sexta-feira, 5 de abril de 2024

Vasco de Castro Lima (Como fazer um soneto) = parte 2

PARA ESCREVER UM SONETO

1 - Escrever com naturalidade, evitando palavras rebuscadas ou de difícil pronunciação. Compor os versos com palavras justas, apropriadas, que proporcionem um efeito agradável na armação das estrofes. Os versos têm de ser ou parecer fluentes, nunca deixando revelar as dificuldades de sua construção.

2 - Pureza de ritmo, ou seja, sonoridade e cadência. O ritmo é o talismã da poesia.

3 - Servindo-se de palavras comuns, arquitetar arranjos artísticos, fugindo às figuras e símbolos repisados e enfadonhos.

4 - As boas imagens podem ser antigas, mas os versos devem ser modernos, embora com a forma clássica, no caso do soneto. Imagens singelas, vitais, incisivas, harmoniosas, expressivas e, tanto quanto possível, inéditas.

5 – Os versos devem conter: criação, dinamismo, engenho artístico, ideias e expressões – dignos da poesia pura. A linguagem pode vestir a poesia de riquezas maravilhosas.

6 - É importante a disposição das palavras nos versos. Deve ser preferida, sempre, a ordem direta. Com as palavras em ordem inversa, fica prejudicado o efeito estético do verso. Além disso, pode, esse método, dar a impressão de falta de recursos do poeta – em que pese tratar-se de um uso bastante empregado pelos parnasianos.

7 - Esquivar-se da adjetivação excessiva. É preciso adjetivar com toda a propriedade e moderação.

8 – Usar, inteligentemente, os verbos, com os quais pode-se dar imprevisto e esplêndido meneio às imagens, tornando-as inesquecíveis.

9 - Afastar as dissonâncias ou quaisquer tipos de sons menos agradáveis: versos duros, versos sibilantes, cacofonia, monofonia; enfim, quaisquer vícios contra a pureza musical do verso.

10 – Livrar-se dos versos frouxos, que se arrastam sem energia: hiato; acentos rítmicos fracos; falta de acentos rítmicos secundários; acento forte antes ou depois de acento rítmico.

11 - Arredar as licenças poéticas. Não precisamos entrar em detalhes a respeito desses defeitos, que o próprio uso diário da língua ensina a evitar ou, pelo menos, contornar.

12 - O poeta tem, necessariamente, de conhecer a própria língua, para se poupar, inclusive do emprego de expressões forçadas que enfeiem seus poemas. Não só conhecê-la teoricamente, mas ler os clássicos, adquirir um bom vocabulário.

13 – As sílabas métricas, ou seja, os elementos sonoros do verso, não coincidem , muitas vezes, com as sílabas gramaticais. Por isso, é importante ter o maior cuidado ao fazer a elisão de dois vocábulos, bem como a fusão de vogais dentro da mesma palavra.

14 - Abandonar as rimas de sons muito comuns. Também as rimas extravagantes, o oposto das triviais. Não se deve esquecer que as rimas difíceis sacrificam a emoção e, por isso, devem ser usadas com parcimônia.

15 - Evitar, ao máximo, as rimas que, tradicionalmente acasaladas, “se oferecem” , de maneira quase fatal, privando o leitor ou o ouvinte daquela surpresa que tanto agrada na poesia. Evitar, por exemplo: olhos/abrolhos/escolhos; noivo/goivo; noite/açoite ; tédio/remédio; etc.

16 – Utilizar o “enjambement”* com sobriedade, atenção e habilidade, pois a falta de talento na aplicação desse recurso pode redundar em fracasso.

* Enjambement =Passagem, para o verso seguinte, de uma ou de várias palavras que completam o sentido do precedente.

17 - A insistência da mesma vogal (homofonia) é desagradável num verso, excetuando-se os casos em que a empregamos para certos efeitos procurados, principalmente para o de harmonia imitativa (sugestão musical àquilo que o verso exprime);

“Tíbios flautins finíssimos gritavam:
e, as curvas harpas de ouro acompanhando,
crótalos* claros de metal cantavam”. (Olavo Bilac)

* Crótalos =Antigo instrumento musical dos gregos e romanos, semelhante às castanholas.

18 - As consoantes insistentes também podem traduzir efeitos necessários e até apreciáveis:

“ Rápido o raio rútilo retalha” . (Raimundo Correia)
“ Basta a brava e brutal e bárbara beleza” . (Martins Fontes)

“ Vozes veladas, veludosas vozes,
volúpias dos violões, vozes veladas
vagam nos velhos vórtices velozes
dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas...” ( Cruz e Sousa)

19 - Se os versos devem ser eufônicos, o mesmo se deve exigir das rimas. As rimas próximas, que se alternam, que se entrelaçam, têm de oferecer contraste ou oposição de som. Do contrário, acarretam monotonia. Exemplo de rimas de sons parecidos (homofonia)

“ Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? que sentido
têm o que dizem quando estão contigo?” (Olavo Bilac)

“Ao crebro* som do lúgubre instrumento
com tardo pé caminha o delinquente;
um Deus consolador, um Deus clemente
lhe inspira, lhe vigora o sofrimento”. (Bocage)

* Crebro = (Poética) Repetido, frequente.
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continua…

Fonte> Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.

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