sábado, 12 de maio de 2018

Trova 301 - Lourdes Gutbrod (Rio de Janeiro/RJ)

Fonte: Facebook (Meus Irmãos Trovadores)

André Kondo (Pequenas Poesias do Dia a Dia)


1
uma folha
brinca sozinha
dando cambalhotas
de outono

2
um semáforo quebrado
piscando amarelo
no cruzamento dos erros
atenção

3
um livro fechado
e nunca lido
na escuridão guarda
iluminados segredos

4
na fotografia da sala
a infância dorme
eterna
e terna

5
um bilhete
na porta da geladeira
aquece a relação:
fiz pudim

6
brancas nuvens
se libertam da paineira
chovendo
úmidas lembranças

7
uma gaiola
vazia
guarda voos

8
uma geladeira aberta
pausa para pensar
geladeira cheia
esvazia a mente

9
uma garrafa vazia
com uma ébria mensagem
jogada ao mar 
em ressaca

10
um menino 
brinca de guerra
enquanto outro de verdade
morre em outro ponto da Terra

Fonte:
André Kondo. Cem pequenas poesias do dia a dia. 
Jundiaí/SP: Telucazu Ed., 2016.

Contos e Lendas do Mundo (Palestina: O Caçador)

Era uma vez um homem quem era caçador, e seu nome era Caçador, também. Um dia, ele estava caçando quando encontrou um cervo. Quando mirou no animal, o cervo desapareceu. Ele mirou novamente e de repente o cervo se transformou num homem. 

Caçador ficou apavorado. O homem chegou perto dele e disse: 

– "Por que você sempre caça cervos e pássaros? Você não sabe que eles têm um dono?" 

– "Eu tenho que alimentar minha família, e esta é sua única forma", replicou Caçador.

– "Qual o tamanho de sua família?" perguntou o homem. 

– "Dois meninos, uma menina, minha mulher e eu", respondeu Caçador, "e isso é o que nos mantêm vivos".

– "Bem", disse o homem, "se eu lhe der dinheiro, você para com isso?" 

– "É claro", disse Caçador, "assim que eu tiver dinheiro, nunca mais caçarei". 

Neste momento, o homem pegou cinquenta dinares e deu-os a Caçador. 

– "Antes que você vá, qual é seu nome?" o homem perguntou. 

– "Sou Caçador, e você?" disse Caçador.

– "Chamo-me Abdala", respondeu o homem, "e eu tenho uma família, como você".

Caçador chegou em casa, limpou sua arma e encostou-a na parede. Ele disse a sua mulher que nunca mais iria caçar e que Deus lhe tinha dado uma fonte de dinheiro. Porém, não muito depois, o dinheiro acabou, e Caçador pegou novamente sua arma e saiu para caçar. Quando ele chegou na mata, encontrou o cervo no mesmo lugar e na mesma hora. Ele mirou, e imediatamente o animal transformou-se em Abdala. 

– "Não tínhamos um acordo?" perguntou Abdala. 

– "Mas o dinheiro acabou", disse Caçador, "e nós quase morremos de fome". 

– "Você vê aquela rocha?" disse Abdala, "Sempre que você precisar de mim, apenas vá até ela e diga 'Ei irmão Abdala', e virei imediatamente." 

Então ele deu ao caçador outros cinquenta dinares.

Caçador voltou feliz para casa. Quando ele deu o dinheiro a sua esposa, ela exigiu saber onde ele o tinha conseguido. Ele disse que tinha encontrado um amigo que lhe prometera ajuda todas as vezes que necessitasse; Caçador somente tinha que ir à  rocha e chamá-lo. 

"Você é um homem pão-duro!" disse a esposa de Caçador, "Você deveria convidá-lo a vir a nossa casa, nós poderíamos comer juntos e reforçar essa amizade." 

Então Caçador voltou à rocha e chamou Abdala. Após se desculpar por não convidá-lo, Abdala insistiu para que primeiro a família de Caçador fosse a sua casa. Após combinarem para às oito da manhã, Caçador voltou para casa para contar à esposa as novidades.

