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sábado, 6 de abril de 2024
Geraldo Pereira (Adeus à Torradeira)
Mudou a paisagem noturna do meu entorno. Depois que o governo fez as recomendações para a economia de energia, apagaram-se as luzes que sempre brilharam nos apartamentos da vizinhança. Ninguém dorme mais com a lâmpada do banheiro acesa e não há claridade nos salões de festas, sequer a sonoridade costumeira das sextas ou dos sábados, quando Nelson entoava a toada da normalista e Gonzaga repetia a sina da Asa Branca. Calaram-se os poetas do verso popular. A mocinha que ia até tarde em seu computador, por certo que trocando juras de amor num chat qualquer, tirou da tomada o equipamento e sentou-se na praça em frente – um refúgio como me ensinaram –, pra fiar conversa, cara a cara, com o pretendente de ocasião. A outra, de quem só divisava a silhueta, dispensou o namorado que lhe abraçava às claras no quarto de dormir. Nem só de pão vive o homem, refletiu!
E agora? É ver para crer! Anda-se dentro de casa tateando as paredes, batendo aqui e peitando ali, contanto que se possa alcançar os 20% dos interesses estatais. O vidro espesso da mesa da sala fere a perna do primeiro incauto que tropeçar. Se o jarro de porcelana fina tombar de seu suporte – Valha-me Deus! – a bronca vai ser grande! Na cozinha estão interditados o forno de microondas e a lavadora de louças. Não adianta querer se livrar dos pratos sujos de domingo e das xícaras de café ainda com açúcar. Melhor segurar a bucha e pingar o detergente colorido, esfregando até à limpeza completa. Na área de serviços há uma máquina de lavar roupa recentemente comprada, de moderno desenho, diferente da anterior, por isso não se presta ao uso como mesinha para ler jornais. De uma vez todas as calças, camisas, vestidos e blusas serão submetidos à água corrente e ao sabão em pó!
Ar condicionado virou luxo, ligar, de forma alguma! O tempo não volta, mas quando menino dormia de pijama, cujo paletó tinha as mangas compridas e não havia no comércio sequer ventilador, senão umas peças enormes, pesadas, para uso comercial. Acordava, todos os dias, molhado em suor, sem dispensar, todavia, os sonhos e os devaneios, vez ou outra um pesadelo rolando pela escada de casa, de dezessete degraus contados e recontados na infância. O chuveiro elétrico virou enfeite, o banho frio, gelado tantas vezes, volta ao cotidiano de toda gente ou a chaleira fervente será resgatada de um exílio de muitas décadas. Era assim no passado, com os temores maternos intervindo no higiênico exercício dos filhos, sob a constante ameaça de gripe. A ama cuidava de enxugar a meninada e às vezes excedia-se em cuidados com certas e detalhadas partes do corpo.
A torradeira de pão, que faz reviver o sanduíche da Confiança, com o queijo se derretendo na massa de trigo espremida, está suspensa, relegada ao segundo plano dentre os equipamentos de cozer e assar. Uma vez na semana o ferro será ligado e quente, bem quente, há de engomar as roupas todas. Difícil conseguir do pretérito o velho equipamento de cor preta, que esquentava à força das brasas postas no interior, tiradas do fogareiro a carvão com o pegador a isso destinado. A lavadeira, como se dizia ou a engomadeira, como também se falava, passava peça por peça, cuidadosamente, borrifando água com a mão, mesmo. O terno de linho branco de meu pai precisava da goma para ficar mais encorpado e, sobretudo brilhar à luz do sol. Os vestidos de minha mãe, de igual forma, pois que seriam usados em recepções a que comparecia ou nas festas de Isnar de Moura, jornalista do batente.
Sou nascido no blecaute da guerra, fui amamentado na escuridão e nos primeiros anos de vida quase não via luz elétrica acesa, por essa e por outras, não me incomodarão os dias do porvir, condenados à negritude da noite. A lua há de alumiar dos céus os caminhos e as estradas, enfeitiçar os casais enamorados e inspirar os poetas que sofrem com a perda dos amores vividos. O sol há de raiar todas as manhãs, embalando o sono das madrugadas, despertando os homens de boa vontade para o trabalho e as crianças que de má vontade vão às escolas e têm raiva de quem inventou o estudo. Os postes de Casa Amarela, que não se apagam com a claridade, servirão de mote à oposição municipal. E outra vez o acendedor de lampiões que meu pai conheceu – Boca de Uruá – na cidade em que nasceu, passará com o seu bordão apagando a luz!
∗ Texto escrito durante um tempo de racionamento elétrico no Recife, por conta da falta de chuvas nas cabeceiras do rio São Francisco, de cujas cachoeiras a energia provém.
Fonte: Geraldo Pereira. Fragmentos do meu tempo. Recife/PE. Disponível no Portal de Domínio Público
Antero Jerónimo (Poemas avulsos) 2
Na árvore sagrada
mágica mística
berço da Criação
lugar singular
o combatente abrigou a sua fé
Ali, em partidas e chegadas
milhares depositaram as suas preces
invocando o seu deus
orando pelos seus
e pelos irmãos da guerra
que regaram de sangue a vermelha terra
Quão grande
pode ser a fé do Homem.
Crê-se que a árvore
é uma ponte para o céu.
