando os seus presentes do carro.
— Presentes, tio?
— Claro, trouxemos três. O nosso e o de sua prima Keylla. Acaso você se esqueceu dela?
— Meu Deus, tio, faz tanto tempo que não nos vemos...
— Exatamente meu caro sobrinho. Dezoito anos. Na derradeira vez, a Keylla contava apenas doze e, você, quinze!
Mal acabara de pronunciar estas palavras, surgiu, na varanda, à tia Helena, cheia de bolsas e, atrás dela, Keylla, a prima.
Rodrigo se abriu num sorriso grandioso e correu para saudar a velha tia.
— Tia Helena! Que prazer em revê-la.
— Você continua um gato. Aliás mais bonito até que da última vez em que te dei a bênção. Lembra da Keylla?
Rodrigo então desviou os olhos para a prima. Neste momento o céu desabou sobre a sua cabeça. Literalmente. Ele se deparou com uma figura fascinante e inimitável. Uma menina ingênua que se tornou mais bela, à medida em que os seus pensamentos e lembranças iam despindo cada centímetro do seu corpo escultural. Rodrigo pensou, de repente, estar diante de uma fada madrinha, caída de algum lugar do espaço. Nossa! Aquele mulherão que estava ali, bem diante do seu nariz, carregava uma formosura estonteante. Keylla, a prima distante, agora aos trinta, destoava de tudo o que estava acostumado a ver em reuniões daquela natureza. A moça, por seu turno, parecia, na verdade, um diamante brilhando entre cascalhos e pedregulhos.
Seus olhos de um azul muito forte, vistos de perto, se tornaram fascinantes: uma tonalidade suave de azul-esverdeado, circundava por um halo mais escuro. Lembrava safiras, com incríveis dourados no meio. Para completar a magia, os cílios longos e espessos, as sobrancelhas delicadamente arqueadas. Havia uma pintinha minúscula, quase imperceptível, pouco acima do lábio superior esquerdo, tornando a boca sensual ainda mais provocante. Apesar do símbolo de pureza e inocência que o vestido longo e branco insinuava, fazia emanar, de dentro de si, uma sensualidade sutil e natural, capaz de despertar o interesse mais básico de qualquer homem menos atento para as delícias do amor.
Mesmo passo, parecia que ela não tinha consciência do efeito que passou a exercer a partir daqueles segundos sobre o primo Ricardo. Nenhum dos dois, verdade seja dita, fez absolutamente alguma coisa ou gesto, para se mostrar. Nenhum deles provocou, nem flertou para atrair a atenção. Também não precisava. Não carecia. A mãe natureza abençoara, de pronto, aquele longo interregno e se sentia feliz por vê-los, de novo, na mesma sintonia. Keylla possuía uma performance perfeita, incontestável, além de uma vibração muito forte que se irradiava naturalmente por todo o seu entorno.
— Puxa! Como você está linda!...
— E como você se transformou num pedaço de mau caminho...!
— É você mesma, prima, ou os meus sentidos estão me enganando?
— Veja por você mesmo. Venha cá...
Do nada, Ricardo foi. Se sentiu ridículo por não saber o que responder à bela. Como um felizardo que houvesse descoberto um tesouro escondido, em uma ilha deserta e tivesse medo de contar o segredo à alguém, não pensou duas vezes. Obedeceu sem esperar segunda ordem. Pulou no pescoço da graciosa e a envolveu com uma ternura antiga, uma afeição adormecida, uma brandura repletada de uma maviosidade que não precisava de palavras. Laura, a esposa, neste exato momento, surgiu do nada, entremeada entre o furdunço de cabeças da galera que gritava e algazarriava atabalhoadamente. Ao lado dela, os filhos Thiago e Luciana. No amplexo demorado e aderente que trocaram, nas carícias que permutaram, frente aos demais, um impasse criou vida e forma.