Caçador e sua família compraram um presente e se dirigiram à rocha com as crianças. Quando eles lá chegaram, encontraram Abdala e sua família esperando.
Cada um da família Abdala deu boas-vindas a um membro da família Caçador e eles sacudiram as mãos. Num piscar de olhos, eles estavam num mundo diferente.

A família Abdala preparou um banquete e convidou todos os vizinhos que trouxeram presentes e dinheiro para Caçador e sua família. Após ficarem algum tempo, Caçador e sua família juntaram os presentes e o dinheiro e foram para casa. Eles tinham dinheiro suficiente para construir uma boa casa. Poucos meses depois, num feriado, Caçador foi visitar seu amigo. Quando Abdala apareceu, ele segurou a mão de Caçador e num piscar de olhos, eles estavam um lugar diferente.

Abdala deu mil dinares a Caçador. Caçador pegou o dinheiro e foi para casa. Sua esposa disse que eles tinham o suficiente para casar seu filho mais velho. Eles encontraram uma boa garota para ele e marcaram a data do casamento. É claro que Caçador convidou Abdala e sua família. Abdala disse a Caçador que preparasse uma sala separado para ele e outras vinte pessoas e não deixar ninguém se aproximar deles. 

No dia do casamento, todos da cidade foram convidados e Caçador fez o que Abdala pediu. As pessoas podiam ver Caçador entrar na sala separada com bandejas cheias e sair com elas vazias, sem no entanto poderem ver o que estava lá dentro.

Após todos irem embora, Abdala perguntou a Caçador se eles poderiam dar o presente da noiva, e cada um deu um linda joia. Antes de Abdala ir, ele disse a Caçador que todos estavam convidados para sua casa a semana toda.

Uma dupla de ladrões da cidade sabiam onde a noiva tinha colocado sua caixa de joias, então entraram na casa e levaram. Quando Caçador e sua família voltaram para casa, descobriram o roubo. O Caçador pediu ajuda a Abdala, que o confortou e lhe disse que abrisse novamente a caixa das joias. Ele encontrou o dobro de joias que havia inicialmente. 

Abdala virou-se para Caçador e disse: "Na próxima vez, meu irmão, quando você for nos visitar, nós protegeremos sua casa".

Fonte:

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Célio Grunewald (Jardim de Trovas)