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FIGURA SEM ESTILO
Ia eu pela rua, figura de estilo na lua
Sem siso, piso o piso molhado, mas que aliteração
Escorrego numa inadvertida metáfora
Por pouco não me estatelava no chão.
Podem pensar que é uma hipérbole
Mas acreditem que não é exagero não
É que até os pombos se riram
Na sua mais astuta personificação.
O meu joelho é que gemeu coitado
Desesperado com tanta falta de jeito
Pobre de mim, figura sem estilo.
Num mundo sem tino, valha o eufemismo
Um mundo que tropeça à beira do abismo.
Muito eu poderia discorrer sobre o assunto
Mas já chega desta conversa fiada
As palavras são como as cerejas, valha-nos a comparação
Ainda bem que tive o bom senso, de não usar paralelismos nesta descrição.
Sacudo das vestes toda a ironia
E siga, pronto para mais um dia!
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Há tanto amor
Na beleza de uma fotografia
Nos momentos registados em partilha e sintonia
Como poemas protegidos numa gaveta de afetos
Há tanto amor
Em momento que suspira pela companhia
Pela palavra que serena, que só acrescenta
Que afasta julgamentos nas noites em que o sono não vence
Há tanto amor
No repetir da palavra bendita
No gesto simples que se torna intimidade
Verdade de amar em descompassado palpitar.
Há tanto amor
No sentimento que não deve julgar
Na grandeza de um todo insuficiente
Num libertar que vai além da compreensão.
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PAZ
Vem de dentro para fora
caminho seguro de pés descalços
imune aos cardos crescendo descontrolados
Sábio silêncio do homem que não cala a voz
isolado de guerras inúteis
ecos de palavras ocas
Nobre missão em cruzada atemporal
na luta sem decreto nem cartel
contra o inimigo invisível e cruel
Tecida pelos mais alvos fios solidários
jardim cultivo de amor e justiça, onde
nardos de esperança florescem no mais pleno viço
Só na presença da tua asa suprema
se tranquiliza da desordem o meu coração.
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RECOMEÇO
Trazes pombas na brancura das tuas mãos
Feridas por cicatrizar no peito dilacerado
O mar dos teus olhos fala de promessas e sonhos adiados
Candura do rosto emoldurando a beleza
dessa fragilidade acesa e delicada.
Ofereço-te a frescura desta terna flor
para que possas guardar em mim todos os segredos
Encontrar um abraço no sorriso dos meus olhos
E a coragem renovada de um novo recomeço.
Em cada manhã
Por cada suspiro de primavera
Me desassossegues com o ouro da tua luz
Sussurres brisas acordando a nossa paixão
Rasgando as densas sombras
E eu renascerei ao extinguir-me em ti.
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Saber da água a sede
Saber do pensamento a fonte
Saber do amor a dor
Saber da beleza a forma
Saber do sentir a razão
Saber de ti a emoção
Saber do abraço o alento
Saber da vida o propósito.
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Tenho tantas perguntas
O tempo dá-me as respostas possíveis
Não necessariamente aquelas
Que mais gostaria de escutar
Sinto-te e quero-te...
Um querer tão forte que provoca um aperto
Nesta ambivalência onde me sou inteiro
E onde também estás em completude.
Confio no universo
Num caminho de sinais
Acreditando que nem tudo tem resposta plausível
Sei que algo virá
Que em momento certo acontecerá
Desejos abraçados, corpos unificados
Um sentimento único, não mensurável.
Quero-te tanto
Nesta consciência que dói
Nesta realidade de saber que preciso
Libertar as asas da tua felicidade.
Fonte: Na pele do sentir. Facebook do poeta
Vasco de Castro Lima (Como fazer um soneto) = parte 3
20 - Eximir-se de enxertar no verso consonâncias ou palavras inúteis, com o fim exclusivo de ajudar a métrica. É a chamada cunha ou cavilha:
“Teu coração – um rubi –
teu coração de menina...” (Osório Duque Estrada)
“Por ti, meu pobre irmão – extinta palma –
chora minha arte pelos olhos da alma”. ( Luís Carlos)
“Que seja o nosso amor – sidério mito! –
o límpido turíbulo das dores”. ( Cruz e Sousa )
21 - Os versos “agudos” não têm a suavidade dos versos graves. É quase sempre monótona, e até insuportável, uma composição poética, notadamente um soneto, que só tenha versos agudos. Quanto aos versos “esdrúxulos”, devem ser empregados com moderação. Mas, os agudos e os esdrúxulos têm meios de conseguir efeitos propícios quando combinados com os versos graves.
22 - Não consentir que sejam agudos os versos ímpares dos quartetos, principalmente quando são graves ou esdrúxulos os versos pares.
23 – Nos decassílabos, preferir as estrofes “heterorrítmicas”, ou seja, intercalar, habilmente, versos com a 6ª sílaba tônica (decassílabo “heróico” ) e versos com a 4ª e 8ª sílabas tônicas (decassílabo “sáfico” ). Essa maneira de agir impede a monotonia.
24 – O verso alexandrino, entretanto, por ser o dodecassílabo clássico, o verdadeiro, o legítimo, não deve abdicar de sua origem, composto de dois versos de seis sílabas (hemistíquios).
