sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 729)



Uma Trova de Ademar  

Para os sem fé, os tristonhos, 
a vida deles termina 
sem sequer colher os sonhos 
que a própria fé nos ensina... 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

A silhueta da lua 
na janela se reflete, 
brilha como a pele tua 
e aos meus sonhos me remete. 
–Maria Cristina Fervier/ARG– 

Uma Trova Potiguar  

Nem o mais raro brilhante 
cintila com tanto brilho 
como o meigo e fulgurante 
olhar de mãe para um filho. 
–Tarcício Fernandes/RN– 

Uma Trova Premiada  

2010   -   TrovaUneVersos/RN 
Tema   -   SILHUETA   -   1º Lugar 

Nas noites claras de lua, 
no desenho da calçada, 
vejo a silhueta tua 
a minha sombra abraçada. 
–Olympio Coutinho/MG– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Gotas de amargas vivências, 
ou de alegria incontida, 
lágrimas são reticências 
no texto frio da vida... 
–Waldir Neves/RJ– 

U m a P o e s i a  

Trovas, sonetos... Enfim 
qualquer forma de poesia 
para mim é um lenitivo, 
é calmante que alivia 
toda dor que me persegue 
e alegra o meu dia-a-dia. 
–Thalma Tavares/SP– 

Soneto do Dia  

A BELEZA DA VIDA. 
–João Justiniano da Fonseca/BA–

A beleza da vida está na própria vida,
nas flores do jardim, no fruto do pomar.
No amanhecer do dia, o sol vindo do mar,
ou da várzea, da serra - eterno na subida.

A beleza da vida está no conjugar
os rios, a floresta, e a comprida avenida...
Pista e velocidade, os pneus a rolar!
Ou, no espinho e na rosa? Ou na idade vivida?

A beleza da vida – o homem no trabalho,
no campo ou na cidade. A enxada. A pena. O malho.
Mover de sonho e fé, de luz, de cabedais.

A beleza da vida – o todo na impulsão
de tudo que se move. O amor, o coração...
O destino da paz, a paz. A íntima paz!

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Raquel Ordones (Novo Horizonte)



Fonte:
A Poetisa

Aparecido Raimundo de Souza / ES (Magia do Amor)


MOMENTO MÁGICO

Gosto de pensar em nós
em tudo o que fazemos a dois...
Quando lhe pego sob os lençóis
esqueço o agora e o depois.

SUPLÍCIO

Quando o celular toca
penso logo: “é a mulher que eu amo!”
A saudade, porém, me sufoca
na ligação... foi engano.

SONHO UTÓPICO

Se eu fosse um passarinho
e pudesse, enfim, voar,
construiria meu ninho
no jardim do seu olhar.

IMPOSSÍVEL

Se eu pudesse, um dia
olhar pra trás e ter você,
Meu Deus, que alegria
deixaria de sofrer.

Fonte:
O Autor
 Contatos: aparecidoraimundodesouza@gmail.com

Marina Colasanti (Como se fosse)


De nada adiantou a couraça contra o fio da espada. O sangue jorrou entre as frestas metálicas e o jovem rei morreu no campo de batalha. Tão jovem, que não deixava descendente adulto para ocupar o trono. Apenas, da sua linhagem, um filho menino. 

Antes mesmo que a tumba fosse fechada, já os seus fiéis capitães se reuniam. A escolha de um novo rei não podia esperar. E determinaram que o menino haveria de reinar, pois a coroa lhe cabia de direito. Que começassem os preparativos para colocá-la sobre sua cabeça.

Aprontavam-se as festas de coroação, enquanto os capitães instruíam o menino quanto ao seu futuro. Mas porque o rei seu pai havia sido muito amado pelo povo e temido pelos inimigos, e porque o rosto do menino era tão docemente infantil, uma decisão sem precedentes foi tomada. 

No dia da grande festa, antes que a coroa fosse pousada sobre os cachos do novo rei, a rainha sua mãe avançou e, diante de toda a corte, prendeu sobre seu rosto uma máscara com a figura do pai. Assim, ele haveria de ser coroado, assim ele haveria de governar. E os sinos tocaram em todo o reino.

Muitos anos se passaram, muitas batalhas. O menino rei não era mais um menino. Era um homem. Acima da máscara, seus cabelos começavam a branquear. Seu reino também havia crescido. As fronteiras, agora longas, exigiam constante defesa. 

E, na batalha em que defendia a fronteira do Norte, perseguido pelos inimigos, o rei foi abatido no fundo de uma ravina, sem que de nada lhe valesse a couraça.

Antes que fechasse os olhos, acercaram-se dele seus capitães. Retiraram o elmo. O sangue escorria da cabeça. O rei ofegava, parecia murmurar algo. Com um punhal, cortaram as tiras de couro que prendiam a máscara. Soltou-se pela primeira vez aquele rosto pintado ao qual todos se haviam acostumado como se fosse carne e pele. Mas o rosto que surgiu por baixo dele não era um rosto de homem. A boca de criança movia-se ainda sobre mudas palavras, os olhos do rei faziam-se baços num rosto de menino. 

Fonte:
Revista Nova Escola

Antonio Alvares (A Dama e o Vagabundo)


Também pode acontecer
A duas pessoas nesse mundo
Repetir a bela paixão
Da Dama e o Vagabundo
Pois nessa história de amor
A Disney soube impor
À nobreza, um giramundo...

Para os níveis sociais
Uma social convenção
Podendo ser aplainada
Ao nivelar da paixão
De dois corações atingidos
Pelas flechas de dois cupidos
Numa profética repetição...

Do alto da tua redoma
O teu espírito percebeu
Que lá embaixo bate forte
O coração de um Romeu
Que entende tua condição
Mas por ti sentiu paixão
Teu espírito abraçou o meu...

Eu sinto que tu sentes
Algo difícil de explicar
O enigma de um anelo
De força tão sublimar
São sépalas abertas
De flores antes cobertas
Num renovado desabrochar 

Tão rara conquista
Prófuga não há de ser
Imagino tantos próceres
Paraísos te oferecer
Que tu achaste procaz
Pois nenhum foi capaz
De teu espírito envolver...

Da crisólita ao diamante
Para ti é grassa oferta
Na senda pro teu coração
Não existe cancela aberta
Já desanimastes investidas
Dissimuladas, tão atrevidas...
Que deixaram tu'alma alerta!
  
Eis que surge um ser
De um universo paralelo
No teu mundo refinado
Em volta do teu castelo
Deus salve a rainha...
Uma paixão tão minha
Encanta, um sonhar tão belo!

La Belle qui est distant
Faz-me prazeroso sonhar
Je te sens proche de moi
No dormir e no acordar
Sendo operário do labor,
Mas vagabundo do amor...
Atrevo-me a te conquistar!

Entrega-se ao destino
Um desejo tão profundo
Conspirando o universo
Aconteceria nesse mundo
Um encontro inusitado
Do virtual materializado...
A Dama e o Vagabundo!

Fonte:
Colaboração do autor 

Charles Dickens (Manuscrito de um Louco)


“Sim, de um louco! Como essa palavra teria afligido o meu coração muito tempo atrás! Como teria despertado o terror que costumava me assolar algumas vezes, lançando o sangue a zunir e formigar pelas minhas veias, até o suor frio de medo estagnar em grandes gotas sobre a minha pele e os meus joelhos baterem um no outro de pavor! Agora, no entanto eu gosto dela. É uma boa denominação. Apresente-me o monarca cuja carranca zangada foi alguma vez tão temida como o olhar penetrante de um louco – cujo machado e a forca foram quase tão infalíveis quanto as mãos fatais de um louco. Rá! Rá! É uma coisa formidável ser louco! Ser espiado como um leão selvagem através das barras de ferro – ranger os dentes e uivar, por toda a longa e calma noite, ao alegre tilintar de uma corrente pesada – e rolar e se enroscar na palha, transportado por música tão feroz. Viva o hospício. Ah! É um lugar fora do comum.

“Eu me lembro dos dias que eu tinha medo de ser louco; quando eu costumava ter sobressaltos durante o sono, cair de joelhos e rezar para ser poupado da maldição da minha raça; quando eu fugia de uma aparência de felicidade e divertimento para me esconder em algum lugar solitário e passava as horas cansativas observando a febre que consumiria meu cérebro aumentar. Eu sabia que a loucura estava misturada com meu próprio sangue e com o tutano dos meus ossos. Que uma geração havia falecido sem que a peste aparecesse entre eles e eu seria o primeiro na qual ela ressuscitaria. Eu sabia que devia ser assim; sempre tinha sido assim, e quando eu me encolhia em algum canto sombrio de um quarto cheio de gente e via homens sussurrar, apontar e olhar em minha direção, sabia que eles estavam falando sobre o louco condenado. Em resposta, eu me retirava às escondidas para me deprimir na solidão.

“Fiz isso por anos; longos anos foram aqueles. As noites aqui são longas às vezes – muito longas, mas elas não são nada perto daquelas noites inquietas, e sonhos terríveis eu tinha naquela época. Eu me arrepio só de lembra-las. Formas grandes e sombrias com rostos maliciosos e zombeteiros agachavam-se nos cantos do quarto e curvavam-se sobre minha cama à noite, instigando-me a loucura. Elas me contam em sussurros fracos que o cão da velha casa da qual o pai do meu pai morreu fora manchado por seu próprio sangue, derramado por sua própria mão em loucura enfurecida. Pressionei meus ouvidos com os dedos, mas elas gritaram dentro da minha cabeça até o quarto ressoar com isto: que na geração anterior a ele, a loucura estava adormecida, mas que seu avô tinha vivido por anos com as mãos acorrentadas ao solo, para impedi-lo de cortar-se em pedaços. Eu sabia que elas falavam a verdade – eu bem sabia disso. Eu havia descoberto a anos, apesar de tentarem esconder isso de mim. Mas…arrá! Eu era muito esperto para eles, mesmo louco como eles me julgavam ser.

“Finalmente, ela tomou conta de mim e eu me perguntei como pude temê-la. Poderia percorrer o mundo agora e rir e gritar com o melhor deles. Eu sabia que era louco, mas eles nem suspeitavam. Como eu costumava me abraçar com deleite quando pensava na bela peça que estava lhes pregando em razão de outrora ficarem apontando para mim e me olhando de soslaio, quando eu não era louco, mas apenas temia que um dia me tornasse um! E como eu costumava rir de alegria quando estava sozinho e pensava como guardei bem o meu segredo e o quão rápido meus gentis amigos teriam me abandonado se soubessem da verdade. Eu poderia ter gritado com êxtase quando jantei a sós com algum bom camarada barulhento, pensando no quão pálido ele ficaria e veloz ele correria, se soubesse que o amigo querido sentado perto dele afiando uma faca luminosa e brilhante, era um louco com todo o poder, e um tanto de vontade, de cravá-la no seu coração. Ah! Era uma vida divertida.

“Riquezas tornaram-se minhas, uma fortuna aflui sobre mim e eu me deliciava com prazeres intensificados mil vezes mais pela consciência do meu segredo bem guardado. Herdei uma propriedade, a lei – a própria lei de vista aguçada – tinha sido lograda e entregara milhares de libras disputadas por outros nas mãos de um louco. Onde estava o juízo dos homens perspicazes e de mentes sadias? Onde estava a destreza dos advogados, ávidos por descobrir uma falha? A astúcia do louco tinha enganado a todos.

“Eu tinha dinheiro. Como eu era cortejado! Eu gastei com abundância. Como eu era elogiado! Como aqueles três presunçosos e arrogantes irmãos se humilhavam à minha frente! O velho pai de cabeça branca também – tamanha consideração – tamanho respeito – tamanha amizade devotada – ele me idolatrava! O velho tinha uma filha, e os jovens, uma irmã, e todos os cinco eram pobres. Eu era rico, e quando casei com a moça, vi um sorriso de triunfo aparecer de leve nos rostos dos parentes necessitados dela, enquanto eles pensavam no seu esquema bem planejado e no seu belo prêmio. Era eu quem devia estar sorrindo. Sorrir! Dar gargalhadas, arrancar os cabelos e rolar no chão com guinchos de divertimento. Eles nem desconfiavam que a tinham casado com um louco.

“Espere! Se souberem disso, será que eles a teriam salvado? A felicidade de uma irmã contra o ouro de seu marido. A mais leve pluma eu sopro para o ar, em oposição à corrente vistosa que adorna meu corpo. Em uma coisa eu fui enganado, mesmo com toda a minha astúcia. Se eu não tivesse enlouquecido- pois apesar de nós loucos sermos inteligentes o bastante, nós ficamos confusos às vezes – eu deveria saber que a moça preferia ter sido colocada dura e gelada num simples caixão de chumbo, a ser levada como noiva invejada para minha rica e resplandecente casa. Eu deveria saber que o seu coração era do rapaz de olhos escuros, cujo nome uma vez eu a ouvi murmurar em seu sono perturbado, e que ela tinha sido sacrificada para mim, a fim de aliviar a pobreza do velho de cabeça branca e dos irmãos presunçosos.

“Eu não lembro de formas e rostos agora, mas eu sei que a moça era bonita. Eu sei que ela era, porque nas noites claras de luar, quando acordo de modo brusco do meu sono e tudo que está quieto à minha volta, eu vejo, em pé, silencioso e imóvel, em um dos cantos desta cela, um frágil e debilitado vulto, de cabelo preto e comprido que se derrama pelas suas costas e se movimenta mesmo quando não está ventando, e olhos que me encaram e nem piscam, nem fecham. Silencio! O sangue esfria no coração enquanto escrevo – aquela forma é dela; o rosto está muito pálido, e os olhos tem um brilho vítreo, mas eu os conheço bem. Aquele vulto nunca se move, nunca franze a testa, nem mexe os lábios como os outros que ocupam este lugar algumas vezes o fazem; mas ela é muito mais apavorante para mim, até mais do que os espíritos que me provocam há tantos anos- ela me vem fresca do túmulo e é tão cadavérica.

“Por quase um ano, eu vi aquele rosto ficar cada vez mais pálido; por quase um ano, eu vi as lagrimas vertendo, furtivas, pelas bochechas tristes, e nunca soube a causa. Contudo, finalmente descobri. Eles não poderiam me esconder aquilo por muito tempo. Ela nunca tinha gostado de mim, eu nunca pensei que gostasse, ela desprezava minha fortuna e odiava o esplendor em que eu vivia, mas eu não contava com isto: ela amava outro. Isso eu nunca tinha pensado. Estranhos sentimentos tomaram conta de mim, e o pensamento, invadindo-me à força por meu cérebro. Eu não a odiava, apesar de odiar o rapaz por quem ela não parava de chorar. Eu tinha pena – sim, eu tinha pena – da vida deprimente a qual seus parentes frios e egoístas a tinham condenado. Eu sabia que ela não poderia viver por muito tempo, mas o pensamento de que, antes de sua morte, ela poderia dar a luz a algum ser infeliz, destinado a transmitir loucura à sua prole, fez eu me decidir. Resolvi matá-la.

“Por muitas semanas, pensei em veneno, e depois em afogamento, e depois em incêndio. Uma bela visão: a casa impotente em chamas e a esposa do louco ardendo lentamente, virando cinzas. Pense também na graça de uma boa recompensa e em algum homem são balançando ao vento por um ato que nunca cometeu, e tudo isso por meio da astúcia de um louco. Eu pensei inúmeras vezes sobre isso, mas por fim, desisti. Ah! O prazer de afiar a navalha dia após dia, sentindo o fio cortante e pensando no talho que a lamina fina e reluzente faria com um só golpe.

“Enfim, os velhos espíritos, que antes estiveram comigo por tantas vezes, sussurraram no meu ouvido que a hora chegara e jogaram a navalha aberta na minha mão, levantei suavemente da cama e me inclinei sobre minha esposa adormecida. Seu rosto estava enterrado nas mãos. Eu as retirei suavemente, e elas caíram indiferentes no peito. Ela estivera chorando, pois os rastros de lagrimas ainda estavam molhados nas bochechas. Seu rosto estava calmo e sereno, e enquanto eu o observava, um sorriso, tranquilo iluminou suas feições pálidas. Eu pousei minha mão suavemente no seu ombro. Ela se sobressaltou – era apenas um sonho passageiro. Eu me inclinei para a frente mais uma vez, ela gritou e acordou.

“Um movimento da minha mão e ela nunca mais emitiria um grito ou som. Mas eu fiquei assustado e recuei. Seus olhos estavam fixos nos meus. Não sei como foi, mas eles me intimidavam e me davam medo, e eu fraquejei sob aquele olhar. Ela levantou da cama, ainda me encarando firme e fixamente. Eu tremi; a navalha estava na minha mão, mas eu não consegui me mexer. Ela foi em direção à porta. Quando chegou perto da porta, ela se virou e desviou o olhar do meu rosto. O feitiço estava quebrado. Eu saltei à frente e a agarrei pelo braço. Emitindo guinchos em cima de guinchos, ela sucumbiu e foi ao chão. Naquele momento, eu poderia tê-la matado sem esforço, mas a casa fora alarmada. Eu ouvi o ruído de passos na escada. Recoloquei a navalha na gaveta de costume, abri a porta e gritei por auxilio.

“Eles vieram e a levantaram, colocando-a na cama. Ela ficou ali, desmaiada por horas, e quanto a vida, o olhar e a fala retornaram, seu juízo a tinha abandonado; e ela delirou, de modo selvagem e furioso. Médicos foram chamados – grandes homens que chegavam a minha porta em carruagens confortáveis, com belos cavalos e vistosos criados. Por semanas, eles ficaram à beira de seu leito. Fizeram uma junta médica e trocaram ideias em voz baixa, muito solenes, em um outro quarto. Um deles, o mais inteligente e o mais célebre do grupo, conversou comigo à parte e pediu-me que me preparasse para o pior e falou ( para mim, o loco ) que minha esposa estava louca. Ele se parou próximo, a mim, junto a uma janela aberta, seu olhar observando a minha expressão, sua mão no meu braço. Com um só empurrão, eu poderia tê-lo arremessado na rua lá em baixo. Teria sido um passatempo raro fazê-lo, mas o meu segredo estava em jogo, eu o deixei ir. Poucos dias depois, eles me falaram que eu devia mantê-la sob algum tipo de contenção: eu deveria providenciar um enfermeiro para ela. Eu! Eu fui para o campo aberto, onde ninguém podia me ouvir, e ri até a atmosfera ressoar com meus gritos.

“Ela morreu no dia seguinte. O velho de cabeça branca juntou-se a ela na morte, e os irmãos arrogantes derramaram uma única lagrima sobre o cadáver insensível da irmã, aquela cujos sofrimentos eles tinham assistido, no decorrer de sua vida, com músculos de ferro. Tudo isso era alimento para a minha secreta alegria, e eu ri, por trás do lenço branco que eu segurava na frente do rosto, na carruagem, enquanto nós íamos para casa, até as lagrimas surgirem nos meus olhos.

“Mas, apesar de ter realizado o meu objetivo e de tê-la matado, eu estava inquieto e transtornado, e senti, que em breve, meu segredo seria revelado. Eu não conseguiria esconder a alegria selvagem e a felicidade que ficavam dentro de mim e que, quando estava sozinho em casa, me fazia dar pulos e bater palmas e dançar e rodopiar e rugir em voz alta. Quando eu saia e via as multidões de pessoas ocupadas, andando apressadas pela rua, ou ia ao teatro e ouvia sons de notas musicais, e observava as pessoas dançando, eu sentia tamanha exultação que poderia ter avançado entre eles; e eu os cortaria em pedaços, desmembrando-os, braço por braço, perna por perna, e eu teria uivado em êxtase. Mas eu rilhava meus dentes e fincava os pés no chão e enterrava minhas unhas afiadas nas palmas das mãos. Eu me controlei, e ninguém sabia, que eu era louco.

“Eu me lembro – apesar de uma das ultimas coisas que consigo lembrar ( por hora confundo a realidade com os meus sonhos e, tento tanto o que fazer, e sendo continuamente apressado aqui fico sem tempo para pensar uma coisa ou outra, porque tem alguma estranha confusão na qual uma e outra ficam envolvidas) – lembro de como eu, enfim, trouxe o assunto à tona. Rá, rá, rá! Acho que eu vejo os seus olhares assustados agora e sinto a desenvoltura com a qual eu os atirei para longe de mim e arremessei o meu punho fechado bem no meio das suas caras brancas e então voei como o vento e os deixei berrando e gritando, lá atrás. A força de um gigante toma conta de mim quando penso nisso. Eis aí – vejam como esta barra de ferro se dobra com a força da minha torção. Eu podia quebrar essa barra de ferro como se fosse um graveto, mas tem corredores compridos aqui, com muitas portas e, mesmo se encontrasse a saída tem um portão de ferro lá embaixo, que eles mantém trancados e travados com barras de ferro. Eles sabem o louco inteligente que eu tenho sido e estão orgulhosos de me manterem aqui, só para se exibirem.

“Deixem-me ver: sim, eu fui descoberto. Era tarde da noite quando cheguei em casa e encontrei o mais orgulhoso dos três irmãos esperando por mim- negócios urgentes, foi o que ele disse, disso eu me recordo bem. Eu odiava aquele homem com todo o ódio de um louco. Muitas e muitas vezes os meus dedos ansiavam por fazê-lo em pedaços. Me avisaram que ele estava me esperando. Corri prontamente para o andar superior. Ele queria conversar comigo. Eu dispensei os criados. Era tarde – e nós ficamos a sós, pela primeira vez.

“Mantive meu olhar cuidadosamente desviado do dele a princípio, pois eu sabia que ele nem se quer desconfiava – eu me sentia envaidecido de saber que ele não sabia – que nos meus olhos cintilava como fogo a voz da loucura. Nos sentamos em silencio por alguns minutos. Enfim, ele falou. Meu recente desregramento e meus estranhos comentários, feitos tão cedo após a morte de sua irmã, eram um insulto a sua memória. Fazendo a associação entre muitas circunstâncias que, a princípio, haviam escapado de suas observação, ele concluiu que eu não havia a tratado bem. Ele desejava saber se estava certo em inferir que eu pretendia manchar a memória de sua irmã e desrespeitar a família. Era esperto dele, em razão do uniforme que vestia, exigia essa explicação.

“Esse homem tinha um cargo no exército – um cargo comprado com o meu dinheiro e com o sofrimento de sua irmão! Era o homem que tinha sido elemento-chave no plano de me enganar e se apoderar de minha fortuna. Esse era o homem que tinha sido o principal instrumento em forçar sua irmã a se casar comigo, sabendo muito bem que o coração dela pertencia aquele rapaz choramingão. Esperava uma explicação em razão do seu uniforme! A libré de degradação! Eu virei o olhar na direção dele, não pude evitar, mas não disse uma palavra.

“Percebi uma mudança súbita na sua postura sob meu olhar fixo. Ele era um homem corajoso, mas empalideceu e foi para trás da cadeira. Arrastei a minha mais para perto dele e, enquanto ria, eu estava muito feliz naquela hora-, eu o vi estremecer. Senti a loucura crescendo dentro de mim. Ele estava com medo de mim.

“- Você gostava muito de sua irmã quando ela era viva. – eu disse. – Muito!

“Ele olhou preocupado ao seu redor, e eu vi sua mão agarrando o encosto da cadeira, mas ele não disse nada.

“- Seu canalha – eu disse – eu desmascarei você, eu descobri seus planos diabólicos contra mim, eu sei que o coração dela estava ligado a outro antes de vocês obriga-la a se casar comigo. Eu sei! Eu sei!

“Ele pulou de repente da sua cadeira, sacudindo-a no ar, e me pediu que recuasse; porque eu tinha tratado de me aproximar dele cada vez mais enquanto ia falando.

“Eu mais gritava do que falava, pois sentia emoções tumultuadas passando em turbilhão pelas minhas veias, e os velhos espíritos sussurrando e me incitando a arrancar o coração dele fora.

“- Dane-se você – eu disse, me levantando e avançando sobre ele – eu matei sua irmã. Eu sou louco. Eu vou acabar com você. Sangue! Sangue! Quero sangue!

“De um golpe só, atirei para o lado da cadeira que ele jogou em mim, movido pelo terror, e me atraquei nele, e com um encontrão violento, rolamos os dois no chão.Foi uma bela luta aquela, pois ele era um homem alto e forte, brigando por sua vida, e eu, um louco poderoso, sedento por destruí-lo. Eu sabia que nenhuma força poderia se comparar a minha e eu estava certo. Certo de novo, apesar de ser louco! Os golpes dele foram enfraquecendo. Eu me ajoelhei sobre seu peito e apertei firme seu pescoço musculoso com as duas mãos. Seu rosto ficou roxo, seus olhos estavam saltando da cabeça, e com a língua de fora, ele parecia estar zombando de mim. Apertei mais forte. De repente a porta se abriu com um tremendo barulho, e uma multidão entrou correndo, gritando uns para os outros para que segurassem o louco.

“Meu segredo estava exposto, e minha única luta agora era para que me deixassem livre. Consegui ficar de pé antes que pusessem as mãos em mim, me atirei entre meus agressores e abri caminho com meu berro forte, como se estivesse empunhando uma machadinha, e derrubei-os diante de mim. Consegui alcançar a porta, escorreguei corrimão abaixo, e num instante estava na rua.

“Reto e rápido eu corri, e ninguém se atreveu a me deter. Ouvi o barulho de passos atrás de mim e redobrei a velocidade. O barulho foi se desvanecendo na distancia, e por fim , evaporou por completo. Mas eu continuei correndo e saltando, por pântano e riacho, sobre cercas e muros, com uma gritaria selvagem que era imitada por estranhas criaturas que foram se juntando em bando ao meu redor, intensificando a barulheira até que ela perfurasse o próprio ar. Alcei voo nos braços de demônios que se deixavam levar pelo vento e pelo caminho iam devastando cercas vivas e taludes e que me faziam girar e gritar com um zunido e com uma velocidade que fez minha cabeça flutuar, até que por fim, arremessaram-me para longe com um golpe violento e eu desabei pesadamente na terra. Quando acordei, estava aqui – aqui nesta cela cinzenta, onde a luz do dia raramente aparece, e a lua, furtiva, penetra em raios que apenas servem para mostrar as sombras escuras que cercar aquele vulto silencioso no seu canto de sempre. Quando eu me deito e não consigo dormir, às vezes escuto estranhos guinchos e gritos de partes distantes deste vasto lugar. O que são, eu não sei, mas eles não vem daquela figura pálida, nem ela se importa com eles. Porque, desde as primeiras sombras do crepúsculo até a primeira luz da manhã, ela fica parada, imóvel, sempre no mesmo lugar, escutando a música da minha corrente de ferro e assistindo às minhas cambalhotas na minha cama de palha.

Teatro de Ontem e de Hoje (Bella Ciao)


Dirigida pelo argentino Néstor Monasterio, radicado em Porto Alegre, Bella Ciao é uma das mais premiadas montagens do teatro gaúcho. O texto do dramaturgo paulista Luís Alberto de Abreu mostra a saga de uma família de imigrantes italianos, no decorrer de quase 40 anos, desde sua chegada ao Brasil até a luta pela democratização do país no período do Estado Novo. 

A história, centrada na figura do patriarca Giovanni Baracheta, interpretado por Carlos Cunha Filho, além de traçar um painel político e comportamental do período, mostra os dilemas da família, com base no conflito de opiniões entre o pai anarquista, o filho que adere ao comunismo e a jovem que renega o namorado por causa de sua militância revolucionária.

Monasterio, responsável também pela elogiada montagem gaúcha de Rasga Coração, de Oduvaldo Vianna Filho, em 1984, explica em entrevista, a escolha do texto: "Bella Ciao juntava tudo o que eu penso sobre teatro. É um texto generoso, saboroso, brilhante. Tem um motivo muito forte de estar ali. Vai recuperando a dignidade do ser humano. Vai dizendo o que é um ser humano que luta, que não desiste nunca. Que tem uma ideia".[1]

O elenco ensaia durante um ano e estreia no Centro de Cultura de Novo Hamburgo, em abril de 1989. A seguir faz uma temporada na região da Serra Gaúcha, fortemente marcada pela colonização italiana. Só então inicia sua temporada no Teatro Renascença, em Porto Alegre.

Apesar de cobrirem um longo período de tempo, as sessenta cenas que compõem o espetáculo se sucedem sem o recurso do black out. Um grande painel serve de cenário único em que os ambientes e a dramaticidade das cenas são sublinhados pelo jogo de luzes, especialmente em lilás e vermelho. Nas cenas iniciais, em que a família Baracheta deixa sua terra rumo ao Brasil, os atores falam em italiano. "No entanto, as dificuldades de compreensão idiomática são compensadas pela boa performance dos atores que, com gestos e expressões peculiares ao comportamento latino, estabelecem uma eficiente comunicação com a plateia. Além disso, à medida que transcorre a ação, os personagens vão mesclando os idiomas, permitindo maior clareza no entendimento do texto",[2] observa a crítica Maria Luiza Khaled, no Jornal do Comércio.

O espetáculo cai no gosto do público e da crítica, a ponto de permanecer dois anos em cartaz e viajar por outros estados e pelo interior do Rio Grande do Sul. Para o crítico Cláudio Heemann, "com o pitoresco linguajar italiano e as explosões temperamentais de latinidade, o texto encontra humor para desenhar seus personagens. Produz efeito do realismo e humanidade sem deixar esquecido o painel e retrato coletivo".[3] O crítico Décio Presser destaca que "o quarteto central, responsável pelos elementos da família, coloca uma sinceridade nos personagens que torna-se difícil ao espectador não ser envolvido pelas emoções".[4] 

Bella Ciao recebe o Prêmio Açorianos de melhor espetáculo, diretor, trilha sonora original, para Néstor Monasterio e Paulo Campos; atriz, para Lurdes Eloy; atriz coadjuvante, para Heloísa Palaoro; e ator coadjuvante, para Fernando Waschburger. Ganha, ainda, o Prêmio Quero-Quero de melhor espetáculo e direção; ator, para Carlos Cunha Filho; e atriz, para Lurdes Eloy. A peça é premiada também no Festival de São José do Rio Preto, São Paulo, nas categorias de melhor espetáculo, direção, ator, atriz coadjuvante e ator coadjuvante.

Notas
1. ALABARSE, Luciano (Org.). Alguns diretores & muita conversa: entrevistas com diretores de teatro que trabalham em Porto Alegre. Porto Alegre: SMC, 2000.
2. KHALED, Maria Luiza. Com tempero latino. Jornal do Comércio, 26 jun. 1989.
3. HEEMANN, Cláudio. Bella Ciao. Zero Hora, Porto Alegre, 6 jun. 1979.
4. PRESSER, Décio. Jornal da Paraíba, 1991.

Fonte:

André Rosa (Plano de Aula: Realismo fantástico: o que está por trás destas histórias?)


Ajude a turma a entender o que é o realismo fantástico - também conhecido como realismo mágico ou maravilhoso - e peça que escrevam um texto neste gênero

Conteúdos

 - Realismo fantástico (também chamado de realismo mágico ou realismo maravilhoso)
 - Literatura 

Objetivos

 - Apresentar as origens da literatura fantástica
 - Perceber a constituição do realismo fantástico a partir de elementos incomuns
 - Escrever uma narrativa fantástica

Anos

 Ensino Médio

Tempo estimado

 Duas aulas

 Materiais necessários:

 - Cópias da reportagem "Deixe-se enganar" (Veja, 2294, 7 de novembro de 2012)
 - Trechos selecionados de "A divina comédia - Inferno" (Dante Aleghieri); "Odisseia" (Homero); "Cem anos de solidão" (Gabriel García Marquez); "O último voo do flamingo" (Mia Couto) e da obra de Julio Cortázar e Murilo Mendes.
- Leia mais - Para ficção, realidade é só cenário
- Leia mais - Investigue as relações entre textos literários e realidade

Flexibilização

Para alunos com deficiência visual
 Se houver algum aluno com deficiência visual na sala, a sugestão é utilizar esculturas e outros objetos com formas exageradas como bonecos com cabeças e pernas desproporcionais, réplicas de insetos ou figuras que misturem características humanas e animais, entre outros. Em contato com essas formas, os alunos poderão iniciar o reconhecimento do fantástico de forma materializada, auxiliando não só aos deficientes visuais, mas a todos os alunos.

Introdução

 A reportagem "Deixe-se enganar", publicada em Veja, fala sobre o fascínio que a obra do escritor japonês Haruki Murakami vem exercendo sobre a crítica especializada e em leitores de várias origens. Sua trilogia, "1Q84", tornou-se um best-seller no mundo todo ao utilizar elementos e citações da realidade cotidiana atrelados a acontecimentos e situações anormais. Tudo isso para gerar um conflito, na melhor tradição da literatura fantástica. 

 Utilize a reportagem como ponto de partida para uma aula que explique o que é o realismo fantástico e oriente seus alunos a escreverem uma narração nesse modelo.  

Desenvolvimento

1º etapa 

 Conte aos estudantes que nas próximas aulas eles vão estudar um gênero literário muito interessante: o realismo fantástico (também conhecido como realismo mágico ou realismo maravilhoso). 

 Comece questionando a turma sobre o que significa o adjetivo "fantástico". Anote as respostas no quadro e aproveite o gancho para explicar que a narrativa fantástica é cultivada desde as origens da literatura. Ela pode ser definida como a descrição de um acontecimento insólito que produz um estranhamento ou rompimento com a realidade habitual e leva personagens e leitores a uma outra realidade, em parte inexplicável, onde o conflito é resolvido por meios não convencionais.
  
 Essa literatura não deve ser vista como mera alegoria, mas como uma expressão de uma realidade incomum. Isto é, nem sempre é apenas uma criação ficcional, mas fundamentalmente uma tentativa de propor interpretações não convencionais aos problemas reais. Indique aos alunos que essas características estão presentes tanto em obras recentes quanto antigas. É possível encontrar nos clássicos da literatura ocidental a origem de elementos fantásticos. Na Odisseia de Homero há muitos acontecimentos incomuns como o encontro do herói Odisseu com as Sereias (entes mitológicos antropófagos, que detinham o poder de encantamento e sedução) e o ardil utilizado pelo herói para vencer o ciclope Polifemo. 

 Outro autor clássico cuja obra influenciou  a literatura ocidental foi o poeta Dante Alighieri (1265-1321). O épico "A divina comédia" é marcado pelo estranho encontro do autor com a alma do poeta latino Virgílio (70 a.C. - 19 a.C.), que serve de guia às regiões infernais e ao Purgatório, locais em que o poeta florentino testemunha toda série de martírios destinados às almas condenadas. Na viagem, os poetas encontram personagens como o barqueiro Caronte, responsável por conduzir as almas pelo rio Aqueronte; o cão Cérbero, monstro de três cabeças responsável por vigiar as almas dos glutões; além de outros seres mitológicos, como as Hidras, os Centauros, as Hárpias e o gigante Gerião - personagens da mitologia clássica utilizados como parte da alegoria dos horrores descritos por Dante em sua viagem fantástica ao mundo dos mortos.

 A literatura dos viajantes, feita entre os séculos 15 e 17, também foi marcada pela descrição de espaços, seres e situações que, para a realidade europeia recém-saída da Idade Média, eram manifestações próximas aos mitos e lendas do passado. A literatura contemporânea deu sequência à tradição do fantástico. No século 20, vários autores fizeram do chamado "realismo fantástico" o mote de sua obra: Kafka, Edgar Allan Poe, José Saramago, Mia Couto, Murilo Rubião, Gabriel García Márquez, Julio Cortázar são alguns deles.

2º etapa

 Retome a definição de realismo fantástico para que os alunos consigam responder se gostam deste tipo de história e deem exemplos. Conte que a transgressão realizada pela literatura fantástica se traduz pelo aparecimento do absurdo e do choque entre a realidade como conhecemos e uma outra, criada pelo escritor, que podemos chamar de "supra-realidade". Pergunte aos estudantes se conhecem ou se interessam por obras consideradas fantásticas. Em caso positivo, peça que citem obras de sua preferência. Não tenha preconceitos: é possível que sejam obras populares, filmes de ficção ou jogos. O importante é estabelecer um elo entre as características literárias e aquelas que forem identificadas pelos adolescentes. Além disso, é interessante observar que o fantástico está presente em muitos tipos de textos: nas lendas e contos de fada, nos mitos antigos, na literatura, nas histórias em quadrinhos e até nos heróis dos filmes de ficção científica e terror.

 Distribua  cópias do texto "Deixe-se enganar", publicado em Veja. Oriente a leitura e observe que o próprio título da reportagem já oferece uma possibilidade interpretativa da literatura fantástica: o leitor deve se deixar "enganar" pelo que parece irreal ou espantoso para fazer uma leitura profunda da obra. 

3º etapa

 A seguir, apresente alguns autores para a turma e leia trechos previamente selecionados por você de algumas dessas obras. Peça aos alunos que participem com comentários! Abaixo algumas sugestões de escritores que podem ser trabalhados com a turma:

Escritores "fantásticos" 
 O escritor moçambicano Mia Couto é um deles. Sua obra é marcada pela interpretação dos acontecimentos marcantes de seu país a partir de um viés fantástico. Livros como os romances "A varanda do frangipani" e "O último voo do flamingo" são bons exemplos. No primeiro, o fantasma de um velho carpinteiro luta contra a tentativa do governo revolucionário em torná-lo herói nacional. No segundo, o incomum acontece a partir da presença de soldados das Forças de Paz da ONU durante o período do pós-guerra: sem qualquer explicação aparente, os soldados de capacete azul simplesmente começam a explodir. Em ambos os romances, a presença de lendas e mitos africanos é utilizada como contraponto à realidade habitual, e os acontecimentos inusitados recebem explicações plausíveis a partir da compreensão desses mitos. 

 A literatura latino-americana do século 20 foi profícua na produção de narrativas vinculadas ao realismo-mágico ou realismo fantástico. A obra máxima de Gabriel García Marquez, "Cem anos de solidão", é sem dúvida das mais marcantes narrativas do continente. Por meio de um enredo considerado fantástico, o escritor colombiano fala sobre a origem e o declínio de uma família tradicional e faz uma crítica acentuada ao engessamento da sociedade no continente.

 O argentino Julio Cortázar escreveu livros em que a ambigüidade e a fragmentação surgem para criar enredos alegóricos, em que a realidade cotidiana é abalada pelo surgimento de um acontecimento quase inexplicável. Seus contos e novelas são marcados pela presença de uma temporalidade não linear nem progressiva, e também pela ideia do "duplo", do contrário e do outro como elemento de tensão. O conto "As babas do diabo" deu origem ao filme "Blow-up", do cineasta Michelangelo Antonioni. 

 Outro exemplo que você pode mostrar à turma é o brasileiro Murilo Rubião, um dos mais importantes autores do realismo mágico em nossa literatura. Contos como "O ex-mágico da Taberna de Minhota", "Teleco, o coelhinho" ou "O pirotécnico Zacarias" apresentam elementos inverossímeis que acabam por trazer reflexões profundas sobre a realidade e os sentimentos das pessoas, sempre dosados com ironia sutil. 


Indique aos alunos a leitura de ao menos um conto completo de um dos autores citados - escolha, por exemplo, um dos contos curtos de Julio Cortázar ou Murilo Rubião. Peça que pesquisem e tragam anotados outros exemplos de autores e as características principais da obra. 

4º etapa

 Peça aos estudantes que comentem os contos lidos e as pesquisas. Pergunte o que mais chamou a atenção deles: o que diferencia estas histórias das mais realistas? Por que  acreditam que a literatura fantástica possa atrair tantos leitores?

 A seguir, proponha que escrevam uma história com as características da literatura fantástica. O trabalho pode ser individual ou em equipes. Os alunos podem escolher se preferem uma lenda, uma história de terror ou até um texto bem humorado. Lembre à turma que um acontecimento absurdo é o que traz a surpresa para uma narrativa fantástica. Muitas vezes uma história que começa de forma aparentemente linear, "normal", acaba oferecendo um elemento-surpresa que a transforma numa narrativa fantástica. Quando os estudantes terminarem, peça que compartilhem suas produções. 

 Avaliação

 Tomando como referência os textos produzidos e os debates feitos em sala, observe se os alunos entenderam o que é o realismo fantástico e se conseguem distinguir uma história com estas características.

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André Rosa é  Professor de Literatura e Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG)

Fonte:

Arthur Nestrovski (Os Bêbados e os Sonâmbulos)


“Nada nele era aparente. Não mostrava nada”, diz o narrador, com o amante agonizando nos braços. É quase o contrário do que poderia ter dito sobre o novo romance de Bernardo Carvalho, onde tudo se expõe, tudo é aparência, mas nada também se revela, exceto em momentos privilegiados, epifanias que explodem ao longo da narrativa. Em seu terceiro livro, depois do bem acolhido Aberração (1994) e dos contos de Onze (1995), Bernardo Carvalho vem nos propor riscos ainda maiores, nessa ficção disposta, praticamente contra si mesma, a testemunhar as aberrações absolutas do amor e da morte.

 Nada mais difícil para um autor tão consciente das possibilidades e ainda mais das impossibilidades do seu meio. Sua desconfiança traduz-se, desde logo, numa linguagem quase sem pathos, numa profusão de pequenas histórias narradas em registro neutro. Mas essa neutralidade é ainda mais suspeita para um autor que, apesar de tudo, está sempre do lado da experiência. Sua condição, nada invejável, mas que ele compartilha com alguns dos melhores escritores da atualidade, é precisamente a de reconhecer a natureza do afeto e do sofrimento, sem que a empatia descambe em identificação. O resultado é um romance duplo, onde melodrama e testemunho vão se mascarando e revelando um ao outro.

 A duplicidade, aliás, é a alma fugidia desta seqüência de histórias dentro de histórias, onde autor e narrador se confundem, pensadamente, com homônimos e narradores de narradores; onde as vozes dividem-se entre países e continentes; e onde a vontade de “não mais ser o que eu era” ressoa como um bordão do início ao fim. E a duplicidade – com ecos demoníacos de Shakespeare e Poe – assume aqui também caráter de gênero, neste romance assumidamente homossexual. Cabe apontar, quanto a isto, a atualidade de um contexto internacional mais amplo, no qual se enquadram escritores como Aldo Busi, Reynaldo Arenas, Alan Hollinghurst e Edmund White, e à luz do qual um romance desses será forçosamente lido. Bernardo tem ambições menos programáticas que a de outros autores brasileiros como Alberto Guzik e Jean-Claude Bernardet; têm também ambições mais altas, nem sempre ao alcance do livro.

 Fica difícil recontar ordenadamente o xadrez refinado da forma sem estragar as surpresas de quem não leu. Uma simples lista será o suficiente para sugerir os seus cenários. Há o caso da operação de tumor cerebral da mãe – homenageada traiçoeiramente na dedicatória (verdadeira ou falsa?), como fonte sigilosa da história que não se deveria contar. Há o caso da testemunha acidental, que viu uma mulher sair, com uma criança no colo, das águas da baía, no Rio, depois de um desastre de avião. Há o caso dos pintores cariocas da virada do século, que pintavam uns aos outros como “modelos vivos”, depois de mortos. Há o estranho caso do emissário do Museu Metropolitan, que veio tratar desses quadros no Brasil e o caso ainda mais estranho, retomado ao longo dos anos, desse emissário com o narrador. Há o caso do executivo americano, aparentemente seqüestrado durante uma festa no Rio de Janeiro em 1969, e da sua mulher, que ficou. Há o caso do “repatriamento sanitário” do psicólogo louco, encontrado em Los Angeles, Chile (a Paris, Texas do livro). Há o caso do narrador que contou todos esses casos e que domina a segunda parte, supostamente verdadeira, e o caso de como esses casos se ligam, admiravelmente dobrados e redobrados em si.

 A habilidade narrativa pode ser o maior trunfo ao autor, mas não é sua maior cartada. Todo o seu esforço é o de não se deixar vencer pelas histórias. O excesso mesmo desses casos, multiplicados em outros tantos episódios parentéticos, sugere que o que interessa está noutro lugar – no inatingível reino que as histórias parecem ocultar. “A consciência é uma armadilha”, diz o psicólogo louco, autor de uma série de diagnósticos “como pequenas fábulas”. Em seus momentos mais frágeis, porém, é o próprio romance que, inversamente, ameaça se transformar numa série de fábulas como pequenos diagnósticos.

 Que o controle das aparências seja calculado para a explosão das paixões – como se a vida toda fosse uma placa sísmica, perpetuamente ameaçada por tremores e erupções – é algo que funciona melhor como instrumento de ritmo do que como lição. E mesmo esse ritmo tende a se tornar insistente demais, uma alegoria do recalcado. O livro, porém, é mais forte que as suas falências e essas imagens recuperadas acabam descrevendo uma outra figura, no limite apenas da compreensão, lá onde o que se sabe ecoa incompreensivelmente. “Os poetas estavam lá antes de nós”, escreveu Freud; e Bernardo Carvalho, à sua maneira, chegou antes de nós no terreno do trauma e do testemunho, questões candentes da literatura e da teoria literária contemporânea – mas não (até agora) entre nós.

 Neste domínio, não é mais possível afirmar, como Jean-Claude Bernardet em A Doença, uma Experiência, que a ironia é “um valor acima de qualquer outro”; e Bernardo é mesmo um escritor sobriamente feroz, indisponível para as alegrias. Sua literatura é mais do jejum que da festa, mais do magro consolo que da reconciliação. As inúmeras coincidências que vão dirigindo a narrativa tem menos de humor do que de paranóia e a tensão da voz só relaxa, artificiosamente, em quase piadas sobre o poder antecipatório da literatura, ou na presença fugaz dos coadjuvantes Henry Kissinger e Emma Thompson, ou em um ou outro registro da comédia (mais geralmente o transe, ou apuro) sexual.

 A ferocidade tem sua dose de sentimentalismo, por certo, mas o melodrama, aqui, foi roubado do melos, que só ressoa inaudivelmente, em tudo o que não foi dito. E nos dois momentos de clímax, no final da primeira parte e em seu espelho parcial, no fim, quando o autor, virtuosisticamente chegado até lá, abdica então do controle e deixa que a literatura – ou que outro nome se dá para o que não é nem bebedeira, nem sonambulismo – tenha a palavra, e seja capaz, afinal, de dizer o que importa.

 Nestes momentos, Bernardo Carvalho transcende os limites que ele mesmo se criou, nessas narrativas tão ensimesmadas e obsessivas. Daqui para a frente, como diz um narrador, tudo é verdade e o livro completa um retrato do morto que fica fora daquelas pinturas cariocas. É um morto que o livro traz de volta à vida: o último duplo, testemunha e objeto, sobre cujo rosto o romance vem desenhar, com a força de uma compulsão, as feições amorosas e aberratórias de cada leitor.

Fonte:
Revista USP, n. 36, fev./1998.

Arthur Nestrovski (1959)


Arthur Nestrovski nasceu em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, em 1959. Formou-se em música na Universidade de York, na Inglaterra, e doutorou-se em literatura e música na Universidade do Iowa, nos Estados Unidos. É articulista da Folha de S.Paulo, editor da série Folha explica (Publifolha) e professor titular de Literatura na Puc de São Paulo, ensaísta e autor de livros infantis premiados. 

Dedicado a complexos temas culturais, autor de livros eruditos como Ironias da Modernidade (1996), um estudo sobre a linguagem irônica na literatura e na música do modernismo, e organizador de obras como Figuras do Brasil (2002), onde se encontram reunidos textos de 80 das mais representativas personalidades da cultura brasileira, Arthur Nestrovski é também um dos mais sensíveis e criativos autores da literatura infantil brasileira. 

Depois de receber o prêmio Jabuti como autor-revelação por Debussy e Poe (1986), Arthur lançou, em 1998, Histórias de Avô e Avó (1998), um livro infantil, de cunho autobiográfico, onde ele reconta as histórias que ouviu dos avós, imigrantes judeus, como quem coloca um ladrilho indispensável ao imenso mosaico da diversidade étnica brasileira. Em seguida, foi a vez do violinista Arthur contar para crianças sua história de amor com a música, desde o primeiro concerto a que assistiu. Em O Livro da Música (2000), o autor vai de reminiscência em reminiscência, explicando os termos e as coisas do mundo da música. Nestrovski também empresta seu ouvido privilegiado de músico aos leitores de Barulho, Barulhinho, Barulhão e ensina a ouvir os sons que nos rodeiam, do barulhinho da latinha de refrigerante que se abre ao barulhão do avião que risca o céu.

Em Coisas Que Eu Queria Ser (2003), o escritor mostra que, além de ouvido, também tem olhos e coração para perceber as possibilidades de vida em objetos que cercam nosso dia-a-dia, como um simples lápis, ou naqueles que sonhamos, como uma máquina de exterminar chatos. Dando novas respostas à eterna pergunta “o que você vai ser quando crescer?”, o livro leva o leitor à aventura de experimentar outras maneiras de viver.

Essa liberdade de trafegar entre o real e o imaginário é a matéria com que o autor constrói o consagrado Bichos Que Existem e Bichos Que Não Existem (2002). Trazendo para o universo infantil a idéia do escritor francês Francis Ponge, que explorou poeticamente as coisas e objetos do mundo, o autor apresenta, com muito humor, bichos reais, de todos os tipos, e animais fantásticos que habitam os mitos gregos e o folclore nacional. E mergulhar na fantasia das lendas brasileiras é coisa que Nestrovski faz com fôlego de boto, como se vê também em A Iara (2002), a serei de água doce que, nesse livro, encanta não só o protagonista, mas também todos os leitores.

Algumas Obras

Infantil & Juvenil

- Histórias de Avô e Avó (il. Mª Eugênia) – 1998, Cia. das Letrinhas
- O Livro da Música (il. Marcelo Cipis) – 2000, Cia das Letrinhas
- A Iara – 2002, FTD 
- Bichos que Existem & Bichos que Não Existem (il. Mª Eugênia) – 2002, Cosac & Naify 
- Coisas Que Eu Queria Ser (il. Mª Eugênia) – 2003, Cosac & Naify
- Barulho, Barulhinho, Barulhão – (il. Marcelo Cipis) – 2004, Cosac & Naify

Fonte:

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 728)



Uma Trova de Ademar  

Procuro sempre crescer 
mesmo enfrentando empecilhos, 
mostrando em meu proceder, 
exemplos para os meus filhos... 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

A noite calada e escura
que silencia meu pranto,
revela toda a amargura
na falta de teu encanto.
–Nilton Manoel/SP– 

Uma Trova Potiguar  

Ao rever a sua imagem 
N’alma abri minhas cortinas 
e retoquei a tatuagem 
feita nas minhas retinas! 
–Manoel Cavalcante/RN– 

Uma Trova Premiada  

2010   -   TrovaUneVersos/RN 
Tema   -   SILHUETA   -   3º Lugar 

Quando o sol se faz mais forte 
e a chuva responde...não! 
a silhueta da morte 
se espraia pelo sertão. 
–Francisco José Pessoa/CE– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Tua carta inesperada
tantas lembranças me trouxe,
que eu vivi de um quase nada,
um quase tudo tão doce!...
–Analice Feitoza de Lima/SP– 

U m a P o e s i a  

Hoje existe uma corrente, 
pela qual alguns autores, 
defendem que, na escola, 
os nossos educadores 
tragam de volta à cultura 
de novo a literatura 
dos cordéis encantadores. 
–Hélio Pedro/RN– 

Soneto do Dia  

VARAL DE LUZES. 
–José Antonio Jacob/MG– 

Vem! Dá-me a mão princesa, o mundo é belo! 
Deixa um bilhete simples sobre a estante, 
descalça os teus pezinhos do chinelo 
e vamos juntos caminhar adiante!... 

Se o azul combina o tom com o amarelo 
e o arco-íris se inclina em céu distante, 
por que tu vives dentro de um castelo 
se a vida te ilumina a todo instante? 

Ajunta os teus sonhos cor de mel 
nas rimas de um soneto bem escrito 
e exprime teus encantos no papel! 

Colore neste dia um tom bonito 
que a noite põe estrelas no teu céu 
como um varal de luzes no infinito!

Nilton Manoel (Ribeirão Preto em Destaque)


Nilton Manoel e Rita Mourão – oradores - 
em evento no colégio Marista de Ribeirão Preto.

O lançamento de livro de poesia dos alunos da escola teve por estilo literário a literatura de Cordel. 

Ribeirão Preto homenageia o Cordel Brasileiro com o dia municipal do Cordel (dia do natalicio de Rodolfo Coelho Cavalcante e rua ) através do vereador (natural do nordeste) prof. dr. Cicero Gomes da Silva. Na coordenação de escola publica temos aqui uma sobrinha de Rodolfo. 

A literatura do Paraná (Sul) era divulgada no Diário da Manhã, onde destaca matéria que nos alerta dos 100 anos do Centro de Letras com quem tivemos vasta correspondência nos tempos de Vasco Taborda.

Fonte:
Nilton Manoel

Jornais e Revistas do Brasil (A Manha / RJ)


Período disponível: 1926 a 1955 
Local: Rio de Janeiro, RJ 

Publicação de humor político, A Manha foi criada e dirigida por Aparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, posteriormente auto-intitulado Barão de Itararé. O próprio nome do periódico parodiava um dos grandes jornais da época, A Manhã (de cujo título subtraiu-se o til), no qual Torelly, sob o pseudônimo Apporelly, antes de criar o seu jornal, publicava uma coluna humorística intitulada “A Manhã tem mais”. A Manha procurava imitar A Manhã também no seu aspecto visual.

Torelly foi na sua especialidade, o humor, importante personagem das redações cariocas, sendo considerado um precursor da moderna imprensa satírica brasileira. A Manha começou a circular no dia 13 de maio de 1926 com o subtítulo “Órgão de ataques... de riso”. Propunha-se abertamente a “morder o calcanhar das autoridades”, especialmente a classe política. Com estilo irreverente e inovador, A Manha revelou-se em pouco tempo um sucesso de vendas, colocando-se à frente das publicações concorrentes, como O Malho, Careta e Fon-Fon. 

Homem de idéias socialistas, ligado ao Partido Comunista Brasileiro – o que lhe valeria três prisões durante governo Vargas –, Torelly gostava de atacar com suas piadas os valores estabelecidos, enquanto se solidarizava com os setores marginalizados da sociedade. A própria figura fictícia do Barão de Itararé era uma crítica bem-humorada ao conservadorismo das elites e aos valores aristocráticos. 

Criado como semanário de circulação nacional, mas caindo depois em periodicidade irregular, A Manha era quase totalmente escrita pelo próprio Torelly, que na primeira fase do jornal ainda se assinava Apporelly. No entanto escondiam-se, sob vários pseudônimos, colaboradores importantes como Manuel Bandeira, Henrique Pongetti e José Madeira de Freitas (o caricaturista e escritor que se assinava Mendes Fradique). O jornal contava também com charges de Nássara, Pedro de Lara, Martiniano, Mollas e Hilde.

O diagramador e desenhista paraguaio Andrés Guevara foi, pela constância e qualidade do seu trabalho, o mais importante colaborador do periódico, atuando nele do início ao fim, já na década de 1950. Dividia o seu tempo entre Brasil e Argentina, onde tinha sua principal residência. Guevara não só influenciou muitos cartunistas brasileiros como introduziu modernos conceitos de diagramação e paginação em nossa imprensa, tendo sido responsável, inclusive, pelo projeto gráfico do jornal Última Hora, lançado em 1951, que introduziu a técnica da diagramação na imprensa brasileira. Muito devido a seu trabalho, A Manha foi o primeiro jornal humorístico a fazer uso de fotomontagens para ridicularizar as autoridades. 

A Manha tinha formato tabloide (fator que viria a influenciar a chamada imprensa alternativa dos anos 1960/70) e apresentava várias seções: economia, política, cotidiano, noticiário policial, página de literatura e esportes etc. Trazia também previsões de fim de ano e um suplemento de supostos correspondentes estrangeiros, com artigos redigidos à maneira pela qual imigrantes portugueses, alemães e italianos falavam coloquialmente o português, com suas respectivas pronúncias e erros de ortografia. A política, vista sempre pela ótica do humor, era o assunto predominante do jornal, que mantinha também uma seção destinada a denúncias dos leitores. 

Em 1929, durante a campanha política promovida pela Aliança Liberal, com Getúlio Vargas candidato à Presidência e João Pessoa a vice, A Manha circulou por quatro meses como encarte semanal do jornal Diário da Noite, órgão dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, em apoio ao movimento. Na primeira semana, dobrou de tiragem, vendendo 15 mil exemplares, até chegar à marca de 125 mil exemplares, vendidos na data da publicação do programa da AL. 

Após a Revolução de 1930, que levou Getúlio ao poder, A Manha se dizia um órgão independente, “que não se vende, apenas se troca por quinhentos réis”. Foi nesse período que Torelly contemplou-se com um título de nobreza, barão de Itararé, em alusão à cidade de São Paulo, de nome Itararé, onde se esperava um cruento e decisivo confronto entre as forças governistas fiéis ao presidente Washington Luís e os revolucionários liderados por Getúlio. A "Batalha de Iraré", da qual ele emergiu como "barão", jamais aconteceu, no entanto. Essa sutil provocação seria apenas o começo de uma conflituosa relação do dono de A Manha com a ditadura de Vargas. 

Em setembro de 1932, Torelly foi preso por causa de seus constantes ataques ao regime. Em 1933, seu jornal já aderia fervorosamente à campanha antifascista, ironizando o movimento integralista brasileiro, de extrema-direita, comandado por Plínio Salgado e inspirado no ideário de Hitler e Mussolini. O slogan integralista “Deus, Pátria e Família” foi substituído nas páginas de A Manha por “Adeus, Pátria e Família”. Neste período, Torelly sofreu violento atentado perpetrado por militares integralistas da Marinha por causa de uma série de reportagens sobre o marinheiro João Cândido, líder da Revolta da Chibata, publicada no Jornal do Povo, editado em paralelo a seu jornal humorístico. Mas em A Manha até as tragédias se transformavam em anedota. Consta que depois do incidente Torelly teria afixado uma tabuleta na porta de sua sala com os dizeres: “Entre sem bater”. 

Em 1934, mesmo ano em que se inicia o regime nazista na Alemanha, Torelly já denunciava em A Manha a “carnificina dos campos de concentração, onde se encontram presos os adversários do regime (…) e milhares de judeus que curtem o crime de não terem nascidos arianos puros”. As posições políticas levam Torelly para a prisão pela segunda vez, em dezembro de 1935, quando seu periódico saiu temporariamente de circulação. Dessa vez o Barão de Itararé era apontado como militante e um dos fundadores da Aliança Nacional Libertadora. A ANL fora desarticulada pelo governo Vargas após o fracasso dos levantes armados de 1935, liderados pelo PCB (Intentona Comunista). Algumas reuniões da ANL ocorriam, de fato, na própria sede de A Manha, com a presença de Francisco Mangabeira, Carlos Lacerda, Roberto Sisson, Manuel Venâncio Campos da Paz, Benjamim Soares Cabello e outros. 

A Manha só foi reaberta após a soltura de Torelly, em 21 de dezembro de 1936, passando a circular sob censura exercida pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Nesta fase, o periódico concentrava seus ataques às ditaduras de Hitler, Mussolini, Franco e Salazar, evitando choques frontais com a direita brasileira. Mesmo assim, o jornal só conseguiu funcionar por cerca de um ano a mais, sucumbindo finalmente sob as pressões da ditadura do Estado Novo. Torelly se refugiou então no Diário de Notícias, na condição de colaborador, mas acabou sendo preso novamente. Em novembro de 1937, dividiu uma cela, no presídio da Frei Caneca, com Graciliano Ramos, fato citado no livro Memórias do cárcere, do escritor alagoano. 

Quase uma década depois, em abril de 1945, A Manha ressurge, alcançando um sucesso até maior do que antes. Neste momento, em clima de instabilidade política pelo qual passava o governo Vargas, o jornal prenunciava a articulação de um golpe contra o presidente em manchete que se tornaria mais uma das célebres criações de Torelly: “Além dos aviões de carreira há qualquer coisa no ar”. Nesta nova fase, contando com a colaboração de escritores como José Lins do Rego, Álvaro Lins, Rubem Braga, Raimundo Magalhães Jr., Raul Lima, Pompeu de Sousa e Sérgio Milliet, entre outros, o jornal passou a ter Arnon de Melo como responsável pelo seu departamento comercial. Incentivou-se, nesse período, o uso da imagem do Barão de Itararé como garoto-propaganda, mas a sociedade mantida entre Torelly e Arnon de Melo acabou desfeita pouco tempo depois, quando este passou a apoiar a candidatura de Eduardo Gomes, da União Democrática Nacional (UDN), nas eleições presidenciais. 

Devido a problemas financeiros, A Manha deixou de circular em 1948. Torelly havia sido eleito vereador do antigo Distrito Federal, pelo PCB, no ano anterior, sendo cassado em 1948, assim como outros parlamentares da legenda. Um ano depois, associado a Andrés Guevara, o Barão de Itararé edita em São Paulo (SP) o Almanaque d’A Manha, também chamado Almanhaque. Impulsionada pelo repentino sucesso da publicação, A Manha volta a circular em 1950, agora em São Paulo, para desaparecer em setembro de 1952. Em 1955 Torelly lança as duas edições derradeiras do seu Almanhaque. A Manha teve ainda curta sobrevida em 1960, ao reaparecer como encarte de uma página no jornal Última Hora. Em 1989, o Almanhaque teve reedições fac-similares, editadas pela Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo e pela Editora Studioma.

Fonte:
http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/manha

José de Alencar (Ao Correr da Pena) 17 de dezembro: O Teatro Lírico


I

Por enquanto, em falta de melhor, falemos do Teatro Lírico, que está hoje na ordem do dia, justamente pela desordem em que tem andado todas estas noites, depois que o diabo lhe entrou no corpo.

Todos os jornais têm dito a sua opinião a respeito; todas as opiniões são muito acertadas; mas parece-me que ainda ninguém chegou à conseqüência necessária deste estado anormal em que se acha o nosso teatro italiano.

Nas circunstâncias atuais, só há um remédio, e é interromper os espetáculos, pelo menos durante um mês, para dar tempo a que a nossa companhia de cantores inválidos se restabeleça e possa novamente entrar em trabalhos.

Consta-nos que a maior parte dos embaraços e dificuldades que a diretoria tem ultimamente encontrado nasce dos seus próprios empregados. Ora, com o fechamento do teatro durante um mês, poderão os diretores restabelecer a ordem necessária e destruir essa soberania do capricho, que até agora era privilégio das primas-donas, mas que já se vai estendendo às comprimárias, e breve passará às coristas e às comparsas.

Temos um regulamento de teatro, que, se não é perfeito, contém ao menos um bom número de disposições acertadas, suficientes para impor o respeito a alguns cantores, que por terem meia dúzia de panegiristas, entendem poder abusar da indulgência do público.

Faça a diretoria cumprir rigorosamente este regulamento, requisite nos casos necessários a ação da polícia, que se tem mostrado zelosa, e pode ficar certa que ninguém deixará de aplaudir essa boa resolução, cujos efeitos salutares em pouco tempo se começarão a fazer sentir.

Que importa que um cantor, punido por uma falta de suas obrigações, seja recebido com palmas a primeira vez que apareceu na cena, depois do seu ato de insubordinação? Há sempre nos homens um bom instinto que ilude, e os faz tomar o partido daqueles que julguem oprimidos, que consideram como vítimas. Isto, porém, não é uma razão para que se deixe de manter o princípio da autoridade, sem o qual não há ordem nem tranqüilidade possível.

Se todas as infrações do regulamento tivessem sido punidas como essa de que falamos, ninguém se lembraria de enxergar uma vítima no ator que caíra em falta, nem de protestar contra o ato dos diretores por uma semelhante manifestação de simpatia.

Tomando a diretoria a posição que lhe convém, e fechando o teatro pelo tempo necessário para preparar as óperas que tem de levar à cena, poderá em pouco tempo continuar os espetáculos sem interrupção, e com aquela regularidade que até hoje tem sido impossível conseguir.

Todos os anos por este tempo a imprensa lembra a idéia de fechar-se o Teatro Lírico por um ou dois meses, e, apesar disto, ainda não nos compenetrarmos bem desta necessidade; não queremos reconhecer que, se na Europa a ópera italiana abre-se por uma estação, no nosso país, com o nosso clima, é quase impossível continuar os espetáculos sem dar aos artistas algum tempo de repouso e descanso.

Estou certo que este ano sucederá a mesma coisa; que a diretoria não julgará necessária uma medida sem a qual se passou muito bem os anos anteriores. Mas também este ano veremos acontecer o mesmo que o verão passado. O teatro continuará aberto por formalidade e por luxo unicamente, os cantores estarão constantemente doentes; passarão doze dias sem espetáculo; o calor e o receio das transferências afugentará os espectadores; e por fim, depois de dois ou três meses de vegetação, a companhia ficará extenuada e incompleta, e, como o ano passado, seremos obrigados a fechar o teatro justamente quando se acabar o verão, e quando os espetáculos começarem a ser agradáveis.

Talvez percamos o nosso tempo a falar destas coisas. O teatro lírico, que já tomou as proporções gigantescas de uma questão de gabinete, hoje apenas serve de tema sediço às palestras e correspondências de jornais. Entretanto isto não pode continuar assim; já não podemos passar sem ópera italiana, e por conseguinte mais cedo ou mais tarde se descobrirão os meios de possuirmos constantemente no nosso teatro uma companhia regular e composta de artistas de merecimento.

Para isso o governo pode achar um grande auxílio no nosso Conservatório de Música, dirigido pelo hábil professor o Sr, Francisco Manuel da Silva. O gosto e a aptidão que têm geralmente as brasileiras para o canto pode  concorrer para o futuro do nosso teatro, fornecendo as empresas de coristas e comprimárias, e facilitando-lhe assim os meios de contratar na Europa as primeiras partes, pelo preço que pagam os melhores teatros europeus.

Na visita que o Sr. Ministro do Império fez ultimamente a este estabelecimento, assistiu aos trabalhos da aula destinada ao sexo feminino. Estiveram presentes 34 jovens alunas, que executaram, entre outras três peças de música sacra, compostas pelo diretor, duas sobre poesias do Padre Caldas, e uma sobre a letra latina – Ó salutaris hóstia.

O Sr. Ministro do Império conta visitar igualmente a aula dos meninos, e, depois que tiver assistido a todos os trabalhos do Conservatório, é de crer trate de completá-lo, anexando às aulas rudimentais, únicas que existem, aulas de aplicação, que poderão daqui a algum tempo dar-nos ótimos instrumentistas para nossas orquestras.

A escassez dos recursos é a primeira causa do pouco desenvolvimento que tem tido o Conservatório. Os auxílios concedidos por meio de loterias estão hoje reconhecidos como pouco eficazes, principalmente correndo elas com longo espaço. Fora preferível que o corpo legislativo votasse uma dotação anual, com a qual o governo poderia contar para ir melhorando gradualmente esta instituição.

Hoje ninguém se lembra do Conservatório de Música. Entretanto quem sabe daqui a alguns anos quantas horas agradáveis não nos dará ele por ocasião dos seus concursos e dos seus exames anuais! Quem sabe se ainda não terei de contar aos meus leitores a história de alguma Rosina Stoltz brasileira, educada neste Conservatório, e para quem algum Donizetti também brasileiro escreverá uma nova Favorita.

Talvez julguem que isto são votos de imaginação: é possível. Como não dar largas à imaginação, quando a realidade vai tomando proporções quase fantásticas, quando a civilização faz prodígios, quando no nosso próprio país a inteligência, o talento, as artes, o comércio, as grandes idéias,tudo pulula, tudo cresce e se desenvolve?

Na ordem dos melhoramentos materiais, sobretudo, cada dia fazemos um passo, e em cada passo realizamos uma coisa útil para o engrandecimento do país.

Não há muito tempo que S.M. teve a bela idéia de fundar em terras de uma fazenda sua uma colônia, que recebeu o nome de Petrópolis. O ano passado, à imitação da primeira, se começou a criar uma nova cidade, à qual se deu o nome de Teresina. Hoje sabemos que uma terceira colônia se vai formar na Serra dos Órgãos, na fazenda do Marsch; já começou a divisão dos prazos, pelo mesmo sistema de Petrópolis.

A situação é a mais aprazível e a mais linda que se pode imaginar: é plana, cortada por um belo rio, e acha-se no alto da serra, num ponto de muita passagem, e por onde talvez tenha de seguir um dos ramais da estrada de ferro do Vale do Paraíba.

A viagem desta corte é a mais cômoda possível. Vai-se até Sampaio em barca de vapor; o resto é um agradável passeio de duas léguas e meia, que se pode fazer de carro, por uma excelente estrada. Reúne, portanto, todas as condições, a comodidade, a rapidez e a segurança.

Isto no estado atual; porque, logo que se começar a povoar o lugar, logo que os habitantes desta corte tiverem gozado aquele clima frio e seco, aquele céu sempre azul, aquelas águas frescas e puras, logo que se estabelecer a concorrência, não faltarão companhias regulares de ônibus e de carros, que ainda tornarão a ida mais breve e mais cômoda. Então não será uma viagem, mas um passeio; poder-se-á almoçar na corte e ir lá jantar-se, mas, jantar-se à hora curial, e não às cinco, como sucede com Petrópolis, por causa da maré.

De maneira que daqui a uns dez ou vinte anos, se as coisas continuarem, em vez de  se passar o domingo em Andaraí, Botafogo, ou no Jardim Botânico, iremos a Petrópolis, a Teresina, ou a cidade dos Órgãos; depois do almoço, se estivermos aborrecidos, tomaremos a estrada de ferro e iremos por distração ver correr o Paraíba; de noite voltaremos para o teatro, ou para o baile, e nos recolheremos tendo andado de léguas o que hoje andamos de braças.

Talvez ainda me tachem isto de sonho e de utopia. Será sonho, não o nego; mas que melhor se pode fazer neste tempo de repouso e descanso, do que sonhar? O trabalho vai cessar, as festas aí vêm, cheias de prazeres e de folhas para aqueles que estão alegres e dispostos a goza-las.

As férias começam. Os colégios se fecham desde que concluem os seus exames, os quais este ano já têm mostrado mais zelo da parte dos diretores e mais aplicação nos discípulos. O que se nota apenas é que em cada colégio o menino ressente-se um pouco da influência de uma ou outra especialidade, conforme a educação dos diretores.

Com as férias, com os dias de festa, nem a exposição da Rua do Ouvidor, verdadeira exposição, porque deixa a bolsa dos passeantes exposta a um perigo terrível. Este ano apresenta-se à concorrência uma nova casa brasileira do Sr. C. Lase, que entrou pelos domínios estrangeiros, mas com um luxo e um brilhantismo que nada tem que invejar às casas francesas.

Se não preferis, pois, o sossego e a tranqüilidade do campo, tereis durante esses dias algumas horas bem agradáveis, vendo passar diante  daqueles salões,brilhantemente iluminados, tudo quanto há de elegante e distinto na nossa sociedade.

Tereis ainda o prazer de poder escolher, entre tantas galanterias, uma bem delicada, bem mimosa, como as mãozinhas a que a destinardes; e em paga recebereis algum olhar, alguma palavra de agradecimento, que vos fará andar por ai a roer as unha e a sorrir às pedras das calçadas até o momento em que o cruel e positivo negociante vos traduzir aquele encantador olhar em linguagem de cifra, e lhe der um valor em moeda corrente.  

Tudo isto, e os mais divertimentos que gozardes durante a festa, me referireis a primeira vez que nos encontrarmos no ano seguinte. Em troca vos contarei a festa do campo, os dias passados à sombra a conversar com algum amigo, a contemplar a natureza, e a evocar as lembranças adormecidas de outros dias já passados.

II

Voltemos uma folha ao livro da semana. Um grande pensamento, uma idéia brilhante foi nela escrita pelo amor da pátria, e pelo amor da ciência.

O Instituto Histórico do Brasil celebrou a sua sessão aniversária sexta-feira no Paço Imperial. SS.MM., o seu Conselho de Estado, alguns ministros, o corpo diplomático, e quase todas as ilustrações do país, assistiram a este ato solene, celebrado com as formalidades do estilo.

Depois da breve alocução do Exmo. Visconde de Sapucaí, o Sr. Dr. Macedo, 1.º Secretário, leu o seu relatório dos trabalhos do Instituto durante o ano. É um resumo completo, um pouco longo, como exigia o seu assunto, mas ao qual o seu autor soube, com rara habilidade, dar uma forma amena, e muitas vezes eloqüente. Depois de mostrar a incansável solicitude com que S.M. continua a proteger o Instituto, o Sr. Dr. Macedo passou à enumeração dos trabalhos, e terminou por um belo trecho, notável não só pela boa dicção da frase, como por uma verdadeira apreciação da atualidade.

Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.