1
A chuva fina não passa!
Quase a medo o sol reluz,
e, nesse instante, a vidraça
chora lágrimas de luz!…
2
À criança eu rendo um culto
que eu não rendo a mais ninguém
pois ela transforma o adulto
numa criança também.
3
A criança quando chora
até no pranto seduz!
É como se a própria aurora
chorasse gotas de luz!...
4
A estrada é longa, é comprida,
é tortuosa demais.
E eu vou dirigindo a vida
sem olhar para os sinais!
5
Ai de quem foge, no mundo,
dos caminhos da verdade
que a fuga dura um segundo
e o remorso... a eternidade.
6
A mulher que eu desejava,
meu sonho de perfeição,
tinha tudo que eu sonhava.
Só não tinha coração!...
7
Anoitece... A Terra dorme.
Há sombras em quase tudo
e uma lua branca enorme
brinca num céu de veludo!
8
Apesar de sempre alerta,
o carapina Marcelo,
quando o dedo, acaso, acerta,
muda o nome do martelo!
9
Caim, irado, inclemente,
no seu despeito profundo,
foi a primeira semente
de toda a inveja do mundo.
10
Choveu... fez sol e, em resposta,
surge um arco de beleza:
festa de luz decomposta
nos prismas da natureza!
11
Comprido, fino, dengoso,
o rio é um traço de prata
que alinhava, preguiçoso,
a saia verde da mata!
12
Com seu açoite, o destino
fustiga os corcéis da aurora
e num carro purpurino
arranca o sol para fora!
13
Desde os tempos de menino,
apesar das restrições,
na cartilha do destino,
vou soletrando ilusões!
14
Dona Benta, a minha sogra,
a mim nunca convenceu:
se foi benta, não me logra,
- o diabo é quem benzeu!
15
Eu venho sempre tentando
ser feliz e não consigo.
O destino anda brincando
de cabra-cega comigo.
16
É verão... no dia enorme
de ar parado e de mormaço,
parece que a mata dorme
e o sol cochila no espaço!
17
Jangada... filhos com fome
e Maria a me esperar.
Senhor Deus, em Vosso nome,
eu lanço as redes no mar.
18
Meu afilhado e sobrinho,
um capeta sempre foi.
Ao dizer: - Bênção, padrinho,
respondo: - Deus te perdoe!...
19
Meu coração tinha fama
de ter um sopro qualquer,
fiz eletrocardiograma
e meu mal era mulher…
20
Minha sogra é macumbeira.
Fez feitiço e acendeu vela.
Me “benzeu” de tal maneira,
que eu casei co’a filha dela!
21
Minha sogra idolatrada
é uma uva, anjo moreno,
mas daria, se esmagada,
em vez de vinho... veneno!...
22
Meu violão, tuas cordas,
dispensam qualquer compasso
se as minhas mágoas acordas
nas serenatas que faço.
23
Minha vida amarga e tosca
parece a aranha que passa
e tenta pegar a mosca
do outro lado da vidraça.
24
Na alvorada loira e mansa,
o sol, em doirado afago,
espanta a lua que dança
na superfície do lago!
25
Na clave do sol crescente,
nas asas da melodia,
a semibreve é semente
que produz a sinfonia.
26
Na eternidade indolente
multiplicam-se as auroras
e o “segundo” é uma semente
na dança eterna das horas.
27
Não chores se na existência
calejaste os ombros nus:
muitas vezes a consciência
pesa mais que qualquer cruz!
28
Não julgues nunca a pobreza,
nem desmereças ninguém
que a porcelana chinesa
saiu do barro também.
29
Não julgues teu inimigo,
não julgues, enfim, ninguém.
Quem julga corre o perigo
de ser julgado também!
30
Nesta casinha modesta
que é coberta de sapê,
imagine só que festa
eu faria com você!...
31
Nos idos da mocidade,
talvez dos sonhos desperto,
rimei amor com saudade
e juro que estava certo!..
32
Num prenúncio de Evangelho,
tu pões, no olhar feiticeiro,
ternura de preto velho
em macumba de terreiro.
33
Os poetas foram criados,
por capricho do Senhor
com seus destinos traçados
por algum lápis de cor!...
34
O tempo, força estupenda,
sempre em cada alvorecer,
abre as páginas da Agenda
para o Destino escrever!...
35
Por mais que a vida nos traia,
multiplique os nossos ais,
nós somos da mesma laia:
dois orgulhosos iguais!
36
Por muito, muito que valha,
nossa vida é, na verdade,
nada mais do que migalha
na mesa da eternidade.
37
Por ter ciúmes da Rita,
em seu lar, temendo um "cacho",
Zé não deixa entrar visita
e nem mamão (quando é macho).
38
Por ver-te com olhos cúpidos,
por querer-te, por amar-te,
na procissão dos estúpidos,
eu fui o porta-estandarte.
39
Quando a tristeza se acalma
e me permite sonhar,
eu abro as vidraças da alma
e deixo a saudade entrar!
40
Quando está junto da cria
que procura agasalhar,
até a fera mais bravia
Possui ternura no olhar!
41
Quanta ternura brotava
daqueles olhos divinos
quando Jesus exclamava:
-Vinde a mim os pequeninos!
42
Que importa se em teu caminho
haja presença da dor?
No ramo, também, o espinho
nasce primeiro que a flor!
43
Regenerei-me, mãezinha,
como você sempre quis.
E a doce mentira minha
fez mamãe morrer feliz.
44
Sabem os sábios profundos,
sabem os crentes e ateus,
que a dissonância dos mundos
tem a regência de Deus!
45
Se rosa branca é pureza
e a pureza é doce e franca,
na terra, tenho certeza,
minha mãe foi rosa branca.
46
Só duas vezes a Estela
traiu o pobre do João:
- uma vez com o sentinela,
outra vez, com o batalhão!...
47
Sol e chuva e, em resplendores,
fez a luz, com seus arranjos,
tobogã de sete cores
para o folguedo dos anjos.
48
Somente o vaqueiro triste
entende de uma só vez
a nostalgia que existe
no mugir de cada rês.
49
Tecendo nuvens de prata,
Dona Lua, tecelã,
para ouvir-me em serenata
ficou até de manhã!
50
Telegrafista do espaço,
o vaga lume reluz
e escreve com ponto e traço
suas mensagens de luz!
51
Teu beijo de despedida
carregou dentro do adeus
os sonhos da minha vida
e a vida dos sonhos meus!
52
Teus olhos, contas divinas,
por falsos, minha alma os teme.
São iguais às turmalinas
no caminho de Pais Leme!
53
Teu sorriso me bastava,
muito embora hoje me baste,
a ternura que faltava
no beijo que me negaste!
54
Todos os picos da serra,
dos Andes aos Pirineus,
são dedos grandes da Terra
mostrando a casa de Deus.
55
Tua ternura é carinho
que não diz nada e diz tudo
pois é tecida de arminho
num coração de veludo!
56
Vai o sol, pintando agora,
na ternura que seduz,
os lábios rubros da aurora
com pinceladas de luz!
57
Veleiro de vela panda,
perdeste o rumo e, a bailar,
vais brincando de ciranda
nas águas verdes do mar.
58
Vi minha sogra, pelada,
saindo do quarto escuro.
Sonambulismo que nada...
Sem vergonhice no duro!…
59
Voltaste enfim e eu confesso
que já prevejo, querida,
na alegria do regresso,
novo adeus de despedida.
___________________________________________________