25 - O poeta, ao expressar os seus sentimentos, não pode esquecer-se de que, no uso adequado das letras consoantes e vogais, principalmente destas, reside um dos segredos de seu êxito de artista do verso. Deve jogar com 3 ou 4, e até com 5 vogais, em cada verso. Não repetir, se possível, no mesmo verso, as vogais das pausas métricas. Os melhores versos são aqueles em que existe maiores variedades de vogais, como:
“Rugindo estoura o mar em brumas serras”.
“Nize formosa como as garças pura” .
26 - É imprescindível que as expressões estejam coerentes com as ideias, de modo que umas e outras tenham correlações exatas, caminhando par a par, até atingirem o alvo pretendido, que é, inclusive, o sonhado “fecho de ouro”. “Cada palavra é uma ilha, de forma que o poema todo seria um arquipélago mantido coeso pelo fecho de ouro pretendido, como se este fosse a água que circula por entre as ilhas, ligando-as em vez de separá-las”. (Massaud Moisés)
27 – Sobre “forma” e “imaginação”, diz Júlio Dantas:
“Em geral, os poetas ingênuos, confiando nos acasos da inspiração e da rima, começam a escrever os seus versos antes de os ter pensado. Nas composições soltas não tem isso maior importância; no soneto, porém, é preciso aproveitar bem os 14 versos de que se dispõe, dizendo “tudo” o que se tem de dizer, mas “só” o que é indispensável dizer-se. Portanto, tem que se pensar bem no soneto antes de principiar a escrevê-lo. São impossíveis as divagações e a multiplicidade de motivos dentro do soneto clássico. Temos que limitar-nos a uma só idéia, a um só motivo”.
28 – Diz ainda Júlio Dantas:
“ A maior dificuldade dos sonetos está nas rimas iguais dos quartetos. É preciso que essas rimas sejam muito bem combinadas, muito bem escolhidas para que não se sinta o esforço do poeta e os versos corram límpidos, naturais, fluentes, sem transposição, sem divagação, cingindo sempre de perto a linha vertebral do assunto. É, em geral, no 2º quarteto que os poetas inexperientes fraquejam por que não se lembram, ao rimar o 1º, que têm de procurar rimas iguais para o 2º. Então, resolvem-nas como podem, tateando, perdendo terreno lançando mão das rimas forçadas, afastando-se da idéia diretriz. O 2º quarteto é a pedra de toque dos sonetistas. convém pensar sempre nele , ao escrever o primeiro”.
29 - Lembrando sempre que nas terminações proparoxítonas e paroxítonas, as sílabas após a sílaba tônica são “mortas”: esdrú(xulo) – cá(lido) - memorá(vel) – ama(da) – passa(do) – Que a métrica estabelece dez sílabas em cada verso ( menos as sílabas “mortas”) e a tonicidade deve recair na 6ª e na 10ª sílaba final (sem contar as sílabas “mortas”).
EXEMPLO PRÁTICO
O AMOR NÃO É AMADO
Es/se/ nos/so a/mor/ des/mi/o/la(do) (9 síl.-últ. morta)
que as/su/me o/ con/tro/le/ do/ vi/ver (10 síl.)
é o a/mor/ mas/ não/ é/ a/ma(do) (8 síl. últ. morta)
é/ ú/ni/co/, mais/ meu/ que/ de/ vo/cê (10 síl- tonic. na 6ª e 10ª síl – rima em er)
Cres/ceu/ em/ mim/ so/zi/nho/ , de/sas/tra(do) (10 síl – tonic. 6ª e 10ª - últ. morta – ok)
crei/o/ que/ tam/bém/ em/ ti/ há/ de/ cres/cer (11 síl.)
pa/ra/ tor/nar-/se/ mes/mo/ en/con/tra(do) (10 síl – ton. 6ª e 10ª síl – últ. morta –ok)
den/tro/ do/ pei/to/ meu/, do/ teu/ que/rer (10 síl- tonic. 6ª e 10ª - ok)
Ca/so/ não cres/ça/, fi/co/ de/so/la(do) (10 síl-tonic. 6ª e 10ª - últ.morta – ok)
per/co o/ con/tro/le e/, de/so/ri/en/ta(do), – (10 síl-últ.morta- ton. 6ª e 10ª -ok)
lu/to/ por/ e/le só/ pra/ so/bre/vi/ver (11 sílabas)
Se e/le fo/ge/, não/ sen/do/ mais/ a/cha(do),(10 síl. ton. 6ª e 10ª- últ. morta-ok)
o/ meu/ so/zi/nho/ fi/ca ar/ra/za(do) – (9 sílabas – últ. morta)
não/ sen/do a/ma/do é/ a/mor/ sem/ ser (9 sílabas)
PODERIA SER DESTA FORMA
Nosso amor sem juízo, esmiola(do),
que assoberba o controle do viver,
é amor sem amor, sem ser ama(do),
é único, só meu, a me envolver.
Cresceu em mim sozinho, desastra(do),
e um dia, creio, em ti há de crescer
para tornar-se o mesmo que é encontra(do)
dentro do peito meu, do teu querer.
caso não cresça, fico desola(do),
perco o controle e, desorienta(do),
por ele luto , pra sobreviver.
Se ele foge, não sendo mais acha(do),
o meu, sozinho, fica amofina(do),
não sendo amado, é como amor sem ser.
Fonte: Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.
