segunda-feira, 15 de abril de 2024

Caldeirão Poético LXXXV

Elvira Drumond

FLORAÇÃO 

Ainda que capine a dor no peito
e extirpe todas ervas tão daninhas, 
não posso remover das “terras minhas”
alguns ressentimentos… (de que jeito?)

Ainda que revolva o campo eleito
à cata de vegetações mesquinhas, 
a força de tais plantas, se vizinhas, 
parece enraizar o meu defeito…

Mas quero, ao adubar o meu terreno, 
que a terra se renove no sereno, 
que o céu, lacrimejando, lave o chão. 

Que a graça de orvalhar cada esperança 
devolva a luz… (quem sabe a vista alcança)
e traga um novo tempo em floração!
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Fernando Antônio Belino

INSTÁVEL

O tempo, que nos prende em sua grade,
traz, alternadamente, bem e mal.
Não leva em conta gosto nem vontade;
espalha amor e dor, em dose igual.

Quem busca abrigo sólido, em verdade,
nem sempre alcança a salvação total,
pois chega, sorrateira, a tempestade
e faz da vida intenso lamaçal.

Não há, de fato, em nada, infelizmente,
o que garanta acerto permanente.
É muito instável nossa travessia!

As chances de vitória ou de fracasso,
descobriremos sempre, a cada passo,
na estrada em que seguimos, dia a dia.
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Giliard Santos

AMPULHETA

A areia ali se move lentamente
Neste artefato frágil e incolor...
E em sua ação mecânica e silente,
Vai alcançando o bojo inferior.

Os grãos de areia nunca irão se opor
À lei da gravidade contundente...
Transcorrem, exercendo seu labor,
Cumprindo sua sina, tão somente.

Naquele artigo que hoje adorna a sala
A areia nunca volta, nunca entala
E vai, por ele, sendo consumida.

O tempo, em categórica faceta,
Trabalha assim, conforme essa ampulheta,
Levando, pouco a pouco, nossa vida.
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Jerson Brito

ESPERAS

Suplicam asas, numerosos pares,
estes desvairos do juízo, implumes,
porque me atingem, da lascívia, os gumes,
brilham banquetes de carnais manjares.

Se eu te levar, invadiremos ares,
infinitudes da paixão, ardumes;
abraçaremos vendavais, perfumes,
para Afrodite levantando altares.

Senhora, vem extravasar teu gosto,
deitar a seiva, colorir meu rosto,
apaziguar um coração aflito!

Tua presença me alimenta feras,
amansa lábios, adocica esperas
e satisfaz enclausurado grito.
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Lucília Alzira Trindade Decarli

"PÁSSAROS" SEM RUMO

Feliz é o ser que encontra em seu caminho
doce aconchego e segue, vida afora,
sem conhecer a dor de estar sozinho,
exposto ao desabrigo, que apavora.

Há “pássaros” sem asas e sem ninho
– somente o sonho voa, quando aflora...
No mundo perambulam sem carinho
e a sorte, inexorável, os ignora.

Não falo, aqui, dos pássaros que cantam,
nem das revoadas rápidas, que encantam,
mas, sim, daqueles onde a mágoa assola...

Dos muitos “passarinhos” desnorteados;
 no alçar do voo incerto, encurralados
e, em meio às penas, presos na “gaiola!...”
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Maurilo Rezende

SONETO DO AMOR INGENTE

Resipiscência* que conduz o meu futuro,
Nuvem azul que chove em forma de esperança,
Fadiga longa em que meu peito não se cansa,
Anseio vasto... Sentimento muito puro...

Toda importância dessas coisas que procuro,
A mão de Deus, o meu sorriso de criança...
Sombra que junto ao meu cansado corpo avança,
Luz que ilumina meu espírito no escuro...

Amarelados versos, páginas contadas,
Sonhos perdidos pelas curvas das estradas,
Caminhos ínvios, quase sempre... Mas eu vou...

Parte do céu que creio minha ser um dia...
Princípio pelo qual externo não seria,
Se já não fosse exatamente quem eu sou…
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*Resipiscência: Reconhecimento de uma falha que leva ao arrependimento e à vontade de remissão, da busca pelo perdão e do desejo de não voltar a cometê-la.
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Pedro Ornellas

FANTASIA

Na casa tosca e pobre a mesa parca;
coração cheio e mãos sempre vazias...
Fartura de ilusões e fantasias
no reino em que, soberbo, eu fui monarca!

Por sobre a areia fina dos meus dias
o tempo deslizou deixando a marca;
sulcos profundos que o meu pranto encharca
quando o passado volta em noites frias!

Como era doce a antiga brincadeira...
Meu trono: um simples banco de madeira,
e de esperanças meu castelo eu fiz!

Hoje, à mercê da vida que me afronta,
já não sou mais o rei do faz-de-conta,
já não sei mais brincar de ser feliz!
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Ricardo Camacho

VIGÍLIA

Desmaia a luz e a tarde, adormecida,
Na rubidez* pungente do poente
Que trouxe a treva rútila, regente
Da etapa escura e gótica da vida.

Abaixo da redoma enegrecida,
A noite expande-se na lei vigente,
Mostrando um ponto tão tremeluzente
Da chama de uma estrela esmaecida.

Bem perto, a lua, em nébula abraçada,
Caminha em direção à madrugada,
Na solidão do espaço encantador...

Vagando calmamente em horas calmas,
Na dimensão sonífera das almas,
Prossigo distraindo a minha dor.
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*Rubidez = rubor.
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Fonte> Academia Brasileira de Sonetistas Clássicos. Trilha 1. 6 set 2023.
https://www.recantodasletras.com.br/sonetos/7873455

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