terça-feira, 16 de abril de 2024

Arthur Thomaz (Angel of the Morning – O Azarão)

Nasci nas sofisticadas cocheiras de um famoso Jockey Club. Um garboso potrinho, orgulho de minha mãe. Deram-me um nome lindo em inglês, mas não entendia o porquê todos me chamarem um pouco tempo depois de “Azarão”.

Eu nasci bem cedinho em uma manhã fria, dando trabalho a um veterinário, que chegou mal humorado, então não sei se ironicamente ou não, me colocaram o nome de Angel of the Morning.

Como eu era muito forte e desenvolvido, quando chegou a época do treinamento, fui designado a um aprendiz de jóquei muito levinho e bom cavaleiro, o que me agradou bastante.

Treinávamos todos os dias e ele me deixava correr solto para depois me ensinar a poupar esforços em percursos de longa distância. Sempre após os treinamentos, ele me dava uma pequena cenoura, que furtava da cozinha do Jockey.

Na época em que fiquei apto à primeira corrida, estranhei um fato: não era o meu aprendiz que iria me conduzir, e sim um jóquei profissional. Querendo correr solto para ganhar o páreo, percebi que ele me retinha com as rédeas, não me impulsionando. Estranhei demais aquilo, mas como os leitores podem notar, eu não posso falar com os humanos, portanto, não pude reclamar com ele.

E isso repetiu-se por muitos páreos e eu nunca conseguia chegar à frente.

Quando se aproximou um famoso grande prêmio, eu notei a mudança de comportamento do jóquei, deixando-me correr solto e ganhar dois ou três páreos sem importância. Não podia imaginar que era para eu poder ter um handicap que me habilitasse ser inscrito em Grandes Prêmios, entrando como azarão na prova. Isso, em caso da minha vitória, faria render uma pule altíssima, o que ocasionaria muito lucro para esses desonestos do turfe.

Comecei a entender o que acontecia nos subterrâneos dos Jockeys Clubes.

Exigi ser montado pelo amigo aprendiz, derrubando todos os jóqueis que teimavam em subir em minha sela. 

No dia da grande corrida, acordei já com um plano traçado. Ganhei o páreo por uma cabeça, o que me transformou em celebridade. Meu amigo aprendiz também tornou-se um rico e prestigiado jóquei. Fui transferido para a maior e mais confortável baia do pavilhão das cocheiras.

Comecei a colocar meu plano em ação, decidido a não me prestar a essas falcatruas no mundo das corridas. No primeiro treino, simulei uma lesão na pata dianteira, começando a mancar. Pânico geral, com a imprensa vindo fazer reportagens. Equipes de veterinários, até estrangeiros, a examinar-me. Dezenas de exames radiológicos e ninguém conseguiu descobrir a razão da “patologia”.

Expliquei ao meu amigo que não se preocupasse comigo, pois tudo era parte de meu plano. Rimos muito da situação. Fui, então, retirado das corridas e colocado em um haras especializado em reprodução animal.

Hoje, corro solto pelas pradarias, sem preocupações, e de vez em quando, sou requisitado para a colheita do meu valiosíssimo sêmen. Recebo a visita constante de meu agradecido amigo, que mantém comigo longas conversas, acompanhadas das deliciosas cenouras que ele sempre traz para lembrar os velhos tempos.

Ah! Volto a mancar sempre que aparece por aqui, no haras, um veterinário do Jockey.

Fonte> Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: insondáveis. 1. ed. Santos/SP: Bueno Editora, 2024. Enviado pelo autor 

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