sábado, 27 de abril de 2019

Luiz Poeta (Sara Samira)


Vinha o trem. Serpente riscando longe.

Sol de meio - dia, cheio na face rosada, olho de vidro, trôpego reflexo, tremeluzente, suor descendo bolha-bolha, desenhando estrias, córrego de angústias,

E apitava. Fumaça clara varando o verde.

Via-se a cachoeira, faca de ponta prateada furando o chão, quedando lá embaixo, estrondo constante acordando o tempo.

Mochila parda, bota barrenta com laço solto, chapéu de couro, larga calça cáqui  amarrotada e a peixeira arranhando a coxa.

Vinda de trem, festa de chegantes, mas ele partia, Sara Samira no peito e na cabeça... batendo morena no átimo de cada impulso.

Sara Samira... um gosto suspirar seu nome.

Vira-a a primeira vez descendo caminho da lagoinha, o cesto de vime na cabeça, repleto de frutas , tangerina amarela, da doce. Sara Samira... o peito saltando da blusa, cabelo liso-preto voando no vento - sombra-de-mangueira, olhos negro-perolados, líquidos, limpos como uma noite de lua, nus, magoados
de não-sei-quê.

E o trem chegou, gente saiu-entrou-rindo-chorando-chorando-rindo.

Olhou atrás, mas já não via o verde emoldurando a choupana; não ouvia o monocórdico pio da juriti tamborilando abandonos... não tinha certeza da partida, mas se foi num pulo, como um sim que nega mas consente, a lágrima tímida olhando no canto da vista vermelho-azul.

Sara Samira... doce como a tangerina.

- Quer uma?

O riso respondeu no lugar da palavra.

Depois, a sombra, o arrulho das águas nas pedras... e o corpo moreno e liso de Sara Samira.

O pai não queria.

Jurou matar.

Adaga saudita, maldita, que por fim varou-lhe o coração.

- Foi ele, Samira, caiu, se feriu... morreu...sem querer...

Mas ela emudeceu, volveu o olhar, chorou sem soluços e sumiu... no salto da cachoeira.

- Sara ! Samira ! Sara...Samira... Sa,..

O trem se ia leve e sonâmbulo já meia-noite. Mas para onde?

Lá embaixo o vale, as casas, o rio, o precipício e o trem cruzando... - Sara Samira, não tive culpa... a adaga, o corte, o sangue... Saltou do alto do rochedo, sumiu na espuma.

Lá embaixo o vale, as casas, o rio... talvez tangerinas.

O trem sumiu na sinuosidade de mais um destino sem perspectiva.

Na próxima parada, menos um passageiro.

Ninguém viu o corpo tombar lá de cima, trezentos metros no abismo... talvez tangerinas... Sara Samira.

Fonte:
Livro gentilmente enviado pelo autor:
Luiz Gilberto de Barros. Canção de Ninas Estátuas. Ilhéus/BA: Mondrongo, 2014.

Chico Miguel (Sonetos Escolhidos) 6

Chico Miguel (Francisco Miguel de Moura)
AMOR É VIDA
Soneto de amor à moda de Camões

Quem disse que o amor não manda, tente
Ficar assim, na vida, absoluto!
Amor manda no triste e no contente,
O amor e a vida não suportam luto.

Amor é flor, depois se torna em fruto,
Um fruto que ao cair deixa semente,
Semente onde o amor é mais enxuto,
Dela nascendo o amor mais inocente.

E sei que amor maltrata, mas não mata,
Dentro de si milagres fazem curas
E em suas transformações tudo retrata.

Sei que um sorriso esconde as coisas duras,
Mas sua língua em verdades se dilata
Pra sepultar num beijo as amarguras.

AS MIL ESSÊNCIAS DO AMOR

Quantas essências há pra se aspirar
Depois da noite. Sinta sutilmente,
Pela glória e a graça de ser gente,
As belezas que o vento traz do mar.

Ponha o nariz adiante da janela,
Sinta a menina a rua atravessando,
Sinta mais, sinta a vida começando
Cheia de flores pelos passos dela.

São as aves cantando em cada vão,
São as flores cheirosas, são as palmas,
Fortalecendo as fibras onde estão

A saltarem pra vida como estrelas.
Veja as essências todas, tagarelas,
Como a enfeitarem nossas próprias almas.

DENTRO DE MIM

Duas forças me fazem torvelinho:
A máscula firmeza do homem franco,
E uma espécie de força quase em branco,
Quando a mulher se põe no meu caminho.

Sei que sinto mais força e alegria,
Junto à mulher que está longe da pista
E se acerta um olhar para conquista,
Não avança, nem esconde ou desafia.

Porém,  dentro de mim, a ansiedade
Me agarra e se prolonga... Eternidade
Trazendo mil soluços tão profundos

Que nem chorar consigo... E, inconsciente,
Então pergunto a Deus se estou doente,
Ou se alço voos para estranhos mundos.

ÊXTASE E SUOR

Sou perfume de mim e odor do mundo
para que a terra me cuspa.
O sopro que me der
me enterrará fundo,
frio de fazer corpo e alma se unirem.
E, ao infinito e à luz,
que meu suor
jamais sirva de foice ou gume.

A dor com que me cortam
com  explosão
seja lembrada em mansa contramão.

Ao meu último perfume, o mundo furta
a cor e o cheiro:
- Mau bocado ao cão que ama.
   
O frio há de sarar-me
com seu branco lençol sem dobras,
de areia, nos olhos amorosos.

Deito-me agora, em êxtase de fé,
No cuspido chão que longe erra,
levando o vento limpo à pele
e ao imo
em que me arrimo,
sem perder a mão.

INCIDENTE NUMA LOJA

Nunca vi uma compra de mais sorte:
Era manhã, entramos num armazém,
Onde aos panos tesouras cortam forte,
No momento era aquele vai-e-vem.

A companheira, ao lado, alteia o tom:
“Olhe a moça, é café para os fregueses!”
E avisa que eu me sirva: “É muito bom!”
Mas enfrentei ausências: – dois reveses:

Nem do café sorvi nem vi a moça,
Quando a busquei já ia longe, oculta,
Num balanço de corpo que me adoça.

Mas, tão logo, ela volta, o olhar brejeiro,
Disse um doce sorriso, e mais adulta:
“Oh, me desculpe! Enfim, senti teu cheiro!”

LENDA, OU FADA?

Ave ou nave?  voava musical,
vestido em linho a desenhar-se toda,
delgado corpo bailando ao vento,
dentes brancos, lábios em carmim...
que frio, que medo em mim!

Oh signo sensual! exclamo,
por ti pecarei, só por querer-te,
e tentarei tantas vezes... tonto!

E que jamais meus olhos negros
venham  pousar sobre os teus, sim
ou não, nem  cruzar teus caminhos,
nunca de perto ou de longe.

Se teus punhais vi-o(s) tão lentos
ferirem-me os olhos e a razão,
e logo me fizeram de inútil
oh, não! nunca jamais, não!

Quero um sonho para sempre.

E então, por que ondas me vens
o'  ânsia de noite inapagada?
agora? por onde? por nada?

A que levou meus olhos,      
a que me encheu os olhos
até secarem para sempre?
ai de ti, mundo claro-escuro!

Lenda ou fada! de novo estou,
agora e para sempre impuro!

OPOSTAS APOSTAS

A aranha tece e retece,
e não para nem cansa,
emaranha-se na teia
e dança. E desce, desce...

O espelho mostra o irreal,
direito x esquerda,
e quem sabe não aposta
em tantos mais erros?

O homem, como se não visse,
desconhece a face de ontem,
desde que emoção alguma,
o mundo em redor lhe pinte.

A mulher aparece e logo vê
tudo em redor. E desaparece
para voltar, se sente amor,
e mais refletir e parecer.

Em suma, todos nós viventes,
gente, animal ou coisa,
apostamos no impossível.   

O QUE EXISTIU

Se o que existiu resiste
À queda do fio de cabelo,
À pele que sentiu o cheiro,
Viu o amanhecer pelo sereno,
Ouviu seu "bem" dizer com alma:
- “Dou-te o meu DNA”!
Existir é só querer.

O risco no papel resiste,
Depois que o fogo o devorou,
O verso que o poeta fez,
A linha do tempo que não para,
O risco invisível no céu, sem cor,
Como um relâmpago sutil,
Quando Deus mandar a eternidade:
Tudo existirá, tudo precisa
Existir como a dor
Que a não-dor separa.

E há o “nós” como ser sem “eu”,
E há o feito e o desfeito
E ainda o defeito e o “por fazer”
Que só Deus, sábio, sabe
Como acontecer.

SENTIMENTO PRESO

Um sentir puro e preso - tortura
Marcada nos primeiros dias
De alguém que apenas nascia
Entre trancos e barrancos, o futuro
De olhos fixos nos braços,
Pedindo calor de peito e mãos,
Desgarrado dos primeiros tatos
Olhos feridos no segundo teto,
Em novas mãos e outros braços...

Calar pra sempre, quem condenaria?

Mas se um ferrão plantou-se noite e dia,
No fundo de dois corações?

E o que dizer, então? Num poema
Que ninguém vai ler nem ver?
Numa palavra só, balbuciada
Em vão, que ninguém quer saber?

Há culpa sem perdão? Não há.
Mas dúvida e covardia, sim.
E a indecisão imprecisa, fria
Da paixão a rolar e morder-se,
A-mor-da(n)çando sem guia?

Um sentir puro e preso tortura
Dois entes: o ser e a criatura.

UM DIA QUALQUER

Até a minha dor é branca
e me nega.

Preciso de um susto longo,
Para me levantar da cama.

Quero palavras de fogo,
Ouvir se alguém ainda me ch(ama).

Preguiça não é. É provação!
Sempre acordei às quatro da manhã.

E hoje estou besta, entre cobertores
Brancos, ontem tão escuros...
       Onde as outras cores?

O calendário é branco, o céu, a lua,
Até o sol me parece que flutua
               Como neve.

Preciso de um elo que não seja branco.
             E que venha breve.

Fonte:
Chico Miguel

Francisco Miguel de Moura (Chico Miguel, por ele mesmo)


Francisco Santos/PI nada mais era do que o povoado “Jenipapeiro”, município de Picos, sertão do Piauí, quando Chico Miguel, do signo de Gêmeos, nasceu aos 16 de junho de 1933. Estudos primários com seu pai; ginasial e contabilidade, em Picos, onde casou com Maria Mécia Morais Araújo Moura, fez o Ginásio e a Escola Técnica de Contabilidade, e morou cerca de 8 anos. Formado em Letras pela Universidade Federal do Piauí e pós-graduado na Universidade Federal da Bahia. Funcionário aposentado do Banco do Brasil. Radialista, professor de língua e literatura, atividades que não mais exerce. Dedica-se, atualmente apenas à família e a ler e escrever. Mora em Teresina, onde produziu e publicou a maior parte de suas obras.