Laura se sentiu pequena, diminuída, vazia, traída, humilhada e, pior, amedrontada pelo negror de um passado que, bem sabia, sempre estivera vivo e pulsante. Sabia da antiga paixão de seu marido pela prima. Um “primeiro amor” como um flagelo que nenhum dos dois conseguira arrancar de dentro da alma. Tomou uma decisão extrema e merencória. Sem que ninguém percebesse (e, de fato, ninguém se deu conta) se afastou dos filhos, e sem dizer uma palavra, caminhou ligeira, para à saída, o peito arfando em grito silente, todavia esbagaçado e aflito. De lá, sem que vivalma desse por sua ausência, ganhou a calçada da rua e, desde este ocorrido, nunca mais foi vista.
Fonte:
Texto enviado pelo autor. Integrante da série Comédias da Vida na Privada.
Texto enviado pelo autor. Integrante da série Comédias da Vida na Privada.
domingo, 3 de outubro de 2021
Olivaldo Júnior (Prosa sobre o vento)
É, ainda é agosto...
Estamos no mês de agosto. E, desde o tempo em que eu era um grão de gente, um filhotinho, escuto que o mês de agosto é o mês dos ventos. Não por acaso, é neste mês em que soltamos pipa, para ver se ela consegue o que ainda não conseguimos: voar com as nossas próprias asas. Saiba que é isso o que eu mais queria ter, um par de asas. Sei que estão em falta hoje em dia. Acho que gente não foi feita para voar. Mas que eu queria, ah, eu queria!
Comecei a fazer hidroginástica há dois meses. Sabia que a sensação que se experimenta é comparada à que sentiríamos se pudéssemos voar? O corpo fica leve e, dizem, até oitenta por cento mais leve, embaixo d’água. É muito bom! Não sei nadar, nem voar. Faltam-me as asas! Soube que o pobre Ícaro fez as dele com cera, mas elas não aguentam o sol, que está cada vez mais quente sobre a Terra. A Terra... Dizem que viemos do pó.
O pó da vida é o vento que traz. Dizem que é lá das estrelas o pó que nós somos. Você acredita nisso? Eu acredito. Acredito em tudo. Talvez, por isso, não possa me tornar pesquisador, nem cientista, nem mesmo um empírico de nome. Acredito nas possibilidades do vento, na (in)certeza das dunas, no segredo das órbitas gravitacionais de um saco plástico que, ao sabor do vento, vai de lá para cá, na rua ausente. Lembra-se de Beleza Americana?
Santa Bárbara e Iansã, com os ventos do norte e da África, valham-me na rota dos que voltam pela mesma estrada em que vieram! Dizem que viemos do pó. Acho que gente não foi feita para voar. Mas o vento me despenteia os cabelos, já curtinhos, meio finos, e me fazem sentir o que as folhas pequeninas desse fim de inverno sentem quando são levadas para longe das árvores mães. Árvores que balançam ao vento. Vento que me leva aos sete céus.
Os céus me fazem caminhar como as formigas, que não sofrem com o vento, porque são minúsculas partículas de vida. Vida que é o vento em fúria, como diria o Super-Homem, “para o alto e avante!”. Falando nisso, é do alto que vem o vento, o ar que nos leva adiante, avante. Avanço é mais que pôr um pé depois do outro. Nem sempre é assim que acontece, haja vista que o vento da vida nos empurra sem nenhuma piedade. É, ainda é agosto...
Estamos no mês de agosto. E, desde o tempo em que eu era um grão de gente, um filhotinho, escuto que o mês de agosto é o mês dos ventos. Não por acaso, é neste mês em que soltamos pipa, para ver se ela consegue o que ainda não conseguimos: voar com as nossas próprias asas. Saiba que é isso o que eu mais queria ter, um par de asas. Sei que estão em falta hoje em dia. Acho que gente não foi feita para voar. Mas que eu queria, ah, eu queria!
