quinta-feira, 4 de abril de 2019

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) IV


BORBOLETAS

Aos casais... - ante a espessa ramaria
verde, e rendada ao sol deste verão
- livres, felizes, cheias de alegria
as borboletas pelos céus se vão...

Despreocupadas... pela floração
se perdem, numa inquieta correria...
- Onde foram?... e em que lugar estão?
Já não se vê o olhar que as perseguia...

Mas... de repente, voltam pelo espaço,
- trêmulas e amorosas de cansaço,
asas roxas e azuis coo violetas...

E invejoso pensei, vendo-as pelo ar:
- quem me dera nascer, viver e amar,
como aqueles casais de borboletas !

BUCÓLICA

Invejo a vida humilde da criatura
dos  lugares distantes, sossegados,
onde a terra é mais simples e mais pura
e os céus são transparentes e azulados...

Onde as árvores crescem, na beleza
da  galharia exuberante e farta,
e o sol transforma a inquieta correnteza
num dorso rebrilhante de lagarta...

E onde os galhos são mãos cheias de flores
e as flores, taças multicores, vivas,
servindo mel aos tontos beija-flores
e às borboletas trêmulas e esquivas...

Desses lugares cheios de caminhos
como garotos, rabiscando o chão,
e onde os homens são como passarinhos
que são felizes sem saber que são...

E onde as casa, pequenas, de brinquedo,
com  os olhos das janelas, como a gente
de dentro do aconchego do arvoredo
olham tudo ao redor, serenamente...

E onde o sol sai mais cedo, e sobre a serra
desdobra o seu lençol feito de luz
e acorda a seiva que intumesce a terra
nos campos verdes ou nos campos nus...

Gosto desses lugares sossegados
onde a vida é mais simples e mais pura,
os céus são transparentes e azulados
e é mais humana e humilde a criatura...

CAMINHEIRO

Eu ando pela vida à procura de alguém
que saiba compreender minha alma incompreendida,
alguém que queira dar-me a sua própria vida
como eu lhe dar pretendo o meu viver também...

Caminheiro do ideal - seguindo para o além
vou traçando uma rota estranha e indefinida,
- não sei se em minha estrada hei de encontrar guarida,
ou se eterno hei de andar, sem rumo e sem ninguém.. .

Já me sinto cansado... E em vão ainda caminho
na ilusão de encontrar um dia a companheira
que me ajude na vida a construir meu ninho...

Boemia do destino!...  Hei de andar... hei de andar...
até que esta minha alma errante e aventureira
descanse numa cruz cansada de sonhar!...

CARNAVAL
  
Ela passou na minha vida
vazia
de boêmio e sentimental,
como passa num ano de tristeza
o relâmpago de alegria
do carnaval...

Seus braços me envolveram como serpentinas
frágeis, de papel,
e se romperam coo as serpentinas
que se arrebentam quando o vento sopra
e se soltam no céu....

Ela passou na minha vida, assim,
tal como passa na monotonia
de uma existência banal,
a furtiva beleza e a loucura de um dia
de  carnaval !...

Nossa história, - o romance desse dia
sem ódio, sem despeito, sem rancor, sem ciúme,
nem podemos lembrar,

teve o destino irreal de toda fantasia
e a existência de um jato de lança-perfume
atravessando no ar...

O nome dela, não sei;
ela não sabe o meu, - que importa ? - não faz mal...
- Não fôssemos nós dois apenas fantasias
não fosse a nossa história apenas carnaval !...

CARTA 

Aqui, tudo é bonito e quieto, a gente
vai vivendo uma vida sempre igual...
- Há um dia que o regato de cristal
de águas turvas ficou devido à enchente...

Os dias têm passado, lentamente,
e um tédio sinto em mim, de um modo tal,
que às vezes, fico até sentimental,
lembrando-me de ti, saudosamente...

Quando estavas aqui, - tudo era lindo...
Como um doce casal de beija-flores,
vivíamos os dois sempre sorrindo...

Por que não voltas?... Vem!... - Se tu voltares
o céu há de cobrir-se de outras cores...
- as flores voltarão pelos pomares!..

CARTA CINZENTA

As palavras amargas que te escrevo
são aquelas que pensas mas não dizes,
e esta, - é a carta cinzenta onde me atrevo
a despertar o nosso falso enlevo
e a confessar que somos infelizes...

Esta é a carta cinzenta que põe termo
ao sofrimento que te suplicia...
Meu amor, pobre amor! - vacila enfermo...
Teu amor, falso amor! - já nasceu ermo
como uma noite longa de invertia...

Onde o antigo calor do teu carinho?
Onde o esplendor dos teus olhos castanhos?
Segues só, ao meu lado... Eu, vou sozinho...
- como dois vultos por um só caminho
um do outro perto, e totalmente estranhos...

Não aceito o teu tolo sacrifício
que eu não nasci para inspirar piedade.
Essa carta cinzenta é o precipício
onde atiro esse amor... E marca o início
da tua mais completa liberdade!

Não deve haver passado entre nós dois...
Esquece o que já fui e o que te digo,
o Destino entre nós tudo interpôs
e assim, pelo que fui... nunca depois
por consolo me chames teu amigo!

Se eu cruzar o teu passo, volta o rosto!
Devo ser menos que um desconhecido,
- se eu era o teu Senhor e fui deposto
que no exílio final do meu desgosto
guarde a ilusão de ao menos já haver sido!

Juro por esse deus em quem não creio
em quem tu crês, - que em minha dor imensa
só desejo ficar de tudo alheio,
- não receio por mim, eu só receio
que ainda me negues tua indiferença!

E que um dia, quem sabe? não compreendas
as palavras de fel que hoje te digo,
- receio que mais tarde não me atendas
e queiras debruar talvez de rendas
o desespero que guardei comigo!

Uma coisa, no entanto, me conforta
depois que por teu bem tudo desfiz,
- é que enfim minha vida já está morta,
e, afinal, minha vida pouco importa
quando se trata de te ver feliz!
....................................

Bem. Paremos aqui. Daqui por diante
seguirás o teu rumo e eu sigo o meu...
Hás de ser mais feliz se mais constante,
e que ao menos te lembres, certo instante,
de quem nunca um instante te esqueceu...

É o fim... Mas sem lamúrias nem piedade.
Guarda a piedade, - eu já fiquei com a dor... -
Quem pode mais do que a fatalidade?
Se o Destino assim quis, fique a saudade
florindo triste sobre o nosso amor!...

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 1. SP: Ed. Theor, 1965.

Nenhum comentário: