A necessidade de mais espaço e liberdade no dormir fez com que Belarmino deitasse mais vezes no sofá. Joanita, a princípio, reclamou, depois foi se acostumando e se esparramando pela cama.
Belarmino começou a perceber e a reclamar das suas coisas fora do lugar. Sempre que queria usar aquela camisa ou calça, estavam sem passar. Nunca sabia onde se escondia o que procurava e ainda ouvia insinuações de dependência e de querer tudo nas mãos.
As ideias foram se formando e aquilo martelando, até que, a partir de um programa de televisão, resolveu montar uma casa só sua, embora continuasse o casamento.
Joanita achou a decisão um absurdo, mas Belarmino estava disposto a levar em frente a decisão e confessou que estava cansado de morar em sua casa e não ter liberdade para mandar e desmandar. E descarregou seus motivos:
- A casa, na verdade, pertence a ti, Joanita e não a mim. Se, por acaso, chegar aqui com aqueles amigos do futebol e depois de tomar uns pileques, ficarmos a falar das jogadas, de quem foi o erro, de quem foi o gol e da próxima partida, sem preocupação de horas, tu vais aceitar?
Por acaso já vim alguma vez com amigos que tocam legal um cavaquinho e ficamos até alta noite cantando?
Sabes que eu já passei vontade de fritar um ovo, eu mesmo, e deixar no ponto, sem ligar para gorduras espalhadas pelo fogão?
Sabes que é a contragosto que eu fecho o box e que a toalha molhada no chão não é esquecimento, pois gosto de deixar lá mesmo? E que me enraivece após a barba guardar imediatamente o aparelho e a pasta?
Sabes que quando estou ouvindo minha ópera e tu reclamas de dor de cabeça, pedindo para abaixar o som, me dá vontade de levá-lo nas alturas? E já reparastes que toda vez que eu ouço surge a tua dor de cabeça?
Já notastes que eu deixo sempre o meu chinelo do lado da cama e quando chego, tu já guardastes no lugar certinho e eu sempre esqueço?
Sabes que não gosto nada, nada, daquele quadro do toureiro pendurado na parede da sala? E que várias vezes me passou pela cabeça atirá-lo no chão? – desabafou mais e mais, até que a Joanita concordou.
Alugou um apartamento e foi a custo que o Belarmino conseguiu colocar uma ou outra coisa onde queria. Seu sonho de praticabilidade foi por água abaixo e os cômodos se encheram de móveis, ao gosto da Joanita.
As coisas foram entrando devagarinho. Numa coisa ou outra, ela cedeu, mas tinha sapateira e porta toalhas. Foi quando ela ameaçou colocar um quadro na parede, que ele disse; "Chega!" Bagunçou tudo e exigiu que ela não arrumasse mais nada na casa que agora era só sua.
Mas foi no dia do blecaute que Belarmino percebeu que, em algumas coisas, a Joanita estava com a razão e que tinha sentido o conselho da mulher para que guardasse um maço de velas naquele cantinho do armário (que por sinal é uma bagunça total].
Fonte> Laé de Souza. Acredite se quiser. SP: Ecoarte, 2000. Enviado pelo autor.
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