Sexta-feira, era tarde da noite. Pensava, não me lembra a que propósito.
Se há coisa que dê asas ao pensamento, que solte o vôo à fantasia, é uma dessas mudas contemplações pelo silêncio da noite, quando num momento de tédio o espírito se revolta contra as misérias do presente, e procura além no futuro, ou nos tempos que passaram, um novo elemento de força e de atividade.
A imaginação se lança no espaço, percorre mundos desconhecidos, atravessa o tempo e a distância, e vai muitas vezes acordar os ecos do passado, revolver as cinzas das gerações extintas, ou contemplar as ruínas de uma cidade opulenta, de um vasto império abatido.
A história se desenha então como um grande monumento. Ao volver-lhe as páginas, volvem-se os séculos. Os anos correm por minutos. As raças que desapareceram da face da terra se levantam do pó, e passam como sombras fugitivas. Cada folha do grande livro, é o berço de um povo, ou o túmulo de uma religião, um episódio na vida da humanidade.
Era tarde da noite.
Ao redor tudo estava tranqüilo. A cidade dormia; o silêncio pairava nos ares. Apenas algumas luzes suspensas na frente de uma ou outra casa, e perdidas no clarão do gás, faziam reviver do esquecimento uma grande recordação da nossa história.
Havia apenas vinte dias que começara o novo ano; e esses dias, que agora corriam tão calmos e tranqüilos, há mais de três séculos passavam e repassavam sobre esta cidade adormecida, deixando-lhe sempre uma data memorável, escrevendo-lhe o período mais brilhante dos seus anais.
O tempo, por uma coincidência notável, parece ter confiado ao mês de janeiro os maiores acontecimentos, os destinos mesmos desta grande cidade que dele recebeu o seu nome, que com ele surgiu do seio dos mares aos olhos dos navegantes portugueses, e neles recebeu o primeiro influxo da civilização e ergueu-se das entranhas da terra para um dia talvez vir a ser a rainha da América.
E todas essas recordações se traçavam no meu espírito vivas e brilhantes. As sombras se animavam, os mortos se erguiam, o passado renascia.
Aquela massa negra da cidade que se destacava no meio da escuridão da noite levantava-se aos meus olhos como um pedestal gigantesco, onde de momento a momento vinha colocar-se uma grande figura de nossa história, que se desenhava no fundo luminoso de um quadro fantástico.
Era uma visão como o sonho de Byron, como a cena da gruta no Mackbeth de Shakespeare.
Vi ao longe os mares que se alisavam , as montanhas que se erguiam, as florestas virgens que se balouçavam ao sopro da aragem, sob um céu límpido e sereno.
Tudo estava deserto. A obra de Deus não tinha sido tocada pela mão dos homens. Apenas a piroga do índio cortava as ondas, e a cabana selvagem suspendia-se na escarpa da montanha.
A bela virgem da Guanabara dormia ainda no seio desta natureza rica e majestosa, como uma fada encantada por algum condão das lendas de nossos pais.
A aurora de um novo ano – de 1531 – surgia dentre as águas, e começava a iluminar esta terra inculta. Algumas velas brancas singravam ao longe sobre o vasto estendal dos mares.
Passou um momento. A figura de Martim Afonso destacou-se em relevo no fundo desta cena brilhante, e tudo desapareceu como um sonho que era.
Mas um novo quadro se desenhou no meu espírito.
No meio de um povo em lágrimas, ergue-se o vulto imponente de um fidalgo português. Sua vida lia-se no dístico gravado sob o pedestal em letras de ouro:
Arte regit populos, bello proecepta ministrat;
Mavortem cernit milite, pace Numam
Ergueu-se. Era o Conde de Bobadela. Contemplou um instante esta cidade que havia governado vinte e nove anos e cinco meses, esta cidade que tinha aformoseado e engrandecido. Depois deitou-se no seu túmulo e passou. Um grande préstito fúnebre o seguiu.