Recordando Velhas Canções (O cio da terra)
Debulhar o trigo
Recolher cada bago do trigo
Forjar no trigo o milagre do pão
E se fartar de pão
Decepar a cana
Recolher a garapa da cana
Roubar da cana a doçura do mel
Se lambuzar de mel
Afagar a terra
Conhecer os desejos da terra
Cio da terra, a propícia estação
E fecundar o chão
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A Celebração da Agricultura e Fertilidade em 'O Cio da Terra'
A música 'O Cio da Terra', composta por Chico Buarque, é uma obra que exalta a agricultura e a relação simbiótica entre o homem e a terra. A letra utiliza uma linguagem poética para descrever o processo de cultivo e colheita, metaforicamente associando-o ao ato de amor e à fertilidade.
No primeiro verso, 'Debulhar o trigo', o ato de separar os grãos da espiga é apresentado como o início de um processo que culmina no 'milagre do pão', uma referência à transformação do trigo em alimento essencial. A repetição do verbo 'recolher' enfatiza a importância da coleta e do aproveitamento integral dos frutos da terra. A menção ao 'fartar de pão' simboliza a satisfação e a abundância resultantes do trabalho árduo.
A segunda estrofe segue a mesma estrutura, mas foca na cana-de-açúcar, cuja 'garapa' é transformada em mel, outra metáfora para a doçura e recompensas do trabalho com a terra. O último verso, 'E fecundar o chão', remete ao 'Cio da Terra', que é o momento propício para o plantio, quando a terra está mais receptiva e fértil, pronta para ser 'afagada' e 'conhecida' em seus desejos. A música, portanto, celebra o ciclo agrícola e a conexão entre o homem e a natureza, reconhecendo a terra como uma entidade viva e generosa.
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Prêmio Açorianos de Literatura (Vencedoras)
Premiação foi marcada pela autoria de mulheres na maior parte das categorias
Ocorreu na noite de terça-feira, 2 de abril, a partir das 20h10, no Teatro Renascença, em Porto Alegre, a cerimônia de premiação do Açorianos de Literatura de publicações lançadas no último ano. Foram anunciados os vencedores de nove categorias, além dos prêmios especiais e Livro do Ano.
Os destaques especiais foram concedidos a Rafael Guimaraens, pelo conjunto da obra, além de Maria Eunice Moreira, José Hildebrando Dacanal, Luciano Alabarse, Arthur de Faria, Grupo Zaffari e Luiz Coronel, todos por suas contribuições à literatura.
Confira abaixo os vencedores de cada categoria e Livro do Ano.
Categoria Infantil
Diário das coisas impossíveis
Paula Schiavon
Livraria da Matriz
Categoria Infantojuvenil
A curiosa loja dos objetos incompletos
Cláudia Sepé
Editora Boaventura
Categoria Dramaturgia
Liberdade
Coletivo As dramaturgas
Concha
Categoria Crônica
Wolfsegg, Rio Grande do Sul
Luiz Maurício Azevedo
Figura de Linguagem
Categoria Conto
A língua da medusa
Gabriela Leal
Editora Zouk
Categoria Poesia
As montanhas seguem lá
Giulia Barão
Editora Urutau
Categoria Ensaio de Literatura e Humanidades
Um itinerário íntimo pela psicanálise lacaniana
Luciano Mattuella
Editora Zouk
Categoria Especial
Jurema Finamour: a jornalista silenciada
Christa Berger
Editora Libretos
Categoria Narrativa Longa
A mulher que atravessa a ponte
Ana Cardoso
Editora Zouk
Livro do Ano
Liberdade
Coletivo As dramaturgas
Concha
Fonte> Literatura RS, 3 de abril de 2024.
https://literaturars.com.br/2024/04/03/confira-as-vencedoras-do-premio-acorianos-de-literatura/
sexta-feira, 5 de abril de 2024
José Feldman (Analecto de Trivões) 25
George Abrão (Virado de feijão com café)
Nunca gostei de postar fotos ou de relatar aqui o que como ou bebo (também nada tenho contra quem o faz). Mas hoje não resisti, acabei de comer um virado de feijão, bem soltinho, acompanhado de café (sem leite) bem forte e doce. Quem nunca provou, não sabe o que está perdendo, é como diz o goiano: “É bom demais da conta! ”, ainda mais com esse tempo chuvoso aqui de Maringá.
Falando em chuva, não entendo o porquê, mas parece que a chuva abre (mais) o nosso apetite e nos faz lembrar de coisas boas para comer, como bolinho de chuva (óbvio), bolo de fubá (gosto mais do farelo que fica no prato do bolo do que do próprio), pamonha doce, arroz-doce com canela e outras tantas guloseimas que povoaram a nossa infância.
Ah, infância! Quando eu era pequeno, lá na doce e bela Jaguariaíva, nós morávamos em uma casa onde na cozinha (é claro) havia um grande fogão de lenha, daqueles que têm uma plataforma na enorme boca para se colocar toros maiores de lenha. Pois bem, no inverno fazia muito frio pela manhã e, antes de irmos para a escola (a minha era o belo e saudoso Grupo Escolar “Izabel Branco”), minha mãe, dona Sara, fazia uma grande panela de virado de feijão para comermos em prato de ágata, acompanhado de café. Eu me sentava bem junto ao fogo, colocava os meus pés na beirada da plataforma para a lenha e mandava ver o delicioso virado (comido com colher), bebia uma “canecona” de café, e estava pronto para o que desse e viesse, estava pronto para a vida.
