terça-feira, 9 de abril de 2019

Caldeirão Poético 21


Desilusão

Qualquer dia, qualquer hora,
Ponho minha viola no saco,
Pego um par de chinelos e sapatos,
Arrumo a mochila e vou embora.

Não quero ficar pra assistir o final,
Esforçar pro filme não acabar mal,
Se não posso mudar o roteiro
Tenho direito de querer estar fora.

Minha bagagem é mesmo pequena.
Sou coadjuvante em qualquer cena,
E no fim, do longa, sempre alguém chora.

Nunca fui muito bom de comédia,
Virou drama e eu perdi as rédeas.
Substitua-me que eu quero ir embora.



Menino Pobre

O que vê o menino pobre
ao contemplar seu brinquedo,
– um carrinho, antes nobre -
de algum dia de folguedo?

É carrinho de criança,
agora sujo, sem roda,
que deixou toda esperança
de, sorrindo, andar na moda.

Olhando para o carrinho,
o bom menino nem chora.
É feliz pelo carinho
da pobre mãe que o adora.

Humilde é sua casinha,
o ambiente é familiar.
Sempre a alegria avizinha
do calor de um doce lar.

Em sua infância nem vê
que há tantos sonhos quebrados!
Dizem jornais que se lê:
Quantos sorrisos roubados!

Por esta infância tão dura,
que será do sue porvir?
Hoje, com sua alma pura,
a pobreza o vê sorrir.

Como será deu futuro,
neste país de apreensão?
Vê-se aqui tanto perjuro,
tanta injúria e corrupção.

Sem tanta oportunidade
de algum emprego decente,
esvai-se a felicidade
numa terra inconsequente.

A Pátria é cheia de dor,
e dor sem nenhum mistério…
Neste mundo há enganador
até lá no Ministério.

Mas n’alma desta criança,
mesmo que a pobreza a sagre,
há chance, muita esperança,
ainda que por milagre.


Paladino do Amor
(Tributo a Martins Fontes)

Gota a gota, sorveste as volúpias da Vida,
na embriaguez total de quem sonhos procura.
E em base de ideal, foste a ânsia incontida,
que arrasta e que arrebata aos vórtices da altura!

Paladino do amor! Foste, em missão cumprida,
a bondade que alenta! A esperança que cura!
Tié-fogo santista, a Glória é refletida
no perfil que deixaste esboçado em ternura.

Em teus rumos de luz, venceste, Martins Fontes,
com fúria de vulcão, as mais torpes campanhas!
E no céu da Poesia, além dos horizontes,

és astro a fulgurar, com brilho eterno e nobre!
Bem acima da inveja e suas artimanhas,
és Sol que não se apaga! A terra não te encobre!


Trilhos da Salvação

Os trilhos entram no túnel
como quem entra no quarto-escuro
no muro
impuro
das lamentações.

Os trilhos saem do túnel
como quem sai da fumaça
que abraça
não passa
embaça.

Agora é o sol raiando
o verde araucária
as pedras bem desenhadas
os parreirais azuis do vale
que saltam
que passam
que ficam.

Agora é a carga pesada
o sorriso aberto
o suor pingando
o maquinista feliz
que olha
que atende
que vai.

Agora é o progresso
que vos seguro
nos trilhos bem duros
de pensamentos modernos
mas ternos
eternos
visionários.

São trilhos de salvação
esses trilhos que teimam
e resistem cem anos
ao tempo e a tudo
levando as flores do progresso
aos jardins do mundo
sem nome
sem fome
com paz!


Rosto de Mulher

Por onde andei eu procurei teu rosto
na multidão passando na avenida.
Alguns olhos me falam de desgosto,
outros acenam numa despedida.

Não encontrei, embora bem disposto
aquela voz de amor, enternecida,
que me manteve vivo no meu posto
minorando as agruras desta vida.

A esperança renasce a cada aurora,
e enquanto a vida se fizer presente,
a procura também se faz mister…

Meu coração, cativo, ainda chora
querendo amenizar a dor pungente,
– a ausência deste rosto de mulher!


A Vida

Quando as minhas pernas fraquejarem,
me ampara, me ajuda, me auxilia,
segura a minha mão, me ensina a guia,
se os meus olhos, cansados, se embaçarem.

Se todos os meus nervos mutilarem,
desculpa os meus stress, minha arrelia,
compreende-me, me afaga, dia a dia,
quando os meus instintos se acabarem.

Espero que ainda guarde na lembrança,
aquilo que eu lhe fiz, tão pequenino
e o quanto eu compreendi a meninice,

e se hoje sou um velho, uma criança,
dispensas as traquinices de um menino
com todos os contratempos da velhice!

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