segunda-feira, 22 de abril de 2019

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) VII


DECLARAÇÃO DE AMOR

Não te recordas mais? - Dois anos são passados
após aquela noite clara, e aquele mar
que espraiando distante, ouvir nos fez, calados,
os segredos de amor que estava a murmurar.

Nós dois -  Quanta saudade!... Os braços enlaçados
fitávamos sonhando, o azul, cheio de luar,
- e os grãozinhos, de luz, no céu, pulverizados,
numa estrada que além... fugia ao nosso olhar...

- Que mais?... Tudo era belo - e no íntimo casando
a beleza do espaço à beleza da terra
não pude me conter, e os olhos teus fitando

disse: " Que mar feliz!... Que infinito esplendor!...
Que pode haver maior que o céu que tudo encerra
mais belo que esta noite?... E tu disseste: "o amor!"

DEDICATÓRIA N.1

Este meu livro é todo teu, repara
que ele traduz em sua humilde glória
verso por verso, a estranha trajetória
desta nossa afeição ciumenta e rara!

Beijos! Saudades! Sonhos! Nem notara
tanta coisa afinal na nossa história...
E este verso – é a feliz dedicatória...
onde a minha alma inteira se declara...

Abre este livro... E encontrarás então
teu coração, de amor, rindo e cantando,
cantando e rindo com o meu coração...

E se o leres mais alto, quando a sós,
é como se estivesses me escutando
falar de amor com a tua própria voz!

DEDICATÓRIA N.2

 Para você, - amigo ou amiga -
que encontraram a minha poesia na rua,
pouca e pobre,
e a adotaram, e a recolheram ao coração...
Todo o meu reconhecimento por essa louca
e nobre ação.

Em nome da minha poesia
agradeço-lhes a pura alegria,
muito mais que alegria: comunhão!

Que é comunhão ou alegria
encontrar quem nos compreenda
quem nos estende a mão

quem partilhe conosco pão e música
na mesma canção.

DERRADEIRA INSPIRAÇÃO

Este é o último verso onde talvez
a tua imagem seja percebida,
- o instante derradeiro em que te vês
a inspirar o meu verso e a minha vida...

Guarda-o depois das linhas que tu lês
morrerás... e hás de ser sempre esquecida...
- não tornarei sequer uma só vez
a falar na lembrança mais querida...

Este é o último adeus que ainda te dou,
- termina aqui a imensa trajetória
que o teu destino sobre o meu traçou...

Daqui por diante... avançarei sozinho,
e nunca mais te encontrarás na história
dos versos que fizer em meu caminho!

DESFOLHANDO

Essa boca, pequena, e assim vermelha,
que ao botão de uma rosa se assemelha,
- quanta vez provocava os meus desejos
desabrochando em flor entre os meus beijos...

Essa boca, pequena e mentirosa,
que diz, tanta mentira cor-de-rosa,
- era a taça de amor onde eu saciava
toda a ansiedade da minha alma escrava ...

Beijando-a, compreendia que eras minha...
Meu amor transformava-te em rainha,
teu amor me fazia mais que um rei...

Agora, tu fugiste... E eu sofro, quando
vejo um outro em teus lábios desfolhando
a mesma rosa que eu desabrochei!...

DESPERTANDO

Escancaro as janelas para o dia
nessa manhã de sol, quente e sadia,
em toda a sua intensa claridade...
E a alma da sombra é expulsa, ante a alegria
da luz que em jorros o meu quarto invade...

E eu vendo luz... Pensei: - ah! Se eu pudesse
- essa minha alma tão sombria e triste,
abrir ao sol que lá por fora existe
dourando as coisas e tornando-as belas!...

E fiquei a pensar: - ah! Se eu pudesse
abrir minha alma aos céus como as janelas!...

DESPETALANDO

Vou traçando estes versos displicentemente

A mão vai caminhando a esmo no papel
como um bêbado andando pela rua
a acompanhar seus passos distraídos...

Vou traçando estes versos indolentemente...
e eles traduzem... vagos... preguiçosos
as saudades e os gozos
que ficaram ressoando em meus sentidos...

Arranco-os... são pedaços de mim mesmo
cheios de ti, de ti que estás presente
dentro do meu amor,

vou traçando-os assim, bem displicente,
a esmo,
- despetalando tudo o que a minha alma sente
como quem despetala alguma flor!...

DIGO QUE ESQUEÇO

Creio que te esqueci... de agora em diante
já não há nada entre nós dois, não há,
- achaste-me orgulhoso e intolerante
e eu te achei menos fútil do que má...

Foi um momento só... foi um instante
essa nossa ilusão, e hoje, onde está
aquele amor inquieto e delirante?
- Bem que pensava: - é falso! morrerá!

Sinto apenas que tenha te adorado,
e que hoje sofra em vão, inutilmente
procurando apagar todo o passado...

Digo que esqueço... que não penso em ti!
- Mas não te esqueço nunca, e justamente
porque fico a pensar que te esqueci.

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 1. SP: Ed. Theor, 1965.

Um comentário:

Unknown disse...

Obra poética maravilhosa, sensível, de altíssimo nível