Comecei a fazer hidroginástica há dois meses. Sabia que a sensação que se experimenta é comparada à que sentiríamos se pudéssemos voar? O corpo fica leve e, dizem, até oitenta por cento mais leve, embaixo d’água. É muito bom! Não sei nadar, nem voar. Faltam-me as asas! Soube que o pobre Ícaro fez as dele com cera, mas elas não aguentam o sol, que está cada vez mais quente sobre a Terra. A Terra... Dizem que viemos do pó.
O pó da vida é o vento que traz. Dizem que é lá das estrelas o pó que nós somos. Você acredita nisso? Eu acredito. Acredito em tudo. Talvez, por isso, não possa me tornar pesquisador, nem cientista, nem mesmo um empírico de nome. Acredito nas possibilidades do vento, na (in)certeza das dunas, no segredo das órbitas gravitacionais de um saco plástico que, ao sabor do vento, vai de lá para cá, na rua ausente. Lembra-se de Beleza Americana?
Santa Bárbara e Iansã, com os ventos do norte e da África, valham-me na rota dos que voltam pela mesma estrada em que vieram! Dizem que viemos do pó. Acho que gente não foi feita para voar. Mas o vento me despenteia os cabelos, já curtinhos, meio finos, e me fazem sentir o que as folhas pequeninas desse fim de inverno sentem quando são levadas para longe das árvores mães. Árvores que balançam ao vento. Vento que me leva aos sete céus.
Os céus me fazem caminhar como as formigas, que não sofrem com o vento, porque são minúsculas partículas de vida. Vida que é o vento em fúria, como diria o Super-Homem, “para o alto e avante!”. Falando nisso, é do alto que vem o vento, o ar que nos leva adiante, avante. Avanço é mais que pôr um pé depois do outro. Nem sempre é assim que acontece, haja vista que o vento da vida nos empurra sem nenhuma piedade. É, ainda é agosto...
Fonte:
Texto enviado pelo autor
Texto enviado pelo autor
Gislaine Canales (Glosas Diversas) XXXI
PACOTE DE PRESENTE...
MOTE:
Deus fez a terra... e, ao fazê-la,
deu-lhe o toque comovente:
Fez o céu para envolvê-la
num pacote de presente!
A. A. de Assis
(Maringá/PR)
GLOSA:
Deus fez a terra... e, ao fazê-la,
usou todo o seu amor,
e essa alegria de tê-la,
eu agradeço ao Senhor!
E na sua criação,
deu-lhe o toque comovente:
criou em nós, a emoção,
que nos faz muito mais gente!
Deus criou também, a estrela
dando-lhe luz especial,
fez o céu para envolvê-la
numa obra divinal.
Tanta beleza se encerra
num universo esplendente,
e, pôs nele, então, a terra,
num pacote de presente!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
NASCE UM SONHO
MOTE:
É bem feliz, eu suponho,
a vida que Deus me deu,
porque sempre nasce um sonho
no lugar do que morreu!
Adalberto Dutra Resende
(Cataguazes/MG, 1913 – 1999, Bandeirantes/PR)
GLOSA:
É bem feliz, eu suponho,
quem sabe sempre sonhar.
Um sonho, mesmo tardonho,
vem nossa vida alegrar!
Agradeço comovido,
a vida que Deus me deu,
pois o sonho dá sentido
a tudo que aconteceu!
Eu vivo a vida entressonho
e sou bem feliz, assim,
porque sempre nasce um sonho
novinho dentro de mim!
Esse meu novo sonhar
que brilhando, em mim nasceu,
vem sempre para ficar
no lugar do que morreu.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
DE ONDE? PARA ONDE?
MOTE:
Nunca soube de onde venho,
onde estou, nem o que sou:
Por isso não faço empenho
de saber para onde vou...
Antonio Juraci Siqueira
(Belém/PA)
GLOSA:
Nunca soube de onde venho,
porque vivo nesse mundo,
nem dos direitos que eu tenho...
De dúvidas, eu me inundo!
Não consegui descobrir
onde estou, nem o que sou:
Por que chorar ou sorrir,
se nem sei aonde estou?
Um lugar feliz, desenho,
para, por ele, seguir,
por isso não faço empenho
de saber aonde ir!