Célio Belmiro Grunewald nasceu em Juiz de Fora em 1923 e faleceu nesta mesma cidade em 1991. Formado em Ciências Comerciais e Contabilidade, foi funcionário do antigo Departamento de Correios e Telégrafos, por onde se aposentou. Pertencia à Academia Juizforana de Letras, cadeira número 07 (Patrono Oscar da Gama) e à União Brasileira de Trovadores, seção de Juiz de Fora, sendo seu Presidente de Honra.

Publicou, em parceria com outros três poetas, o livro "Quatro Caminhos".  Foi inúmeras vezes premiado em concursos nacionais e internacionais de poesias e trovas.

Fonte Principal:
UBT-Porto Alegre/RS. Arlindo Tadeu Hagen e Célio Grunewald. 
Coleção Terra e Céu vol. LII. Porto Alegre/RS: Texto Certo, 2017.

Stanislaw Ponte Preta (O Grande Mistério)

Há dias já que buscavam uma explicação para os odores esquisitos que vinham da sala de visitas. Primeiro houve um erro de interpretação: o quase imperceptível cheiro foi tomado como sendo de camarão. No dia em que as pessoas da casa notaram que a sala fedia, havia um soufflé de camarão para o jantar. Daí...

Mas comeu-se o camarão, que inclusive foi elogiado pelas visitas, jogaram as sobras na lata do lixo e — coisa estranha — no dia seguinte a sala cheirava pior.

Talvez alguém não gostasse de camarão e, por cerimônia, embora isso não se use, jogasse a sua porção debaixo da mesa. Ventilada a hipótese, os empregados espiaram e encontraram apenas um pedaço de pão e uma boneca de perna quebrada, que Giselinha esquecera ali. E como ambos os achados eram inodoros, o mistério persistiu.

