No meu tempo de infância, na pequena cidade onde vivia, criança brincava no quintal. Lá todas as casas tinham quintais. Alguns eram separados por muros, que pulávamos com a maior facilidade; outros, por uma cerca com dois ou três fios de arames que de tanto espichá-los para passarmos sob ou sobre eles, acabavam indo para o chão. No meu tempo de infância era nos quintais que passávamos muitas horas do dia e também das noites quentes de verão, quando a lua era cheia e clareava nossos passos e brincadeiras.
Nos quintais brincávamos sem brinquedos. Era pega-pega, cabra-cega, esconde-esconde, amarelinha, passa-anel e tantas outras coisas que bastava ter um quintal e nada mais.
Nos quintais brincávamos de fazer brinquedos. Neles sempre havia sobras de construções, coisas quebradas e outros entulhos amontoados em algum canto. Bastava procurar, cortar, serrar, juntar uma coisa com outra para fazermos um carrinho, um trem, uma panela, uma bola...
Nos quintais havia árvores que subíamos em desafio para ver quem alcançava o galho mais alto ou chegava primeiro em um galho pré-determinado. Delas pendiam balanços feitos de cordas com assento de tábua ou pneu; nelas erguíamos casas, na maior parte das vezes contando com a ajuda de um irmão mais velho, e isso podia durar meses, para nosso deleite.
Nos quintais construíamos fazendas, delimitadas com palitos de sorvetes catados pelas ruas que cravávamos no chão a imitar cercas. Frutas, de diversos tamanhos e tipos, eram usadas para compor o corpo dos animais que, com palitos espetados e pedaços de rolha, ganhavam pernas, rabos, cabeças, e desse jeito nasciam bois, porcos, cavalos e outros bichos que a imaginação alcançava. As estradas eram construídas com areia peneirada, a imitar os cascalhos das estradas rurais. Abríamos pequenos sulcos no chão para fazer de conta que eram rios e sobre eles colocávamos pontes feitas com pedaços de galhos de árvores. Nas nossas fazendas também havia as plantações, feitas com ramos de plantas, de diversos tipos, enfiados pelo chão. Nas nossas fazendas havia tantas coisas mais que ficávamos dias, semanas, nessa brincadeira. E essa era a graça.
Nos quintais construíamos pocinho d’água cavando um buraco redondo no chão, profundo até onde nossos braços podiam alcançar. Uma lata de massa de tomate vazia virava o balde; um barbante, a corda; o sarilho era um galho bem roliço, apoiado em duas forquilhas de galho de goiabeira. Depois era só encher o buraco d’água e brincar de puxar água. Era tão divertido construir nossos poços como era divertido brincar com eles.
Nos quintais brincávamos de circo. Trapézio? Um galho de árvore mais resistente bastava. Malabarismo? Três limões ou laranjas atirados pelo ar, um de cada vez, num movimento continuo de pegar e lançar sem deixar cair no chão. Passávamos dias treinando, e esse era o divertimento, essa era a brincadeira.
Até para ler um gibi o quintal era escolhido. Sob uma árvore ou sobre ela. Sob a sombra de um muro, no canto da casa. Até para não fazer nada, quando não se tinha com quem brincar, era no quintal que a gente ficava pensando sei lá no quê.
Na minha época de criança quintal era o nosso mundo, o palco para nossas aventuras e realizações, fonte inesgotável para nossas fantasias. Para nós aqueles metros de terra tinham a dimensão do infinito.
Estou me lembrando disso tudo porque neste final de semana, na nossa casa de campo, tivemos a visita de um menino de oito anos acompanhado da avó. O garoto chegou exibindo um celular, presente que ganhou de Natal. Foi logo mostrando tudo sobre o aparelho e estava ansioso para fazer ligações. Como é difícil pegar sinal dentro de casa ele vasculhou minuciosamente todos os cantos da casa e ao menor sinal de que aquele aparelho iria funcionar o garoto soltava gritos estridentes, para não dizer histéricos.
O garoto não tinha outro assunto, não se interessava por outra coisa, tornou-se repetitivo e era enfadonho escutá-lo falar sobre as maravilhas daquela coisa. Tentei mudar aquela rotina, convidei-o para um passeio fora de casa onde havia muitas coisas a ver e a fazer. Ele não demonstrou nenhum interesse. Tentei explicar-lhe do que eu brincava quando tinha a sua idade e quanto do que eu falava poderia ser encontrado fora de casa. Ele ouviu um pouco, fez cara de pouco caso e continuou na sua interessantíssima aventura de encontrar dentro de casa um lugar onde o aparelho pudesse funcionar. Para ele o que eu dizia deve ter sido tão bizarro como me foi vê-lo dois dias enfurnado dentro de uma casa cercada de árvores e com um quintal imenso.
Ele foi embora como chegou. Com o celular na mão, exibindo-o como um troféu.
Fiquei com a impressão de que ele nem se deu conta de onde passou o final de semana. Não pude deixar de compará-lo a mim, quando tinha a sua idade. Foi então que me lembrei dos meus quintais. E tive pena do garoto.
Fonte:
Espaço Literário Sorocult
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