Dirigiu as revistas “Cirandinha” e “Cadernos de Teresina”, colaborou em quase todos os números de “Presença” (órgão do Conselho Estadual de Cultura) e no “Almanaque da Parnaíba”. Atualmente colabora nos jornais de seu Estado; nas revistas “Literatura”, editada inicialmente em Brasília (hoje em Fortaleza), “Poesia para Todos”, e “Vozes”, ambas do Rio de Janeiro. É também colaborador permanente dos jornais “O Dia” (onde publica artigos e crônicas, aos sábados), “Diário do Povo”, de Teresina; do “Correio do Sul”, de Varginha/MG; do “Diário dos Açores” - Ilhas dos Açores e d“O Primeiro de Janeiro” - Porto, os dois últimos em Portugal. Ainda no exterior, publicou poemas nas revistas “Clarim”, na Espanha, e “Jalons”, na França.

É membro da Academia Piauiense de Letras (APL), cadeira nº 8, da Academia de Letras da Região de Picos (ALERP), da União Brasileira de Escritores – SP, membro - correspondente da Academia Mineira de Letras e da Catarinense de Letras. Por diversos mandatos participou do Conselho Estadual de Cultura. E, na década de 1980, foi presidente da União Brasileira dos Escritores do Piauí, da qual é sócio-fundador. No exterior, integra o quadro de sócios da Associação Internacional de Escritores e Artistas – IWA (sigla em inglês), com sede em Toledo, OH, Estados Unidos.

Além da cidade de Picos, onde assumiu, por concurso, a atividade de funcionário do Banco do Brasil, morou na Bahia e no Rio, e por último em Teresina, onde, ao chegar, junho com os companheiros Hardi Filho e Herculano Morais, fundou o Círculo Literários Piauiense (CLIP). A maioria de suas obras foram concebidas e publicadas em Teresina.

Estreou-se na poesia, com o livro “Areias”, Teresina, 1966. Publicou depois “Pedra em Sobressalto”, 1972; “Universo das Águas”, 1979; “Bar Carnaúba”, 1983; “Quinteto em mi(m)”, 1986; “Sonetos da Paixão”, 1988; “Poemas Ou/tonais”, 1991; “Poemas Traduzidos”, 1993; “Poesia in Completa”, 1998 (comemorando os 30 anos de “tensa comunhão com a palavra”, no experiente dizer da Profª. Nelly Novaes Coelho); Vir@, 2001, e Sonetos Escolhidos, 2003, na área da poesia. Participou da antologia “A Poesia Piauiense do Século XX”, organizada por Assis Brasil, e de outras antologias poéticas publicadas desde o Nordeste até o Rio Grande do Sul, inclusive no exterior (Estados Unidos, França, Cuba e Portugal).

Em prosa, é autor de três livros de contos (“Eu e meu Amigo Charles Brown”, de 1986; “Por que Petrônio não Ganhou o Céu”, de 1999 e “Rebelião das Almas”, de 2002); quatro romances (“Os Estigmas” 1984, reeditado em 2004; “Laços de Poder” 1991; “Ternura” 1993 e “D. Xicote” 2005), com o qual ganhou o prêmio Fontes Ibiapina em 2003, prêmio que, aliás, já lhe tinha sido conferido pela Fundação Cultural do Piauí ao romance “Laços de Poder”, nos idos de 1980.

Mas não pode ser esquecida sua obra crítica, em cuja atividade ganhou nome nacional com o livro “Linguagem e Comunicação em O.G. Rego de Carvalho” (1972), publicando depois “A Poesia Social de Castro Alves” (1979) e “Moura Lima, do Romance ao Conto” (2002), além de sua grande produção na imprensa, que um dia deverá será recolhida em livro. Obra inédita de poesia, editada apenas no site www.usinadeletras – poesias: “Testemunho – versões e traduções”.
Endereço eletrônico: franciscomigueldemoura@gmail.com

Fonte:
O Autor

sexta-feira, 26 de abril de 2019

Malba Tahan (Maktub!)


(Lenda árabe)
   
Afirmam os historiadores que o túmulo de Sidi-Yakub, existente em Tlemcen, data do século XI. Não nos move o desejo de contestar a opinião dos eruditos sobre um monumento quase em ruínas, perdido ou esquecido, talvez, no deserto. A única coisa realmente interessante que se encontra nessa cuba - outrora tão venerada pelos crentes - é uma inscrição ali deixada por um escravo. Resume-se essa legenda numa palavra - Maktub - gravada sobre a pedra que cobre as cinzas de Sidi-Yakub.

E sabeis, ó cristão! O que quer dizer Maktub? Essa palavra encerra a filosofia de um povo, o destino de uma civilização. Maktub é um vocábulo árabe que significa apenas - Estava escrito, ou melhor: Tinha que acontecer. Maktub é, assim, a expressão da Fatalidade (1).

Tal palavra, na laje tumular de Tlemcen, recorda um episódio ocorrido com dois namorados que o Destino caprichoso uniu para depois separar cruelmente.

Conta-nos uma lenda que na cidade de Orã, ao norte da Argélia, vivia certa moça, de origem francesa, chamada Heliete. Era filha de um negociante cristão, de Marselha, que se estabelecera, levado pelas necessidades de sua profissão, sob o céu da África.

Certa vez, durante uma feira, conheceu Heliete o jovem Iezid El-Massi, de origem nobre, descendente de uma das mais ricas famílias de Tlemcen. Viva simpatia, que deveria crescer de dia para dia, uniu desde logo, os dois namorados.

Heliete, levada por seu temperamento excessivamente romântico, apaixonou-se pelo árabe, e este - arrebatado como os homens de sua raça - sentiu que a sua vida não mais teria sentido se lhe viesse a faltar o amor de cristã.

A pitoresca cidade de Orã, por esse tempo sob o poder de Bey Mustaphá Ben Yussef, foi testemunha silenciosa daquele amor. As tamareiras, sob o sol causticante, abriam suas palmas e estendiam no chão, da praia até a montanha, um largo tapete de sombras, sobre o qual os dois jovens caminhavam felizes, longas horas esquecidas, em doces colóquios.

