sábado, 28 de março de 2020

J. G. de Araújo Jorge (O Canto da Terra) 5


DEDICATÓRIA

Dedico  este  livro  aos  irmãos  da   América   e  do   Mundo,
não importa que cruzem as pernas nos "pagodes" exóticos
ou sigam a palavra de Confúcio no templo de papel e de bambu;
que subam aos minaretes, se curvem beijando a terra,
ou simplesmente se ajoelhem no palácio de vitrais e incensos;
que dispam a palavra de Cristo de púrpuras e de ouros,
ou que sigam sem Deus, a procurá-lo nos livros...

Dedico este meu livro a todos os irmãos da América e do Mundo,
negros  ou  brancos,  amarelos  ou  vermelhos,  azuis   ou  roxos,
altos ou baixos, gordos ou magros, louros ou castanhos;
nos que ainda não morreram e aos que ainda poderão vir;
aos das planícies e dos campos, aos das florestas e das montanhas,
aos dos gelos e dos desertos,
aos das aldeias e das cidades,
aos dos faróis e aos da solidão,
aos dos navios, dos aviões ou dos subterrâneos,
a todos os homens, sem a menor distinção,
basta que creiam ainda na Vida e em nós mesmos.

Por isso escrevi este livro
como se abrisse uma veia, para o sangue aliviar o coração;
como se colhesse um fruto para o desejo inábil;
como se trouxesse água na mão, para a boca sedenta e empoeirada;
como se escrevesse sem palavras, e pudesse chegar a todos os ouvidos
e a todas as consciências
sem tradução...
Por isso escrevi este livro. Como quem acende uma lanterna
para descobrir que não está perdido...

Não se admirem irmãos, se as suas letras tiverem a cor do meu sangue,
porque elas são o meu sangue que vos ofereço,
são uma doação que faço aos que ainda creem que vivem,
mesmo aos que não poderão se refazer,
porque nunca sabemos os que resistirão...
              
Que este livro, pois, possa ao menos ser útil como o sangue,
como o ar, ou como o pão,
e possa prolongar algumas esperanças
confortar alguns momentos finais
e salvar alguns desesperos...

Que ao menos, chegue a tempo, para alguns…
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DEPOIS
    (A Erich Maria Remarque - 1939)
 

E as ruas se encheram de inválidos e mutilados
com seus estranhos vultos...

E as mulheres de preto, como espectros insepultos
      de maridos,
  de filhos,
de pais,
de noivos
e namorados,
levavam velas acesas dentro dos olhos parados...

E os caminhos caíram nas pontes desconjuntadas,  
e os campos se encheram de feridas e cicatrizes,
e as árvores voltaram para os céus a angústia  
das raízes!

E os oceanos levantaram ondas asmáticas
como se dentro delas lutassem as ânsias
de todos os afogados à procura de ar!...
E os céus se cobriram de véus negros de fumo
como quem venda os olhos
para não olhar!

E brotaram cidades de sombras e cruzes
nas ruínas das cidades viradas do avesso,
... pelos ermos, descampados...

E as chaminés pararam de fumegar
sobre os telhados,
e após o sobressalto das noites e das correrias
todas as portas se cerraram sobre o gemido dos vivos
como pálpebras frias! . . .

E as igrejas se encheram de criminosos reincidentes
e arrependidos
com as almas pesadas como as águas salubres,
se encheram dos homens que pensam que creem
em Deus!

E as vitrinas da Vida se esvaziaram
para encher as vitrinas dos museus!

E em cada esquina ficou um lenço tinto de vermelho
com a cruz dos hospitais,
como a clamar aos homens que batiam com os cascos:

_ " Paz !... "
.......................................
E o homem de galões, com o peito cheio de insígnias,
e medalhas,
tendo ainda no ouvido o ruído das metralhas
e o roncar do canhão,

- saiu correndo, louco, a gritar pela Pátria !

Queria encontrar a PÁTRIA
para pedir perdão!
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DIANTE DAS CRIANÇAS NUAS...
  
  Já pensaste num mundo sem vagabundos e indigentes
onde não seremos rebanhos porque teremos intacto o pensamento
e o coração?

Já pensaste num mundo onde não nos envergonharemos
dos nossos lares e dos nossos filhos,
e onde não haverá irmãos famintos e maltrapilhos?
........................

Bendigo a tua inconsciência por que nada pensaste
diante destas crianças descalças e nuas,
- não, não podes compreender meu sofrimento
nem sabes ler o libelo que eu vejo escrito nas ruas!
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DISCURSO
      (A Cássio Chaves- 1944)
  
Senhores,
eu vos peço um segundo de silêncio
ao menos um segundo,
pelos que sofrem, lutam e morrem
pelos homens e pelo mundo...

Por todos os que se levantaram, e acorreram, e seguiram
novamente crentes e esperançosos
e abandonaram suas terras, seus lares, seus arados,
e morreram com a liberdade nos lábios entreabertos
e silenciosos;
pelos que, sem pão, vagavam famintos
- humilhados pelos homens que passavam indiferentes
e agressivos;
pelos que, sem lar, nunca encontraram a mesa posta
nem crianças correndo a gritar nas calçadas;
pelos que, sem teto, andaram sem destino,
namorando as estrelas e invejando as casas todas
à margem das estradas...

Pelos que nunca tiveram pais, nem mãos amigas
descobrindo um rumo ou servindo de amparo;
pelos que nunca puderam amar, e invejaram os próprios cães
quando o amor é tão caro;
pelos que sem segurança e meios, sem qualquer instrumento,
esqueceram certo dia o próprio pensamento
e andaram sempre ao léu,
a arrastar os pés na terra
e a olhar, em vão, o céu. . .

Senhores,
eu vos peço um segundo de silêncio
por eles que acorreram, e seguiram, e se levantaram,
e foram lutar por um mundo melhor,
- por eles que infelizmente não voltaram
ou felizmente - quem sabe? - se a volta ainda for pior...

Senhores, eu vos peço silêncio, ao menos um segundo,
por eles, que como nós, acreditaram nos homens,
acreditaram no mundo...!

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. O Canto da Terra. 1945.

Irmãos Grimm (Elsie, a Sensata)


Era uma vez um homem que tinha uma filha que se chamava Elsie, a sensata. E quando ela já tinha crescido o pai dela falou:

– "Nós vamos casá-la."

- "Sim - disse a mãe - se encontrarmos alguém que queira desposá-la."

Finalmente, apareceu um homem que morava muito longe e começou a cortejá-la, ele se chamava Hans, mas sua única exigência era que a sensata Elsie fosse realmente inteligente.

– "Oh, – disse o pai - ela é muito perspicaz"

E a mãe dizia:

"Oh, ela consegue ver o vento caminhando pelas ruas, e ouvir as moscas tossindo."

- "Bem, - disse Hans - se ela não for verdadeiramente inteligente, não irei desposá-la."

Quando eles já estavam sentados para jantar e haviam comido, a mãe falou:

- "Elsie, vá até o depósito e traga um pouco de cerveja."

Então, Elsie, a sensata, pegou o jarro que estava na parede, foi até onde guardavam a cerveja, e ia batendo levemente na tampa a medida que caminhava para que o tempo passasse rápido. Tendo chegado lá embaixo ela pegou uma cadeira, e a colocou diante do barril para que ela não precisasse inclinar-se, para não machucar as costas ou para que não se machucasse inadvertidamente. Então, ela colocou o vasilhame na frente, e abriu a torneira, e quando a cerveja estava caindo ela olhava para a parede, para que seus olhos não dormissem, e depois de muito espiar para lá e para cá, ela viu uma picareta bem em cima dela, e que os pedreiros haviam esquecido lá acidentalmente.

Então, Elsie, a sensata, começou a chorar e disse:

– "Se eu me casar com o Hans, e nós tivermos um filho, e ele ficar grande, e nós o mandarmos até o depósito aqui para buscar cerveja, então, a picareta poderá cair na cabeça dele e matá-lo."

Então, ela chorou sentada e gritava com todas as forças do seus pulmões, sobre o infortúnio que poderia acontecer com ela. A família, na sala de jantar, ficou esperando a bebida, mas Elsie, a sensata, não retornava. Então, a mulher disse para a criada:

– "Desça até o depósito e procure onde está a Elsie."

A criada obedeceu e a encontrou sentada diante do barril, gritando em voz alta.

– "Elsie, porque estais chorando?" – perguntou a criada.

– "Ah, – respondeu ela – será que não tenho motivos para chorar? Se eu me casar com o Hans, e nós tivermos um filho, quando ele crescer, e tiver de buscar cerveja aqui no depósito, a picareta poderá cair na cabeça dele, e matá-lo."

Então, a criada respondeu:

"Mas que garota sensata nós temos aqui!", e se sentou ao lado dela e começou a chorar em voz alta também, lamentando tão grande infortúnio.

Depois de algum tempo, como a criada não voltava, e os comensais estavam com sede de beber cerveja, o homem disse para o garoto:

"Vá até o depósito lá embaixo e veja onde Elsie e a criada estão."

O garoto foi até lá, e encontrou Elsie, a sensata, e a criada, ambas chorando uma ao lado da outra. Então, ele perguntou:

- "Porque vocês estão chorando?"

- "Ah, – disse Elsie - será que eu não tenho motivos para chorar? Se eu me casar com o Hans, e nós tivermos um filho, e ele crescer, e ele for buscar cerveja aqui no depósito, a picareta irá cair na cabeça dele e poderá matá-lo."

Então, o garoto respondeu: "Que garota sensata, nós temos aqui!" e se sentou ao lado dela, e também começou a berrar em voz alta. Na casa, todos esperavam pelo garoto, mas como ele também não retornava, o homem disse para a mulher:

– "Desça até o depósito e veja onde a Elsie está!"

A mulher desceu, e encontrou os três chorando e lamentando, e perguntou porque choravam; então, Elsie lhe falou também que o seu futuro filho seria morto pela picareta, quando ele crescesse e tivesse de buscar cerveja, caso a picareta caísse. Então, sua mãe também falou:

"Que garota sensata nós temos aqui!"

Então, a mãe se sentou e chorou com eles. O homem ficou esperando um pouco, mas como a sua esposa não voltasse e a sua sede aumentava cada vez mais, ele falou: "Preciso ir até o depósito eu mesmo e ver onde Elsie está."

