(Paranavaí/PR)
Simples recados
Quando se dispuser a algo, esqueça o ontem e se repagine ao presente: o amanhã não saiu da prancheta, é projeto ainda que você construirá.
Procure surpreender a quem o espera, como faz surpresa a brisa fria no rosto, sentida ao abrir a janela. Seja suave como ela, e agradável como o bailar que a impulsiona, e exuberante como a pequena flor recém-aberta profusa ao sol que, mesmo simples, dá à vida o valor que tem. Dê-se por inteiro e venha.
Presenteie a quem o espera com a modéstia da areia varrida e deixe que o carinho de seu olhar tempere a chegada, regando-a com o fio gelado da água do ribeiro.
Cause, com o íntimo aberto, sem pretextos, profusões ou prosopopeias, e dê a essa chegada o caráter solene do ficar, eis que quem assim chega traz o todo consigo, a mala cheia de paixão vertida pelas beiradas a dizer quão boa é a vida. E fique. Bem. Só esse propósito valerá a chegada e o dia.
Para fazer do chão pedregoso o solo arável que aninha semente e faz dela árvore frondosa. Fique, não se ressinta com possíveis insetos ou calores, eles serão desconfortos passageiros que o ajudarão a se manter firme.
E sendo chão, procure ser macio a infinitas solas que possivelmente o pisarão. Não as maltrate, serão passos de caminhantes à procura do bem viver, assim como você. Ajude-as com sua maciez, massageie-as com brandura e esses passos sobre si nem serão sentidos. Enraíze-se em amores, muitos, infinitos e os trance com seus gestos de gratidão, ação e palavra, e lhes dê o conforto da meia-sombra, da umidade necessária e do sossego. Permita-lhes o belo, resplandecente e vigoroso crescimento e florescência. Só um chão fértil sabe o bem que tem dentro de si. E sabe da força interna que tem.
E ficando, mostre-se por inteiro com seus defeitos e carências, feiura e beleza, com a sua humanidade e até com os desgastes que a vida na sua passagem proporcionou. Ninguém é imaculado como uma folha em branco. Aliás, o passado, como o ontem, mesmo belo ou fracassado, se foi, e o hoje merece ser bem vivido, por isso o amolde, modele-o com o canivete da franqueza.
Tire-lhe a aspereza, o enrugamento, as partes podres. O fraco só se torna forte com a persistência, com a resiliência. a confiança, não há outro remédio. Então, persista!
Deixe que seus olhos procurem o horizonte e suas pernas saiam em sua busca, mas volte. Sim, e transforme seu ficar em um extenso e intenso intervalo, em um presente contínuo talhado a cada minuto pela faca do agora compartilhando sentimentos e aprendizagem, dando e recebendo na reciprocidade que o amor afivela e, se amanhã tiver que partir em definitivo, que suas pegadas sejam seu testemunho, que seus rastros que o tempo não conseguirá apagar sejam sua história escrita minuto a minuto, em definitivo, e nunca apenas um rascunho, desses que rabiscamos para desprezar no cesto.
Fonte> Renato Benvindo Frata. Fragmentos. SP: Scortecci, 2022. Enviado pelo autor
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