sábado, 6 de abril de 2024

Vanice Zimerman (Tela de versos) 32

 

Geraldo Pereira (Adeus à Torradeira)

Mudou a paisagem noturna do meu entorno. Depois que o governo fez as recomendações para a economia de energia, apagaram-se as luzes que sempre brilharam nos apartamentos da vizinhança. Ninguém dorme mais com a lâmpada do banheiro acesa e não há claridade nos salões de festas, sequer a sonoridade costumeira das sextas ou dos sábados, quando Nelson entoava a toada da normalista e Gonzaga repetia a sina da Asa Branca. Calaram-se os poetas do verso popular. A mocinha que ia até tarde em seu computador, por certo que trocando juras de amor num chat qualquer, tirou da tomada o equipamento e sentou-se na praça em frente – um refúgio como me ensinaram –, pra fiar conversa, cara a cara, com o pretendente de ocasião. A outra, de quem só divisava a silhueta, dispensou o namorado que lhe abraçava às claras no quarto de dormir. Nem só de pão vive o homem, refletiu!

E agora? É ver para crer! Anda-se dentro de casa tateando as paredes, batendo aqui e peitando ali, contanto que se possa alcançar os 20% dos interesses estatais. O vidro espesso da mesa da sala fere a perna do primeiro incauto que tropeçar. Se o jarro de porcelana fina tombar de seu suporte – Valha-me Deus! – a bronca vai ser grande! Na cozinha estão interditados o forno de microondas e a lavadora de louças. Não adianta querer se livrar dos pratos sujos de domingo e das xícaras de café ainda com açúcar. Melhor segurar a bucha e pingar o detergente colorido, esfregando até à limpeza completa. Na área de serviços há uma máquina de lavar roupa recentemente comprada, de moderno desenho, diferente da anterior, por isso não se presta ao uso como mesinha para ler jornais. De uma vez todas as calças, camisas, vestidos e blusas serão submetidos à água corrente e ao sabão em pó!

Ar condicionado virou luxo, ligar, de forma alguma! O tempo não volta, mas quando menino dormia de pijama, cujo paletó tinha as mangas compridas e não havia no comércio sequer ventilador, senão umas peças enormes, pesadas, para uso comercial. Acordava, todos os dias, molhado em suor, sem dispensar, todavia, os sonhos e os devaneios, vez ou outra um pesadelo rolando pela escada de casa, de dezessete degraus contados e recontados na infância. O chuveiro elétrico virou enfeite, o banho frio, gelado tantas vezes, volta ao cotidiano de toda gente ou a chaleira fervente será resgatada de um exílio de muitas décadas. Era assim no passado, com os temores maternos intervindo no higiênico exercício dos filhos, sob a constante ameaça de gripe. A ama cuidava de enxugar a meninada e às vezes excedia-se em cuidados com certas e detalhadas partes do corpo. 

A torradeira de pão, que faz reviver o sanduíche da Confiança, com o queijo se derretendo na massa de trigo espremida, está suspensa, relegada ao segundo plano dentre os equipamentos de cozer e assar. Uma vez na semana o ferro será ligado e quente, bem quente, há de engomar as roupas todas. Difícil conseguir do pretérito o velho equipamento de cor preta, que esquentava à força das brasas postas no interior, tiradas do fogareiro a carvão com o pegador a isso destinado. A lavadeira, como se dizia ou a engomadeira, como também se falava, passava peça por peça, cuidadosamente, borrifando água com a mão, mesmo. O terno de linho branco de meu pai precisava da goma para ficar mais encorpado e, sobretudo brilhar à luz do sol. Os vestidos de minha mãe, de igual forma, pois que seriam usados em recepções a que comparecia ou nas festas de Isnar de Moura, jornalista do batente.

Sou nascido no blecaute da guerra, fui amamentado na escuridão e nos primeiros anos de vida quase não via luz elétrica acesa, por essa e por outras, não me incomodarão os dias do porvir, condenados à negritude da noite. A lua há de alumiar dos céus os caminhos e as estradas, enfeitiçar os casais enamorados e inspirar os poetas que sofrem com a perda dos amores vividos. O sol há de raiar todas as manhãs, embalando o sono das madrugadas, despertando os homens de boa vontade para o trabalho e as crianças que de má vontade vão às escolas e têm raiva de quem inventou o estudo. Os postes de Casa Amarela, que não se apagam com a claridade, servirão de mote à oposição municipal. E outra vez o acendedor de lampiões que meu pai conheceu – Boca de Uruá – na cidade em que nasceu, passará com o seu bordão apagando a luz!