Isto posto, quem nunca comeu virado de feijão bem soltinho acompanhado de café (preto) bem forte e doce, ainda dá tempo, é só ir à cozinha e preparar.
Fonte> George Roberto Washington Abrão. Momentos – (Crônicas e Poemas de um gordo). Maringá/PR, 2017. Enviado pelo autor.
Contos e Lendas do Paraná – 21 (Municípios de Clevelândia – Quitandinha)
A ESCRAVA
Há muitos anos atrás, em uma fazenda de nosso município, um fato curioso aconteceu. Certa amanhã de inverno, dona Maria esquentava-se na boca de seu fogão à lenha, quando sua escrava começou a falar, que quando morresse, não gostaria de ser enterrada no cemitério municipal e sim no cemitério da fazenda. Ali era o lugar que ela gostava. Dizia ela: “aqui eu nasci, aqui vivi e aqui quero ficar; naquela colina de onde poderei ficar enxergando os meus senhores, os quais foram tão bons para mim”.
Sua patroa ria muito e não ligava para o que ela falava.
Como, naquela época, morriam muitas crianças ainda bebês, do chamado mal dos sete dias, a fazendeira fez um cemitério para as crianças, bem embaixo de um lindo pinheiro. Foi todo cercado com uma linda cerca branca. Muito tempo se passou e a escrava faleceu. Foi velada na fazenda, depois colocada em uma carroça para ser enterrada no cemitério municipal.
Porém, para sair da fazenda era preciso passar bem ao lado do cemitério das crianças e veja só o que aconteceu: quando chegaram bem perto do cemitério da fazenda, a carroça parou e os bois não iam nem para frente nem para trás. Puxavam, batiam nos bois, gritavam e nada adiantava. No mesmo instante, dona Maria lembrou do pedido que a escrava havia feito e determinou que voltassem, pois ela seria enterrada no cemitério das crianças, assim fazendo a vontade da escrava.
Os bois, então, começaram a andar sem que ninguém precisasse comandá-los. Andaram e chegaram até o portão do cemitério ali parando. Enterraram a escrava ali, realizaram seu último pedido, seu desejo de permanecer para sempre perto de seus senhores. Como dizia a escrava: “aqui nasci, aqui vivi e aqui quero ficar”.
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Município de Quitandinha
O CEMITERINHO
Existe na localidade de Reis um cemiterinho semi-abandonado, cuja história registramos. Havia na localidade de Reis um homem de mau caráter de nome Antônio Chato, o qual vivia com uma mãe solteira, com um filhinho de nome Virgílio. Antônio maltratava a amásia, como também o inocente filhinho. A criança apanhava todos os dias. Muitas vezes a mãe da criança fugia de casa pelos maus tratos recebidos. Antônio então batia na criança para que a mãe, atraída pelo choro, viesse em socorro do filho, quando apanhava também.
Antônio Chato amarrava a criança numa árvore, deixando ali um pote de barro com feijão e farinha para sua alimentação, enquanto o casal passava o dia fora.
Algo de estranho começou a acontecer quando o menino ficava amarrado em dia de chuva, não se molhava. Uma força divina o protegia.
Certa vez Antônio Chato fez um colete cravado de espinhos por dentro e também uma touca com espinhos e vestiu o menino, enquanto o deixavam a sós. Desta vez o menino morreu pelos maus tratos recebidos.
Os pais sepultaram o menino no mato e deram como desaparecido. Passado algum tempo, o caso foi denunciado à polícia da Lapa, a qual obrigou Antônio Chato a dar conta do menino. Levados ao local e desenterrada a criança, nova surpresa: seu corpinho estava intacto, tal qual havia sido enterrado.
Uma piedosa senhora de nome Francisca Xavier de Oliveira, tendo obtido uma graça por pedido que fez ao menino, mandou cercar o local da sepultura e confeccionar a imagem de um anjo com o nome de Anjinho Virgílio, e a colocou em cima da sepultura.
Anjinho passou a ser objeto de devoção para o povo do lugar.
João Mendes (curador) mandou construir o cemitério que passou a servir para enterro de outras crianças mortas nas redondezas e uma capelinha para o Anjinho Virgílio. Hoje a capelinha foi demolida e a imagem do anjinho transladada para a residência de Jeremias Mendes, o qual mandou reformar e pintar a imagem, juntamente com a coroa de espinhos.
Fonte> Renato Augusto Carneiro Jr (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005.
Recordando Velhas Canções (Último Desejo)
Nosso amor que eu não esqueço
E que teve o seu começo
Numa festa de São João
Morre hoje sem foguete
Sem retrato e sem bilhete
Sem luar, sem violão
Perto de você me calo
Tudo penso e nada falo
Tenho medo de chorar
Nunca mais quero o seu beijo
Mas meu último desejo
Você não pode negar
Se alguma pessoa amiga
Pedir que você lhe diga
Se você me quer ou não
Diga que você me adora
Que você lamenta e chora
A nossa separação
Às pessoas que eu detesto
Diga sempre que eu não presto
Que meu lar é o botequim
Que eu arruinei sua vida
Que eu não mereço a comida
Que você pagou pra mim
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A Melancolia do Amor em 'Último Desejo'
A música 'Último Desejo', composta pelo icônico sambista Noel Rosa, é uma expressão melancólica do fim de um amor. A letra descreve a dor e a resignação sentidas pelo eu lírico diante da separação, contrastando o início da relação, marcado pela alegria de uma festa junina, com o seu término, desprovido de qualquer celebração ou romantismo. A ausência de elementos como foguetes, retratos, bilhetes, lua e violão simboliza um adeus sem alarde, sem as tradicionais demonstrações de afeto que costumam acompanhar os romances.
