Jocelene era uma jovem que cursava artes cênicas, esperançosa e apaixonada pela profissão.
Inocentemente, foi até um set de filmagem e declarou-se interessada em fazer parte do projeto.
Imediatamente, compreendeu o que significava o famoso e execrável “teste do sofá”. Retirou-se aos prantos, ainda sentindo o hálito de bebida e o repugnante toque das mãos úmidas e enrugadas do velho tentando apalpá-la, horrorizada com o contraste da fria realidade com o que imaginava de sua tão sonhada carreira
Desiludida, optou por outra profissão, nunca mais pensando naquele nefasto acontecimento.
Durante toda a vida, apaixonada pelas artes cênicas, frequentou e assistiu a todas as encenações teatrais e congêneres.
Amealhou algum dinheiro e tempos depois comprou um velho e decadente teatro, já sem o glamour de outrora, mais ainda lindo aos seus olhos. Reformou-o com desvelo e quando estava prestes a reabri-lo, foi acometida de uma doença rara e fatal.
Mas seu espírito, inconformado com esse desfecho, recusou-se a seguir o natural caminho, decidindo-se a vagar inquieto até encontrar uma cena final que o satisfizesse.
O secretário de Cultura do município, ao saber dessa situação, notando aí uma chance de ganhar dinheiro fácil, desapropriou o local e passou a um irmão a exploração do teatro. Sempre afirmando ser para fomentar a arte no município, alugou o espaço para todos os tipos de espetáculos, desde apresentações de gogoboys em despedidas de solteiras, até para exibições de sexo explícito.
O espírito de Jocelene não titubeou ao ver o início da degradação de seu sonho e começou a assustar os que se atreviam a subir ao palco.
Cobriu-se com um lençol branco com enormes manchas vermelhas, e aos gritos, invadiu o camarim das atrizes do primeiro espetáculo a ser protagonizado.
Histeria, correria e abandono da encenação.
A terceira trupe era daquele diretor canalha, que agora em total decadência, encenava peças de última categoria.
Metamorfoseou-se em bela jovem e foi solicitar uma vaga no elenco. O velho fauno assanhou-se é a levou aos fundos do teatro. Ao ser tocada, transformou-se na figura de um demônio que causou um fulminante infarto no asqueroso ser.
Parcialmente satisfeito com a vingança, ainda havia algo mais a realizar para enfim descansar. Devido ao prejuízo causado e a perspectiva de não auferir lucro, o irmão do secretário abandonou o escuso projeto.
O espírito foi ao local de seu antigo curso de artes cênicas e depois de observar várias alunas, encontrou uma jovem que pareceu preencher os requisitos necessários para concluir seu antigo projeto.
Subliminarmente, infiltrou pacientemente ideias no pensamento da aluna. Chegando a induzir uma ida até o velho teatro. Até que ela, por conta própria, tomou a iniciativa de descobrir uma maneira de explora-lo.
O corrupto secretário ficou aliviado em livrar-se do traste que nada lhe rendeu e repassou por uma módica quantia a posse do imóvel, sempre invocando a intenção de fomentar a cultura no município.
Com o teatro na posse da jovem, o espírito de Jocelene conseguiu, enfim, retomar seu caminho natural.
Fonte> Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor
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