∗ Texto escrito durante um tempo de racionamento elétrico no Recife, por conta da falta de chuvas nas cabeceiras do rio São Francisco, de cujas cachoeiras a energia provém.

Fonte: Geraldo Pereira. Fragmentos do meu tempo. Recife/PE. Disponível no Portal de Domínio Público

Antero Jerónimo (Poemas avulsos) 2



Na árvore sagrada
mágica mística
berço da Criação
lugar singular
o combatente abrigou a sua fé

Ali, em partidas e chegadas
milhares depositaram as suas preces
invocando o seu deus
orando pelos seus
e pelos irmãos da guerra
que regaram de sangue a vermelha terra

Quão grande 
pode ser a fé do Homem.
Crê-se que a árvore
é uma ponte para o céu.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

FIGURA SEM ESTILO 

Ia eu pela rua, figura de estilo na lua
Sem siso, piso o piso molhado, mas que aliteração 
Escorrego numa inadvertida metáfora 
Por pouco não me estatelava no chão.
Podem pensar que é uma hipérbole 
Mas acreditem que não é exagero não 
É que até os pombos se riram
Na sua mais astuta personificação.
O meu joelho é que gemeu coitado
Desesperado com tanta falta de jeito
Pobre de mim, figura sem estilo.
Num mundo sem tino, valha o eufemismo
Um mundo que tropeça à beira do abismo.
Muito eu poderia discorrer sobre o assunto 
Mas já chega desta conversa fiada
As palavras são como as cerejas, valha-nos a comparação
Ainda bem que tive o bom senso, de não usar paralelismos nesta descrição.
Sacudo das vestes toda a ironia
E siga, pronto para mais um dia!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Há tanto amor
Na beleza de uma fotografia 
Nos momentos registados em partilha e sintonia 
Como poemas protegidos numa gaveta de afetos

Há tanto amor 
Em momento que suspira pela companhia
Pela palavra que serena, que só acrescenta
Que afasta julgamentos nas noites em que o sono não vence

Há tanto amor 
No repetir da palavra bendita 
No gesto simples que se torna intimidade 
Verdade de amar em descompassado palpitar.

Há tanto amor 
No sentimento que não deve julgar
Na grandeza de um todo insuficiente 
Num libertar que vai além da compreensão.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

PAZ 

Vem de dentro para fora
caminho seguro de pés descalços
imune aos cardos crescendo descontrolados
Sábio silêncio do homem que não cala a voz
isolado de guerras inúteis 
ecos de palavras ocas 
Nobre missão em cruzada atemporal
na luta sem decreto nem cartel
contra o inimigo invisível e cruel
Tecida pelos mais alvos fios solidários
jardim cultivo de amor e justiça, onde
nardos de esperança florescem no mais pleno viço
Só na presença da tua asa suprema
se tranquiliza da desordem o meu coração.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

RECOMEÇO

Trazes pombas na brancura das tuas mãos
Feridas por cicatrizar no peito dilacerado
O mar dos teus olhos fala de promessas e sonhos adiados
Candura do rosto emoldurando a beleza 
dessa fragilidade acesa e delicada.

Ofereço-te a frescura desta terna flor 
para que possas guardar em mim todos os segredos
Encontrar um abraço no sorriso dos meus olhos
E a coragem renovada de um novo recomeço.

Em cada manhã
Por cada suspiro de primavera
Me desassossegues com o ouro da tua luz
Sussurres brisas acordando a nossa paixão
Rasgando as densas sombras
E eu renascerei ao extinguir-me em ti.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Saber da água a sede 
Saber do pensamento a fonte
Saber do amor a dor
Saber da beleza a forma
Saber do sentir a razão 
Saber de ti a emoção 
Saber do abraço o alento
Saber da vida o propósito.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Tenho tantas perguntas 
O tempo dá-me as respostas possíveis 
Não necessariamente aquelas
Que mais gostaria de escutar 
Sinto-te e quero-te...
Um querer tão forte que provoca um aperto
Nesta ambivalência onde me sou inteiro
E onde também estás em completude.
Confio no universo 
Num caminho de sinais
Acreditando que nem tudo tem resposta plausível 
Sei que algo virá 
Que em momento certo acontecerá 
Desejos abraçados, corpos unificados
Um sentimento único, não mensurável.
Quero-te tanto
Nesta consciência que dói
Nesta realidade de saber que preciso 
Libertar as asas da tua felicidade.