O silêncio do eu lírico diante da pessoa amada revela a profundidade de seus sentimentos e o medo de que a emoção transborde em lágrimas. A recusa de um novo beijo, apesar da dor evidente, é acompanhada de um pedido, um 'último desejo', que se revela ser uma preocupação com a memória e a reputação do eu lírico após a separação. Ele pede que, aos amigos, seja dito que ainda é adorado e lamentado, enquanto aos inimigos, que seja pintado como alguém indigno e de vida desregrada. Essa dualidade reflete a complexidade das relações humanas e a preocupação com o julgamento social.
A canção de Noel Rosa, portanto, não apenas narra o término de um relacionamento, mas também explora as facetas da dignidade pessoal e da imagem perante a sociedade. A música se torna um retrato da época em que foi escrita, onde a honra e a opinião pública tinham grande peso, ao mesmo tempo em que toca em sentimentos atemporais de perda e desejo de ser bem lembrado, mesmo quando o amor não sobrevive.
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Vasco de Castro Lima (Como fazer um soneto) = parte 2
1 - Escrever com naturalidade, evitando palavras rebuscadas ou de difícil pronunciação. Compor os versos com palavras justas, apropriadas, que proporcionem um efeito agradável na armação das estrofes. Os versos têm de ser ou parecer fluentes, nunca deixando revelar as dificuldades de sua construção.
2 - Pureza de ritmo, ou seja, sonoridade e cadência. O ritmo é o talismã da poesia.
3 - Servindo-se de palavras comuns, arquitetar arranjos artísticos, fugindo às figuras e símbolos repisados e enfadonhos.
4 - As boas imagens podem ser antigas, mas os versos devem ser modernos, embora com a forma clássica, no caso do soneto. Imagens singelas, vitais, incisivas, harmoniosas, expressivas e, tanto quanto possível, inéditas.
5 – Os versos devem conter: criação, dinamismo, engenho artístico, ideias e expressões – dignos da poesia pura. A linguagem pode vestir a poesia de riquezas maravilhosas.
6 - É importante a disposição das palavras nos versos. Deve ser preferida, sempre, a ordem direta. Com as palavras em ordem inversa, fica prejudicado o efeito estético do verso. Além disso, pode, esse método, dar a impressão de falta de recursos do poeta – em que pese tratar-se de um uso bastante empregado pelos parnasianos.
7 - Esquivar-se da adjetivação excessiva. É preciso adjetivar com toda a propriedade e moderação.
8 – Usar, inteligentemente, os verbos, com os quais pode-se dar imprevisto e esplêndido meneio às imagens, tornando-as inesquecíveis.
9 - Afastar as dissonâncias ou quaisquer tipos de sons menos agradáveis: versos duros, versos sibilantes, cacofonia, monofonia; enfim, quaisquer vícios contra a pureza musical do verso.
10 – Livrar-se dos versos frouxos, que se arrastam sem energia: hiato; acentos rítmicos fracos; falta de acentos rítmicos secundários; acento forte antes ou depois de acento rítmico.
11 - Arredar as licenças poéticas. Não precisamos entrar em detalhes a respeito desses defeitos, que o próprio uso diário da língua ensina a evitar ou, pelo menos, contornar.
12 - O poeta tem, necessariamente, de conhecer a própria língua, para se poupar, inclusive do emprego de expressões forçadas que enfeiem seus poemas. Não só conhecê-la teoricamente, mas ler os clássicos, adquirir um bom vocabulário.
13 – As sílabas métricas, ou seja, os elementos sonoros do verso, não coincidem , muitas vezes, com as sílabas gramaticais. Por isso, é importante ter o maior cuidado ao fazer a elisão de dois vocábulos, bem como a fusão de vogais dentro da mesma palavra.
14 - Abandonar as rimas de sons muito comuns. Também as rimas extravagantes, o oposto das triviais. Não se deve esquecer que as rimas difíceis sacrificam a emoção e, por isso, devem ser usadas com parcimônia.
15 - Evitar, ao máximo, as rimas que, tradicionalmente acasaladas, “se oferecem” , de maneira quase fatal, privando o leitor ou o ouvinte daquela surpresa que tanto agrada na poesia. Evitar, por exemplo: olhos/abrolhos/escolhos; noivo/goivo; noite/açoite ; tédio/remédio; etc.
16 – Utilizar o “enjambement”* com sobriedade, atenção e habilidade, pois a falta de talento na aplicação desse recurso pode redundar em fracasso.
* Enjambement =Passagem, para o verso seguinte, de uma ou de várias palavras que completam o sentido do precedente.
