sábado, 27 de abril de 2024

Sílvio Romero (O cágado e a fruta)

Diz que foi um dia, havia no mato uma fruta que todos os bichos tinham vontade de comer, mas era proibido comer a tal fruta sem primeiro saber o nome dela. Todos os animais iam à casa de uma mulher que morava nas paragens onde estava o pé de fruta, perguntavam a ela o nome, e voltavam para comer, mas quando chegavam lá não se lembravam mais do nome. Assim aconteceu com todos os bichos que iam e voltavam, e nada de acertar com o nome. Faltava somente o amigo cágado. Os outros foram chama-lo para ir por sua vez. Alguns caçoavam muito, dizendo:

 — Quando os outros não acertaram, quanto mais ele!

O amigo cágado partiu munido de uma violinha, e quando chegou na casa da mulher perguntou o nome da fruta. Ela disse:

 — Boyoyô-boyoyôquizamaquizu, boyoyô-boyoyôquizamaquizu.

Mas a mulher, depois que cada bicho ia-se retirando já em alguma distância, punha-se de lá a bradar:

 — Ó amigo tal, o nome não é esse, não!

E dizia outros nomes; o bicho se atrapalhava, e quando chegava ao pé de fruta não sabia mais o nome. 

Com o cágado não foi assim, porque ele deu de mão à sua violinha, e pôs-se a cantar o nome até ao lugar da árvore, e venceu a todos. Mas a amiga onça, que já lá estava à sua espera, disse-lhe:

 — Amigo cágado, você como não pode trepar, deixe que eu trepe para tirar as frutas, e você em paga me dá algumas.

O cágado consentiu, ela encheu o seu saco e largou-se sem lhe dar nenhuma. O cágado, muito zangado, largou-se atrás. Chegando os dois a um rio, ele disse à onça:

 — Amiga onça, aqui você me dê o saco para eu passar, que sou melhor nadador, e você passa depois.

A onça concordou, mas o sabido, quando se viu no outro lado, sumiu, ficando a onça lograda. 

Esta formou um plano de o matar. Ele soube e meteu-se debaixo de uma raiz grande de árvore onde ela costumava descansar. Aí chegada, pôs-se ela a gritar:

 — Amigo cágado, amigo cágado!

O sabido respondia ali de pertinho:

 — Oi.

A onça olhava de um lado e de outro e não via ninguém. Ficou muito espantada, e pensou que era o seu traseiro que respondia. Pôs-se de novo a gritar, e sempre o cágado respondendo:

 — Oi!

E ela:

 — Cala a boca, traseiro! — e sempre a coisa ia para diante.

O amigo macaco veio passando, e a onça lhe contou o caso da desobediência de seu traseiro e lhe pediu que o açoitasse. 

O macaco tanto executou a obra que a matou. Deu-se então o cágado por satisfeito.

Fonte> Sílvio Romero. Contos populares do Brasil. Publicado em 1883. Disponível em Domínio Público 

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