Fonte: Na pele do sentir. Facebook do poeta

Vasco de Castro Lima (Como fazer um soneto) = parte 3

20 - Eximir-se de enxertar no verso consonâncias ou palavras inúteis, com o fim exclusivo de ajudar a métrica. É a chamada cunha ou cavilha:

“Teu coração – um rubi –
teu coração de menina...” (Osório Duque Estrada)

“Por ti, meu pobre irmão – extinta palma –
chora minha arte pelos olhos da alma”. ( Luís Carlos)

Que seja o nosso amor – sidério mito! –
o límpido turíbulo das dores”. ( Cruz e Sousa )

21 - Os versos “agudos” não têm a suavidade dos versos graves. É quase sempre monótona, e até insuportável, uma composição poética, notadamente um soneto, que só tenha versos agudos. Quanto aos versos “esdrúxulos”, devem ser empregados com moderação. Mas, os agudos e os esdrúxulos têm meios de conseguir efeitos propícios quando combinados com os versos graves.

22 - Não consentir que sejam agudos os versos ímpares dos quartetos, principalmente quando são graves ou esdrúxulos os versos pares.

23 – Nos decassílabos, preferir as estrofes “heterorrítmicas”, ou seja, intercalar, habilmente, versos com a 6ª sílaba tônica (decassílabo “heróico” ) e versos com a 4ª e 8ª sílabas tônicas (decassílabo “sáfico” ). Essa maneira de agir impede a monotonia.

24 – O verso alexandrino, entretanto, por ser o dodecassílabo clássico, o verdadeiro, o legítimo, não deve abdicar de sua origem, composto de dois versos de seis sílabas (hemistíquios).

25 - O poeta, ao expressar os seus sentimentos, não pode esquecer-se de que, no uso adequado das letras consoantes e vogais, principalmente destas, reside um dos segredos de seu êxito de artista do verso. Deve jogar com 3 ou 4, e até com 5 vogais, em cada verso. Não repetir, se possível, no mesmo verso, as vogais das pausas métricas. Os melhores versos são aqueles em que existe maiores variedades de vogais, como:

“Rugindo estoura o mar em brumas serras”.
“Nize formosa como as garças pura” .

26 - É imprescindível que as expressões estejam coerentes com as ideias, de modo que umas e outras tenham correlações exatas, caminhando par a par, até atingirem o alvo pretendido, que é, inclusive, o sonhado “fecho de ouro”. “Cada palavra é uma ilha, de forma que o poema todo seria um arquipélago mantido coeso pelo fecho de ouro pretendido, como se este fosse a água que circula por entre as ilhas, ligando-as em vez de separá-las”. (Massaud Moisés)

27 – Sobre “forma” e “imaginação”, diz Júlio Dantas:
“Em geral, os poetas ingênuos, confiando nos acasos da inspiração e da rima, começam a escrever os seus versos antes de os ter pensado. Nas composições soltas não tem isso maior importância; no soneto, porém, é preciso aproveitar bem os 14 versos de que se dispõe, dizendo “tudo” o que se tem de dizer, mas “só” o que é indispensável dizer-se. Portanto, tem que se pensar bem no soneto antes de principiar a escrevê-lo. São impossíveis as divagações e a multiplicidade de motivos dentro do soneto clássico. Temos que limitar-nos a uma só idéia, a um só motivo”.

28 – Diz ainda Júlio Dantas:
“ A maior dificuldade dos sonetos está nas rimas iguais dos quartetos. É preciso que essas rimas sejam muito bem combinadas, muito bem escolhidas para que não se sinta o esforço do poeta e os versos corram límpidos, naturais, fluentes, sem transposição, sem divagação, cingindo sempre de perto a linha vertebral do assunto. É, em geral, no 2º quarteto que os poetas inexperientes fraquejam por que não se lembram, ao rimar o 1º, que têm de procurar rimas iguais para o 2º. Então, resolvem-nas como podem, tateando, perdendo terreno lançando mão das rimas forçadas, afastando-se da idéia diretriz. O 2º quarteto é a pedra de toque dos sonetistas. convém pensar sempre nele , ao escrever o primeiro”.

29 - Lembrando sempre que nas terminações proparoxítonas e paroxítonas, as sílabas após a sílaba tônica são “mortas”: esdrú(xulo) – cá(lido) - memorá(vel) – ama(da) – passa(do) – Que a métrica estabelece dez sílabas em cada verso ( menos as sílabas “mortas”) e a tonicidade deve recair na 6ª e na 10ª sílaba final (sem contar as sílabas “mortas”).