Novo quadro ainda se desenhou no meu espírito.
Vi um combate naval.. Vi o assalto de uma fortaleza – de Villegaignon. A fumaça envolve os combatentes; ronca a artilharia; a de flecha voa com o pelouro; a piroga do selvagem lança-se no ataque..
Um cavalheiro desconhecido atira-se ao mais forte da peleja e anima os combatentes portugueses. Seu corpo é invulnerável, suas palavras excitam o entusiasmo e a coragem. Dir-se-ia que uma auréola cinge a sua cabeça.
Mais longe o general português expira, e seus soldados redobram de esforço e de valor para vingar a sua morte, e para ganhar enfim uma vitória tão valentemente disputada pelos franceses.
Terminou o combate. Aquele soldado, que com a ponta de sua espada, ainda tinta do sangue do inimigo, traça sobre o campo da batalha a planta de uma nova cidade – é Estácio de Sá, o fundador do Rio de Janeiro.
A pequena colônia começou a estender-se pelas ribeiras da baía, e cresceu no meio desta terra cheia de força e de vigor. De simples governo passou a vice-reinado; depois à capital de um reino unido; e por fim tornou-se a corte de um grande Império.
Mas que vulto é este que assoma no meio do entusiasmo e da exaltação patriótica do povo agradecido? Não tem ainda a coroa, nem o manto; mas há nele o tipo de um grande imperador, de um herói.
É D. Pedro I, que, em resposta à representação do senado, da câmara e do povo da cidade, profere essa palavra memorável, que decidiu do futuro do Brasil, e que, firmando as primeiras bases da nossa independência política, concorreu igualmente para elevar o Rio de Janeiro a capital do novo Império.
Contemplei por muito tempo, tomado de santo respeito, esse tipo simpático de um monarca cavalheiro, que deixou na nossa história os mais brilhantes traços de sua vida.
Lançando os olhos sobre esta cidade, que ele tanto amara seu rosto expandiu-se. Viu o comércio e a indústria florescerem, criando esses grandes capitais que alimentam as empresas úteis para o país. Viu o amor e a dedicação nos degraus daquele trono em que se sentara. Viu por toda a parte a paz e a prosperidade.
Volveu ainda um último olhar, e sumiu-se de novo nas sombras do passado.
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O que acabais de ler é uma página perdida, é uma folha arrancada a um livro desconhecido, que talvez daqui a algum tempo vos passará pelos olhos, se não tiver o destino de tantos outros, que, antes de nascidos, vão morrer entre as chamas.
A história do Rio de Janeiro tem algumas páginas, como essa, tão belas, tão poéticas que às vezes dá tentações de arranca-las das velhas crônicas, onde jazem esquecidas para orna-las com algumas flores deste tempo.
Hoje não aparecem mais desses fatos brilhantes de coragem e heroísmo. A época mudou: aos feitos de armas sucederam as conquistas da civilização e da indústria. O comércio se desenvolve; o espírito de empresa, servindo-se dos grandes capitais e das pequenas fortunas, promove o engrandecimento do pais, e prepara um futuro cheio de riqueza e de prosperidade.
Ide à Praça. Vereis que agitação, que atividade espantosa preside às transações mercantis, às operações de crédito, e sobretudo às negociações sobre os fundos de diversas empresas. Todo o mundo quer ações de companhias; quem as tem vende-as, quem não as tem compra-as. As cotações variam a cada momento, e sempre apresentando uma nova alta no preço.
Não se conversa mais sobre outra coisa. Os agiotas farejam a criação de uma companhia; os especuladores estudam profundamente a idéia de alguma empresa gigantesca. Enfim, hoje já não se pensa em casamento rico, nem em sinecuras; assinam-se ações, vendem-se antes das prestações e ganha-se dinheiro por ter tido o trabalho de escrever o seu nome.
Este espírito da empresa e esta atividade comercial prometem sem dúvida alguma grandes resultados para o país; porém é necessário que o governo saiba dirigi-lo e aplica-lo convenientemente; do contrário, em vez de benefícios, teremos de sofrer males incalculáveis.