Os patrões chamaram a arrumadeira às falas. Que era um absurdo, que não podia continuar, que isso, que aquilo. Tachada de desleixada, a arrumadeira caprichou na limpeza. Varreu tudo, espanou, esfregou e... nada. Vinte e quatro horas depois, a coisa continuava. Se modificação houvera, fora para um cheiro mais ativo.

À noite, quando o dono da casa chegou, passou uma espinafração geral e, vitima da leitura dos jornais, que folheara no lotação, chegou até a citar a Constituição na defesa de seus interesses.

— Se eu pago empregadas para lavar, passar, limpar, cozinhar, arrumar e ama-secar, tenho o direito de exigir alguma coisa. Não pretendo que a sala de visitas seja um jasmineiro, mas feder também não. Ou sai o cheiro ou saem os empregados.

Reunida na cozinha, a criadagem confabulava. Os debates eram apaixonados, mas num ponto todos concordavam: ninguém tinha culpa. A sala estava um brinco; dava até gosto ver. Mas ver, somente, porque o cheiro era de morte.

Então alguém propôs encerar. Quem sabe uma passada de cera no assoalho não iria melhorar a situação?

- Isso mesmo — aprovou a maioria, satisfeita por ter encontrado uma fórmula capaz de combater o mal que ameaçava seu salário.

Pela manhã, ainda ninguém se levantara, e já a copeira e o chofer enceravam sofregamente, a quatro mãos. Quando os patrões desceram para o café, o assoalho brilhava. O cheiro da cera predominava, mas o misterioso odor, que há dias intrigava a todos, persistia, a uma respirada mais forte.

Apenas uma questão de tempo. Com o passar das horas, o cheiro da cera — como era normal — diminuía, enquanto o outro, o misterioso — estranhamente, aumentava. Pouco a pouco reinaria novamente, para desespero geral de empregados e empregadores.

A patroa, enfim, contrariando os seus hábitos, tomou uma atitude: desceu do alto do seu grã-finismo com as armas de que dispunha, e com tal espírito de sacrifício que resolveu gastar os seus perfumes. Quando ela anunciou que derramaria perfume francês no tapete, a arrumadeira comentou com a copeira:

— Madame apelou para a ignorância.

E salpicada que foi, a sala recendeu. A sorte estava lançada. Madame esbanjou suas essências com uma altivez digna de uma rainha a caminho do cadafalso. Seria o prestigio e a experiência de Carven, Patou, Fath, Schiaparelli, Balenciaga, Piguet e outros menores, contra a ignóbil catinga.

Na hora do jantar a alegria era geral. Mas restavam dúvidas de que o cheiro enjoativo daquele coquetel de perfumes era impróprio para uma sala de visitas, mas ninguém poderia deixar de concordar que aquele era preferível ao outro, finalmente vencido.

 Mas eis que o patrão, a horas mortas, acordou com sede. Levantou-se cauteloso, para não acordar ninguém, e desceu as escadas, rumo à geladeira. Ia ainda a meio caminho quando sentiu que o exército de perfumistas franceses fora derrotado. O barulho que fez daria para acordar um quarteirão,quanto mais os da casa, os pobres moradores daquela casa, despertados violentamente , e que não precisavam perguntar nada para perceberem o que se passava. Bastou respirar.

Hoje pela manhã, finalmente, após buscas desesperadas, uma das empregadas localizou o cheiro. Estava dentro de uma jarra, uma bela jarra, orgulho da família, pois tratava-se de peça raríssima, da dinastia Ming.

Apertada pelo interrogatório paterno Giselinha confessou-se culpada e, na inocência dos seus 3 anos, prometeu não fazer mais.

 Não fazer mais na jarra, é lógico.

Fonte: 
Stanislaw Ponte Preta. “Primo Altamirando e Elas”, 
Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1961

quinta-feira, 10 de maio de 2018

Trova 300 - João Paulo Ouverney (Pindamonhangaba/SP)

Fonte: Facebook (Meus Irmãos Trovadores)

Arnaldo Forte ((Livro D'Ouro da Poesia Portuguesa vol. 2) II

ENVOLTA NO "MANTON" DAS ROSAS VERMELHAS...