EXEMPLO PRÁTICO

O AMOR NÃO É AMADO

Es/se/ nos/so a/mor/ des/mi/o/la(do) (9 síl.-últ. morta)
que as/su/me o/ con/tro/le/ do/ vi/ver (10 síl.)
é o a/mor/ mas/ não/ é/ a/ma(do) (8 síl. últ. morta)
é/ ú/ni/co/, mais/ meu/ que/ de/ vo/cê (10 síl- tonic. na 6ª e 10ª síl – rima em er)

Cres/ceu/ em/ mim/ so/zi/nho/ , de/sas/tra(do) (10 síl – tonic. 6ª e 10ª - últ. morta – ok)
crei/o/ que/ tam/bém/ em/ ti/ há/ de/ cres/cer (11 síl.)
pa/ra/ tor/nar-/se/ mes/mo/ en/con/tra(do) (10 síl – ton. 6ª e 10ª síl – últ. morta –ok)
den/tro/ do/ pei/to/ meu/, do/ teu/ que/rer (10 síl- tonic. 6ª e 10ª - ok)

Ca/so/ não cres/ça/, fi/co/ de/so/la(do) (10 síl-tonic. 6ª e 10ª - últ.morta – ok)
per/co o/ con/tro/le e/, de/so/ri/en/ta(do), – (10 síl-últ.morta- ton. 6ª e 10ª -ok)
lu/to/ por/ e/le só/ pra/ so/bre/vi/ver (11 sílabas)

Se e/le fo/ge/, não/ sen/do/ mais/ a/cha(do),(10 síl. ton. 6ª e 10ª- últ. morta-ok)
o/ meu/ so/zi/nho/ fi/ca ar/ra/za(do) – (9 sílabas – últ. morta)
não/ sen/do a/ma/do é/ a/mor/ sem/ ser (9 sílabas)

PODERIA SER DESTA FORMA

Nosso amor sem juízo, esmiola(do),
que assoberba o controle do viver,
é  amor sem amor, sem ser ama(do),
é único, só meu, a me envolver.

Cresceu em mim sozinho, desastra(do),
e um dia, creio, em ti há de crescer
para tornar-se o mesmo que é encontra(do)
dentro do peito meu, do teu querer.

caso não cresça, fico desola(do),
perco o controle e, desorienta(do),
por ele luto , pra sobreviver.

Se ele foge, não sendo mais acha(do),
o meu, sozinho, fica amofina(do),
não sendo amado, é como amor sem ser.

Fonte: Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.

Recordando Velhas Canções (O cio da terra)


Chico Buarque e Milton Nascimento

Debulhar o trigo
Recolher cada bago do trigo
Forjar no trigo o milagre do pão
E se fartar de pão

Decepar a cana
Recolher a garapa da cana
Roubar da cana a doçura do mel
Se lambuzar de mel

Afagar a terra
Conhecer os desejos da terra
Cio da terra, a propícia estação
E fecundar o chão
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

A Celebração da Agricultura e Fertilidade em 'O Cio da Terra'
A música 'O Cio da Terra', composta por Chico Buarque, é uma obra que exalta a agricultura e a relação simbiótica entre o homem e a terra. A letra utiliza uma linguagem poética para descrever o processo de cultivo e colheita, metaforicamente associando-o ao ato de amor e à fertilidade.

No primeiro verso, 'Debulhar o trigo', o ato de separar os grãos da espiga é apresentado como o início de um processo que culmina no 'milagre do pão', uma referência à transformação do trigo em alimento essencial. A repetição do verbo 'recolher' enfatiza a importância da coleta e do aproveitamento integral dos frutos da terra. A menção ao 'fartar de pão' simboliza a satisfação e a abundância resultantes do trabalho árduo.

A segunda estrofe segue a mesma estrutura, mas foca na cana-de-açúcar, cuja 'garapa' é transformada em mel, outra metáfora para a doçura e recompensas do trabalho com a terra. O último verso, 'E fecundar o chão', remete ao 'Cio da Terra', que é o momento propício para o plantio, quando a terra está mais receptiva e fértil, pronta para ser 'afagada' e 'conhecida' em seus desejos. A música, portanto, celebra o ciclo agrícola e a conexão entre o homem e a natureza, reconhecendo a terra como uma entidade viva e generosa.