Mas quando ele chegou lá, estavam todos sentados chorando, e quando ele soube do motivo, e que o filho de Elsie era a razão de tudo, e que se Elsie trouxesse um filho ao mundo algum dia, e que ele poderia ser morto pela picareta, caso o garoto estivesse sentado debaixo dela, ao buscar cerveja, exatamente no momento que ela caísse, ele gritou:

– "Oh, que garota inteligente é a Elsie!" e se sentou, e ficou chorando com eles.

O noivo, durante algum tempo, ficou sozinho na casa, então, como ninguém voltasse ele pensou: "Eles devem estar esperando por mim lá embaixo; eu devo ir até lá e ver o que está acontecendo."

Quando ele desceu, os cinco estavam chorando sentados e se lamentando desesperadamente, cada um tentando chorar mais do que o outro.

– "Que desgraça aconteceu aqui? – perguntou ele.

– "Ah, meu querido Hans, - disse Elsie - se nós nos casarmos e tivermos um filho, e ele for grande, e nós talvez o mandarmos aqui para buscar um pouco de bebida, então, a picareta que foi deixada pendurada na parede poderia esfacelar a cabeça dele caso ela caísse, então, não temos motivo para chorar?"

- "Venham! - disse Hans - Maior entendimento que este não é necessário para a minha casa, porque você é Elsie, uma mulher muito sensata, eu me casarei contigo."

E tomando a sua mão, subiu de volta para casa, e se casou com ela.

Depois que Hans havia se casado com ela durante algum tempo, ele disse:

"Esposa, vou sair para trabalhar e ganhar um pouco de dinheiro para nós; vá até o campo colher algum trigo para que tenhamos um pouco de pão."

- "Sim, querido Hans, vou já fazer isso."

Depois que Hans tinha saído, ela mesma preparou um caldo bem gostoso e levou ao campo com ela. Quando ela chegou no campo ela disse para si mesma: "O que devo fazer; devo colher primeiro, ou devo comer primeiro? Oh, vou comer primeiro."

Então, ela esvaziou a sua bacia de caldo, e quando ela já havia comido tudo, ela disse mais uma vez: "O que devo fazer agora? Devo colher primeiro, ou devo dormir primeiro? Vou dormir primeiro."

Então, ela se deitou no meio do trigal e caiu no sono. Hans já tinha chegado em casa há muito tempo, mas Elsie não tinha voltado. Então, ele pensou: "Que esposa sensata que eu tenho. Ela é tão dedicada que nem vem para casa para comer."

Mas como ela não voltava, e já estava ficando noite, Hans saiu para ver o que ela havia colhido, mas ela nada havia colhido, e ela estava deitada entre os trigais e dormia. Então, Hans correu para casa e trouxe uma rede de caçar aves que tinha pequenos sininhos nela e pendurou ao lado dela, e ela continuou dormindo.

Então, ele foi de novo para casa, fechou a porta da casa, sentou-se em sua cadeira e começou a trabalhar. Finalmente, quando já estava bastante escuro, Elsie, a sensata, acordou e quando ela se levantou ela ouviu o retinir de sinos ao seu redor, e os sinos tocavam a cada passo que ela dava. Então, ela ficou confusa, e ficou em dúvida se ela era realmente Elsie, a sensata, ou não, e pensou: "Sou eu, ou será que não sou eu?"

Mas ela não sabia que resposta daria, e durante algum tempo ela ficou em dúvida; finalmente ela pensou: "Eu irei para casa e perguntarei se sou eu, ou se não sou eu mesma, com certeza lá em casa saberão."

Ela correu até a porta da sua casa, mas a porta estava fechada. Então, ela bateu na janela e gritou:

– "Hans, Elsie está aí?"

- "Sim, – respondeu Hans - ela está aqui dentro."

Então, ela ficou apavorada, e pensou: – "Ah, Deus do céu! Então, não sou eu," e foi até outra porta; mas quando as pessoas ouviam os sininhos retinindo, elas não queriam abrir a porta, e ela não conseguia entrar em nenhum lugar.

Então, ela fugiu daquela aldeia, e ninguém nunca mais a viu.

Fonte:
Contos de Grimm

sexta-feira, 27 de março de 2020

João Batista Leonardo (Uma Parte que se Foi)


Nas infindáveis perguntas sem respostas mais uma insinuante ao impossível e ao abstrato, incide curiosidade: companheiro, onde está você? Testemunho dos momentos no enfrentamento cotidiano, da continuidade, e do desgaste pelos idos tempos. Juntos sempre na mitigação das dores; no alívio dos sofrimentos; na força ao debilitado; na palavra ao desesperado; na participação intrigante no surgimento e fim da vida, do primeiro sorriso até o último choro.

Seria possível me responder ao menos: onde está você?

Sei que foi com as águas, evaporou e diluiu nos ares em continuação com nuvens, foi para o firmamento, levando um pouco de mim; por isso nas horas de dificuldades, alegrias e tristeza falo de você, e sei que existe, porque na natureza nada é destruído, tudo é transformado.

Sempre estivemos juntos e nunca disse que compúnhamos um todo, um, objeto do outro, um, consequência do outro. Nas lutas até injustas no picadeiro vivenciado, jamais nos destruíram, amigos bons não faltaram, amigos falsos jorraram, porém, em cada queda prontamente levantamos, pois entendemos que a humilhação não está na queda, mas sim, no sucumbir.

Começamos bem lá embaixo, galgamos valorosos degraus então os tempos nos sorriram, nós os vivenciamos, neles abraçamos as oportunidades e percebemos êxitos.

Construímos muito, destruímos poucos, causamos muitos sorrisos e pouco choro, trouxemos muitas vidas ao mundo e nenhuma tiramos. Semeamos a luz e a esperança por onde passamos, mesmo em meio aos percalços e incompreensões, éramos na certeza da boa intenção.

Nas alegrias também estivemos juntos; vivemos o esporte, nos banhamos nas grandes cachoeiras e passeamos por praias e praças engalanadas. Juntos vimos grandes espetáculos mundiais, andamos e respiramos nos quatro cantos da terra, conhecemos costumes de vida e gentes diferentes, porém, sempre valorizando a cultura e aprendizado.

Na aspereza dos tempos plantamos na terra nua, e dela fizemos um caminho firme, onde, com segurança pisamos e o mostramos aos menos corajosos. Nas horas amuadas, fomos ao campo buscar a flor do conhecimento, na sua fragrância encontramos a alegria e força da solidariedade, na valorização familiar e profissional. Em nossa seara embrenhamos luz, frutos e esperança, que por certo iluminaram e fortificaram a continuidade de tantos, na busca da gratificação. Na qualidade de humanos, cometemos erros e enganos, porém sempre desprovidos da maldade intencional.

Onde estiver saiba que tudo foi muito natural, propositalmente, e a soma dos fatos compõe o fardo dos tempos vividos, cujo conteúdo, sobretudo redunda, na boa ou má expectativa do inexorável fim; então na tristeza do choro ou na gratificação do sorriso, estarão os resultados.

Semeamos boas sementes em vários terrenos, geminaram, cresceram, arboresceram e prosperaram em nossa fertilidade e em benéficos frutos se transformaram.

Sei que a lógica nem sempre é exultante do exato, mas pensar em você, me volta os tempos, faço sondagens, revivo atitudes determinantes, hoje componentes do meu fardo, testemunho de mim mesmo. Vale a sondagem, me alegra e neste abstrativo momento, por que não esperançar? Onde está você meu suor derramado?

Fonte:
João Batista Leonardo Os tempos da esperança à razão. Maringá: Gráfica Primavera, 2008.

Alphonsus de Guimaraens (Baú de Trovas)

Afonso Henrique da Costa Guimarães

Como, Jesus, me esqueceste
nesta horrível soledade?
Aos trinta e três tu morreste...
E eu já tenho a tua idade!
- - - - - –

Nasci em leito de rosas
e morro em leito de espinhos...
Ó mães, que sois caridosas,
zelai por vossos filhinhos!
- - - - - –

O cinamomo floresce
em frente do teu postigo;
cada flor murcha que desce
morre de sonhar contigo.
- - - - - –

O coqueiro, todo em palmas,
beija o cinamomo em flor...
Imagem das nossas almas,
unidas no mesmo amor!
- - - - - –

Quando em teus olhos reluz
o carinho de uma prece,
se é dia, o sol tem mais luz,
se é noite, logo amanhece.
- - - - - –

Quando os teus olhos, Senhora,
repousam no meu olhar,
fica mais formosa a aurora,
mais formoso fica o luar.
- - - - - -

Tradições, quimeras, lendas...
Ninguém crê na Eterna Voz!
Que vale, Senhor, que estendas
o teu carinho até nós?
- - - - - –

Tristeza das tardes ermas,
das noites brancas de luar!
As almas que estão enfermas
no teu seio vão chorar...
- - - - - –

Tu não sabes porque a lua
é triste e nunca sorri...
Mas que ingenuidade a tua!
— Os poetas moram ali.
- - - - - –

Fonte:
Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Ed. Minerva,

Francisca Júlia (Os Dois Mendigos)


Caminhava pela estrada real um moço de aspecto nobre, feições agradáveis, e trajava de maneira modesta, porém distinta.

Tinha os cabelos enrolados em anéis que lhe cobriam o pescoço, e um ar simpático que condizia bem com a graça natural da sua pessoa.

Seu principal encanto estava com certeza nos olhos claros, de uma expressão infantil, penetrados da mais encantadora doçura.

Caminhava distraidamente, os olhos fixos no chão.

Em sentido contrario vinham dois mendigos maltrapilhos, as roupas esburacadas, animados aos bordões, a cabeça caída para a frente, como vergados ao peso dos anos. A idade e os sofrimentos tinham-lhes arrancado os cabelos, cavado grandes rugas na face e enfraquecido todos os músculos.

Como tivessem caminhado muito, tinham os pés inchados e umedecidos do sangue que vertiam; sentiam fome; estavam extremamente pálidos, os passos trôpegos, os lábios trêmulos, de modo que nem podiam falar, mas apenas balbuciar como as crianças.

O vento impiedoso impelia-os para a frente, forçando-os a andar depressa e fazendo-os tropeçar nos calhaus da estrada.

Quando se aproximaram do moço, caíram de joelhos, mais por cansaço do que por desejo de implorar a piedade, e gemeram ao mesmo tempo:

— Uma esmola, senhor.

O moço sentiu as lágrimas empanar-lhe a vista e, penetrado de compaixão, apalpou os bolsos; mas, como encontrasse apenas uma moeda, e a justiça divina manda que se distribua a esmola em partes iguais, disse com malícia:

— Perdoai-me, pobres velhos, a vossa miséria sensibilizou minh'alma e acordou soluços em meu peito; porém não tenho um real para consolar vossos sofrimentos.

