sexta-feira, 26 de abril de 2024

Vasco Mousinho de Quebedo (Poesia sem fronteiras) = 2


SONETO X

Quais no soberbo mar à nau, que cansa
Lidando c'os assaltos da onda e vento,
Os Bálios* irmãos do Etéreo assento
Lhe confirmam do porto a esperança,

Tal vossa vista ao tempo, que se alcança
Desta, que não tem mor contentamento,
No mar de meu cuidado e meu tormento
Mil esperanças cria de bonança.

Comparação, conforme a causa, ufana,
Pois quando um me aparece, outro se esconde,
Como no Céu faz u'a, e outra estrela.

Iguais também no Amor, que em vós responde
Também no desamor da Irmã Troiana,
Que ambos vos conjurais em ódio dela.
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Bálios = Na mitologia grega, Xantos e Bálios eram dois cavalos sendo imortais, filhos do deus-vento Zéfiro e da harpia Podarge. Xantos e Bálios foram presenteados a Peleu, pai de Aquiles, por Poseidon, em seu casamento. 
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SONETO XI

Lá nua estranha e solitária terra,
De gente e nação bárbara habitada,
O metal nobre não se estima em nada
Que embalde seu valor e preço encerra.

Ouro, com que se arreia e move guerra
A corações, a Dama delicada,
Serve lá de grilhão, que em apertada
Corrente a malfeitores fecha e cerra.

Nasce esta confusão e diferença
Do muito que uns o seu valor alcançam,
E do pouco que de outros se conhece.

Julguem do Sol, e sua glória imensa
Os olhos d'Águia, já que todos cansam,
Que só para tais olhos resplandece.
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SONETO XV

Triste do que em tristeza passa o dia,
Feliz porém, se a passa, e enfim lhe passa,
Mas quem ventura teve tão escassa
Que em nada ache prazer nem alegria.

Nos ais, alívio tem quem n'alma os cria,
A quem em trevas vive, a luz dá graça,
Há quem do fogo e Sol se satisfaça,
E quem se satisfaça d'água fria.

Restaura o ar, na calma, o fraco alento,
Conforta o cheiro de u'a flor suave,
Convida a sombra, a erva a grato assento,

Suspende da Ave o canto a pena grave;
Ai que não aliviam meu tormento
Ais, luz, Sol, fogo, água, ar, flor, sombra, erva, Ave.
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SONETO XVI

Já tramontado o Sol do assento puro,
Debuxadas se veem no claro rio
As seis filhas de Atlante pelo estio,
Cobre-se Electra, só, de um manto escuro.

Já que com tanto risco me aventuro,
E sou tachado por escuro e frio,
Mostrem-se todos, que eu num só desvio
De vergonha escondido estar procuro.

Mas bem sabeis, engenho ilustre e nobre,
Que inda que o lavrador bárbaro veja
Que não são mais que seis estas estrelas,

O Astrólogo sábio, que descobre
Mais avante e co'a vista além peleja,
Diz que são sete, esconde-se u'a delas.
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SONETO XVIII

Quem quiser que seus ais o vento leve,
Quem quiser levantar nas águas torre,
Quem semear nas praias onde morre
E onde jamais ser o trigo teve.

Morra por vós, que na constância breve
Sois como folha, que c'o vento corre
Só constante em meu mal, porque me forre
De cuidar que sereis 'té nisto leve.

Suspiros de minha alma a quem vos dei,
Dei-vos suspiros meus ao leve vento?
Que foi de vós ó lágrimas cansadas?

Assaz pago fiquei com meu tormento,
Já que outro bem por vós não alcancei,
O bem me fica de vos ter choradas.
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SONETO XIX

Qual mísera Calisto, quando atenta
Que abrindo o dia vão ao largo estanho
As mais estrelas a seu doce banho,
Só com seu Plaustro só ficar lamenta,

Tal, quando me a memória representa
Banharem-se outros nesse mar estranho,
De graças mil gozando bem tamanho,
A falta dessa glória me atormenta.

E como inda que irada Juno a tolha
Descer ao mar, não deixa em noite clara
Ferir nele seus raios do alto assento,

Assim, por mais que a sorte em tudo avara
Para si deste corpo a parte escolha,
Livre, porém, me fica o pensamento.

Fonte> http://www.sonetos.com/biografia.php-a=39.htm (site desativado). Acesso em 15.01.2016

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