Prêmio Açorianos de Literatura (Vencedoras)

Edição: Vitor Diel

Premiação foi marcada pela autoria de mulheres na maior parte das categorias

Ocorreu na noite de terça-feira, 2 de abril, a partir das 20h10, no Teatro Renascença, em Porto Alegre, a cerimônia de premiação do Açorianos de Literatura de publicações lançadas no último ano. Foram anunciados os vencedores de nove categorias, além dos prêmios especiais e Livro do Ano.

Os destaques especiais foram concedidos a Rafael Guimaraens, pelo conjunto da obra, além de Maria Eunice Moreira, José Hildebrando Dacanal, Luciano Alabarse, Arthur de Faria, Grupo Zaffari e Luiz Coronel, todos por suas contribuições à literatura.

Confira abaixo os vencedores de cada categoria e Livro do Ano.

Categoria Infantil
Diário das coisas impossíveis
Paula Schiavon
Livraria da Matriz

Categoria Infantojuvenil
A curiosa loja dos objetos incompletos
Cláudia Sepé
Editora Boaventura

Categoria Dramaturgia
Liberdade
Coletivo As dramaturgas
Concha

Categoria Crônica
Wolfsegg, Rio Grande do Sul
Luiz Maurício Azevedo
Figura de Linguagem

Categoria Conto
A língua da medusa
Gabriela Leal
Editora Zouk

Categoria Poesia
As montanhas seguem lá
Giulia Barão
Editora Urutau

Categoria Ensaio de Literatura e Humanidades
Um itinerário íntimo pela psicanálise lacaniana
Luciano Mattuella
Editora Zouk

Categoria Especial
Jurema Finamour: a jornalista silenciada
Christa Berger
Editora Libretos

Categoria Narrativa Longa
A mulher que atravessa a ponte
Ana Cardoso
Editora Zouk

Livro do Ano
Liberdade
Coletivo As dramaturgas
Concha

Fonte> Literatura RS, 3 de abril de 2024.
https://literaturars.com.br/2024/04/03/confira-as-vencedoras-do-premio-acorianos-de-literatura/

sexta-feira, 5 de abril de 2024

José Feldman (Analecto de Trivões) 25

 

George Abrão (Virado de feijão com café)

Nunca gostei de postar fotos ou de relatar aqui o que como ou bebo (também nada tenho contra quem o faz). Mas hoje não resisti, acabei de comer um virado de feijão, bem soltinho, acompanhado de café (sem leite) bem forte e doce. Quem nunca provou, não sabe o que está perdendo, é como diz o goiano: “É bom demais da conta! ”, ainda mais com esse tempo chuvoso aqui de Maringá. 

Falando em chuva, não entendo o porquê, mas parece que a chuva abre (mais) o nosso apetite e nos faz lembrar de coisas boas para comer, como bolinho de chuva (óbvio), bolo de fubá (gosto mais do farelo que fica no prato do bolo do que do próprio), pamonha doce, arroz-doce com canela e outras tantas guloseimas que povoaram a nossa infância.

Ah, infância! Quando eu era pequeno, lá na doce e bela Jaguariaíva, nós morávamos em uma casa onde na cozinha (é claro) havia um grande fogão de lenha, daqueles que têm uma plataforma na enorme boca para se colocar toros maiores de lenha. Pois bem, no inverno fazia muito frio pela manhã e, antes de irmos para a escola (a minha era o belo e saudoso Grupo Escolar “Izabel Branco”), minha mãe, dona Sara, fazia uma grande panela de virado de feijão para comermos em prato de ágata, acompanhado de café. Eu me sentava bem junto ao fogo, colocava os meus pés na beirada da plataforma para a lenha e mandava ver o delicioso virado (comido com colher), bebia uma “canecona” de café, e estava pronto para o que desse e viesse, estava pronto para a vida.

Isto posto, quem nunca comeu virado de feijão bem soltinho acompanhado de café (preto) bem forte e doce, ainda dá tempo, é só ir à cozinha e preparar.

Fonte> George Roberto Washington Abrão. Momentos – (Crônicas e Poemas de um gordo). Maringá/PR, 2017. Enviado pelo autor.

