A NOSSA DOR
Enquanto chora a Mãe desventurada,
Sobre o seu coração, de noite e dia,
Eu canto a minha dor; e a dor cantada
Como que intimamente se alumia...
Se me levanto cedo e a madrugada
Já vem dourando os longes de harmonia,
Sinto que estás ainda despertada
E eu ouço, em mim, cantar nova elegia.
Abre-te a dor os olhos sem piedade,
Durante as longas noites de amargura...
Mas para mim a dor é já saudade.
A dor, em mim, é canto que murmura;
A dor, em ti, é negra tempestade:
Sou a noitinha, e tu, a noite escura!
VIDA ETERNA
Nele adora somente o que não passa;
O que é imortal, perfeito, e no teu ser
É fonte de orações, de luz e graça.
Adora a sua Imagem a viver,
Numa perpetua infância florescendo,
Perpetuamente isenta de sofrer.
Dia a dia, nós vamos falecendo;
Esta vida carnal é um arremedo
Da Vida, á luz da qual eu não entendo
Nem morte ou aparência ou dor ou medo...
Teu Filho agora é luz, revelação;
E tu, ó Mãe, crepúsculo e segredo!
Adora, sim, teu próprio coração
Se desejas amar teu Filho. Reza
E não chores, que a luz duma oração
Mostra-te bem melhor sua beleza,
Seus verdes olhos de alma, a fronte e o rosto
Que as lágrimas sombrias de tristeza.
Seja alegria eterna o teu desgosto
Corpóreo, transitório! Seja aurora
De idílio o teu dramático sol posto!
A alma ajoelha e reza, mas não chora.
MEMÓRIA
Memória, Elísios Campos, Paraíso,
Espirituais Paisagens!
Vales de luz, outeiros de sorriso,
Onde vivem as místicas Imagens.
Jardim florido de Almas que o estertor
Da Morte libertou! Jardim povoado
De luminosas Sombras que em amor
E sonho iluminado,
Dando-se as mãos de luz e intimidade,
Vagueiam pelas verdes avenidas,
Ao luar misterioso da Saudade,
Evocando outros mundos, outras vidas...
Vejo, em grupos, os velhos conversando...
E murmuram palavras... voz de outono
Que se vai em silêncios desfolhando
Num ermo chão dourado, ao abandono.
Mais adiante, em doce companhia,
Caminha enamorada a gente nova:
O Herói caído, morto, à luz do dia,
A Noiva que baixou à fria cova!
E mais adiante ainda, em mais ruidosos
E alvoroçados grupos, as Crianças
Falam alto, têm gestos luminosos...
São bandos de esperanças,
Vagueiam pelas verdes avenidas,
Ao luar misterioso da Saudade,
Evocando outros mundos, outras vidas...
Vejo, em grupos, os velhos conversando...
E murmuram palavras... voz de outono
Que se vai em silêncios desfolhando
Num ermo chão dourado, ao abandono.
Mais adiante, em doce companhia,
Caminha enamorada a gente nova:
O Herói caído, morto, à luz do dia,
A Noiva que baixou à fria cova!
E mais adiante ainda, em mais ruidosos
E alvoroçados grupos, as Crianças
Falam alto, têm gestos luminosos...
São bandos de esperanças,
Tão cedo à luz do mundo arrebatadas
E aos braços maternais!
E brincam a sorrir, inda molhadas
Das lágrimas eternas de seus Pais...
E com um ar de riso,
As beija o Sol do Além...
Nem se lembram das mães, no Paraíso;
São Almas, sim, e as Almas não têm Mãe!
Ao Sol espiritual que as faz corar
Durante os seus brinquedos,
Somente Deus as pode contemplar
Do seu trono de trevas e segredos.
Deus contempla as Crianças que roubou
Ao fundo amor materno... E bem se vê
Nos seus olhos a nuvem que os toldou...
E a si mesmo pergunta: Para quê?
E à luz do eterno dia,
Os Fantasmas divinos das Crianças
Fazem os seus bailados de alegria,
Elas que são tristíssimas Lembranças!
E a nova formosura que elas têm!
O novo e estranho encanto!
Assim tocadas já do sol do Além,
Até aos pés vestidas do meu Canto!
Memória, Jardim de Almas todo em flor
Que as canções e os perfumes enevoam,
Se para mim és dor, és luz e amor,
Para os seres amados que o povoam!
E eis tudo quanto resta à Criatura:
Saber que o seu tormento
É perfeita alegria, alta ventura,
Em outro Firmamento!
Quando os meus olhos íntimos, em sonho,
Esse mundo ideal conseguem ver,
Fico tão deslumbrado que suponho
Haver morrido já sem o saber!
E eis que sou na Paisagem da Memória!
Lembrança de mim mesmo, eu já penetro
Na cidade fantástica e ilusória...
Já sou Aparição, Visão, Espectro!
Que é da minha Presença? Não me vejo!
Ah, não me encontro em mim! Sou a Oração
Redimida, sem Deus e sem desejo;
Amor sem coração!
Sonho liberto, ascendo no Infinito.
A própria Altura é já profundidade!
Onde estás? onde estás? ó corpo aflito!
Meu ser perdeu-se em alma: ei-lo saudade!
Fonte:
Teixeira de Pascoaes. Elegias. 1912
E aos braços maternais!
E brincam a sorrir, inda molhadas
Das lágrimas eternas de seus Pais...
E com um ar de riso,
As beija o Sol do Além...
Nem se lembram das mães, no Paraíso;
São Almas, sim, e as Almas não têm Mãe!
Ao Sol espiritual que as faz corar
Durante os seus brinquedos,
Somente Deus as pode contemplar
Do seu trono de trevas e segredos.
Deus contempla as Crianças que roubou
Ao fundo amor materno... E bem se vê
Nos seus olhos a nuvem que os toldou...
E a si mesmo pergunta: Para quê?
E à luz do eterno dia,
Os Fantasmas divinos das Crianças
Fazem os seus bailados de alegria,
Elas que são tristíssimas Lembranças!
E a nova formosura que elas têm!
O novo e estranho encanto!
Assim tocadas já do sol do Além,
Até aos pés vestidas do meu Canto!
Memória, Jardim de Almas todo em flor
Que as canções e os perfumes enevoam,
Se para mim és dor, és luz e amor,
Para os seres amados que o povoam!
E eis tudo quanto resta à Criatura:
Saber que o seu tormento
É perfeita alegria, alta ventura,
Em outro Firmamento!
Quando os meus olhos íntimos, em sonho,
Esse mundo ideal conseguem ver,
Fico tão deslumbrado que suponho
Haver morrido já sem o saber!
E eis que sou na Paisagem da Memória!
Lembrança de mim mesmo, eu já penetro
Na cidade fantástica e ilusória...
Já sou Aparição, Visão, Espectro!
Que é da minha Presença? Não me vejo!
Ah, não me encontro em mim! Sou a Oração
Redimida, sem Deus e sem desejo;
Amor sem coração!
Sonho liberto, ascendo no Infinito.
A própria Altura é já profundidade!
Onde estás? onde estás? ó corpo aflito!
Meu ser perdeu-se em alma: ei-lo saudade!
Fonte:
Teixeira de Pascoaes. Elegias. 1912
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