É preciso não conceder autorização para incorporação de companhias que não revertam em bem do país, que não tenham todas as condições de bom êxito. Não procedendo desta maneira, se falseará o espírito da lei e a natureza das sociedades anônimas, e se perderá indubitavelmente o concurso deste poderoso elemento de riqueza e de engrandecimento.
Companhias que, como algumas que já existem, não forem criadas no pensamento de uma necessidade pública, ou de uma grande vantagem do país, não só esgotarão os capitais que podem servir para outras obras de maior alcance, como desacreditarão o espírito de empresa, desde que, como é natural, os seus lucros não corresponderem às esperanças do comércio.
Cumpre também – já falamos em companhias – que o governo trate de examinar se algumas empresas privilegiadas que existem nesta corte, principalmente navegação do costeio, têm satisfeito as condições de sua incorporação. Fala-se em tantos abusos, em tantas negligências, que é provável haver um fundo de verdade nas exagerações que costumam envolver certas censuras.
E sobre isto me parece que é tempo de quebrar-se esse círculo de ferro do exclusivismo e do monopólio, que tanto mal começa a fazer à nossa navegação de costeio. O privilégio é um agente aproveitável nos países novos; mas convém que seja empregado com muita reserva, e unicamente no período em que a indústria que se quer proteger ainda não tem o desenvolvimento necessário.
Atualmente que nos nossos estaleiros e na Ponta da Areia, já se constroem tantos vapores próprios para a navegação do interior, qual é a vantagem que resulta das empresas privilegiadas? Não é isto matar a concorrência, e impedir que uma indústria útil se desenvolva e se aperfeiçoe?
Repetimos. O governo deve examinar escrupulosamente este objeto; e não só abster-se de conceder incorporações de companhias privilegiadas desta natureza, como desautorizar, na forma do código comercial, a existência daquelas que não tiveram cumprido as condições da sua organização.
É porque desejamos unicamente o bem do país que tememos esses desvios no espírito de empresa que se está desenvolvendo tão poderosamente no Império, e sobretudo na praça do Rio de Janeiro.
Entretanto há algumas companhias, como por exemplo a da Rua do Cano, que se incorporou ultimamente com o nome de Reformadora, a qual deve merecer do governo toda a proteção, por isso que para o futuro ela pode vir a realizar grandes melhoramentos urbanos, e criar um sistema de arquitetura de casa muito necessário ao aformoseamento da cidade e à higiene pública.
É inconveniente, porém, a demora que tem havido no regulamento da companhia, principalmente aparecendo na praça algumas apreensões (que julgo infundadas) a respeito de condições rigorosas que se supõe seriam impostas à sociedade. O objeto me parece maduramente estudado, esclarecido por uma luminosa discussão nas câmaras e pelos planos e dados estatísticos coligidos na municipalidade pelo Dr. Haddock Lobo. Não enxergamos, pois, uma razão plausível para essa tardança do regulamento, aliás tão prejudicial ao público e aos proprietários da Rua do Cano.
Depois da empresa Reformadora, organizou-se a companhia de colonização agrícola do Rio Novo, com um capital de quinhentos contos de réis, representado por 2.500 ações. Foi o Major Caetano Dias da Silva, fazendeiro na Província do Espírito Santo, Município de Itapemirim, quem teve a idéia da criação desta sociedade.
A importância do seu objeto, a inteligência e a longa prática do seu diretor, junta à fertilidade, a um clima salubre e à facilidade de comunicações com as grandes praças de comércio, asseguram a esta companhia grandes vantagens, que reverterão todas em proveito do país, e particularmente da Província do Espírito Santo.
A colonização para um novo e de vasto território, como o nosso, é a primeira condição de riqueza e de engrandecimento. O estrangeiro que procura o nosso país não nos traz unicamente braços e forças para o trabalho material; não é somente um número de mais que se aumenta ao recenseamento da população.