Baú de Trovas 83


Se uma lágrima falasse,
certamente nos diria:
— Prefiro correr na face
de quem chora de alegria.
Admerval Silva de Souza
= = = = = = = = = 

Num mundo de falsidade,
mergulhado em amargura,
eu fiz da minha saudade
um poema de ternura.
Aída Rodrigues Frango
= = = = = = = = = 

Deus sempre, para que o louvem,
dá certas compensações:
— É surdo? Mas é Beethoven!
— É cego? Mas é Camões!
Aires de Montalbo
= = = = = = = = = 

Ciúme é zelo... é cuidado...
é multo egoísmo, também:
confiar, desconfiado...
de quem a gente quer bem!
Alberto Goulart Wucherer
= = = = = = = = = 

Nem toda estrada é galante,
sem pó, sem pedra ou espinho.
— Também nem todo viajante
merece melhor caminho...
Alcy Souto Maior
= = = = = = = = = 

Meu amor, minha alegria,
perguntas o que é sofrer!
Sofrer é passar um dia
inteirinho sem te ver.
Antônio Ribeiro
= = = = = = = = = 

Nas noites claras de maio,
eu sinto, nitidamente,
que a saudade é como um raio
de luar, dentro da gente…
Aparício Fernandes
= = = = = = = = = 

Tu vais ao rio sozinha,
teu lindo corpo banhar!
Cuidado, minha louquinha,
o rio quer te levar!
Artur Ragazzi
= = = = = = = = = 

Ah! — exclama o velho juiz
de rosto severo e nobre —
como o médico é feliz!
Seus erros a terra cobre!
Augusta Dubsky Ponte
= = = = = = = = = 

Quando, no amor, o ciúme
vai-se embora, indiferente,
o que logo se presume
é que o amor já foi na frente.
Carlos Vandôni de Barros
= = = = = = = = =

Andei na vida tão cego
por amores, que não sei
quantas saudades carrego,
quantas saudades deixei.
Célio Bastos
= = = = = = = = = 

A tua casa pendida
entre o rosal e a mangueira
é uma açucena caída
no vermelhão da ladeira.
Cicero Dias
= = = = = = = = = 

Esta saudade é o castigo
que aflige todo o meu ser:
— Não posso viver contigo,
sem ti não posso viver.
Coriolano Coelho
= = = = = = = = = 

A saudade que me invade
ninguém já sofreu, porquê
a saudade é mais saudade,
se é saudade de você...
Darcy Tecídio
= = = = = = = = = 

Todos nós temos na vida,
quer seja agitada ou mansa,
a doce, a terna guarida
onde se abriga a esperança!
Edna de Castro
= = = = = = = = = 

Nesta casa que é só minha,
onde eu mesmo sou a lei,
obedeço a uma rainha,
muito embora eu seja o rei.
Ernâni Rushel
= = = = = = = = = 

Quando me punge a tristeza,
quando me fere o pesar,
busco a sagrada pureza
de um raio do teu olhar.
Gotardo Neto
= = = = = = = = = 

Amei alguém — que desdita!
Morri de tanto sofrer.
Ó Deus do amor, me permita
reviver, amar, morrer...
Guaracy Lourenço Costa
= = = = = = = = = 

Quem me dera estar também,
ao menos por um momento,
no pensamento de quem
não me sai do pensamento!
Guimarães Nato
= = = = = = = = = 

Se o mal do amor, algum dia,
não mais prendesse ninguém,
muita dor se apagaria...
mas quanto riso também!
Hélio N. Martins
= = = = = = = = = 

Meu amor, eu te asseguro
que estou tão bem a teu lado,
que lamento que o futuro
mude o presente em passado.
Hermé Luz
= = = = = = = = = 

Sem te ver fico saudoso,
sinto a saudade doer,
mas de um doer tão gostoso
que até dá gosto sofrer!
Hermenegildo Pereira
= = = = = = = = = 

Parece incrível, parece,
mas é verdade patente:
a gente nunca se esquece
de quem se esquece da gente!
Jader de Andrade
= = = = = = = = = 

Não penses que estou pensando
que em mim pensas com fervor:
bem sei onde, como e quando
tens pensamentos de amor...
José Augusto da Silva
= = = = = = = = = 

A vida é maravilhosa,
porém triste como quê:
este amor que me devora
e eu tão longe de você!
José Flávio de Camargo Lima
= = = = = = = = = 

No sobe-e-desce da vida,
o amor, na vida da gente,
é o bastão para a subida
e o freio para a vertente.
Lêda Dias de Carvalho
= = = = = = = = = 

Vendo o teu rosto adorado
sorrindo com tanto gosto,
fico mesmo enamorado
das covinhas do teu rosto.
Marcos de Castro Borges
= = = = = = = = = 