Os velhos levantaram-se.

O primeiro olhou o rapaz com mal contido rancor, os olhos intumescidos de cólera, e gritou brandindo o bastão com a pouca de forças que lhe restavam:

— Maldito sejas tu e malditos todos os teus; que o fogo devore a tua propriedade; que as águas engulam a nau em que embarcares; que teus afetos pereçam e que um vento de desgraça passe sobre a desolação da tua existência!

E partiu.

O outro velho fitou com ternura a face do jovem, e falou-lhe:

— Sê feliz, mancebo, que as minhas mãos tremulas possam tirar de sobre tua fronte as pragas do meu companheiro; que a tua propriedade seja firme, que as águas sejam mansas na tua viagem e que a bênção do Senhor esteja sempre suspensa sobre tua cabeça.

Então o moço tirou do bolso a moeda de ouro e deu-a ao mendigo.

Assim devemos praticar sempre: nunca devemos dar esmola, principalmente quando o nosso dinheiro é escasso, sem observar se a pessoa que nos pede é merecedora da nossa piedade.

Fonte:
Poeteiro

quinta-feira, 26 de março de 2020

Fortuna (Agência Pensiero)


Um dia, defronte do espelho de fazer a barba, não viu o rosto. Primeiro verificou se não se tratava de uma peça — pregada além da sua estatura. Depois, procurando manter a cabeça fria dentro do súbito afogueamento, apalpou-a concentradamente à altura das suíças, que voltaram ao latejar normal: não, não tinha cortado a cabeça num gesto mais distraído da navalha (por via das dúvidas seria aconselhável comprar um barbeador elétrico). A cabeça lá estava com toda segurança sobre o pescoço — à distância de um milímetro já sentia o roçado da barba nas impressões digitais —, simplesmente suas feições amarelaram como uma foto de carteira de identidade e sequer a lembrança da mais recente distinguia agora no espelho.

Sentou-se no bidê que usava amiúde seco, para pensar e ficou de mão no queixo como uma estátua de mão no queixo.

Simples de explicar: nascera, crescera, estudara: noções de: moral, civismo e tiro ao alvo, línguas vivas e tumulares, ciências exatas e hipotéticas, desenho artístico, canto orfeônico e trabalhos manuais, quando recebeu o diploma estava preparado para ingressar no Parnaso. Nas páginas classificadas dos jornais do Brasil, que pediam "contact men", public relations", "executive secretaries", encontrou facilmente o que procurava:

"Precisa-se de um pensador, com prática."

Entre dezenas de candidatos, centenas dos quais prensadores com esperança de um erro de imprensa, foi o único aprovado: durante todo o teste não fez mais que pensar. Passou o primeiro mês inteiro pensando e no dia 30 recebeu o ordenado integral. Estimulado, na segunda quinzena do segundo mês transformou em palavras o seu pensamento:

"As mães estão cada vez mais cedo."

Foi chamado à direção:

— A Agência Pensiero é uma organização que fornece máximas, verbetes, pensamentos para folhinhas, almanaques de pensamentos, noites de autógrafos, colunas sociais e de amenidades, house organs; home organs, garden organs. Já vê que pensamentos revolucionários, só de revolucionários já justiçados e consagrados. Você volte para o seu bidê e procure assimilar a técnica do Marquês de Maricá.

Nesse primeiro estágio ele produziu maricacas, com admirável fluência:

"Antes ser rabo de leão do que cabeça de formiga" e "Antes ser cabeça de formiga do que rabo de leão."

Depois passou por outros pensadores anti-sociais da maior aceitação. Foi quando lhe aconteceu aquilo com o rosto.

— Agora — pensava pela primeira vez para si mesmo — o jeito é usar o espelho no lugar do rosto.

Levantou-se e prendeu ali o espelho. assim as pessoas que o mirassem não o veriam sem rosto: julgá-lo-iam mesmo uma delas. Tanto que o diretor, ao dar consigo nele, abriu um sorriso:

— Agora sim, refletes.

Logo, melhorou seu existir.

Fonte:
10 em Humor. RJ: Expressão e Cultura, 1968.

João Ubaldo Ribeiro (Pensamentos, Palavras e Obras)



Em matéria de pecados, aliás em matéria de religião geral, eu sempre achei que a pior coisa é os pensamentos. Na aula de catecismo, que era depois da missa e antes do futebol, quer dizer, a gente só pecando porque não queria assistir o catecismo, nessa aula dona Maria José, com aquelas blusas dela de mangas fofolentas e os olhos piscando o tempo todo e a cara de doente, dizia que se peca por pensamentos, palavras e obras. Palavras e obras, certo, muito certo, certo. Mas pensamento é muito descontrolado, de maneira que todo mundo tinha dificuldades nessa parte, talvez somente dona Maria José não tivesse, porque tudo o que ela pensava era catecismo.

Muitas vezes perguntei a minha mãe — e não perguntei a dona Maria José, porque o que a gente perguntava a ela, ela mandava a gente estudar e escrever uma dissertação, para ler alto no outro domingo — como é que a pessoa fazia para não pecar por pensamentos e ela me disse que bastava não pensar nem besteira nem safadagem. Ora, isso está todo mundo sabendo, a questão é que a besteira e a safadagem aparecem o tempo todo, sem ninguém chamar. Mas de fato era uma coisa muito de admirar que os crescidos todos, na hora da comunhão, iam sem pestanejar, quer dizer, não tinham pecado nem por pensamento, por que senão não iam arriscar a receber o corpo de Cristo com tudo por dentro sujo imundo de pecados. Eu não, eu sempre tive problemas, porque primeiro nunca deixava de esquecer algum pecado e na hora que saía é que eu lembrava e aí ficava com vergonha de voltar ao padre e aí ficava achando que ia comungar sujo imundíssimo. Mas minha mãe disse que não podia fazer lista de pecados, onde já se viu, que na hora o Espírito Santo ajudava, mas ele nunca me ajudou, pelo menos eu nunca notei nada. Enfrentei bastante sofrimento.

No primeiro ano, eu não tive o problema do pecado, porque a comunhão foi na Páscoa do colégio e eu era o único aluno que ainda não tinha feito comunhão, de forma que minha mãe me mandou com uma fita branca desta largura amarrada no braço e descendo com umas franjas, que eu fiquei envergonhadíssimo. Na outra mão, minha mãe mandou eu segurar uma vela também amarrada de fita e fiquei mesmo um espetáculo, de forma que me considerei fazendo penitência o tempo todo e, de qualquer jeito, só conseguia pensar na fita e na vela, uma coisa tristíssima de se ver que eu estava e todo mundo me olhando e só não dando risada porque era uma questão de comunhão. Mas ainda assim eu fiquei desconfiado e aí, na hora que o colégio todo ficou sentado na igreja, esperando a missa começar, consegui falar com dona Maria José, para saber se podia fazer uma confissão de última hora. E somente um reforço, disse eu, a senhora sabe, a pessoa vai andando, vai pecando. Palavras e obras, não, mas pensamentos sempre uma coisa ou outra vai escapando, disse eu, e ela ficou vermelhíssima. Então ela me levou até um padre alto que estava na sacristia e perguntou a ele se ele podia ouvir a confissão de última hora de um rapaz e eu ali me sentindo todo besta, com a fita e aquela vela na mão, mas eu queria estar garantido, com essas coisas não se brinca, e o padre era desses que vem logo querendo dar porrada, desses que puxam o queixo da pessoa e passam uns tapinhas na cara, não suporto. Ah, quer dizer que veio para a primeira comunhão e não se confessou, não é, falou ele, puxando minha fita que quase esculhamba tudo e me deu grande preocupação, porque minha mãe ia botar a culpa em mim e, se eu botasse a culpa no padre, ainda ia tomar um cachação. Não senhor, eu me confessei, é que eu estou com um problema. E então o padre foi mais simpático, me chamou para o canto e disse: qual é o problema? Raiva da mãe, disse eu para não perder tempo, porque a missa ia começar e, se eu não estivesse lá na frente, minha mãe ia se aborrecer. Por causa dessa fita e dessa vela, disse eu. Ah, disse o padre, dois padre-nossos. Achei barato naquela hora, rezei os dois padre-nossos, assisti a missa, comunguei e achei que estava tudo ótimo. E a inocência.

No segundo ano não tinha mais a fita nem a vela, foi um grande alívio, porém durou pouco, justamente porque, não tendo nem fita nem vela, sobrou mais espaço para pecados de pensamento e, além disso, a pessoa vai ficando mais velha e vai pecando mais, é a lei da vida. Felizmente nesse ano teve retiro no sábado e comunhão no domingo, de forma que a gente saía correndo da confissão e ia comungar, para não dar tempo de pecar por pensamento. Também Valdilon, que tem um irmão padre e deve saber dessas coisas, explicou que o camarada fecha os olhos, tapa os ouvidos e fica fazendo barulhos os mais altos possíveis com a boca fechada, que ressoa no ouvido e faz aquele escarcéu etc etc e a pessoa vai evitando o pecado. Com treino, acho que é possível e de fato Valdilon treinou diversos, mas eu nunca treinei porque ficava com vergonha de esperar a comunhão no meio daqueles sujeitos tudo de olho fechado, ouvido tapado e fazendo mmmnnn-mmmnnn e bzzzz-bbzzz. Mas, de qualquer maneira, essa segunda comunhão correu muito bem, porque eu comunguei em cima da confissão, saí leve, leve. Quase na certeza.

Na terceira é que foi muitíssimo pior, porque eu estava numa idade de viver pecando por pensamentos. É aí que eu até entendi por que o catecismo fala tanto nos pensamentos, é porque tem gente que se torna assim como eu me tornei: não faz nada, só pensa maus pensamentos, todos os tipos. Mesmo fazendo força, não adiantava nada. Era parar, era estar tendo maus pensamentos. Às vezes eu dizia assim, franzindo até a testa: não vou ter, não vou ter, sai pra lá, e cantando músicas alto — vestida de branco ela apareceu, trazendo na cinta as cores do céu, ave, ave, ave Maria — mas não resolvia: o mau pensamento zipt! Pronto. Nessa situação, era mais do que difícil uma boa comunhão, ainda mais que eu dei para achar que os outros não tinham esse problema, que era tudo obra das tentações do diabo do cão, não se podia confiar em ninguém.