Grande abismo de incompatibilidade separa, entretanto, uma cristã de um adepto da religião de Maomé.

Os país de Heliete, informados das inclinações amorosas da jovem, opuseram-se tenazmente àquele casamento que se lhes afigurava desonroso. E o primeiro brigue que levantou ferro de Orã transportou para Marselha a apaixonada menina.

O Infortúnio, na vida das criaturas, escreve, às vezes, várias páginas num período durante o qual a Felicidade mal teria tempo para esboçar a curva da letra "alef". A infeliz Heliete, ferida tão rudemente em seu delicado coração, não soube resistir; e adoeceu gravemente, em consequência daquele golpe, iniciado pela separação e concluído pela desesperança.
      
Sentindo avizinhar-se dela a sombra da morte, mandou chamar, em segredo, um imã (2), que vivia no porto, entre aventureiros e embarcadiços.

- Quero morrer - confessou ela, entre soluços, ao velho maometano - na religião de Allah, que é a crença de meu noivo. A vida nos separou: quem sabe se a morte não virá pôr termo a essa separação. E morrendo fiel à religião que os árabes professam terei o consolo supremo de encontrar no céu muçulmano aquele que tanto amei na terra!

- Se o teu desejo é sincero, menina - respondeu o imã - não porei dúvida em servir de testemunha à tua conversão. Basta, para isso, que pronuncies três vezes a nossa profissão de fé!

Heliete, sem hesitar, assim falou:

- Declaro que só há um Deus, que é Allah, e que Maomé é o profeta de Allah!

E três vezes repetiu, solene, as suas palavras que constituem o dogma fundamental da religião dos árabes.

O imã tirou, então, as sandálias, abriu um exemplar do Alcorão, e voltando-se para Meca, a Cidade Santa, leu em voz alta o primeiro capítulo do Livro de Allah (3):

    - Bismillahi ahmair rahin! Em nome de Deus, Clemente e Misericordioso! Louvado seja o Onipotente, criador de todos os mundos! A misericórdia é em Deus o atributo supremo! Nós Te adoramos, Senhor! E imploramos a Tua divina assistência! Conduze-nos pelo caminho certo! Pelo caminho daqueles que são esclarecidos e abençoados em Ti.

E quando Azrail, o anjo da Morte, veio buscar Heliete, encontrou-a convertida à religião do Islã. E a alma da boa e desditosa menina foi levada para o seio de Allah, Clemente e Misericordioso.
   
No mesmo dia em que Heliete expirava em Marselha, o cheique Iezid El-Hassin agonizava no fundo de sua tenda, no oásis de Euddad, perto de Tlemcen

Junto ao leito do desventurado moço achavam-se apenas duas pessoas: um escravo, que a dedicação extrema impedira de abandonar o cheique, e um frade que ali fora ter, anuindo a um chamado. O sacerdote era um desses missionários que percorrem durante longos anos, os desertos africanos em trabalho de catequese. A declaração do jovem muçulmano deixou-o, de certo modo, surpreendido. Confessou o cheique que nutria o vivo desejo de morrer na paz da Igreja, pois só assim poderia encontrar-se entre os bem-aventurados, com sua noiva, que era cristã.

A salvação daquela alma iluminada pela Fé no derradeiro momento, comoveu o bom sacerdote. Fora Deus, na sua infinita misericórdia, que o conduzira àquela tenda. Cumpria-lhe, pois, salvar dos tormentos do Inferno, o jovem arrependido.

E o padre, depois de ouvir a confissão do cheique, e tendo-se certificado da sinceridade de sua resolução deu-lhe a absolvição plenária batizando-o segundo manda a Santa Igreja Católica - e fê-lo, ainda, receber na hóstia, em comunhão, o corpo divino de Jesus, Nosso Senhor!
   
Assim, o rico cheique Yezid El-Hassin, príncipe de Tlemcen que em vida rezara nas mesquitas e erguera preces a Allah, Onipotente, cerrou os olhos para os desenganos do mundo como um bom cristão.

Maktub! Estava escrito! A fatalidade é cega e inexorável.

Estava escrito que para os dois namorados de Orã nunca mais teria termo a cruel separação, e que nem mesmo com a morte veriam realizado o seu sonho de amor.

E isso aconteceu. Ela morreu muçulmana, ele morreu cristão.

Maktub!

E o padre, depois de ouvir a confissão do cheique, e tendo-se certificado da sinceridade de sua resolução deu-lhe a absolvição plenária batizando-o segundo manda a Santa Igreja Católica
______________________________
NOTAS:
1- Maktub - Particípio do verbo "catab", escrever.
2 - Imã - O Islã não admite sacerdotes. O imã desempenha apenas as funções de oficiante nas orações diárias nas mesquitas. O titulo de Imã é dado a certos doutores
e aos quatro fundadores do Islamismo.
3 - Livro de Allah - Alcorão.


Fonte:
Malba Tahan. Os Segredos da Alma Feminina nas Lendas do Oriente.

Sociedade Eça de Queiroz (Almoço de confraternização 27 de abril)


Data: 27 de abril de 2019
Horário: 13 horas.
Local: Hotel Flórida - na Rua Ferreira Viana, 81 - Rio de Janeiro
 
A participação no almoço, por adesão, é de R$ 73,00 (gorjeta e bebida não incluídas).

Temos o prazer em convidar o (a) ilustre associado/amigo (a) para o almoço de confraternização da SOCIEDADE EÇA DE QUEIROZ.

Na oportunidade, ouviremos a aula magna do Professor Cláudio Murilo Leal, sobre a temática “O MISTÉRIO DA CORRESPONDÊNCIA REAL E FICTÍCIA DE EÇA DE QUEIROZ”.