Quando um bem está perdido,
outro nos vem consolar.
Esta esperança, querido,
Deus não me pode negar.
Maria Carmen Sauer Batista
= = = = = = = = = 

Não me importam teus queixumes,
não me aflige o teu desdém,
se vejo, nos teus ciúmes,
o quanto me queres bem!
Maria Isabel Miranda
= = = = = = = = = 

Minha vida se resume
num dilema assustador:
Se eu sofro com teu ciúme,
sofro mais sem teu amor.
Maria José Barcellos Cerqueira
= = = = = = = = = 

Viúva, mal comparando,
é lenha verde, em seu jogo:
de um lado, sempre chorando,
e, do outro, pegando fogo!
Nero de Almeida Sena
= = = = = = = = = 

Sei que não foge à verdade,
você também pode crer:
em amor, felicidade
é dar mais que receber.
Nice Nascimento
= = = = = = = = = 

Dizem que o amor traz tristeza...
A mim, só traz alegria.
— Quem ama, sente a beleza
que há em tudo que Deus cria.
Nieddy Bezerril Frederick
= = = = = = = = = 

Maria, o teu nome é riso
nos lábios de quem te quer.
Vale mais que um paraíso
o teu perfil de mulher...
Nilo Bruzzi
= = = = = = = = = 

Passarinho que me encantas,
não cantarias assim,
se tivesses penas tantas
como as de amor sobre mim!
Odette Toledo
= = = = = = = = = 

Ama! Que importa a tristeza
e o desespero que vem?
O amor é a grande riqueza
daquele que nada tem!
Pascoal Carlos Magno
= = = = = = = = = 

De muitos doutores sei,
que fundamente acatamos,
aos quais, se dizem: — "Cheguei",
retruca a morte: — "Chegamos".
Roberto Correia
= = = = = = = = = 

Na primavera do amor
minha vida é uma paisagem
que, em vez da imagem da flor,
traz a flor da tua imagem.
Rubens Lopes
= = = = = = = = = 

Dentre os destinos diversos,
eu prefiro o do cantor
que, através de lindos versos,
conta o mal que causa o amor!
S. Suannes
= = = = = = = = = 

Quando é surdo a peditório
de moça de gênio mau,
mesmo dentro do oratório,
Santo Antônio leva pau...
Virgílio Brandão
= = = = = = = = = 
Fontes: 
– Aparício Fernandes (org.). A Trova no Brasil: história e antologia. São Cristovão/RJ: Artenova, 1972.
– Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Ed. Minerva, 1967.

Contos e Lendas do Paraná – 21 (Municípios de Clevelândia – Quitandinha)

Município de Clevelândia
A ESCRAVA

Há muitos anos atrás, em uma fazenda de nosso município, um fato curioso aconteceu. Certa amanhã de inverno, dona Maria esquentava-se na boca de seu fogão à lenha, quando sua escrava começou a falar, que quando morresse, não gostaria de ser enterrada no cemitério municipal e sim no cemitério da fazenda. Ali era o lugar que ela gostava. Dizia ela: “aqui eu nasci, aqui vivi e aqui quero ficar; naquela colina de onde poderei ficar enxergando os meus senhores, os quais foram tão bons para mim”. 

Sua patroa ria muito e não ligava para o que ela falava.

Como, naquela época, morriam muitas crianças ainda bebês, do chamado mal dos sete dias, a fazendeira fez um cemitério para as crianças, bem embaixo de um lindo pinheiro. Foi todo cercado com uma linda cerca branca. Muito tempo se passou e a escrava faleceu. Foi velada na fazenda, depois colocada em uma carroça para ser enterrada no cemitério municipal.

Porém, para sair da fazenda era preciso passar bem ao lado do cemitério das crianças e veja só o que aconteceu: quando chegaram bem perto do cemitério da fazenda, a carroça parou e os bois não iam nem para frente nem para trás. Puxavam, batiam nos bois, gritavam e nada adiantava. No mesmo instante, dona Maria lembrou do pedido que a escrava havia feito e determinou que voltassem, pois ela seria enterrada no cemitério das crianças, assim fazendo a vontade da escrava.

