domingo, 21 de abril de 2024

Luiz Poeta (Enseada de Trovas) = 1


A graça de Deus é vasta,
Deus sempre me abençoou
e enquanto a vida se arrasta,
agradeço por quem sou.
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A imagem que se revela
na tela que tu me pintas,
é borrão numa aquarela,
dela não vês nem as tintas.
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A linha despe o novelo;
a roupa fica completa;
a moda veste a modelo
e o verso veste o poeta.
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A minha nau "Aventura"
procura as ilhas de mim,
mas quanto mais me procura,
vê um oceano sem fim.
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A porta aberta convida...
- Por que hesitas, passarinho?
- Acostumei-me com a vida
da gaiola... e fiz meu ninho.
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A rítmica de uma trova,
esbarra na convenção
de quem discute, sem prova,
sinalefa ou elisão.
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A saudade, essa senhora
que sorri meio sem graça,
simplesmente vai embora,
depois que a tristeza passa.
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A simples obra de arte
da inspiração de um pintor,
é muito mais que um encarte,
é parte do seu amor.
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A solidão é assim:
metade de um falso inteiro,
início de um falso fim
que nunca foi verdadeiro.
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A trova, além da leitura,
requer, na declamação,
um tiquinho de ternura
e um tantinho de emoção.
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A trova é tão... pequenina,
mas se tem bom conteúdo,
quem vê além da retina,
faz dela seu próprio estudo.
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A vida é feita de avisos...
avisa a quem te magoa
que, quando ouve alguns guizos,
todo passarinho voa.
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Com muito afeto, ela disse,
na carta que me escrevia;
escreveu tanta tolice
que meu amor nem mais lia.
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Com sete sílabas traço
meu passo de centopeia,
ritmando meu compasso
no compasso de uma ideia.
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Com tanta porta fechada,
Deus nos mostra a porta aberta.
Quem entra na porta errada,
erra mais do que acerta.
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Com tanta cumplicidade
entre o réu e o juiz,
sempre perde a liberdade
quem vive pobre e infeliz.
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Com tuas gotas de pranto,
cuidaste do meu jardim,
mas por me cuidares tanto,
secaste dentro de mim.
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Costureiro que se orgulha
da fé que tem no novelo,
vê, no buraco da agulha,
passar bem mais que um camelo.
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Cuida, Senhor, dessa gente,
que mente ao falar de amor,
fingindo o que diz que sente,
quando o que sente é rancor.
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Cupido dispara a seta,
mas deixa o amor a salvo;
no coração do poeta,
a inspiração é o alvo.
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Cupido sempre é suspeito
por qualquer flecha perdida,
que depois que sai de um peito,
acerta, em cheio, outra vida.
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Da trova, sou aprendiz;
sou só mais um trovador
que copia o que Deus diz,
quando ele fala de amor.
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Das tuas mãos, li as linhas,
mas como sou mau leitor,
não percebi que eram minhas,
as linhas do teu amor.
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De tanto me aprisionares
dentro do teu coração,
toda vez que me soltares,
voltarei para a prisão.
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 Faço um retrato perfeito
quando em meu peito te pinto,
o amor tem tanto defeito,
que quando te pinto, minto.
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Fonte> Luiz Gilberto de Barros. Trov-ansi-arte. Rio de Janeiro: ZMF, 2022. 
Enviado pelo trovador.

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