Preliminarmente, o Vice-Presidente desta Sociedade Luiz Gondim de Araujo Lins discorrerá sobre “Amélia – personagem do Crime do Padre Amaro-, seria uma jovem inocente e tola ou uma mulher fogosa e sensual?”

LUGAR DE MEMÓRIA: Homenagem a Luiz Gilberto de Barros – Luiz Poeta , apresentado pela Professora Idalina Gonçalves.

Saudações ecianas

A Diretoria

Mário Quintana em prosa e verso 10


ESTAMPA

Linda moça, com sua cara de louça, na moldura da janela. Passa, a cavalo, o oficial - reto, correto, linear -, como um valete de cartas. Enquanto, lento, anoitece, flores suspiram olores, no jardinzinho sincero. E lá no fim da rua a estrela Vésper, como se fora pirotécnica, irradia-se em trinta e sete cores.

QUEM BATE?

Cecilia. Cecilia que chega de um pátio da infância... Traz ainda sereno nas tranças, seus sapatinhos andaram pulando na grama... Depois assenta-se nos degraus da torre, e canta...

Mas o chaveiro do sonho pegou-lhe as tranças, teceu cordoalhas para o seu navio. Mas o chaveiro do Sonho pegou-lhe a canção... E fez um vento longo e triste.

E eu pensava que toda a minha tristeza vinha apenas do vento, da solidão do mar, da incerteza daquela viagem num navio perdido...

ENVELHECER

Antes, todos os caminhos iam,
Agora todos os caminhos vem.
A casa é acolhedora, os livros poucos.
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.

EXEGESE

- Mas que quer dizer esse poema? - perguntou-me alarmada a boa senhora.

– E que quer dizer uma nuvem? - retruquei triunfante.

- Uma nuvem? - diz ela. - Uma nuvem umas vezes quer dizer chuva, outras vezes bom tempo...

QUIEN SUPIERA ESCRIBIR!

O menino de joelhos sujos que chega em casa correndo e mal pode falar...

A velha dama que é agora obrigada a fazer renda para vender.., de casa em casa, a coitada!... e que senta na ponta da cadeira, suspira discretamente e murmura: "A minha vida é um romance....

Aquela moça que diz: Não quero ouvir isto!" e tapa os olhos...

Ah, quanta coisa deliciosamente quotidiana, quanto efêmero instante, eu não gravaria para sempre na memória dos homens, se...

QUE HAVERÁ NO CÉU?

Se não houver cadeiras de balanço no Céu.., que será da tia Élida, que foi para o Céu?

CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Maria, com um vinco entre as sobrancelhas, escolhe o segundo prato. Depois sorri-me deliciosamente. Como não encantar-me? Como não comparar-me a Salomão? "Sustentai-me (diz-lhe a Sulamita), sustentai-me com passas, confortai-me com maçãs, que desfaleço de amor.

DA DÚVIDA

Felizmente parece que o Além não resolve coisa alguma, e a confusão continua a mesma, senão maior...

Posso, pois, morrer descansado e levar os meus problemas comigo, que não me faltará distração. Não me refiro à quadratura do círculo, que pouco se me dá, nem ao moto-contínuo. Penso é nas mil e uma perplexidades da minha condição de escriba, nesses cruciantes imponderáveis, no eterno problema da subjetividade da partícula se...

DO TEMPO

Nunca se deve consultar o relógio perto de um defunto. É uma falta de tato, meu caro senhor... uma crueldade... uma imperdoável indelicadeza...

INTERCÂMBIO

Vovô tem um riso de cobre surdo, velho, azinhavrado - um riso que sai custoso, aos vinténs.

Mas Lili, sempre generosa, lhe dá o troco em pratinhas novas.

DA HUMILDE VERDADE

O quotidiano é o incógnito do mistério.

Mudança de temperatura

Nos fios telegráficos pousaram uma, duas, três, quatro andorinhas.

Olham de um lado e outro... Irão partir?

Sobre as cercas rasas do arrabalde, os girassóis espiam como girafas...

BOCA DA NOITE

O grilo canta escondido... e ninguém sabe de onde vem seu canto... nem de onde vem essa tristeza imensa daquele último lampião da rua...

Fonte:

quinta-feira, 25 de abril de 2019

José Feldman (Cascata de Trovas sobre Sonhos)

1
Cada trova que, hoje, faço,
cada verso que componho,
é qual fosse um grande laço
para amarrar o meu sonho…
 2
Cada um tem o seu sonho...
no sonho tem seu amor.
O amor faz alguém risonho...
Não eu...pois só tenho a dor!
3
Cada verso que componho,
carrega em si um apelo:
– Faça a minha vida um sonho,
que até hoje é um pesadelo!
4
De sonhos somos moldados,
sobre a forja da esperança...
Emitindo nossos brados
ao futuro... nossa herança!
5
De tantos sonhos insanos
e anseios por seu amor,
restaram só desenganos
e o triste perfil da dor!
6
Em verdade, é uma ousadia,
tentar realizar um sonho:
Dando ao universo poesia,
fazendo o mundo risonho.
7
Era uma noite estrelada
quando o meu amor partiu...
e mirando a madrugada,
vi que o meu sonho ruiu!...
8
É um ensaio a minha vida,
rumo ao sonho, no porvir:
– Muitas vezes, bem vivida…
– Outras, um mero existir!…
9
Minha vida vai sem rumo
buscando um sonho encantado.
Em seus braços me consumo...
Sou mais um pobre enganado!
10
Não posso te dar dinheiro,
pois minha casa é a ilusão
e os meus sonhos, um canteiro
onde está meu coração!
11
Na penumbra, a solidão
acalenta tantos sonhos,
cuja sala é o coração
embargando olhos tristonhos...
12
Neste mar de desenganos,
levado pela maré,
em tantos sonhos insanos,
minha força é sempre a fé.
13
No teu corpo perfumado,
no brilho do teu olhar,
há sempre um sonho encantado,
o sonho do eterno amar!
14
Onde existe independência
os grilhões serão quebrados...
Se é exercida com consciência,
sonhos serão realizados!
15
Paz!! Tu carregas em ti,
todo um mundo de esperanças.
És um sonho em frenesi,
a embalar nossas crianças...
16
Pleno de alegria e dor,
para o meu sonho alcançar,
o caminho para o amor
é um enigma a desvendar!
17
Perdido em sonhos insanos,
em jardim, cego e sem rumo,
venci os meus desenganos,
e nas trovas me consumo!
18
Quando nós somos crianças
tantos sonhos são sonhados
Hoje… adultos, são lembranças
daqueles tempos passados.
19
Tanta gente em si perdida
e entre sonhos se escondendo…
Nasce o dia… é outra vida
que em disfarces vai morrendo…
20
Vejo uma luz no horizonte,
a paz no mundo a brilhar.
Pode ser sonho distante...
Um dia ele irá vingar...