Os bois, então, começaram a andar sem que ninguém precisasse comandá-los. Andaram e chegaram até o portão do cemitério ali parando. Enterraram a escrava ali, realizaram seu último pedido, seu desejo de permanecer para sempre perto de seus senhores. Como dizia a escrava: “aqui nasci, aqui vivi e aqui quero ficar”.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Município de Quitandinha
O CEMITERINHO

Existe na localidade de Reis um cemiterinho semi-abandonado, cuja história registramos. Havia na localidade de Reis um homem de mau caráter de nome Antônio Chato, o qual vivia com uma mãe solteira, com um filhinho de nome Virgílio. Antônio maltratava a amásia, como também o inocente filhinho. A criança apanhava todos os dias. Muitas vezes a mãe da criança fugia de casa pelos maus tratos recebidos. Antônio então batia na criança para que a mãe, atraída pelo choro, viesse em socorro do filho, quando apanhava também. 

Antônio Chato amarrava a criança numa árvore, deixando ali um pote de barro com feijão e farinha para sua alimentação, enquanto o casal passava o dia fora. 

Algo de estranho começou a acontecer quando o menino ficava amarrado em dia de chuva, não se molhava. Uma força divina o protegia. 

Certa vez Antônio Chato fez um colete cravado de espinhos por dentro e também uma touca com espinhos e vestiu o menino, enquanto o deixavam a sós. Desta vez o menino morreu pelos maus tratos recebidos.

Os pais sepultaram o menino no mato e deram como desaparecido. Passado algum tempo, o caso foi denunciado à polícia da Lapa, a qual obrigou Antônio Chato a dar conta do menino. Levados ao local e desenterrada a criança, nova surpresa: seu corpinho estava intacto, tal qual havia sido enterrado.

Uma piedosa senhora de nome Francisca Xavier de Oliveira, tendo obtido uma graça por pedido que fez ao menino, mandou cercar o local da sepultura e confeccionar a imagem de um anjo com o nome de Anjinho Virgílio, e a colocou em cima da sepultura.

Anjinho passou a ser objeto de devoção para o povo do lugar.

João Mendes (curador) mandou construir o cemitério que passou a servir para enterro de outras crianças mortas nas redondezas e uma capelinha para o Anjinho Virgílio. Hoje a capelinha foi demolida e a imagem do anjinho transladada para a residência de Jeremias Mendes, o qual mandou reformar e pintar a imagem, juntamente com a coroa de espinhos.

Fonte> Renato Augusto Carneiro Jr (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005.

Recordando Velhas Canções (Último Desejo)


Noel Rosa e Vadico

Nosso amor que eu não esqueço
E que teve o seu começo
Numa festa de São João

Morre hoje sem foguete
Sem retrato e sem bilhete
Sem luar, sem violão

Perto de você me calo
Tudo penso e nada falo
Tenho medo de chorar

Nunca mais quero o seu beijo
Mas meu último desejo
Você não pode negar

Se alguma pessoa amiga
Pedir que você lhe diga
Se você me quer ou não
Diga que você me adora
Que você lamenta e chora
A nossa separação

Às pessoas que eu detesto
Diga sempre que eu não presto
Que meu lar é o botequim
Que eu arruinei sua vida
Que eu não mereço a comida
Que você pagou pra mim
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

A Melancolia do Amor em 'Último Desejo'
A música 'Último Desejo', composta pelo icônico sambista Noel Rosa, é uma expressão melancólica do fim de um amor. A letra descreve a dor e a resignação sentidas pelo eu lírico diante da separação, contrastando o início da relação, marcado pela alegria de uma festa junina, com o seu término, desprovido de qualquer celebração ou romantismo. A ausência de elementos como foguetes, retratos, bilhetes, lua e violão simboliza um adeus sem alarde, sem as tradicionais demonstrações de afeto que costumam acompanhar os romances.

O silêncio do eu lírico diante da pessoa amada revela a profundidade de seus sentimentos e o medo de que a emoção transborde em lágrimas. A recusa de um novo beijo, apesar da dor evidente, é acompanhada de um pedido, um 'último desejo', que se revela ser uma preocupação com a memória e a reputação do eu lírico após a separação. Ele pede que, aos amigos, seja dito que ainda é adorado e lamentado, enquanto aos inimigos, que seja pintado como alguém indigno e de vida desregrada. Essa dualidade reflete a complexidade das relações humanas e a preocupação com o julgamento social.

A canção de Noel Rosa, portanto, não apenas narra o término de um relacionamento, mas também explora as facetas da dignidade pessoal e da imagem perante a sociedade. A música se torna um retrato da época em que foi escrita, onde a honra e a opinião pública tinham grande peso, ao mesmo tempo em que toca em sentimentos atemporais de perda e desejo de ser bem lembrado, mesmo quando o amor não sobrevive.