17 - A insistência da mesma vogal (homofonia) é desagradável num verso, excetuando-se os casos em que a empregamos para certos efeitos procurados, principalmente para o de harmonia imitativa (sugestão musical àquilo que o verso exprime);
“Tíbios flautins finíssimos gritavam:
e, as curvas harpas de ouro acompanhando,
crótalos* claros de metal cantavam”. (Olavo Bilac)
* Crótalos =Antigo instrumento musical dos gregos e romanos, semelhante às castanholas.
18 - As consoantes insistentes também podem traduzir efeitos necessários e até apreciáveis:
“ Rápido o raio rútilo retalha” . (Raimundo Correia)
“ Basta a brava e brutal e bárbara beleza” . (Martins Fontes)
“ Vozes veladas, veludosas vozes,
volúpias dos violões, vozes veladas
vagam nos velhos vórtices velozes
dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas...” ( Cruz e Sousa)
19 - Se os versos devem ser eufônicos, o mesmo se deve exigir das rimas. As rimas próximas, que se alternam, que se entrelaçam, têm de oferecer contraste ou oposição de som. Do contrário, acarretam monotonia. Exemplo de rimas de sons parecidos (homofonia)
“ Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? que sentido
têm o que dizem quando estão contigo?” (Olavo Bilac)
“Ao crebro* som do lúgubre instrumento
com tardo pé caminha o delinquente;
um Deus consolador, um Deus clemente
lhe inspira, lhe vigora o sofrimento”. (Bocage)
* Crebro = (Poética) Repetido, frequente.
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continua…
Fonte> Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.
quinta-feira, 4 de abril de 2024
Daniel Maurício (Poética) 66
Hans Christian Andersen (A Campânula Branca)
Era inverno; o ar estava frio, o vento era cortante, mas dentro das portas fechadas estava quente e confortável, e dentro da porta fechada jazia a flor. Estava no bulbo sob a terra coberta de neve. Um dia a chuva caiu. As gotas penetraram na cobertura de neve até a terra, tocaram o bulbo da flor e falaram do mundo brilhante acima. Logo o raio de sol perfurou a neve até a raiz, e dentro da raiz houve uma agitação.
– “Entre”, disse a flor.
– “Não posso”, disse o Raio de Sol. “Não sou forte o suficiente para destrancar a porta! Quando chegar o verão, serei forte!”
– “Quando será o verão?” perguntou a flor, e ela repetia essa pergunta cada vez que um novo raio de sol descia até ela. Mas o verão ainda estava muito distante. A neve ainda estava no chão e havia uma camada de gelo na água todas as noites.
– “Quanto tempo leva? Quanto tempo leva?” perguntou a flor. “Sinto uma agitação e um esforço dentro de mim; devo me alongar, devo destrancar a porta, devo sair e devo desejar um bom dia ao verão, e que época feliz será!”
E a flor se mexeu e se esticou, e brotou sob a neve uma flor branco-esverdeada em um caule verde, com folhas estreitas e grossas, que pareciam querer protegê-la. A neve estava fria, mas foi perfurada pelo raio de sol, portanto foi fácil passar por ela, e agora o raio de sol veio com mais força do que antes.
– “Bem-vinda, bem vinda!” cantou e soou cada raio, e a flor ergueu-se sobre a neve para o mundo mais brilhante. Os raios de sol a acariciaram, de modo que se abriu completamente, branca como a neve e ornamentada com listras verdes. Ela abaixou a cabeça com alegria.
– “Flor bonita!” disseram os raios de sol, “como você é graciosa e delicada! Você é a primeira, você é a única! Você é o nosso amor! Você é o sino que toca para o verão, lindo verão, sobre o campo e a cidade. Toda a neve vai derreter, os ventos frios serão afastados, nós governaremos, tudo ficará verde, e então você terá companheiros, mas você é a primeira, tão graciosa, tão delicada!”
Isso foi um grande prazer. Parecia que o ar cantava e soava, como se raios de luz atravessassem as folhas e os talos da Flor. Lá estava ela, tão delicada e tão facilmente quebrada, mas tão forte em sua jovem beleza; ficou lá em seu vestido branco com listras verdes e fez verão. Mas ainda faltava muito para o verão. Nuvens escondiam o sol e ventos sombrios sopravam.
– “Você veio muito cedo”, disse o Vento Gelado. “Ainda temos o poder, e você deve senti-lo e entregar-se a nós. Você deveria ter ficado quieta em casa e não ter saído para se exibir. Sua hora ainda não chegou!”
Foi um frio cortante! Os dias que agora chegaram não trouxeram um único raio de sol. Era um clima que poderia quebrar uma flor tão pequena em duas com o frio. Mas a flor tinha mais força do que ela mesma sabia. Ela era forte na alegria e na fé pelo verão, que certamente chegaria, anunciado por sua profunda saudade e confirmado pelo calor do sol; e assim ela permaneceu confiante na neve em sua roupa branca, inclinando a cabeça mesmo enquanto os flocos de neve caíam grossos e pesados, e os ventos gelados sopravam sobre ela.
– “Você vai quebrar!” eles disseram, “Desapareça, desapareça! O que você queria aqui? Por que você se deixou tentar? O raio de sol só brincou com você. Agora você tem o que merece.”
Então algumas crianças se chocaram: – “Uma flor! — Que linda, que linda! A primeira, a única!”