E teve coisas piores nesse ano. Minha irmã ia fazer primeira comunhão e minha mãe fez uma mesa especial, muito mais especial do que a minha, que nem foi especial. Quer dizer, pecado da inveja. E depois tinha de ficar em jejum e eu quase como uma bolachinha de goma, só não comendo porque meu anjo da guarda foi forte e apareceu gente na hora de pegar a bolacha. Pecado da gula, mais sacrilégio. A madrinha de minha irmã apareceu da Bahia e eu fiquei olhando para as pernas dela: conte ai mais pecados, começando de cem. Meu pai me deu dez mil réis e deu cinco a minha irmã e pediram para eu comprar um santinho para mim e um para ela, todos os dois com meu dinheiro e eu não gostei. Pecado da avareza e mais diversos quebrados e mistos.

Quando chegou na igreja, eu já estava suando e nesse dia não era uma questão de esquecimento na confissão, nem nada disso. Cada respirada que eu dava, tome uma pecada. A missa ia andando, ia andando e eu vendo a danação chegando, até que não aguentei mais e aproveitei que meu pai assistia missa lá de fora fumando, e minha mãe não podia gritar comigo na igreja e então disse a meu pai que queria ter uma conversa com ele de homem para homem, se ele não ia rir. Não vou rir, disse meu pai. Pois então, pois então eu quero ficar aqui na igreja até a outra missa, possa ser a missa das nove, das dez, das onze ou de meio-dia. Quero ficar para comungar depois de confessar direito. Muito bem, disse meu pai, quando voltar traga uma garrafa de clarete único da bodega de seu Barreto e volte antes de uma hora.

Minha mãe ainda quis que eu fosse com todo mundo e ainda quis muitas conversas, mas minha irmã estava com asas de anjo e tudo e tinha a madrinha altamente granfina da Bahia, de forma que eu fiquei. Confessei às nove, faltando um pouco. Pequei logo na saída, quis regressar, titubeei, fiz que ia mas não ia, acabei fazendo o sinal da cruz, rezando a penitência, assistindo a missa, mas não tive coragem de comungar, porque, na hora, eu parecia uma cabeleira pendurada de piolhos de pecados, um aspecto péssimo. Voltei, confessei às dez. Achei que, se corresse para o altar de Santo André e rezasse até a hora da comunhão, ia conseguir segurar o pecado. Mas quando fui ajoelhando no altar, veio uma onda de pensamentos de pecado e fiquei com vontade de comer um pastel com guaraná e até pensei que qualquer coisa eu dava para não estar ali e estar em outro lugar comendo um, ou dois ou três pastéis com guaraná. A missa toda eu passei pensando em comida e, quanto mais eu queria não pensar, mais eu pensava. Não comunguei, estava cada vez mais triste. Às onze, confessei rapidamente, ofereci minha fome a São Judas Tadeu e rezei cinco minutos de olhos fechados, acho que sem pecar. Mas, quando abri os olhos um minutinho, estava uma porção de moças passando lá fora para a praia e pequei, pequei, pequei! Uma fome enorme e uma vontade de chorar e então eu rezei todas as rezas que sabia e me confessei às doze horas para a missa do meio-dia e, ali ajoelhado, esperando a hora, fui sabendo que estava pecando, fui vendo aquela fieira de pecados passando por mim e até fiquei como que de fora, assistindo cinema. E nem me lembro como foi que eu me levantei e fui receber a comunhão, boiando no meio de todos aqueles pecados e, Deus me perdoe, quase tenho um engulho de arrependimento na hora da hóstia entrar em minha boca. A fome passou e acho que tive febre e até hoje não gosto de me lembrar disso, mas vivo me lembrando. Até hoje, tenho certeza de que vou para o inferno. E é só por isso que eu não quero morrer agora, porque, tirante isso, eu queria.

Fonte:
João Ubaldo Ribeiro. Livro de histórias. RJ: Nova Fronteira, 1981.

Gioconda Labecca

Gioconda do Carmo Labecca de Castro, nasceu em Campanha/MG, em 1931. Filha de Humberto Labecca e Iria de Resende Labecca, descendentes de italianos. Sua mãe foi professora na cidade de Campanha e aposentou-se por lá. Teve treze irmãos, todos falecidos.

Seus primeiros estudos foram feitos em Campanha e formou-se professora em Varginha/MG.

Desde muito cedo revelou um extraordinário talento para a composição de poesias. Seu primeiro poema foi publicado no "São Lourenço Jornal" quando contava apenas treze anos de idade.

Após a aposentadoria de sua mãe, a família mudou-se para o Rio de Janeiro, à procura de melhores condições de estudo para os filhos.

Tendo conhecido pessoalmente o Presidente Getúlio Vargas, foi nomeada como Investigadora no Departamento Federal de Segurança Pública, desde que era seu desejo trabalhar na Polícia.

Após dois anos como Investigadora, prestou concurso para o Ministério da Fazenda, no Depto. Administrativo do Serviço Público (DASP). Sendo transferida, posteriormente, para a Receita Federal, onde se aposentou.

Nessa época, ocupava suas noites ministrando aulas de dicção e oratória, conciliando o trabalho no Ministério da Fazenda com os estudos.

Noiva do Oficial da Aeronáutica Antônio Firizola, vivenciou a terrível tragédia de perdê-lo num desastre aéreo.

No rico ambiente cultural do Rio de Janeiro, envolveu-se com a intelectualidade, participando de vários grupos literários, notadamente, com o grande poeta general Arnaldo Damasceno Vieira, Presidente da Sociedade de Homens de Letras do Brasil, que a introduziu no meio literário, assim como com o poeta Manuel Bandeira, que a considerava a melhor declamadora de seus versos.

Fez cursos de Parapsicologia, Psicologia, Pirâmides, Radiestesia, Cromoterapia, na “Associação Mens Sana”. Curso de Parapsicologia no Hospital Santa Catarina SP. Curso Intensivo de Legislação Trabalhista no Palácio Tiradentes/RJ. Literatura na Academia Brasileira de Letras/RJ. História no Ateneu Paulista. Literatura na Academia Paulista de Letras, entre outros.

Sua estreia foi com o livro "Trinta Mensagens de Amor" lançado pela editora dos Irmãos Pongetti. O sucesso deste livro foi celebrado por muitos críticos literários que a comparavam a Olavo Bilac. Foi considerada a "Poetisa do Amor" pelo desassombro de seus versos. Após esse início auspicioso, seguiram-se mais vinte e um livros, ao longo dos anos, entre poesias, trovas, haicais e sonetos, evidenciando sua enorme energia criadora.

Membro da Academia de Brasileira de Trova/RJ (Cadeira de Teófilo Dias); Círculo de Cultura Luso-Brasileira e Luso-Espanhol – Portugal; Sociedade de Homens de Letras do Brasil/RJ; Academia Internacional Americana; Cenáculo Brasileiro de Letras e Artes/RJ; Instituto Histórico e Cultural Pêro Vaz de Caminha/SP; Sociedade Geográfica Brasileira/SP; Ateneu Angrense de Letras e Artes (Angra dos Reis/RJ); Academia de Letras e Artes de Paracambi/RJ; Pen Club de Curitiba/PR. Foi Presidente da Academia de Letras da Grande São Paulo (Cadeira de Augusto dos Anjos) nos Bienios 2009/2010, 2011/2012 e 2013/2014.

Algumas de suas obras:

Trinta Mensagens de Amor - 1954 ; Cânticos - 1956; Sonetos Escolhidos - 1970; A Estória do Zé Cachorro - 1973 ; Brasil dos Meus Sonhos - 1977; Ao Som de uma Flauta Doce - 1992 ; Conte Histórias Recitando - 1998 ; Voltando ao Passado - 2006 ; Trovas da Madrugada - 2010; Réquiem para a Saudade - 2011.

Fonte:
Wikipedia
Academia de Letras da Grande São Paulo

quarta-feira, 25 de março de 2020

Monteiro Lobato (Fábulas) Liga das Nações


Gato-do-mato, jaguatirica e irara receberam convite da onça para constituírem a Liga das Nações.

– Aliemo-nos e cacemos juntos, repartindo a presa irmãmente, de acordo com os nossos direitos.

– Muito bem! – exclamaram os convidados. – Isso resolve todos os problemas da nossa vida.

E sem demora puseram-se a fazer a experiência do novo sistema. Corre que corre, cerca daqui, cerca dali, caiu-lhes nas unhas um pobre veado. Diz a onça:

– Já que somos quatro, toca a reparti-lo em quatro pedaços.

– Ótimo!

Repartiu a presa em quatro partes e, tomando uma, disse:

– Cabe a mim este pedaço, como rainha que sou das florestas.

Os outros concordaram e a onça retirou a sua parte.

– Este segundo também me cabe porque me chamo onça.

Os sócios entreolharam-se.

– E este terceiro ainda me pertence de direito, visto como sou mais forte do que todos vós.

A irara interveio.

– Muito bem. Ficas com três pedaços, concordamos (que remédio!); mas o quarto tem de ser dividido entre nós.

– Às ordens! – exclamou a onça. – Aqui está o quarto pedaço às ordens de quem tiver coragem de agarrá-lo.

E arreganhando os dentes assentou as patas em cima.

Os três companheiros só tinham uma coisa a fazer: meter a cauda entre as pernas. Assim fizeram e sumiram-se, jurando nunca mais entrar em Liga das Nações com onça dentro.
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Disse o Visconde de Sabugosa:

Na minha opinião, as fábulas mostram só duas coisas: 1) que o mundo é dos fortes; e 2) que o único meio de derrotar a força é a astúcia. Essa da Liga das Nações, por exemplo. Os animais formaram uma liga, mas que adiantou? Nada. Por quê? Porque lá dentro estava a onça, representando a força, e contra a força de nada valeram os direitos dos animais menores. Bem que a irara fez ver o direito desses animais menores. Mas nada conseguiu. A onça respondeu com a razão da força. A irara errou. Em vez de alegar direito, devia ter recorrido a uma esperteza qualquer. Só a astúcia vence a forç
a.

Fonte:
Monteiro Lobato. Fábulas.

Carlos Drummond de Andrade (Luzia)


— Não está me conhecendo? Sou a Luzia. Em casa todos bem?

— Oh, Luzia, desculpe. Ando com a vista meio fraca. Mas você está um bocado alinhada, criatura!

— O senhor acha? Bondade sua.

— Acho, não. É fato. Você se casou, Luzia?

— Que nada, doutor. Casamento é pra quem pode, quem sou eu?