Contos e Lendas do Mundo (Nordeste: O Menino o Burro e o Cachorro)




Um menino foi buscar lenha na floresta com seu burrico e levou junto seu cachorro de estimação.

Chegando no meio da mata, o menino juntou um grande feixe de lenha, olhou para o burro, e exclamou:

– Vou colocar uma carga de lenha de lascar nesse burro!

Então o burro virou-se para ele e respondeu:

– É claro, não é você quem vai levar.

O Menino muito admirado com o fato de ter o burro falado, correu e foi direto contar tudo ao seu pai. Ao chegar em casa, quase sem fôlego, ele disse:

– Pai, eu estava na mata juntando lenha e depois de preparar uma carga para trazer, disse que ia colocá-la na garupa do burro, e, acredite se quiser, ele se virou para mim e disse: “Claro, não é você que vai levar…”

O Pai do menino, olhou-o de cima a baixo, e meio desconfiado, repreendeu ele:

– Você está dando para mentir agora. Onde já se viu tal absurdo, animais não falam.

Nesse momento, o cachorro que estava ali presente, saiu em defesa do garoto e falou:

– Foi verdade, eu também estava lá e vi tudinho!

Assustado o pobre camponês, julgando que o animal estivesse endiabrado, pegou um machado que estava encostado na parede e o ergueu para ameaçar o cachorro. Nesse momento, aconteceu algo ainda mais curioso. O machado começou a tremer em suas mãos e falou com a voz temerosa:

– O senhor tenha cuidado, esse cachorro pode me morder!
___________
Nota:
Conto popular do Nordeste de origem desconhecida.

Fonte:

terça-feira, 23 de abril de 2019

Monteiro Lobato (A vida em Oblivion: Os três livros)


1908

A cidadezinha onde moro lembra soldado que fraquejasse na marcha e, não podendo acompanhar o batalhão, à beira do caminho se deixasse ficar, exausto e só, com os olhos saudosos pousados na nuvem de poeira erguida além. Desviou-se dela a civilização. O telégrafo não a põe à fala com o resto do mundo, nem as estradas de ferro se lembram de uni-la à rede por intermédio de humilde ramalzinho.

O mundo esqueceu Oblivion, que já foi rica e lépida, como os homens esquecem a atriz famosa logo que se lhe desbota a mocidade. E sua vida de vovó entrevada, sem netos, sem esperança, é humilde e quieta como a do urupê escondido no sombrio dos grotões.

Trazem-lhe os jornais o rumor do mundo, e Oblivion comenta-o com discreto parecer. Mas como os jornais vêm apenas para meia dúzia de pessoas, formam estas a aristocracia mental da cidade. São “Os Que Sabem”. Lembra o primado dos Dez de Veneza, esta sabedoria dos Seis de Oblivion.

Atraídos pelas terras novas, de feracidade sedutora, abandonaram-na seus filhos; só permaneceram os de vontade anemíada, débeis, faquirianos. “Mesmeiros”, que todos os dias fazem as mesmas coisas, dormem o mesmo sono, sonham os mesmos sonhos, comem as mesmas comidas, comentam os mesmos assuntos, esperam o mesmo correio, gabam a passada prosperidade, lamuriam do presente e pitam – pitam longos cigarrões de palha, matadores do tempo.

Entre as originalidades de Oblivion uma pede narrativa: o como da sua educação literária.

Promovem-se três livros venerandos, encardidos pelo uso, com as capas sujas, consteladas de pingos de vela – lidos e relidos que foram em longos serões familiares por sucessivas gerações. São eles: La mare d’Auteuil, de Paulo de Kock, para o uso dos conhecedores do francês; uns volumes truncados do Rocambole, para enlêvo das imaginações femininas; e Ilha maldita, de Bernardo Guimarães, para deleite dos paladares nacionalistas. O dono primitivo seria talvez algum padre morto sem herdeiros. Depois, à força de girarem de déu em déu, esses livros forraram-se à propriedade individual. Quem, por exemplo, deseja ler o Rocambole diz na rodinha da farmácia:

– Onde andará o Rocambole?

Informam-no logo, e o candidato toma-o das mãos do detentor último, ficando desde esse momento como o seu novo depositário. Processo sumaríssimo e inteligente.

Quando se esgotou a minha provisão de livros e, ignorante ainda da riqueza literária da terra, deliberei decorrer ao estoque local, dirigi-me a um dos Seis. O homem enfunou-se de legítimo orgulho ao dar-me os informes pedidos.