Hás de ser minha, eu quero, é quanto basta!
Um dia, quando for, não o procuro.
E é o desejo ardente que me arrasta,
Aquel' que há de fazer vibrar-te, eu juro!

Um dia, quando for... hei de deixar
Nos seios que tu tens, beijos aos molhos!
Nodoas de lírios roxos a sangrar...
E olheiras cor da noite nos teus olhos!

Não tenhas ilusões! Nunca a tua Raça
Me vencerá a mim por mais que faça!
Quero-te. Eu sinto a ânsia de beijar!

Queimada pelo fogo dos meus beijos
Heide sentir-te louca de desejos...
Um dia, quando for... sem eu te amar!

NA PRAIA-MAR DO SONHO

Decerto tu já viste ao sol-poente,
O mar beijar a areia de mansinho.
Parado, a olha-la docemente,
Num grande sonho, louco, de carinho.

Depois é densa a treva. O mar é louco.
E briga com a areia, encapelado.
Embravecido cansa, e pouco a pouco,
Soluça a grande dor dum revoltado!

Assim, houve luar e noite escura,
Naquela doce noite de amargura,
Mistério indefinido que profundo!

Assim, é a tu'alma p'ra minh'alma,
--Ó minha maré-viva e maré-calma,
Do grande mar, da Dor em que me afundo!

A MÁSCARA LOIRA

Ó minha viciosa, estérica e perversa,
De linhas sensuais; teu corpo eterizado,
Tem frases de requinte, em lubrica conversa!
Tem lume de cigarro, loiro e opiado!

Teus olhos a boiar, são taças d'absinto.
E a tua silhuete loira e desgrenhada,
Tem risos de cristais partidos, que eu bem sinto,
Em noites de volúpia, á luz da madrugada!

Á noite, as tuas mãos, são gumes de punhal,
Depois de terem morto - alguém sem fazer mal...
Tua voz é o Fado... eu ouço-o quando passa!

No Mundo és o Drama, a Farsa, és a Comedia!
Ás vezes também és - palhaço - na Tragédia!
És a figura loira e linda da Desgraça!

ABANDONO

Decerto tu sentiste o abandono,
Que vai acompanhando o sol-poente,
Nas tardes tristes, lividas, do outono,
E quando chora o coração da gente!

Tardes pedindo ao sol a Extrema-Unção,
Numa ancia doentia de mais luz!
Decerto tu sentiste a sensação,
De ajoelhar-se em frente d'uma cruz!

Tu entraste á tarde na Igreja,
Á hora de rezar's - bendita seja,
A cor tão doentia do Outono!-

Tudo sentiste... e os olhos rasos d'água!
Que pena não sentir's a minha mágoa!
A vaga incompreensão d'este abandono!

13 LÍRIOS

Atei-os com os fios d'oiro daquela taça de
crystal «bohème» que partiste...

Encheste a minha vida d'amargura.
Encheste a minha vida de martírios.
Enchi a tua vida de ternura,
E vou encher o teu coval de lírios.

São 13 os lírios roxos que levei.
- Meus versos de saudade são p'ra ti.
Amor, num dia 13 te encontrei!
Num dia 13, Amor, eu te perdi.

Meu doce Amor perdido... hei de te ver,
Na luz que tem o céu amanhecer,
Na cor do sol-poente em que reparo!

E o nome que tiveste, ó loira e linda,
Que certa rosa branca fala ainda...
Será p'la vida fora o meu amparo!

Fonte:
Arnaldo Forte. 13 Sonetos. Lisboa: Edição do Autor, 1921

Malba Tahan (A Noiva do Xeique)

No dia em que meu pai deliberou casar-me com o xeique Ornar Bahil, assaltou-me um desespero sem limites. Triste destino o de tornar-me esposa do homem mais odiento da cidade!