É uma inteligência prática que melhora a indústria do país e um grande elemento de atividade que desenvolve as forças produtivas da terra; é finalmente uma nova seiva que vigora, uma nova raça que vem identificar-se com a raça antiga aperfeiçoando-se uma pela outra. O nosso governo tem compreendido o grande alcance da colonização, e, o que é mais, tem-se empenhado em promove-la eficazmente.
Depois que o Sr. Conselheiro Euzébio de Queirós travou a última luta contra o tráfico, e conseguiu esmagar essa hidra de Lerna, cujas cabeças renascem do seu próprio sangue, o nosso governo tratou de aproveitar o favorável ensejo que lhe oferecia a crise proveniente da deficiência dos braços para a agricultura.
Começou-se então a olhar com mais atenção para as nossas pequenas colônias do Sul; e animou-se a Sociedade Hamburgo, à qual devemos neste ponto grandes serviços pela exatidão com que tem cumprido as suas obrigações e pelo zelo com que constantemente na Alemanha defende a nossa causa, contra os ridículos inventos de alguns detratores.
Consta-nos agora que o nosso governo acaba de tomar suas medidas, que são da maior importância, para o futuro da colonização.
A 1.ª é a autorização mandada ao nosso ministro em Londres a fim de promover a emigração de Chins para o Brasil segundo as bases e instruções que já lhe foram remetidas. Os bons resultados que se têm conseguido desta emigração nas colônias inglesas nalguns lugares da América Meridional nos deve dar boas esperanças para a nossa cultura do chá e do café.
A outra deliberação do governo que nos consta, que se deduz de alguns atos ultimamente praticados – é a da subvenção de 30$000 concedida por cada colono maior de dez anos e menor de 45, honesto e lavrador, sendo estabelecidos em colônias ou fazendas pertencentes a empresas agrícolas. O governo reservou-se muito prudentemente em que convém conceder o favor.
Esta medida inesquecivelmente é um poderoso auxílio para as companhias agrícolas, ao mesmo tempo que corta certas empresas mercantis muito prejudiciais, e que previne, de alguma maneira, a introdução de colonos que não tenham boa moral e uma vida honesta.
Depois destas rápidas observações, creio que se pode dizer com toda a franqueza de uma opinião sincera que o governo cumpriu o seu dever e faz mais do que se podia exigir dos poucos recursos de que dispõe.
Estamos, porém, em tempo de tratar, não de pequenas colônias, mas de uma colonização em vasta escala, de uma emigração regular que todos os anos venha aumentar a nossa população.
O governo, pois, que chame a atenção do corpo legislativo sobre este assunto e que inicie um projeto de lei, no qual se adotem as medidas tomadas pelos Estados Unidos para promover a emigração. Eu lembraria neste caso a conveniência de limitar os favores concedidos unicamente àquelas nações cuja população desejaríamos chamar ao nosso país.
Não temos nada a invejar à América Inglesa em recursos naturais, em fertilidade do solo, em elementos de riqueza. O nosso clima é mais salubre; desde o sul ao norte temos no alto das nossas serras uma temperatura quase européia. . Como país ainda inculto, oferecemos muito maior interesse ao colono agrícola que quiser explorar a terra.
Por que razão, pois, não havemos de ter a mesma emigração?
Porque temos ciúme do estrangeiro, porque guardamos como um avaro este título de cidadão brasileiro, e o consideramos como uma espécie de quinhão hereditário que se amesquinha à proporção que se divide. É por isso que vemos no estrangeiro um intruso, um herdeiro bastardo, que nos quer disputar a herança paterna, isto é, os empregos, os cargos eleitorais e as sinecuras.
Sacrifiquemos esses prejuízos ao interesse público, e pensemos ao contrário, que é levando por toda parte este título de cidadão brasileiro, que é recebendo na nossa comunhão todos os irmãos que nos estendem a mão, que um dia faremos aquele nome grande e poderoso, respeitado da Europa e do mundo.