Essas palavras fizeram tanto bem à flor que lhe pareceram como raios quentes de sol. Em sua alegria, a flor nem sentiu quando foi quebrada. Ela estava na mão de uma criança e foi beijada por outra, carregada para um quarto quente, observada por olhos gentis e colocada na água. Que fortalecimento, que revigorante! A flor pensou que de repente chegara o verão.
A filha da casa, uma linda menininha, pegou a delicada flor e a colocou em um pedaço de papel perfumado, no qual foram escritos versos. O papel estava dobrado como uma carta, e a flor também estava dobrada na carta. Estava escuro ao seu redor, escuro como naqueles dias em que ela se escondia na lâmpada. A flor partiu em viagem, e foi deitada no saco do correio, e foi pressionada e esmagada, o que não foi agradável; mas isso logo acabou.
A viagem acabou; a carta foi aberta e lida por um amigo querido. Ele amou! Ele beijou a carta, e ela foi colocada, em uma caixa, na qual haviam muitos versos bonitos, mas todos sem flores; ela era a primeira, a única, como os raios de sol a chamavam; e era uma coisa agradável pensar nisso.
Ela teve tempo suficiente para pensar sobre isso; ela pensou nisso enquanto o verão passava, e o longo inverno passava, e o verão voltava, antes que ela aparecesse mais uma vez. Mas agora o jovem não estava nem um pouco satisfeito. Ele pegou a carta com muita força e jogou os versos fora, de modo que a flor caiu no chão. Plana e desbotada ela certamente era, mas por que ela deveria ser jogada no chão? Ainda assim, era melhor estar aqui do que no fogo, onde os versos e o papel eram reduzidos a cinzas. O que tinha acontecido? O que acontece com tanta frequência: a moça o havia feito de bobo, havia, durante o verão, escolhido outro amigo.
Na manhã seguinte, o sol brilhou na pequena flor achatada, que parecia ter sido pintada no chão. A criada, que estava varrendo a sala, pegou-a e colocou-a em um dos livros que estavam sobre a mesa, acreditando que deveria ter caído. Novamente a flor jaz entre versos. E depois disso os anos se passaram. O livro estava na estante, e então foi retirado e alguém o leu. Foi um bom livro. O homem que agora estava lendo o livro virou uma página.
“Há uma flor!” ele disse; “Uma campânula-branca! Tão bonita, tão delicada. Tão adequada para este livro. Vou colocá-la de volta, para que seja apreciada para sempre.”
A Flor foi colocada de volta no livro.
Essa é a história da campânula-branca.
Fonte> Hans Christian Andersen. Contos. Publicados originalmente entre 1835 – 1872. Disponível em Domínio Público
Aníbal Beça (Poemas Escolhidos) = 2 =
Quando não se queima lenha
na casa de palha e taipa,
sinal de fome que escapa
à saga que se faz senha.
Rio, termômetro da várzea,
geografia de sol e chuva;
linha d’água, arco em curva,
elementos dessa faina.
Um pássaro risca na tarde
a cambraia do seu canto;
o fado da sarça, que arde,
queimando encardidos lírios
e a tua palidez palustre
em febre acendendo círios.
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MÚSICA DA HORA
Habito a pausa no hábito da pauta
música de silêncios e soluços
a refrear desmandos dos impulsos
que se querem agudos sons de flauta.
A vida é toda música em seu curso
do grito original em rima incauta
ao sussurro que se ouve em cama infausta
nesse fim dissonante do percurso.
O tempo se encarrega do metrônomo
unido a dois ponteiros de um cronômetro
em que o delgado veste-se de momo
para alegrar as horas do pequeno
que dança a marcha gris em chão sereno
fugindo ao dois por quatro do abandono.
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O COMEÇO ANTES DO COMEÇO
A chuva cheia chama por um nome
nesse som abafado em água funda.
No líquido chamado há um rio que some
afogando a palavra, flor fecunda,
já morta no som cavo que consome
o provável vestígio que se afunda.
Na sanha esse fastio enfeixa a fome
um som de ossos de vértebras rotundas,
harpa transida em tons e semitons:
Uma dodecafônica cantata
de assomada assonância se compõe
no dissonante sonho em catarata.
Chuva de vozes, chuva de Breton:
Nasce o cão andaluz e um sol desata-se.
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PASSAGEM
Não quero amor demais na minha hora
nem o sinistro choro carpideiro.
Só quero esse sorriso que me escora
como lembrança leve em meu canteiro.
Se bem plantado, o mórbido estertora-se
evanescentemente, no roteiro
do poema em teu louvor, grave, Senhora,
meus traços mais rebeldes, companheiros.
Teus olhos já cantei as suas grades
que não me prendem só por essa calma
senão o que apascentam sem alarde.
E na minha hora quero ter-te em palma,
apenas na passagem dessa margem,
palmeira verde que te quero na alma.
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TODA PALAVRA
Toda palavra voa nebulosa
até chegar latente ao nosso chão.
Pousa sem pressa ou prece em mansa prosa
caída chuva breve de verão.
Toda palavra se abre generosa
para abrigar segredos num porão
lá onde sobram sombras sinuosas
levantando a poeira no perdão.
Toda palavra veste-se vistosa
para fazer afagos na paixão
uma pantera em paz, porém tinhosa.
Toda palavra enfim é explosão
que o mundo só é mundo por osmose
pois há um outro ser no coração
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