– Temos obras de fôlego, poucas mas boas, e para todos os paladares. Gênero pândego, para divertir, temos, “por exemplo”, La mare d’Auteuil, de Paulo de Kock. Impagável!

– Obrigado. De Koch, nem a tuberculina.

– Temos o célebre Rocambole, “gênero imaginoso”; infelizmente está incompleto; faltam uns dezessete volumes.

– Não me serve o resto.

– E temos uma obra-prima nacional, a Ilha maldita, do “nosso” Bernardo Guimarães.

Parando aí o catálogo, era forçoso escolher.

No concerto dos nossos romancistas, onde Alencar é o piano querido das moças e Macedo a sensaboria relambória dum flautim piegas, Bernardo é a sanfona. Lê-lo é ir para o mato, para a roça – mas uma roça adjetivada por menina de Sion, onde os prados são amenos, os vergéis floridos, os rios caudalosos, as matas viridentes, os píncaros altíssimos, os sabiás sonorosos, as rolinhas meigas. Bernardo descreve a natureza como um cego que ouvisse contar e reproduzisse as paisagens com os qualificativos surrados do mau contador. Não existe nele o vinco enérgico da impressão pessoal. Vinte vergéis que descreva são vinte perfeitas e invariáveis amenidades. Nossas desajeitadíssimas caipiras são sempre lindas morenas cor de jambo.

Bernardo falsifica o nosso mato. Onde toda a gente vê carrapatos, pernilongos, espinhos, Bernardo aponta doçuras, insetos maviosos, flores olentes. Bernardo mente.

Mas como mente menos que o Paulo de Kock ou o truculento Ponson, pai do Rocambole, escolhi-o.

Veio o livro. Volume velho como um monumento egípcio e como ele revestido de inscrições. Cada leitor que passava ia deixando o rastro gravado a lápis.

“Li e gostei”, dizia um, “Li e apreciei”, afirmava certa senhorita. Inscrição quase em cuneiforme rezava “Fulano leu e apreciou o talento do grande escritor brasileiro”. Outro versificava: “Já foi lido – Pelo Walfrido”. Tal moça notara parcimoniosamente: “Li” e assinou. Um amigo da ordem inversa pôs: “Li e muito gostei”.

Houve quem discordasse. “Li e não gostei”, declarou um fulano. O patriotismo literário dum anônimo saiu a campo em prol do autor: “Os porcos preferem milho a pérolas”, escreveu ele embaixo. Monograma complicadíssimo subscrevia isto: “O Rocambole diverte mais”.

E assim, por quanto espaço em branco tinha o livro, margens ou fins de capítulo, as apreciações se alastravam com levíssimas variantes ao sóbrio “Li e gostei” inicial. Havia nomes bem antigos, de pessoas falecidas, e nomes das meninas casadeiras da época.

Os intelectuais de Oblivion bebiam à farta naquela veneranda fonte. Em Bernardo abeberavam-se de “estilo e boa linguagem”, conforme afirmou um; no Rocambole truncado exercitavam os músculos da imaginativa; e no Paulo de Kock, os eleitos, os Sumos (os que sabiam francês!) fartavam-se da grivoiserie permitida a espíritos superiores.

Essa trindade impressa bastava à educação literária da cidade. Feliz cidade! Se é de temer o homem que só conhece um livro, a cidade que só conhece três é de venerar. Veneração, entretanto, que não virá, porque o mundo desconhece totalmente a pobrezinha da Oblivion…

segunda-feira, 22 de abril de 2019

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) VII


DECLARAÇÃO DE AMOR

Não te recordas mais? - Dois anos são passados
após aquela noite clara, e aquele mar
que espraiando distante, ouvir nos fez, calados,
os segredos de amor que estava a murmurar.

Nós dois -  Quanta saudade!... Os braços enlaçados
fitávamos sonhando, o azul, cheio de luar,
- e os grãozinhos, de luz, no céu, pulverizados,
numa estrada que além... fugia ao nosso olhar...

- Que mais?... Tudo era belo - e no íntimo casando
a beleza do espaço à beleza da terra
não pude me conter, e os olhos teus fitando

disse: " Que mar feliz!... Que infinito esplendor!...
Que pode haver maior que o céu que tudo encerra
mais belo que esta noite?... E tu disseste: "o amor!"

DEDICATÓRIA N.1

Este meu livro é todo teu, repara
que ele traduz em sua humilde glória
verso por verso, a estranha trajetória
desta nossa afeição ciumenta e rara!

Beijos! Saudades! Sonhos! Nem notara
tanta coisa afinal na nossa história...
E este verso – é a feliz dedicatória...
onde a minha alma inteira se declara...

Abre este livro... E encontrarás então
teu coração, de amor, rindo e cantando,
cantando e rindo com o meu coração...

E se o leres mais alto, quando a sós,
é como se estivesses me escutando
falar de amor com a tua própria voz!

DEDICATÓRIA N.2

 Para você, - amigo ou amiga -
que encontraram a minha poesia na rua,
pouca e pobre,
e a adotaram, e a recolheram ao coração...
Todo o meu reconhecimento por essa louca
e nobre ação.

Em nome da minha poesia
agradeço-lhes a pura alegria,
muito mais que alegria: comunhão!

Que é comunhão ou alegria
encontrar quem nos compreenda
quem nos estende a mão

quem partilhe conosco pão e música
na mesma canção.

DERRADEIRA INSPIRAÇÃO

Este é o último verso onde talvez
a tua imagem seja percebida,
- o instante derradeiro em que te vês
a inspirar o meu verso e a minha vida...

Guarda-o depois das linhas que tu lês
morrerás... e hás de ser sempre esquecida...
- não tornarei sequer uma só vez
a falar na lembrança mais querida...

