Quando não se queima lenha
na casa de palha e taipa,
sinal de fome que escapa
à saga que se faz senha.
Rio, termômetro da várzea,
geografia de sol e chuva;
linha d’água, arco em curva,
elementos dessa faina.
Um pássaro risca na tarde
a cambraia do seu canto;
o fado da sarça, que arde,
queimando encardidos lírios
e a tua palidez palustre
em febre acendendo círios.
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MÚSICA DA HORA
Habito a pausa no hábito da pauta
música de silêncios e soluços
a refrear desmandos dos impulsos
que se querem agudos sons de flauta.
A vida é toda música em seu curso
do grito original em rima incauta
ao sussurro que se ouve em cama infausta
nesse fim dissonante do percurso.
O tempo se encarrega do metrônomo
unido a dois ponteiros de um cronômetro
em que o delgado veste-se de momo
para alegrar as horas do pequeno
que dança a marcha gris em chão sereno
fugindo ao dois por quatro do abandono.
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O COMEÇO ANTES DO COMEÇO
A chuva cheia chama por um nome
nesse som abafado em água funda.
No líquido chamado há um rio que some
afogando a palavra, flor fecunda,
já morta no som cavo que consome
o provável vestígio que se afunda.
Na sanha esse fastio enfeixa a fome
um som de ossos de vértebras rotundas,
harpa transida em tons e semitons:
Uma dodecafônica cantata
de assomada assonância se compõe
no dissonante sonho em catarata.
Chuva de vozes, chuva de Breton:
Nasce o cão andaluz e um sol desata-se.
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PASSAGEM
Não quero amor demais na minha hora
nem o sinistro choro carpideiro.
Só quero esse sorriso que me escora
como lembrança leve em meu canteiro.
Se bem plantado, o mórbido estertora-se
evanescentemente, no roteiro
do poema em teu louvor, grave, Senhora,
meus traços mais rebeldes, companheiros.
Teus olhos já cantei as suas grades
que não me prendem só por essa calma
senão o que apascentam sem alarde.
E na minha hora quero ter-te em palma,
apenas na passagem dessa margem,
palmeira verde que te quero na alma.
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TODA PALAVRA
Toda palavra voa nebulosa
até chegar latente ao nosso chão.
Pousa sem pressa ou prece em mansa prosa
caída chuva breve de verão.
Toda palavra se abre generosa
para abrigar segredos num porão
lá onde sobram sombras sinuosas
levantando a poeira no perdão.
Toda palavra veste-se vistosa
para fazer afagos na paixão
uma pantera em paz, porém tinhosa.
Toda palavra enfim é explosão
que o mundo só é mundo por osmose
pois há um outro ser no coração
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