— Você estava noiva quando saiu lá de casa.

— Estava sim, mas o senhor quer que eu seja franca? Não gostava dele, queria só casar, pra dar gosto à minha tia, que me criou. Aí eu pensei assim: Não tenho amor a este camarada, depois do casamento faço a infelicidade dele, não é direito. Até que meu noivo era legal, tinha uma alfaiataria em Niterói, carro na praça. Não fiz bem?

— Você foi muito correta, Luzia.

— Pois é. Mas depois me desiludi dos homens, sabe? Me desiludi completamente.

— Tão cedo!

— Tenho dezoito anos por fora, por dentro já perdi a conta. Veja só; fui ser cem por cento com o meu noivo, e quando arranjei outro namorado, não dei sorte.

— Também não gostou dele?

— Gostei demais, aí é que está. Foi o meu erro. Aí ele me disse que era casado, não podia remediar nada.

— Sendo assim…

— Mentira dele, doutor. Minha prima gostou de um cara que não usava aliança, quando foi ver ele tinha obrigação em casa, com cinco bocas. O meu não, se fez de pai de família pra não casar.

— É pena, Luzia. Mas não fique triste, há tanto marido ordinário nesse mundo, quem sabe se você não escapou de um!

— Ah, mas agora sou eu que não penso em casamento. Tenho mais que fazer.

— E que é que você faz?

— Pois o senhor não sabe? Quando saí de sua casa, resolvi acabar com o serviço de copeira. Empregada doméstica não resolve. Fiz o curso na escola de manicure, tirei certificado e fui trabalhar num salão de mulheres. Não dava pra pagar o quarto. O porteiro de uma boate olhou pra mim e disse: “Broto, não faz unha de mulher, que é fominha, faz unha de homem”. Mudei de salão, desta vez dei sorte.

— Ótimo, Luzia.

— Graças a Deus nunca mais andei sem dinheiro, o senhor acredita? O patrão só me paga no fim do mês, mas os fregueses dão boas gorjetas, de maneiras que tenho sempre algum na bolsa. Agora estou menos folgada, porque tive de comprar móveis, o apartamento estava tão vazio!

— Que apartamento, Luzia?

— O que eu aluguei. Um freguês se ofereceu pra prestar fiança, dizem que isso é difícil.

— Não é difícil, é um sonho. E você se queixa dos homens?

— Quer dizer: de todos, não. Comprei os móveis no crediário e agora vou comprar uma radio-vitrola. Quando acabar o pagamento compro a geladeira.

— Parabéns, minha filha, você venceu.

— Ah, doutor, não diga isso. Estou só começando. Quando quiser, apareça lá em casa que me dará muito prazer. Casa de pobre, mas tem uísque pros amigos. Recomendações à madame, um beijo pros netinhos!

E seguiu — o alegre estampado, a saia curta, as pernas longas e bem esculpidas, o bico fino dos sapatos, o sorriso de dentes alvos no belo moreno carregado do rosto.

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. 70 Historinhas.

Silmar Böhrer (Lampejos Poéticos) XXVII


Agatha Christie (Resenha de Livros) 5


OS CRIMES ABC
The ABC Murders


Um misterioso e metódico assassino comete seus crimes de acordo com três normas: escolhe suas vítimas e as cidades onde moram seguindo rigorosamente uma ordem alfabética; deixa junto aos cadáveres um guia de trens, chamado ABC na Grã-Bretanha e anuncia cada um dos assassínatos através de uma carta dirigida a Hercule Poirot, indicando o lugar e o dia em que cometerá o crime. Tudo leva a supor que se trata de um estranho e aterrorizador psicopata, tão louco quanto inteligente e frio, que os jornais comparam a Jack, o Estripador. Porém o cruel criminoso não sabia que, ao enviar cartas a Poirot, brincava com fogo, desafiando um inimigo que o superava em inteligência. E Poirot imagina se a maneira de agir do assassino não constitui uma perigosa cortina de fumaça para ocultar alguém mais perverso do que um sanguinário doente mental. Poirot lança a pergunta e, como sempre, termina encontrando a surpreendente resposta.

O pequenino gênio Hercule Poirot desvenda uma série de assassinatos muito intrigantes. São assassinadas pessoas cujos nome e cidade onde moram estão de acordo com a ordem alfabética e, junto de seus corpos é sempre encontrado o guia de trens ABC. O mais estranho, porém essencial para a solução dos crimes por Poirot, é que o misterioso assassino sempre avisa ao detetive quando irá matar suas vítimas indefesas. A polícia acha que Sir Alexander Bonaparte Cust é o assassino, mas Hercule soluciona esses crimes com um desfecho absolutamente incrível.

MORTE NA MESOPOTÂMIA
Murder in Mesopotamia


Na misteriosa e fascinante Bagdá, uma expedição arqueológica procura vestígios de uma antiga cidade assíria. Mas a arqueologia pouco pode ajudar, quando a bela e encantadora Louise Leidner, esposa do chefe da expedição, é brutalmente assassinada. É preciso que entre em cena o maior de todos os decifradores de enigmas: um conhecido detetive belga… Morte na Mesopotâmia é uma das mais sensacionais aventuras de Hercule Poirot, o genial investigador criado pela imaginação da “velha dama” do crime, Agatha Christie.

Mrs. Leidner é assassinada em uma expedição arqueológica em Bagdá. Fora algo muito estranho pois ninguém vira pessoas circularem no pátio do local que dava acesso a cena do crime. Quem teria feito tal monstruosidade com a bela Louise? Só uma pessoa poderia responder: Hercule Poirot.

Durante uma expedição arqueológica à Bagdá, Poirot é chamado para solucionar um misterioso enigma: A mulher do chefe da expedição é assassinada em seu próprio quarto, só que o acesso parece impossível sem que o assassino seja visto, pois todos os ambientes da casa, sem exceção, tem ligação com um enorme pátio, onde o criminoso poderia ser visto facilmente por qualquer um. Além disso, a vítima, antes de morrer, estava assustada porque vinha recebendo cartas ameaçadoras de uma pessoa aparentemente morta. Um final realmente surpreendente!!!

CARTAS NA MESA
Cards on the Table


Para investigar o inesperado assassinato do extravagante Mr. Shaitana durante uma partida de bridge, ninguém melhor do que seus próprios convidados: quatro detetives particulares - e entre eles se encontra o melhor de todos, Hercule Poirot. O problema é que sobre cada um desses homens paira a sombra de crimes não esclarecidos no passado. Neste jogo de cartas marcadas, em que todos são virtualmente suspeitos, caberá ao genial detetive belga dar a cartada final.

O ricaço Mr. Shaitana, que tem costumes um tanto bizarros, convida para um jantar em sua residência quatro detetives particulares (entre eles Hercule Poirot) e quatro assassinos que nenhum juiz conseguiu alcançar por falta de provas. E foi nessa noite que Mr. Shaitana assinou seu decreto de morte, foi assassinado por uma das oito pessoas ali presentes, mais provavelmente pelos quatro assassinos impunes. Hercule Poirot desvenda o crime descobrindo o assassino onde ninguém poderia imaginar.

POIROT PERDE UMA CLIENTE
Dumb Witness


Todos responsabilizaram o acidente que Emily sofreu na escada a seu cachorro, um terrier. O mais que Emily pensava sobre o acidente, mais ela se convencia que alguém da sua família tentava matá-la. Assim, no dia 21 de Abril, ela escreve uma carta a Hercule Poirot contanto suas suspeitas. Misteriosamente ele não recebe a carta até o dia 28 de Junho, quando ela já estava morta.

MORTE NO NILO
Death on the Nile


A parte principal deste romance desenvolve-se a bordo de um barco, que navega pelas águas do Nilo, em cujas margens se levantam ruínas milenárias, restos de uma civilização dedicada ao culto dos mortos; e lá nesse ambiente fúnebre, uma deslumbrante garota, que tinha tudo - juventude, beleza, riqueza e felicidade -, perde tudo, num repente, ao ser assassinada na sua cabine. O assassinato foi cuidadosamente planejado, para que seja impossível descobrir o assassino, quem teve a má sorte de que Hercule Poirot estivesse de férias no Egito, e pudesse investigar seu crime - aliás, seus crimes, porque há mais de um - com uma maior atenção da que se tinha empregado em cometê-los. Para aumentar a intriga e o suspense, sabemos que entre os passageiros do Karnack, se encontra um famoso assassino profissional, que é perseguido pelo Coronel Race, amigo de Poirot e sagaz agente do Serviço Secreto inglês.

Poirot sai de férias. Embarca no Karnack para um cruzeiro nas águas do velho Nilo. Mas o que seria um belo passeio transforma-se em uma série de assassinatos que assustam o detetive pela frieza como são executados. Mas como se faz um arqueólogo ele encontra fragmentos, espana-os tirando o supérfluo e chega a verdade.

ASSASSINATO NO BECO
Murder in the Mews


Quatro estranhos casos desafiam a inteligência de Hercule Poirot. No primeiro, que dá título ao livro, o detetive belga investiga a morte de uma mulher. Todas as pistas indicam que se trata de um suicídio, mas Poirot desconfia de assassinato. Em O Roubo Inacreditável, Hercule Poirot é contratado para desvendar o desaparecimento de documentos secretos do governo inglês. Em O Espelho do Morto, ele se depara, mais uma vez, com um estranho suicídio. Agora, a vítima é um excêntrico aristocrata, encontrado morto dentro do próprio quarto com todas as portas trancadas pelo lado de dentro. O último caso é Triângulo de Rodes. Um assassinato brutal é cometido, e um inocente está prestes a ir para a cadeia. Hercule Poirot põe suas “pequenas células cinzentas” para funcionar até descobrir a verdadeira identidade do culpado.

Fonte:
http://users.hotlink.com.br/pmgi/agatha/index.html

terça-feira, 24 de março de 2020

Dorothy Jansson Moretti (Uma Noite Inesquecível)


Há uma grande agitação no vestiário feminino. As garotas que vêm de Riversul trocam às pressas a roupa que vestem pelo uniforme simples, clássico e bonito do coral: saia azul-marinho, blusa branca, sapatos vermelhos e um laço também vermelho amarrado à gola.

Eu as observo, divertida. Uma garota engordara e outra emagrecera. Já vestidas e não se sentindo a cômodo, resolvem trocar as saias. Despem-se e tentam vestir-se, uma com a saia da outra. Pior a emenda! Despem-se novamente e voltam a vestir-se como estavam, Duas meninas queixam-se dos sapatos que lhes maltratam os dedos... mas tudo isso em meio a boas risadas e exclamações divertidas. Uma farra!