A velha Zenuja, vendedora de perfumes, tintas e colares, que vinha diariamente ao nosso harém (1), vendo-me aflita e chorosa, perguntou-me, penalizada, qual a causa daquela angústia que pesava sobre mim.

Ao saber da triste verdade exclamou, exaltada:

— Não é possível, Jamile querida! Por Maomé! Não poderás te casar com esse velho Bahil, feio e perverso! Seria um crime!

— Nada poderás fazer em meu favor, Zenuja! — respondi, desolada. — Meu pai é teimoso e, além do mais, conta desde já com o valioso dote que o cheique prometeu.

Zenuja, depois de meditar um momento, perguntou-me muito séria:

— Dize-me uma coisa, ó Jamile. O xeique já viu alguma vez o teu rosto mimoso?

— Nunca, ó Zenuja! Nunca! Meu pai foi o único homem que até hoje me viu de rosto descoberto.

A velha fitando-me severa insistiu:

— Só teu pai, menina? Só teu pai?

Afligindo-me o remorso e o receio de ocultar a verdade balbuciei envergonhada:

— Meu pai e... aquele jovem mercador que viste há três dias acenar para mim à entrada do cemitério!

— Está bem Jamile! Pelas barbas do Profeta! Se assim é poderei salvar-te do xeique. Exijo apenas uma condição: Ficarei encarregada de preparar-te para a noite de teu casamento. Tranquiliza o teu namorado para que ele não faça alguma loucura e deixa o resto por minha conta. — E, sorrindo, cheia de orgulho, acrescentou:

— Estou certa de que o xeique irá desfazer o compromisso de casamento!

Confiei cegamente na velha amiga e a ela entreguei a minha sorte. Preocupava-me, entretanto, de modo impressionante, o meu próximo casamento. Que artifício iria empregar a astuciosa Zenuja para afugentar de mim o noivo detestável?

Informei, nessa mesma tarde, o meu namorado de tudo que se passava no harém e aguardei serenamente o dia indesejável de minhas núpcias.

Nesse dia a nossa casa encheu-se de parentes e convidados. Do meu quarto ouvi as risadas dos amigos de meu pai que comentavam futilidades e relembravam as pequeninas intrigas da cidade.

Dezenas de amigas vieram admirar as peças mais ricas de meu enxoval, as rendas, as toalhas e os véus. As vizinhas, sempre indiscretas, bisbilhotavam tudo.

A velha Zenuja, duas horas antes da cerimônia, apareceu no seu papel de “encarregada da noiva”. Vestiu-me uma camisa branca com pequeninas flores bordadas e uma graciosa melahfa (2) de cor clara, que se prendia aos ombros por fitinhas cor-de-rosa. Zenuja teve, ainda, ao pentear-me, cuidados especiais, e em meus cabelos que, na véspera, tingira de castanho-escuro, colocou uma meherma (3) de seda vermelha com barras brancas. O meu vestido azul-claro, com fios de ouro nas mangas e nas pontas da cambusa (4) era, na verdade, encantador.

A habilidosa Zenuja modificou, com uma tinta muito forte, a cor das minhas sobrancelhas; transformou os meus lábios em dois rubis únicos e tentadores; e, com um creme muito fino e perfumado, chegou a fazer-me morena como Fátima e muito mais belo do que eu era realmente.

Ao ver-me, tão formosa, ao espelho, exclamei:

— Pela glória do Profeta, ó Zenuja! Este alindamento que a tua arte incomparável me empresta ao rosto vai ser a causa de minha desgraça! O cheique ao ver-me assim ficará apaixonado e jamais quererá deixar-me!

— Cala-te, menina! O teu nome é Jamile e “Jamile” significa beleza! Tens que parecer bela ao teu esposo, pois só assim poderás ficar livre dele.

