CHEGUEI TARDE
Cheguei tarde, bem sei...E após minha chegada
foi que eu vi, afinal, que tu tinhas partido...
Mas teu vulto, distante, em sombras já perdido,
divisar ainda pude, ao longe, pela estrada...
Seguia-te outro vulto, - o alguém desconhecido
que primeiro encontraste em tua caminhada...
Partiste! ...E eras feliz, porque partiste amada,
e eu fiquei, entretanto, infeliz e esquecido...
Já não te vejo mais... Vai distante talvez...
E ainda hoje tenho o olhar na estrada, sem ninguém,
por onde tu partiste, um dia, certa vez...
Fiquei...Curtindo a dor de um destino atrasado...
- Sorrindo, por te ver feliz...Junto de alguém,
- chorando, por não ter mais cedo te encontrado!...
CHUVA
Há tanto tempo que não chove assim!
O dia veste um céu triste e cinzento,
e ouço a chuva a cair como um lamento
no seu rumor monótono... sem fim...
Que estranha sensação de isolamento!
-Nem uma voz ouço ao redor de mim,
escuto apenas lá por fora, o vento
a desfolhar as flores no jardim...
Ninguém ao meu redor... ninguém me fala...
-e me deixo a ficar num tédio imenso,
na tóxica penumbra desta sala...
Que inquietude vazia há dentro de mim!
-Não sei se existo... não sei bem se penso...
Há tanto tempo não chove assim!
CIGARRA MORTA
Vês... É uma cigarra morta, asas douradas
completamente roídas e estragadas,
levada pelas formigas...
Olhaste-me e eu te pude compreender...
Não diga nada, meu irmão, não digas,
- os poetas... as cigarras
não deviam morrer…
CIÚME
Encontro em ti tudo o que imaginara
na mulher, para ser o meu ideal;
- não é só teu olhar, tua voz clara,
e essa expressão que tens, sentimental !...
Nem essa graça ingênua, hoje tão rara,
de quem não sabe onde se encontra o mal,
ou teu riso feliz, que se compara
ao tinir de uma taça de cristal...
É tudo em ti, traço por traço, tudo !
As tuas mãos são rendas de ternura;
teus carinhos, macios, de veludo.
Por isso mesmo é que é maior a dor,
quando amargo a mais íntima tortura
por não ter sido o teu primeiro amor…
COLEGIAL
Gosto de vê-la, assim... Quando à tarde ela vem
fisionomia suave, ingenuamente franca...
Toda a rua se alegra, e eu me alegro também
com o seu vulto feliz: saia azul, blusa branca...
Quantos nadas de sonho o seu olhar contém !
A luz viva do olhar ninguém talvez lhe arranca.
- Gosto de vê-la, sim... E ficam-lhe tão bem
aquela saia azul, e aquela blusa branca...
Azul: - azul é a cor da vida que ela sonha !
E branca: - branca é a cor da sua alma de criança
onde ela própria se olha irrequieta e risonha
Feliz... Não tem presente e ainda nem tem passado...
Só o futuro, - e o futuro é uma imensa esperança
um mundo que ainda fica oculto do outro lado !
CONFIDÊNCIA AMARGA
Ela veio, sentou-se ao meu lado e me disse
em palavras febris, sua história de amor...
Uma história comum, um sonho, uma tolice,
que fizera tão grande e amara com meiguice
a ponto de entregar seu coração em flor...
Falou-me sem sentir, em toda a sua vida
e no amor de alguém que a fez sofrer tão cedo...
Julgava-se infeliz... sozinha... incompreendida,
não sabia a razão por que fora esquecida,
e revelo-me assim seu íntimo segredo...
E cruzou seu olhar tão cheio de amargura
com o meu olhar surpreso, e num tom muito brando:
". . . sei que você é um poeta e aqui estou à procura
de alguém para curar a minha desventura,
meu pobre coração abatido e sangrando . . .
...busquei-o sem cessar... aqui estou quase morta,
arrastando a minha alma após meu desengano,
venho da minha dor, bater à sua porta,
porque sei que você tem a voz que conforta
e pode compreender o sofrimento humano...
. . . conto-lhe o meu romance, a minha vida, e assim
faço-o meu confidente, e o chamo meu amigo...
- não me pergunte nunca as razões por que vim,
apenas sei dizer que escutei dentro em mim
alguém que me mandou aqui, pedir-lhe abrigo...
. . . confesso-me a você, é apenas confissão.
Não quero ser perdoada, e adoro os meus pecado,
espero uma palavra... um pouco de ilusão . . .
- o poeta é um sacerdote, e a sua religião
manda-o para falar de amor aos desgraçados..."
E silenciou chorando. O seu rosto pendeu.
Mortas nas minhas mãos as suas mãos ficaram.
Num segundo, o silêncio a nós dois envolveu,
depois... sentindo a luz do seu olhar no meu,
- contei-lhe a minha história... e outras que me contaram...
Disse de cor também, versos que ainda nem fiz,
e cheguei a inventar contos que nem sei mais,
- com o tempo... o seu sofrer, lentamente desfiz,
e um dia... - ela de novo, erguendo-se feliz
agradeceu, partiu e não voltou jamais...
Ela que me chegou triste como uma palma
curvada - vi seguir sorrindo outro caminho,
tão outra... tão feliz... tão mudada... tão calma
que nem reconheceu que eu lhe dera a minha alma,
o pouco que era meu...e que fiquei sozinho...
...O destino é afinal, irônico e insensível,
tornou-me o confidente da mulher que amei...
E eu para a ver feliz... fiz-me feliz - é incrível...
Sufoquei meu amor... amarguei o impossível...
Mas quando a vi partir, não pude mais, chorei...
Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 1. SP: Ed. Theor, 1965.
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