Era uma vez um palácio cujo proprietário tinha um galo velho, que, devido à sua idade avançada, o pessoal da casa não quis continuar a alimentar, pelo que o galo teve de mendigar nas cercanias para se poder sustentar. Mas como dessa forma tampouco conseguia obter comida em quantidade suficiente, decidiu regressar a casa. Pelo caminho, cruzou com uma raposa, que lhe perguntou:
— Onde vais, meu galozinho?
— Volto para casa, porque nem a mendigar se consegue nada! - respondeu o galo.
— Leva-me contigo.
— Não tenho forças suficientes para poder carregar-te às costas, mas levo-te se te transformares em pulga e te meteres debaixo da minha asa.
A raposa transformou-se, pois, numa pulga e refugiou-se no lugar indicado. O galo reatou a marcha e, mais tarde, deparou-se com um lobo, que perguntou:
— Onde vais, meu galozinho?
— Para casa.
Ao inteirar-se, quis acompanhá-lo a todo o custo, pelo que pediu:
— Leva-me contigo!
— Transforma-te numa pulga e mete-te entre as penas das minhas costas, e levo-te.
O lobo transformou-se numa pulga e o galo introduziu-a entre as penas do dorso.
Depois de percorrer mais um pouco de terreno, encontrou um urso, que também lhe pediu que o levasse. O galo disse-lhe que se transformasse numa pulga e, quando o urso o fez, introduziu-a entre as penas de uma perna.
A seguir, prosseguiu o seu caminho e chegou finalmente ao seu antigo lar, dirigindo-se para o pátio, onde começou a cantar:
Cocorocó! Cocorocó!
O galo tem um esporão dourado!
Mas o amo é um canalha
e para a rua foi mandado!
Ao ouvir isto, o proprietário do palácio ficou furioso e ordenou a um serviçal que matasse o galo. No entanto, o homem condoeu-se dele porque cantava muito bem e recusou cumprir a ordem, argumentando que o repugnava ter de por termo à vida da ave.
— Então, leva-o para o estábulo e deixa-o no meio dos cavalos selvagens, que o matarão aos coices — decidiu o rei.
Assim, o galo foi levado para o estábulo, mas não sofreu qualquer ataque, porque, quando os cavalos começaram os coices, disse simplesmente:
— Sai da minha perna, urso querido, come todos os que quiseres e mata os restantes!
Surgiu imediatamente o urso que se tinha transformado em pulga e ocultado entre as penas de uma das pernas do galo, que comeu todos os cavalos que pôde e matou os outros.
No dia seguinte, o rei apresentou-se no estábulo, a fim de se certificar pessoalmente de que os cavalos tinham esmagado o galo.
Este, porém, que continuava vivo, cantou como na ocasião anterior:
Cocorocó! Cocorocó!
O galo tem um esporão dourado!
Mas o amo é um canalha
e para a rua foi mandado!
Havia no palácio doze touros invulgarmente corpulentos e bravos, pelo que o rei ordenou ao serviçal:
— Atiça os touros contra o galo, para que o trespassem com os chifres. Desta vez, não escapará à morte e poremos termo ao seu irritante cacarejar.
E assim se fez. Mas quando os touros se preparavam para o atacar, o galo extraiu a pulga que se alojava sob as penas das costas, a qual se transformou de novo em lobo, que devorou e degolou os touros, após o que o galo se pôs a cantar como nas outras vezes:
Cocorocó! Cocorocó!
O galo tem um esporão dourado!
Mas o amo é um canalha
e para a rua foi mandado!
O rei, que o ouviu, enfureceu-se e disse aos serviçais:
— Ainda nos restam doze bodes muito ferozes. Levem o galo ao seu estábulo, para que passe lá a noite. Veremos se, desta vez, continuará com o seu cocorocó!
Dito e feito: o galo foi levado ao local indicado e encerraram-no com os bodes, os quais se precipitaram imediatamente para ele, dispostos a atravessá-lo com os chifres. No entanto, o galo sabia perfeitamente o que devia fazer: extraiu de entre as penas a terceira pulga, que se transformou em raposa e os degolou. Deixou-os em tal estado que horrorizava vê-los, e devorou toda a carne que pôde.
Na manhã seguinte, o rei e os serviçais foram ver o resultado do seu estratagema e verificaram que o galo continuava vivo. Mal abriram a porta, a raposa saiu sem que a vissem e partiu com destino desconhecido.
A fúria do monarca foi novamente quase apopléctica, e decidiu:
— Tenho de matar essa maldita ave, seja como for!
E dispôs-se a eliminar o galo com as suas próprias mãos. Por conseguinte, agarrou-o e começou a torcer-lhe o pescoço, mas, já moribundo, o galo disse:
— Não te livrarás de mim, nem morto. Voltarás a ouvir a minha voz, mas o teu fim estará então próximo.
Ao escutar estas palavras, o rei disse para consigo: "Tenho de comer este maldito alvoroçador! Assim, deixará de cantar para sempre!"
Mandou, pois, assar o galo e organizou um banquete, para o qual convidou todos os fidalgos vizinhos e muitos outros. Na data fixada, sentaram-se em torno da enorme mesa e principiaram a comer. O rei pegou então no galo assado com as mãos, cortou um pedaço e levou-o à boca, dizendo:
— Livraste-te de muitos momentos de apuro em vida, mas agora não voltarás a cantar o teu cocorocó!
Mal pronunciara estas palavras, quando, de repente, o galo assomou a cabeça à boca do rei e entoou como nas outras vezes:
Cocorocó! Cocorocó!
O galo tem um esporão dourado!
Mas o amo é um canalha
e para a rua foi mandado!
Quando os comensais ouviram aquela voz singular proveniente das entranhas do monarca, ficaram de tal modo desconcertados que não tornaram a tocar na comida. Depois de refeito do susto, o rei ordenou aos serviçais:
— Peguem num machado e, se o maldito galo tornar a assomar à minha boca, cortem-lhe a cabeça!
Eles apressaram-se a obedecer e, quando a cabeça da ave voltou a aparecer, pretenderam cortá-la, mas retrocedeu com prontidão e atingiram a do amo, que caiu morto, como o galo predissera. E assim chega este conto ao fim.
Fonte: Ulf Diederichs, Palácio dos Contos. Lisboa/Portugal: Círculo de Leitores, 1999.
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