Pelas dependências do Clube Fronteira encontro velhos amigos. Cumprimentamo-nos com efusão. É sempre gratificante vê-los novamente. Há uma grande expectativa. A apresentação do Coral Santa Cecília promete ser sensacional e a sala está repleta.

Começam a entrar os cantores, em fila, sob estrondosos aplausos. O Maestro Batista é o último a passar. Para ele, salvas mais imponentes ainda. As coristas se ajeitam na posição indicada pelo Maestro. Ele faz breve e interessante exposição sobre música coral. Mostra o que convém e o que não convém numa apresentação vocal. Depois volta-se para o grupo e de maneira quase imperceptível dá-lhes a tonalidade.

Então o milagre acontece. Como se fossem um único instrumento tangido pelos dedos do Maestro, aos movimentos de suas mãos, sopranos e baixos, contraltos e tenores desprendem suas vozes maravilhosas, ora em pianíssimo, ora em meio forte, depois e crescendo, e finalmente num forte ou fortíssimo de arrepiar até os nervos da gente, de comoção.

É uma completa sinfonia com seu adagio, seu allegro, seu rondo e seu scherzo. É a leve música da Renascença; é a doce Ave-Maria; é a missa monumental, é a inconfundível cançoneta italiana; é a sentimental música latino-americana; é o encantador folclore brasileiro, nas asas do vento a se "imbalançá".

É o fragor de uma tempestade. É o trinar de um passarinho. E todos os sons que as vozes do universo repetem a cada dia, desde a cascatinha humilde que despenha no riacho até o vagalhão que se esfacela às fragas rijas do oceano... É mais que magnifico. É divino!

Estamos extasiados ao final, e os aplausos são intermináveis. Descemos a escada e nos encaminhamos para a mesa onde será servido um suculento arroz-com-frango acompanhado de salada e de uma farofa deliciosa.

E mesmo ali, todo mundo com muito bom apetite e servindo-se à vontade, o espírito da música não abandona o ambiente. Cantam alguns, lá na ponta da mesa. Aqui no meio, o Maestro faz dueto com um dos tenores do coral. Até eu me encorajo e faço trio com minhas sobrinhas. E todas essas manifestações espontâneas e isoladas são muito aplaudidas.

Por fim, alguém pede uma música de sua preferência e o Maestro não se faz de rogado. E mesmo sentado, todo mundo tendo à frente um prato cheinho de ossos, ele dá o tom e a turma canta ainda três números, o último dos quais é o belíssimo e arrebatador Salmo 150, de Ernâni Aguiar.

Sou insaciável em matéria de boa música. Fico querendo mais... e acho que os outros também. Mas a festa chega ao fim. Ainda há quarenta e cinco minutos de estrada para o pessoal de Riversul.

Aqui fora está um tanto frio, mas o céu escuro está muito estrelado.

Que façam boa viagem o Maestro e seus companheiros!
  
(Tribuna de Itararé - 26/04/87)

Fonte:
Dorothy Jansson Moretti. Instantâneos. São Paulo: Dialeto, 2012.

Rachel de Queiroz (Nudez)


A filha tentava convencer a mãe a ir à praia e a velha resistia: estava muito idosa e gorda para vestir maiô.

— Mas, mamãe, eu já vi de maiô, na praia, muitas senhoras mais velhas e mais gordas do que você!

E a velha, suavemente:

— Eu também já vi. Por isso mesmo é que não vou.

Para mim, o critério dessa velha é o critério certo em matéria de nudez. O que é feio se esconde. Um moço, uma moça, no esplendor da juventude, seus belos corpos podem se mostrar praticamente desnudos, de biquíni, de sunga, de cavado: assim tão enxutos, rijos e tostados, chegam a ser castos. Predomina a impressão de beleza e saúde sobre a sugestão erótica. E, depois, sabe-se que aquela floração é tão transitória! Deixem que os jovens fruam o instante passageiro, que usem e mostrem os corpos na sua hora de flor, antes que chegue a hora da semente e do declínio.

Afirmam os nudistas, com perfeita lógica, que, todo o mundo andando nu, a nudez acostuma e deixa de escandalizar: sim, acredito que num campo de nudistas se acabe vivendo com a mesma naturalidade que numa sala de família. Aliás, quem convive com índios sabe disso: o hábito torna a nudez invisível.

O que eu tenho contra os nudistas é a exibição obrigatória da feiúra humana, o seu despojamento total, a miséria fisiológica sem um véu que a disfarce. O ridículo, a falta de dignidade de todo o mundo nu.

Certa amiga minha que, numa praia da Noruega. de repente se viu dentro de um grande bando de gente nua, diz que o seu choque primeiro não foi o da vergonha, foi o do grotesco. As pelancas, os babados, os rins flácidos, os joelhos grossos. A velhota magra com seus ossinhos de frango assado, a quarentona de busto murchinho, o senhor ruivo de barriga redonda, braços e canelas tão finos e peludos que, se tivesse mais duas pernas, seria igual a uma aranha. A matrona obesa e o seu esposo idem e o par de jovens rechonchudos, de mãos dadas como dois porquinhos enamorados. A seca donzela machona de coxas de cavalete, e a falsa Vênus de cintura grossa, com o falso atleta de torso enorme e pernas curtas. Da tribo toda, praticamente só se salvavam os adolescentes e as crianças.

A humanidade nua é feia, não há dúvida. E por isso mesmo a gente se oculta debaixo da roupa. Talvez mais do que para o defender do frio, a roupa se inventou para encobrir o corpo e lhe dar dignidade. O que é bonito se mostra, o que é feio se esconde, é a lei de todas as culturas humanas. Nada mais triste do que a deterioração do que foi belo. Ninguém usa no dedo um anel sem a pedra, ninguém bota na sala um ramo de flores murchas.

Fonte:
Rachel de Queiroz. As Menininhas e outras crônicas. RJ: J. Olympio, 1976.

segunda-feira, 23 de março de 2020

Fernando Sabino (Na Escuridão Miserável)


Eram sete horas da noite quando entrei no carro, ali no Jardim Botânico. Senti que alguém me observava, enquanto punha o motor em movimento. Voltei-me e dei com uns olhos grandes e parados como os de um bicho, a me espiar, através do vidro da janela, junto ao meio-fio. Eram de uma negrinha mirrada, raquítica, um fiapo de gente encostado ao poste como um animalzinho, não teria mais que uns sete anos. Inclinei-me sobre o banco, abaixando o vidro:

- O que foi, minha filha? - perguntei, naturalmente, pensando tratar-se de esmola.

- Nada não senhor - respondeu-me, a medo, um fio de voz infantil.

- O que é que você está me olhando aí?

- Nada não senhor- repetiu.- Tou esperando o ônibus...

- Onde é que você mora?

- Na Praia do Pinto.

- Vou para aquele lado. Quer uma carona?

Ela vacilou, intimidada. Insisti, abrindo a porta:

- Entra aí, que eu te levo.

Acabou entrando, sentou-se na pontinha do banco, e enquanto o carro ganhava velocidade, ia olhando duro para a frente, não ousava fazer o menor movimento. Tentei puxar conversa:

- Como é o seu nome?

- Teresa.

- Quantos anos você tem, Teresa?

- Dez.

- E o que estava fazendo ali, tão longe de casa?

- A casa da minha patroa é ali.

- Patroa? Que patroa?

Pela sua resposta, pude entender que trabalhava na casa de uma família no Jardim Botânico: lavava roupa, varria a casa, servia a  mesa. Entrava às sete da manhã, saía às oito da noite.

- Hoje saí mais cedo. Foi jantarado.

- Você já jantou?

- Não. Eu almocei.

- Você não almoça todo dia?

- Quando tem comida pra levar, eu almoço: mamãe faz um embrulho de comida pra mim.

- E quando não tem?

- Quando não tem, não tem - e ela até parecia sorrir, me olhando pela primeira vez. Na  penumbra  do  carro,  suas  feições  de  criança, esquálidas, encardidas de pobreza, podiam ser as de uma velha. Eu não me continha mais de aflição, pensando nos meus filhos bem nutridos - um engasgo na garganta me afogava no que os homens experimentados chamam de sentimentalismo burguês:

- Mas não te dão comida lá?- perguntei, revoltado.

- Quando eu peço eles dão. Mas descontam no ordenado, mamãe disse pra eu não pedir.

- E quanto é que você ganha?

Diminuí a marcha, assombrado, quase parei o carro. Ela mencionara uma importância ridícula, uma ninharia, não mais  que  alguns trocados. Meu impulso era voltar, bater  na porta da tal mulher e meter-lhe a mão na cara.

- Como é que você foi parar na casa  dessa...  foi  parar  nessa casa?- perguntei ainda, enquanto o carro, ao fim de uma rua do  Leblon, se aproximava das vielas da Praia do Pinto. Ela disparou a falar:

- Eu estava na feira com mamãe e então a madame pediu para eu carregar as compras e aí noutro dia pediu a mamãe pra eu trabalhar na casa dela, então mamãe deixou porque mamãe não pode deixar os filhos todos sozinhos e lá em casa é sete meninos fora dois grandes que já são soldados. Pode parar que é aqui moço, obrigado.

Mal detive o carro, ela abriu a porta e saltou, saiu correndo, perdeu-se logo na escuridão miserável da Praia do Pinto.

Fonte:
Fernando Sabino. A Companheira de Viagem. RJ: Sabiá, 1972

Irmãos Grimm (As Três Linguagens)


Houve, uma vez, na Suíça, um conde que tinha um filho único, mas tão obtuso que não conseguia aprender coisa alguma. Então, o pai disse-lhe:

- Escuta, meu filho, por mais que me esforce, não consigo meter nada dentro da tua cabeça. Precisas ir para fora daqui. Eu te confiarei a um mestre muito célebre, que tentará fazer algo de ti.

O rapaz foi enviado a uma cidade estranha e hospedou-se na casa do mestre durante ano inteiro. Passado esse tempo, voltou para a casa do pai e este perguntou-lhe:

- Então, meu filho, o que aprendeste?

- Meu pai, aprendi o que latem os cachorros. - respondeu o rapaz.

- Misericórdia divina! - bradou o pai, - foi tudo o que aprendeste? Vou mandar-te para a casa de outro mestre, em outra cidade.