Voltai! Voltai depressa esta folha, minha mimosa leitora! São coisas sérias que não vos interessam. Não lestes?... Ah! fizestes bem!
Com efeito, que vos importa a vós estas espécies de companhias, se tendes as vossas à noite, junto do piano, a ensaiar com alguma amiga um belo trecho da música, a cantar alguma ária, algum dueto de Trovador? Que vos importa nestes momentos saber o que vai algures, se as ações baixam, ou se uma pobre cabeça atordoada de pensar já não pode de tanto que lhe corre a pena?
Era melhor que tivesse tomado a boa resolução de ir fazer um giro pelo Passeio Público.
A aceitação dessas de outras idéias que temos lembrado nos anima ainda a dizer alguma coisa sobre os melhoramentos do Passeio Público, principalmente quando o Sr. Ministro do Império, como homem de bom gosto que é, se tem mostrado tão desejoso de embelezar este lugar e torna-lo um agradável ponto de reunião.
Para isso a primeira coisa a fazer é o asseio e a limpeza. As árvores ainda estão muito maltratadas; os dois tanques naturais sobre os quais se elevam as duas agulhas de pedra estão tão bem fingidos que são naturais de mais; pelo menos, têm lodo e limo como qualquer charneca de pântano. A arte deve imitar a natureza, mas nem tanto. Há também uma palhoça a um dos lados do passeio, que, a não estar ali como coisa exótica, não lhe compreendo a utilidade. Não digo que a deitem abaixo como uma parasita; mas é bom cuidar em faze-la seguir o destino das coisas velhas e feias.
Outro dia me disseram que o Sr. Conselheiro Pedreira tencionava renovar as grades das alamedas, e substituir o muro exterior por gradeados de ferro, para o que já se havia feito o orçamento.
A primeira idéia é muito acertada; todos sentem a necessidade, e nós mesmos já a lembramos. Quanto à segunda, não acreditamos. É impossível que o Sr. Ministro do Império tenha tido esta lembrança. Para que servem nos jardins as grades exteriores? Para descobrir a beleza das alamedas e abrir um lanço de vista agradável.
No Passeio Público, porém, servirão para mostrar árvores velhas, ruas estragadas, e finalmente o tal Nestor das casinhas velhas de que já falamos. Tratemos, pois, primeiro do interior.
Assim parece-nos que seria muito agradável e muito fácil, fazer correr veios de água límpida ao longo das alamedas, e construir-se nos quadros alguns repuxos e jets d’’eau...
Ai! lá me caiu a palavra do bico da pena. Nada; vamos tratar de nacionalizar a língua; um correspondente do Correiro Mercantil de segunda-feira reclama de nós este importante serviço.
Mas que quer dizer nacionalizar a língua portuguesa? Será mistura-la com o tupi? Ou será dizer em português aquilo que é intraduzível, e que tem um cunho particular nas línguas estrangeiras?
Há de ser isso. Mãos à obra. Daqui em diante, em vez de se dizer passei num coupé, se dirá andei num cortado. Um homem incumbirá a algum sujeito que lhe compre entradas, e ele lhe trará bilhetes de teatro em vez de étrennes. E assim tudo o mais.
Quanto a termos de teatro, fica proibido o uso das palavrinhas italianas, porque enfim é preciso nacionalizar a língua.
E é bom que os dilettanti (perdão – amantes de música) fiquem desde já prevenidos disto, porque breve, parece que vamos ter uma excelente companhia.
A nova empresa de que vos falei há quinze dias organizou-se e nomeou a sua diretoria. Pelo Maria 2.ª, partem para a Europa duas pessoas encarregadas de contratar os artistas necessários, entre os quais virão quatro primeiras partes, escolhidas no que houver de mais notável na Europa. Levam ordem de oferecer honorários dignos das melhores reputações européias.