Este é o último adeus que ainda te dou,
- termina aqui a imensa trajetória
que o teu destino sobre o meu traçou...

Daqui por diante... avançarei sozinho,
e nunca mais te encontrarás na história
dos versos que fizer em meu caminho!

DESFOLHANDO

Essa boca, pequena, e assim vermelha,
que ao botão de uma rosa se assemelha,
- quanta vez provocava os meus desejos
desabrochando em flor entre os meus beijos...

Essa boca, pequena e mentirosa,
que diz, tanta mentira cor-de-rosa,
- era a taça de amor onde eu saciava
toda a ansiedade da minha alma escrava ...

Beijando-a, compreendia que eras minha...
Meu amor transformava-te em rainha,
teu amor me fazia mais que um rei...

Agora, tu fugiste... E eu sofro, quando
vejo um outro em teus lábios desfolhando
a mesma rosa que eu desabrochei!...

DESPERTANDO

Escancaro as janelas para o dia
nessa manhã de sol, quente e sadia,
em toda a sua intensa claridade...
E a alma da sombra é expulsa, ante a alegria
da luz que em jorros o meu quarto invade...

E eu vendo luz... Pensei: - ah! Se eu pudesse
- essa minha alma tão sombria e triste,
abrir ao sol que lá por fora existe
dourando as coisas e tornando-as belas!...

E fiquei a pensar: - ah! Se eu pudesse
abrir minha alma aos céus como as janelas!...

DESPETALANDO

Vou traçando estes versos displicentemente

A mão vai caminhando a esmo no papel
como um bêbado andando pela rua
a acompanhar seus passos distraídos...

Vou traçando estes versos indolentemente...
e eles traduzem... vagos... preguiçosos
as saudades e os gozos
que ficaram ressoando em meus sentidos...

Arranco-os... são pedaços de mim mesmo
cheios de ti, de ti que estás presente
dentro do meu amor,

vou traçando-os assim, bem displicente,
a esmo,
- despetalando tudo o que a minha alma sente
como quem despetala alguma flor!...

DIGO QUE ESQUEÇO

Creio que te esqueci... de agora em diante
já não há nada entre nós dois, não há,
- achaste-me orgulhoso e intolerante
e eu te achei menos fútil do que má...

Foi um momento só... foi um instante
essa nossa ilusão, e hoje, onde está
aquele amor inquieto e delirante?
- Bem que pensava: - é falso! morrerá!

Sinto apenas que tenha te adorado,
e que hoje sofra em vão, inutilmente
procurando apagar todo o passado...

Digo que esqueço... que não penso em ti!
- Mas não te esqueço nunca, e justamente
porque fico a pensar que te esqueci.

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 1. SP: Ed. Theor, 1965.

Leandro Bertoldo Silva (O Menino que Aprendeu a Imaginar)



O livro O menino que Aprendeu a Imaginar já está com data de lançamento confirmada para o dia 30 de abril de 2019, em Padre Paraíso/MG, às 19 horas.
  
O livro O MENINO QUE APRENDEU A IMAGINAR traz a reflexão da fantasia e do lúdico na vida das crianças, a importância de enxergar o mundo através das histórias e de se interagir com o outro através da arte e das simplicidades.

O livro tem o propósito de resgatar o poder criativo da criança, fazer o adulto revisitar suas lembranças e memórias dos tempos em que um simples barquinho de papel era motivo de muitas aventuras num dia de chuva… E o que dizer daquela professora que foi tão importante e faz com que queiramos ser importantes para alguém? E as histórias contadas ao redor da fogueira ou do fogão de lenha… Quem nunca se imaginou viajando pelos lugares e vivendo aventuras?

O MENINO QUE APRENDEU A IMAGINAR sou eu, é você, são nossos filhos e filhas, nossos netos e netas, nossos alunos, nossos pais, nossos avós que, por algum motivo, precisamos todos reaprender a reconectar com nossa criança, nosso Ser e nossa essência.

E então, vamos acordar os sonhos, pois um dia nunca é igual ao outro para quem tem um livro nas mãos…

SINOPSE

Chateado por não ter nada de diferente para fazer, Oswaldo fica dentro do seu quarto cheio de lamentações quando um grande livro de histórias que fica bem no alto da estante cai “sozinho” no chão. O susto, já enorme, aumenta ainda mais quando o menino percebe que não foi um acidente, mas obra do seu brinquedo predileto: um lindo palhacinho de roupas coloridas e chapéu de guizos.

Gesticulando e dando mil cambalhotas, o palhacinho conduz Oswaldo a mundos que ele não conhecia, como a casa de um caçador onde entra, disfarçado de menino, o temível bicho Mapinguari; Vê a chuva cair lá fora levando nas enxurradas um barco de papel e, dentro dele, uma criança cheia de imaginação; E o que dizer de uma professora bem diferente ao apresentar à turma o seu amigo Geógrafo, um Atlas falante?

Repleto de surpresas, a história reserva ainda uma muito maior no final que, certamente, fará meninos, meninas e até adultos terem outros olhos para a leitura e para os livros.

A história base desse trabalho foi publicada na revista AMAE Educando, em 2009, em Belo Horizonte, teve uma montagem de teatro e ganha agora em livro publicado pela Alforria Literária uma nova estrutura e conceito, inclusive nas ilustrações feitas por Adilson Amaral – psicólogo e artista do Vale do Jequitinhonha – trazendo uma proposta que dialoga com a importância da imaginação a partir da leitura e das imagens não sugestionadas para que o leitor crie a sua própria realidade.

Um livro escrito com um grande carinho, não apenas por ser o primeiro infanto-juvenil do autor, mas por se basear em sua própria história de vida e no que acredita.

Fonte:
https://arvoredasletras.com.br/