“BIRA PENACHO”, era o apontador de lápis da Luana Cristina, a menina dos cabelos verdes. Ao contrário dos seus colegas, o fulano Bira não tinha o menor senso de delicadeza. De ridículo, então, nem se fala. Pedante e extremamente grosseiro, se fazia malcriado até dizer chega. Vivia rindo de tudo e de todos, como se fosse uma hiena. Os demais pertencentes ao mesmo estojo escolar inserido dentro da mochila de Luana Cristina, a menina dos cabelos verdes, achavam o Bira um tremendo chato. Outros, igualmente, tinham por ele uma espécie de aversão repulsiva. A “Borracha” Sofia, por exemplo, vivia em constante atrito com a figura, sem falar no Beto, um tremendo “Giz de cera” que, de vez em quando, partia para cima dele, disposto a fazê-lo em pedacinhos. Bira Penacho, em verdade, nasceu com uma sorte danada. Tinha depósito próprio, encimado por uma tampa que evitava que se espalhassem os resíduos acumulados. Seu corpo, no pensar da Cíntia, a “Caneta Esferográfica,” dava a impressão de ser meio quadrado.
Todavia, o indisciplinado possuía um tamanho compacto. O rosto lembrava um pastel recém tirado da gordura quente e seus olhos tremendamente transparentes, denunciavam uma visão negra da sua alma em frangalhos. Outros semelhantes a ele, cuidavam das pontas dos lápis com carinho. Bira Penacho parecia carregar consigo a missão pessoal de causar o máximo de incômodo e desconforto possível em seus pares, notadamente na hora de cuidar do lápis Chico, o “Redondo.” No mesmo engodo, metia os dentes sem dó nem piedade, no Valtinho, um “Sextavado” e, de quebra, sacaneava o Juca, um lápis “Triangular.” “Triangular” queria ver o diabo, a se submeter às garras de suas lâminas que ele cognominara de “trituradoras.” Sem mencionar o box do Bira, que cheirava à comida estragada. Para completar o quadro horrível e dantesco, Bira Penacho, às escondidas, usava uma manivela que girava com uma agressividade digna de um furacão. Quando um outro lápis qualquer se aproximava, Bira Penacho o agarrava pelo pescoço, sem cerimônia, como se estivesse prestes a enfrentar um inimigo mortal.
O desgraçado e indefeso lápis tremia feito vara verde em suas mãos que, segundo relatos a outros consanguíneos, se assemelhavam aos gonzos rangentes das portas do inferno ao serem escancaradas.
— Vamos lá, seu lápis preguiçoso! –, exclamava o Bira Penacho girando a tal manivela com força. Não tenho o dia todo para ficar enrolando com você.
O desvalido lápis gemia enquanto as lascas de madeira voavam. Bira Penacho não se importava. Ele estava determinado a apontar aquele desamparado lápis até que não restasse mais nada além de um toquinho insignificante. O pior ainda estava por vir. Bira Penacho se abria numa risada irritante. Não propriamente uma gargalhada. O troço se assemelhava a um som metálico que ecoava como um esgar jubiloso inundando todo o ambiente.
— Há, há, há...! Veja só, mais uma ponta perfeita!
Ele anunciava exibindo à plateia estarrecida o empalidecido e troncho lápis, agora adelgaçado como uma faca imoderadamente afiada. Os outros inquilinos do estojo olhavam com desdém para o metido a “gostosão.” Alguns alimentavam por ele um ódio mortal, como o Petrônio “Marca-texto” e Mauricio, o “Corretivo.” Eles procuravam ser gentis e pacientes, sabendo, de antemão, que cada lápis integrante do grupo merecia respeito e dignidade. Bira Penacho, não se importava com essas bobagens. Ele queria resultados rápidos. Mesmo que isso significasse sacrificar a qualidade de seus serviços à comunidade batizada como “Os Doze.”
Certo dia, o Daniel, um lápis “Rebelde” decidiu enfrentar o prepotente e arrogante. Daniel, entre seus pares, um elegante “Lápis Escarlate,” com uma borracha enorme grudada na ponta. Ele se recusou a entrar na boca de metal do polêmico apontador. Gritou, a plenos pulmões.
— Não vou me submeter a essa tortura!” –, alardeou fora de si. “Prefiro ficar cego a passar por isso.”
Bira Penacho enfezou. Subiu nos tamancos. Esperneou, xingou, rosnou, vociferou. Fez ameaças, latiu cobras e lagartos:
— Você vai me deixar entrar e fazer o meu trabalho, querendo ou não!
A certa altura do fuzuê, Bira Penacho, num descuido de seu opositor, agarrou o Daniel com uma força jamais vista. Em seguida, girou a manivela com fúria descontrolada. Daniel resistiu. A borracha agarrada na ponta, em face da força empregada, inchou. Se expandiu, triplicando. Tal reação, atravancou o metal. Com um estalo alto, a manivela sob a pressão efetiva, não se sabe como, quebrou. Se despedaçou. Bira Penacho prostrou a fuça incrédula. Seus olhos esbugalhados se toldaram de cinza. Olhava para o pedaço de metal em suas mãos. Daniel, o “Lápis Vermelho” ou o “Rebelde,” sem esperar por nova onda de sorte, escapou por pura sorte.
— Isso é o que acontece quando se é tão imbecil e metido a valente, quanto você” –, observou Daniel. E sem mais delongas, mandou a cacetada final.
— Agora, vê se aprende a ser mais gentil com os meus outros irmãos lápis e não só com eles, com todos que fazem parte do material escolar, especificamente do estojo que a nossa querida e amável Luaninha Cristina, a fofura exuberante e charmosa dos cabelos verdes nos leva todos os dias, em sua mochila, para a escola onde estuda.
Bira Penacho, desde esse dia em diante, da vergonha pela qual passou, nunca mais foi o mesmo. Se tornou um apontador mais cauteloso e cuidadoso, aprendendo a valorizar cada lápis que cruzava seu caminho. Às vezes, quando ninguém estava olhando, deixava rolar algumas lágrimas ao rememorar o fatídico dia em que um simples lápis com o diploma de “Rebelde” o derrotou diante de todos. Numa forma não esperada, termina as proezas espalhafatosas do Bira Penacho, um apontador de lápis esquisito e inconsequente, nascido com o sangue das resinas termoplásticas e as carnes temperadas com lâminas de aço carbono. Por certo, o despudorado mambembe aprendeu a lição mais importante: a gentileza, a complacência, a cortesia, a urbanidade e o obséquio devem ser como um leque abrangente de elegâncias caminhando irmanados, não obviamente como um par de garras afiadas. Ao contrário, como estiletes em harmonia, dispostos a mudarem tudo para que os conformes se coadunem e se atraiam, sobretudo convivam em constante, impecável e imorredoura paz coletiva. Luana Cristina a menina dos cabelos verdes, a dona do estojo, nunca soube de tal acontecimento.
Fonte>Texto enviado pelo autor
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