A empresa pode já contar com 2:500$000 por noite, de assinaturas tomadas até hoje; e espera aumentar esta soma. A primeira estação de quarenta récitas começará a 12 de julho deste ano e terminará a 12 de dezembro de 1856.
Basta. Vamos agora desfolhar algumas flores, e derramar uma lágrima de saudade sobre a lousa de um grande poeta.
Enquanto seus irmãos na inspiração e na poesia vão acordar os ecos da morte com um cântico sentido, seja-me permitido a mim, humilde prosador, misturar um goivo às flores perfumadas da saudade, e derramar uma lágrima sobre o fogo sagrado.
A beira desse túmulo, onde o poeta dos grandes amores, das paixões ardentes, o poeta do coração, talvez que venha pender uma cabeça pálida, e que os ecos da tarde murmurem às brisas que passarem, aquela endeixa repassada de tanta mágoa:
Correi sobre estas flores desbotadas,
Lágrimas tristes minhas, orvalhai-as,
Que a aridez do sepulcro as tem queimado.
Mas erguei os olhos! Nesses versos que aí vedes é um irmão que fala. Silêncio, pois! Deixemos ao poeta dizer as saudades da poesia. Lede a bela poesia do Sr. Andrada Machado sobre a morte de Garrett.
À MORTE DO INSIGNE POETA PORTUGUES
VISCONDE DE ALMEIDA GARRETT
Morrer! Porqu’extinguir-se assim tão rápida
A centelha vivaz que alumiava
Por entre os véus da noite a turba varia?
Morrer! E além perder-se fenecida
A fronte poderosa que abrigava
A vontade de Deus! – Nem mais seus olhos
Lerão nos astros a marcada rota
Que o mundo há de seguir.
De Lísia a musa – joelho em terra – pára
Junto da campa que entre a noite alveja!
Treme-lhe o corpo, como sacudido
Por ventania rija, e os olhos turvos
Em vão se esforçam por verter um pranto –
Consolo que lhe adoce a dor cruenta.
E as lágrimas enxutas se derramam
Por sobre a face em convulsivos traços
Do sangue coagulado que nas veias
De súbito estancou.
Que maldição, Senhor, açoita o século!
A morte hedionda, entrechocando os ossos,
Tripudia de júbilo, espreitando
A vítima infeliz. Seu peito cavo
Anseia de alegria. Os que mais alto
Erguem a fronte refulgindo glórias.
- Decrépita manceba – ela escolhe;
E tenta remoçar o amor adusto,
Chupando o sangue que mais puro gira
Em coração de homem.
E assim de um só ímpeto se apaga
Uma vida que rútila brilhara,
Seus raios desferindo a acalentaram
Com seu almo calor as mós do povo!
E assim resvala na solidão perdida
A voz que descantara em lira d’oiro,
Com coração pungido de amarguras,
A cruenta desgraça do poeta
Que morreu com a pátria.
Oh! Que sina tão negra a do poeta!
Escolhido da dor, perlustra a vida,
Rasgando o seio que a desgraça oprime,
A derramar nos cantos inspirados
Essa de vida seiva tão possante
Que pródigo oferece às multidões.
E por trôco o sofrer angustiado
Do maldito de Deus que vaga incerto
No caminhar contínuo.
Nenhum consolo sobre a terra ao pobre!
E quando era sentado sobre o marco,
Pendida à frente a descantar às auras
A dulia inefável de seu seio,
A morte lhe interrompe o canto suave,
Que ele vai terminar na eternidade
Junto ao trono de Deus.
Que plácido repouse nas alturas –
No remanso da paz – entre os arcanjos,
Que em seus braços o acolhem pressuroso!
E unindo sua lira em nota amena
Às harpas divinais, ufano entoe
Os hinos do Senhor.
Feliz, despiu a túnica poenta;
E, se prostrado jaz na loiza frígida
Estanguido seu corpo pela morte,
Eternos viverão seus divos cantos,
Que não há esquecer obras que o gênio
Com seu sopro inspirou.
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado
Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.
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