Soluça meu coração!
Sinto que ninguém me amou...
por isso, qual a razão,
de saber para onde vou…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
O ARTISTA...
MOTE:
Com poemas, sons ou telas
e inspiração desmedida,
o artista torna mais belas
as belas coisas da vida!
Carolina Ramos
(Santos/SP)
GLOSA:
Com poemas, sons ou telas
mil belezas retratamos
com palavras... aquarelas...
ou com a música que amamos!
Tendo amor no coração
e inspiração desmedida,
vivendo grande afeição,
teremos boa acolhida!
Em emoções paralelas,
vivenciando intenso amor,
o artista torna mais belas
as coisas, as quais dá cor!
Essa ação, quase magia,
será, jamais esquecida,
pois pintará de alegria
as belas coisas da vida!
MOTE:
Deus fez a terra... e, ao fazê-la,
deu-lhe o toque comovente:
Fez o céu para envolvê-la
num pacote de presente!
A. A. de Assis
(Maringá/PR)
GLOSA:
Deus fez a terra... e, ao fazê-la,
usou todo o seu amor,
e essa alegria de tê-la,
eu agradeço ao Senhor!
E na sua criação,
deu-lhe o toque comovente:
criou em nós, a emoção,
que nos faz muito mais gente!
Deus criou também, a estrela
dando-lhe luz especial,
fez o céu para envolvê-la
numa obra divinal.
Tanta beleza se encerra
num universo esplendente,
e, pôs nele, então, a terra,
num pacote de presente!
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NASCE UM SONHO
MOTE:
É bem feliz, eu suponho,
a vida que Deus me deu,
porque sempre nasce um sonho
no lugar do que morreu!
Adalberto Dutra Resende
(Cataguazes/MG, 1913 – 1999, Bandeirantes/PR)
GLOSA:
É bem feliz, eu suponho,
quem sabe sempre sonhar.
Um sonho, mesmo tardonho,
vem nossa vida alegrar!
Agradeço comovido,
a vida que Deus me deu,
pois o sonho dá sentido
a tudo que aconteceu!
Eu vivo a vida entressonho
e sou bem feliz, assim,
porque sempre nasce um sonho
novinho dentro de mim!
Esse meu novo sonhar
que brilhando, em mim nasceu,
vem sempre para ficar
no lugar do que morreu.
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DE ONDE? PARA ONDE?
MOTE:
Nunca soube de onde venho,
onde estou, nem o que sou:
Por isso não faço empenho
de saber para onde vou...
Antonio Juraci Siqueira
(Belém/PA)
GLOSA:
Nunca soube de onde venho,
porque vivo nesse mundo,
nem dos direitos que eu tenho...
De dúvidas, eu me inundo!
Não consegui descobrir
onde estou, nem o que sou:
Por que chorar ou sorrir,
se nem sei aonde estou?
Um lugar feliz, desenho,
para, por ele, seguir,
por isso não faço empenho
de saber aonde ir!
Soluça meu coração!
Sinto que ninguém me amou...
por isso, qual a razão,
de saber para onde vou…
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O ARTISTA...
MOTE:
Com poemas, sons ou telas
e inspiração desmedida,
o artista torna mais belas
as belas coisas da vida!
Carolina Ramos
(Santos/SP)
GLOSA:
Com poemas, sons ou telas
mil belezas retratamos
com palavras... aquarelas...
ou com a música que amamos!
Tendo amor no coração
e inspiração desmedida,
vivendo grande afeição,
teremos boa acolhida!
Em emoções paralelas,
vivenciando intenso amor,
o artista torna mais belas
as coisas, as quais dá cor!
Essa ação, quase magia,
será, jamais esquecida,
pois pintará de alegria
as belas coisas da vida!
Fonte:
Gislaine Canales. Glosas. Glosas Virtuais de Trovas XVI. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. Março 2004.
Gislaine Canales. Glosas. Glosas Virtuais de Trovas XVI. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. Março 2004.
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