O rapaz foi e passou um ano na casa do segundo mestre. Voltando daí a um ano para casa, o pai perguntou-lhe:

- Que aprendeste, meu filho?

- Meu pai, aprendi o que dizem os passarinhos. - respondeu ele.

Zangadíssimo, o pai então gritou:

- Ó perdição humana! Perdeste um tempo precioso e nada aprendeste? E não te envergonhas de aparecer ante meus olhos? Vou mandar-te a um terceiro mestre. Se desta vez não aprenderes nada, não quero mais ser teu pai.

O filho permaneceu um ano inteiro com o terceiro mestre. Quando voltou para casa, o pai perguntou-lhe:

- Vejamos, meu filho, que aprendeste?

- Meu pai, - respondeu ele - neste ano aprendi o que coaxam as rãs.

O pai, então, louco de raiva, levantou-se de um salto, chamou a criadagem e disse:

- Este homem não é mais meu filho. Expulso-o de minha casa e ordeno que o leveis à floresta e o mateis.

Os criados levaram-no à floresta mas, no momento de matá-lo, condoeram-se dele e soltaram-no para que se fosse. Arrancaram os olhos e a língua de um veado, que levaram ao velho conde como testemunho.

O rapaz peregrinou durante algum tempo. Por fim foi ter a um castelo, onde pediu pouso para aquela noite

- Sim, - disse o castelão - mas só se quiseres pernoitar lá embaixo naquela torre. Advirto-te, porém, que arriscas a vida. A torre está cheia de cães ferozes que latem e uivam sem parar e, em determinadas horas, é preciso dar-lhes um homem, que devoram imediatamente.

Em consequência disso, toda a região vivia em luto e mergulhada na tristeza, e não havia quem pudesse solucionar o problema. O rapaz, porém, não tinha medo e disse:

- Irei lá com os cães que uivam. Dai-me somente alguma coisa que lhes possa atirar para que comam. A mim não farão mal algum.

Sendo essa a sua vontade, deram-lhe só a comida para os cães e o conduziram à torre. Quando penetrou lá dentro, os cães não latiram, mas abanaram amistosamente as caudas e comeram o que lhes apresentou, sem lhe torcer um só fio de cabelo.

Na manhã seguinte, saiu de lá são e salvo para assombro geral. Foi ao castelão e disse:

- Os cães, na sua linguagem, revelaram-se a razão por que estão aí presos e porque causam tanto dano à região. Estão encantados e precisam guardar um grande tesouro escondido lá embaixo, na torre. Enquanto o tesouro não for desenterrado, eles não se apaziguarão e, sempre na sua linguagem, entendi o que é preciso fazer.

Todos se alegraram ao ouvir isso e o castelão propôs adotá-lo como filho se conseguisse resolver tudo da melhor maneira possível. O rapaz tomou a descer à torre e, instruído como deveria agir, desincumbiu-se da tarefa com felicidade, depois levou para cima uma arca cheia de ouro. A partir desse dia, nunca mais se ouviram os medonhos uivos dos cães ferozes, haviam desaparecido. A região ficou livre para sempre desse flagelo.

Decorrido algum tempo, o rapaz teve a ideia de viajar a Roma. Pelo caminho, passou junto a um charco e dentro dele as rãs coaxavam seus mexericos. Aguçou o ouvido, prestando atenção ao que diziam, quando percebeu o que estavam a dizer, caiu em profunda tristeza e preocupação.

Finalmente, depois de muito andar, chegou a Roma. Lá soube que havia falecido o Papa e reinava grande incerteza entre os Cardeais, que não conseguiam eleger o sucessor. Por fim, convencionaram que seria eleito aquele a quem fosse revelada, por um sinal milagroso, a vontade Divina.

Justamente quando assim deliberavam, o jovem conde entrou na igreja e logo duas pombas brancas como neve, foram pousar em seus ombros e lá permaneceram imóveis. O clero reconheceu nisso a vontade Divina e, sem mais delongas, perguntaram-lhe se queria ser eleito Papa. O jovem, indeciso, não sabia se era digno de tal encargo, mas as pombas o persuadiram e ele respondeu que sim.

Então, foi ungido e consagrado, cumprindo-se assim aquilo que, com grande consternação sua, ouvira as rãs coaxarem ao passar pelo charco. Pois elas justamente diziam que ele se tornaria Papa.

Depois de coroado, teve de celebrar e cantar missa, mas não sabia uma única palavra, pois jamais tinha feito isso. Então as pombas, que permaneciam pousadas em seus ombros, o ajudaram, sussurrando-lhe aos ouvidos tudo o que devia fazer e dizer.

Fonte:
Contos de Grimm.

domingo, 22 de março de 2020

Monteiro Lobato (Por que Lopes se Casou)


— Pois, meu caro — dizia Lucas ao seu amigo Lopes —, fiz essa asneira, casei-me.

— E és pai duma legião...

— Tenho doze filhos e já alguns avos do décimo terceiro.

— E tudo quanto produz o teu trabalho some-se em bugigangas, leite, farinha, cueiros, fraldas, cavalinhos de pau...

— Um trabalho de negro cativo mal dá para mantê-los no pé de decência que minha posição requer. E é uma voragem a minha casa. Quando entro numa sapataria é para comprar doze, catorze pares de sapatos! Das lojas nunca trouxe fazenda aos metros, é às peças. De feijão gasto meia saca por quinzena. Uma voragem!

“E se visses que jararaca me saiu minha mulher... Uma fera, Lopes! Dessas que lançam com prato à cara do marido se este torce o nariz ao quitute. E feia, desleixada, lambona, cabelos despenteados, um fedelho aos berros no braço, as chinelas a se arrastarem pela casa, trec, trec, trec. Traz à cinta a penca de chaves e um rabo de tatu que até a mim inspira respeito. Dirige o movimento da casa a lambadas. Grita sem parar, deblatera, diz nomes, arranca a orelha às criadinhas. É um despotismo de saias a serviço dum estado de sítio que suprimiu o meu poder marital, o meu pátrio poder, o meu poder animal de homem, e me põe na casa humilde e caladinho, de orelhas murchas como um lazarento burro de carroça. Felizmente o trabalho na repartição afasta-me da inferneira oito horas por dia. É quando vivo. Mas logo que a tarefa termina e volto para a geena, ah, Lopes, nunca saberás com que angústia o faço... O lar! Falam poetas nas delícias do lar, no remanso do lar... A avaliar pelo meu, o lar é círculo que esqueceu ao Dante. Em caminho para o ‘remanso do lar’ rememoro tudo o que me espera. No topo da escada, de mãos à cintura, a minha tremenda metade em atitude de juiz em face do réu.

“— Trouxe a pimenta? Comprou o sabão? Chamou o homem para consertar a torneira?

“E se acaso me esquece alguma coisa, lá desaba o temporal.

“— É isto. Não presta para nada, não sei por que casou, já que não serve nem para trazer da cidade um pão de sabão de cinza para a burra da mulher que fica em casa a se matar de trabalho —, e tá, tá, tá. Não imaginas a minha vida, Lopes...”

Arrepiado ante as confidências do amigo, Lopes alvitrou certas soluções desesperadas.

— Em teu caso, Lucas, eu recorria a meios extremos, ao divórcio, à bolinha...

— Caçoa, caçoa. Eu também caçoava...

— Mas, Lucas, estás a exagerar. Dou de barato que seja assim. Mas há compensações. Os filhos, por exemplo, as sãs alegrias da paternidade...

— Os filhos... Tem muita graça o primeiro, o segundo e ainda o terceiro. Depois, do quarto ao décimo segundo... que pestinhas infernais! Destroem tudo, põem a casa imunda, vivem num corrupio de travessuras capazes de endoidecer um santo. Não sei se os filhos dos outros são assim, mas os meus batem os recordes. Há um, senhor Lulu, que prenuncia novo Átila. Diverte-se em quebrar, furar, judiar, escangalhar o que encontra. Ontem procurei um livro — livro de contas, sossega! — e fui encontrá-lo no quintal, dentro duma poça d’água, à guisa de barragem de dique. Só em louça quebrada esse patife me dá um rombo de quarenta mil réis por mês.

“E não é só ele.

“O Eduardinho tem a mania de enfiar os talheres nos buracos dos ratos, nas frestas do assoalho.

“Outro se especializou em quebrar os dentes aos garfos. Chegamos à perfeição de ter em casa apenas um garfo com quatro dentes! Já as facas são uma dentadura completa. Quem é o dentista? O senhor Lulu. Aparece uma cadeira com três pernas. Quem foi o carpinteiro? O senhor Lulu.

“A Inazita tem a bossa da costura. Está praticando no corte... Em pilhando a tesoura, esconde-se nos cantos e vai picando o que encontra. Há dias recortou um corpinho no oleado da mesa, um oleado adquirido na véspera — e tão caro...

“O Leandro é o homem da balística. Vive com o papo da camisa cheio de pedregulho e cacos de telha — ‘tentos’, diz ele — e brinca de partir vidraças aos vizinhos. Tem, para mal meu, mão certa como o Guilherme Tell.

“O Lucas, esse chora. Chora doze horas por dia, à toa, por brincadeira. É o rei da manha, mas daquelas manhas intermináveis que deixam os nervos da gente em carne viva.

“O Bentinho, que é torto, o coitado, já fuma pontas de cigarro e coleciona nomes feios apanhados na rua.

“O mais velho foge de casa pela janela e entra de madrugada. Anda-me sorumbático, com umas perebas suspeitas.

“O Juvenal...”

— Para um bocado, Lucas. Deixa-me tomar fôlego e fazer uma observação. Sendo assim como dizes, travessos, insubordinados, insuportáveis, a culpa é só tua. É que lhes não dás a devida disciplina, não os corriges, não lhes torces o pepino no tempo propício, homem!

— Será, mas que queres? Não posso, não tenho energia. Sou uma tapera, um homem arrasado que me fiz fatalista para ter uma filosofia que me dê paz à consciência. Bem me acusa ela de inépcia e frouxidão extrema... Às vezes vêm-me ímpetos de reagir, entrar em casa de guatambu em punho e ir deslombando às cegas a escadinha inteira, coisa de começar no frangote das perebas e acabar nos seis gatos ladrões do Chiquinho, com escala pelos cães sarnentos do Manuel, pelos canários azucrinantes do Júlio e pelas bonecas de pano de Mariquinha. Moê-los em massa, a granel e ir entregar-me à polícia e pedir ao júri, de joelhos, trinta deliciosos anos de paz e silêncio no fundo duma cela. Mas fica em ímpetos. Sou uma tapera, incapaz dum movimento enérgico...