Essa velha está louca, pensei, horrorizada. Julga afugentar um noivo enchendo de encantos a noiva desejada. Pobre de mim! Para que fui eu confiar nessa criatura sem senso nem critério?

A minha escrava predileta cantava, numa cadência triste:

— Allah é grande! A menina vai casar...

O henné (5) é raro na casa da noiva...

A mãe saudosa deixa-se estar no tamená.

E reza ao Profeta...

— Para com essa cantoria! — gritou Zenuja, irritada.

 E com a ponta escura de um pequenino bastão fez um sinal negro bem no meio de minha face direita. Era o último retoque à maquilagem.

Com o rosto coberto por um espesso véu fui levada à presença do cádi (6) e das testemunhas.

Realizado o casamento e proferidas as preces do ritual, o meu noivo conduziu-me aos aposentos que já estavam reservados.

Notei que o cheique parecia dominado por uma ansiedade infinita, incalculável. E era natural. Qual é o marido que não deseja ver o rosto encantador daquela que vai ser sua esposa?

Ao erguer o véu o cheique ficou trêmulo, tomado de indizível espanto. O meu semblante, que a velha Zenuja tanto aformoseara, parecia causar-lhe uma impressão terrível e dolorosa.

— Por Allah! — vociferou cheio de incontida cólera. — Teu pai garantiu-me que não eras trigueira e que os teus cabelos eram castanhos-claros! É horrível! Vejo que és muito diferente daquela que eu imaginava!

E, arrebatado por um rancor inexplicável, exclamou como louco:

— Oh! Jamile! Nosso casamento é impossível! Eu te repudio três vezes! (7)

Com essa terrível declaração o meu tresloucado marido desfazia, para sempre, o nosso casamento e tornava-me livre, não podendo mais exigir a restituição do dote que já havia pago a meu pai.

A velha Zenuja não pôde receber de mim os agradecimentos do que se fizera merecedora, pois, apareceu morta, no dia seguinte, sob as tamareiras do oásis de Asbor.

Três meses depois, passada a impressão causada pelo escândalo do meu divórcio, casei-me com o jovem mercador que o meu coração elegera para meu esposo.

Um dia meu pai perguntou-me:

— Que ideia foi aquela, minha filha, de fazeres-te, na noite de teu casamento, parecida com Zobeida, a primeira esposa do cheique? Não sabias, então, que ele, preso por um juramento, estava impedido de casar-se com mulher que se parecesse com Zobeida?

Essa pergunta veio esclarecer, para mim, o misterioso episódio do meu divórcio. A velha Zenuja conhecia o segredo do cheique e valeu-se disso para salvar-me.

E ainda hoje, nas preces que faço, rogo ao Altíssimo que tenha em sua eterna paz a bondosa e fiel Zenuja, minha amiga e salvadora.

Uassalã!
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Notas:
1 Harém — Parte da habitação destinada exclusivamente às mulheres.

2 Melahfa, peça do vestuário feminino de uso corrente em Marrocos. É uma espécie de corpinho. 

3 Meherma, véu muito fino que as Jovens adotam para prender o cabelo. 

4 Cambusa, espécie de saiote que fica sob o vestido com a barra aparecendo.

5 Henné — substancia empregada para pintar as pálpebras e as sobrancelhas; tamená, varanda da casa.

6 Cádi — Juiz entre os muçulmanos. Julga, em geral, todas as causas de direito civil, criminal e religioso.

7 Repudiar 3 Vezes – Segundo as instituições muçulmanas, quando um marido repudia a esposa uma ou duas vezes, pode recuperá-la, sem mais formalidades, ao fim de três meses e dez dias; quando, porém, o repúdio é feito pela terceira vez, ou mediante a fórmula: — “Eu te repudio três vezes” — o casamento está definitivamente rompido e o ex-marido não pode contrair novo casamento com a mesma mulher, senão depois de se ter ela casado com outro homem e pelo novo marido ter sido, igualmente, repudiada.

Fonte:
Malba Tahan. Minha Vida Querida.