O pobre Lucas consultou o relógio e assustou-se.

— Três horas! Minha cara-metade deve estar furiosa. Adeus, Lopes, vou-me ao “repouso do lar” — concluiu, despedindo-se com um riso amargo.

E foi-se o Lucas apressadamente, cheio de pacotes pelos nós dos dedos; embrulhos nos bolsos e um queijo sobraçado...

Lopes ficou imóvel no lugar, com os olhos parados, recordando. Veio-lhe à mente o Lucas de quinze anos antes. Era um rapagão alegre, todo esperanças no futuro e amigo de arquitetar castelos de Espanha. Poetara. Amara uma dúzia de meninas em duas centenas de sonetos parnasianos e por fim elegeu como diva a Nonoca Fagundes, uma loura translúcida, de fala melíflua — Botticelli temperado à moderna, dizia ele.

Era bonitinha, dezessete anos, em pleno viço da beleza do diabo, um mimo de fragilidade grácil, boazinha como não havia outra — boa, “boa constritor”... Muito ingênua e amiga de reticências graciosas, corava a todo instante. Dizia ele: Moram em suas faces duas rosas Bela-Helena. Andar saltitante como de sílfide.

Um verso dele rezava:

Das plumas tens no andar
a suave macieza...

Lucas amou-a em regra, e sonetou-a inteira dos cabelos aos pés, parnasianamente, nefelibatamente, com lirismo de comover as pedras. Não a tratou antropofagicamente, porque a antropofagia guindada à escola estética ainda não fora inventada.

Sonhou-a ao seu lado, “amiga peregrina de alma e coração”, num arroubo perene de felicidade celestial pela estrada da vida afora... Amou-a três anos seguidos, com o dispêndio duma arroba de versos arrancados à carne viva da inspiração. Bateu-se a punhadas com vários rivais temíveis. Rompeu com a família, que desaprovava o casamento. Cantou-lhe à janela, com muito choro de violão, todas as modinhas do tempo — Quisera amar-te, Acorda donzela —, além de outras adrede compostas para aquele fim. Amou-a loucamente, “como só se ama uma vez na vida”. Foi desses que dizem em prosa, verso e cochicho: “Ver-te e amar-te foi obra de um só momento”.

Intercalou em alexandrinos o clássico “anjo, mulher ou visão”. Esgotou inteirinho o alforje romântico das imagens enluaradas; recorreu à botânica e assolou o reino vegetal à cata de flores comparativas. Não contente com isso, ainda deambulou pelos céus e mergulhou no oceano em busca de imagens — que nada era bastante à imensidade daquele amor.

Casou por fim e estava reduzido àquilo...

Em vista do que, Lopes, que andava noivo e irresoluto se casaria ou não, tendo já no ativo uma dúzia de sonetos amorosíssimos, decidiu-se incontinenti — casou.

Se tinha de acabar como o Lucas, levasse sobre ele, ao menos, a vantagem de menor cópia de versos à futura cascavel. Porque lhe pareceu que o maior sofrimento do Lucas havia de ser o remorso da enorme bagagem de versos pré–nupciais.

E era.

Fonte:
Monteiro Lobato. Cidades Mortas.

Agatha Christie (Resenha de Livros) 4


POR QUE NÃO PEDIRAM À EVANS?
Why Didn’t They Ask Evans?


Frances Dewent e Bobby Jones formam uma dupla de jovens destemidos à procura de novas aventuras. Dessa vez, os dois descobrem o cadáver de um homem que pode ter sofrido um acidente ou ter sido assassinado. Frances e Bobby decidem investigar o caso, tendo duas pistas. Uma é a fotografia de uma bela mulher. A outra é uma estranha frase pronunciada pelo homem antes de morrer: “Por quê não pediram à Evans?”. Em busca da mulher misteriosa e do tal Evans, a dupla se envolve com um perigoso assassino. A solução do crime parece estar cada vez mais próxima… e as vidas da dupla por um fio.
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ASSASSINATO NO EXPRESSO DO ORIENTE
Murder on the Orient Express

A ação de Assassinato no Expresso do Oriente, um dos romances mais famosos de Agatha Christie, transcorre, integralmente, no mais famoso dos trens, e serviu de argumento para um célebre filme, no qual todos os numerosos personagens da narração - quase não há personagens secundários - foram interpretados, algo muito pouco frequente no cinema, por figuras de primeira. Ao se passar num trem, a sua apaixonante intriga é ao mesmo tempo concentrada e dinâmica porque se desenvolve sempre num mesmo lugar, que tem a particularidade de ser um lugar em movimento. Através desta longa viagem, o inefável e sedentário detetive belga Hercule Poirot goza da oportunidade de resolver um dos seus casos mais misteriosos, tendo ao seu alcance, sem necessidade de deslocar-se, tanto a vítima como todos os possíveis assassinos.
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O DETETIVE PARKER PYNE
Parker Pyne Investigates


Especialista em estatística, dono de uma mente muito viva e um grande conhecedor da natureza humana, Parker Pyne utiliza estas qualidades para ser uma espécie de vendedor de felicidade. Mas o bondoso e aparentemente inofensivo detetive não se limita a solucionar os problemas de mulheres ciumentas, maridos fracassados ou militares da reserva: também cabe a ele enfrentar ladrões, sequestradores e assassinos. Para eles, Pyne prepara as armadilhas mais engenhosas, demonstrando que uma mentira oportuna pode ajudar a descobrir a verdade. Estas doze histórias variadas e divertidas sobre o curioso personagem mostram o inigualável senso de humor que tornou Agatha Christie famosa em todo o mundo.

O Caso da Esposa de Meia-Idade

Depois que a Sra. Packington descobre que o marido está saindo com outra mulher, ela decide procurar Parker Pyne para tentar resolver seu problema. Com um pouco de artimanhas, o detetive finalmente consegue seu objetivo de uma maneira muito interessante.

O Caso do Soldado Insatisfeito
Um major do exército entra em contato com Parker Pyne pois se sente entediado. O detetive pede para ele ir a um certo endereço se encontrara com um tal de Jones. Lá ajuda uma mulher que o coloca numa grande aventura. No final vemos como foi que tudo foi tramado.

O Caso da Senhora Angustiada
Uma senhora pede que Parker Pyne lhe ajude a devolver um diamante que roubara sem que ninguém saiba, pois poderia acabar com seu casamento. Parker Pyne a ajuda e descobre outras coisas que a senhora não teve coragem de contar.

O Caso do Marido Desgostoso

O Sr. Wade não quer se separar de sua mulher que já tem um amante. Assim, procura Parker Pyne para tentar ajudá-lo a reconquistar a mulher. Com um plano muito simples, o detetive consegue seu objetivo mas deixa o Sr. Wade em uma situação muito constrangedora.

O Caso do Empregado de Escritório

Um empregado de escritório está cansado da monotonia do dia-a-dia e procura Parker Pyne para resolver seu problema. Com um pouco de criatividade, o detetive faz o empregado viver muitas aventuras que o fazem ver como a vida pode ser emocionante.

O Caso da Milionária
Depois da morte de seu marido, uma milionária se sente infeliz mesmo tendo tudo o que o dinheiro pode comprar. Chama o detetive para ajudá-la, e ele faz a milionária fazer uma pequena viagem que muda completamente sua vida.

Você Tem Tudo o Que Quer?
Numa viagem de trem, o detetive Parker Pyne tenta resolver o mistério do desaparecimento das joias de uma jovem senhora. Depois de algumas investigações, ele descobre a identidade do ladrão e resolve mais um caso.

O Portão de Bagdad

Viajando pelo Oriente, Parker Pyne se defronta com um assassinato muito curioso e que desperta sua curiosidade. Apenas conversando com alguns passageiros ele consegue descobrir a identidade do assassino e o motivo que o levou a fazer o que fez.

A Casa de Shiraz

Ainda no Oriente, Parker Pyne tenta resolver o mistério de uma inglesa que não deseja voltar nunca mais à Inglaterra. Com um único detalhe, o detetive descobre os motivos da inglesa e a faz mudar de ideia.

Uma Pérola Valiosa

No Oriente, Parker Pyne tem que resolver o caso do desaparecimento de uma pérola muito valiosa, perdida durante um pequena viagem que todos fizeram. Como sempre, o ladrão é sempre o menos suspeito.

Morte no Nilo

Senhora pede ajuda a Parker Pyne pois acredita estar sendo envenenada pelo marido. Sua enfermeira fala com ele sobre a mesma suspeita. Com uma simples análise, Parker Pyne descobre quem está envenenando a senhora.

O Oráculo de Delfos
O filho da Sra. Peters é sequestrado e seus raptores pedem uma colar que vale 100 mil dólares. Pedindo a ajuda de Parker Pyne, ela tem de volta seu filho e a identidade dos sequestradores.
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TRAGÉDIA EM TRÊS ATOS
Three Act Tragedy


Durante uma festa na casa do famoso ator Sir Charles Cartwright, o reverendo Stephen Babbington cai morto, envenenado, diante dos convidados. Este crime cruel é apenas o primeiro ato de uma tragédia macabra, que envolverá ainda outros dois misteriosos assassinatos, sempre por envenenamento. Três grandes desafios para o genial detetive Hercule Poirot, que rouba a cena com sua arguta inteligência, para arrancar a máscara sob a qual se esconde o insuspeitado assassino.
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MORTE NAS NUVENS
Death on the Clouds


Uma velha senhora é assassinada quando viajava de avião de Paris a Londres. A causa da morte foi uma pequena ferida provocada por um dardo envenenado lançado de uma zarabatana. O assassino somente poderia ser um dos dez passageiros restantes do avião, mas, para desgraça do criminoso, entre eles estava o único que poderia descobri-lo: um baixinho de grandes bigodes e aspecto um tanto ridículo, chamado Hercule Poirot. Duas são as principais perguntas que se colocam para o grande detetive belga: 1) Por que o assassino escolheu arma tão estranha e exótica para cometer o homicídio? 2) Como pôde disparar a zarabatana dentro de um espaço tão reduzido sem ser visto por nenhum dos outros passageiros? Completamente desconcertada a polícia considera que, mesmo que o assassinato sendo um fato, sua execução parece impossível. Poirot, para quem nada é impossível, descobre o engenhoso recurso usado pelo assassino para matar a vítima e, como consequência, sua insuspeitada identidade.

Fonte:
http://users.hotlink.com.br/pmgi/agatha/index.html