As sociedades em comandita, eis a questão do dia. O abecedário inteiro tem saído a campo; e cada letra é um novo campeão que desce à liça do combate.
Todas as armas têm sido tomadas. A lógica, o estudo profundo do objeto, a dialética de uma argumentação vigorosa, ressaltam nos primeiros artigos, publicados no Jornal do Comércio e assinados por duas iniciais, que, como todos sabem, denunciam uma das nossas capacidades, um dos espíritos mais bem organizados em matéria de jurisprudência.
Abrangendo a questão num ponto de vista largo e profundo, aqueles artigos desenvolveram a questão comanditária desde a sua verdadeira base até as últimas conseqüências do decreto de 13 de dezembro de 1850.
Há poucos dias um dos advogados mais distintos do nosso foro nos dizia, a respeito destes artigos, que poderiam ter sido escritos por ele: Não é um artigo de jornal, é um tratado.
No Correio Mercantil a questão tomou outra face; mas foi habilmente tratada. A pena que defendeu o ano passado o projeto de reforma judiciária, que se discutia na câmara, veio de novo à imprensa para sustentar o decreto do governo, com os conhecimentos, com o estilo claro e fluente de que já havia dado provas.
Infelizmente, porém a questão não se manteve na altura a que a tinham elevado os dois ilustres membros da magistratura e da classe dos advogados.
Insinuações pessoais, alusões injustas e deslocadas, vieram tomar o lugar de argumentos, e responder àquilo que o direito, a justiça e os princípios de razão haviam estabelecido no desenvolvimento da questão.
Por ora a discussão tem sido unicamente entre as consoantes; as vogais conservam-se neutras, e esperam talvez o resultado da luta para emitirem, com verdadeiro conhecimento de causa, uma opinião conscienciosa.
Se os espíritos graves se preocupam com esta questão interessante, com as últimas notícias do Oriente, e com o resultado provável da nossa Guerra do Paraguai, os outros pensam no carnaval, que o seu cortejo de folias e extravagâncias.
O carnaval!... Enquanto ele está longe, enquanto ele não vem transtornar o juízo com os seus momos grotescos e suas voluptuosas bacantes, aproveitemos a ocasião, e falemos sério a seu respeito.
Creio que são inteiramente infundados alguns receios que há de vermos reviver ainda este ano o jogo grosseiro e indecente de entrudo, que por muito tempo fez as delícias de certa gente. Além das boas disposições do público desta corte, devemos contar que a polícia desenvolverá toda a vigilância e atividade.
Depois que o Sr. Desembargador Siqueira, entre tantos outros benefícios que nos fez, conseguiu extinguir esse antigo costume português, a polícia carrega com uma responsabilidade muito maior do que nos anos anteriores. Outrora era um uso arraigado com o tempo, e por conseguinte difícil de extirpar; hoje seria um abuso, que só a negligência poderia deixar que se renovasse.
Muitas coisas se preparam ente ano para os três dias de carnaval. Uma sociedade criada o ano passado, e que conta já perto de oitenta sócios, todos pessoas de boa companhia, deve fazer no domingo a sua grande promenade pelas ruas da cidade.
A riqueza e luxo dos trajes, uma banda de música, as flores, o aspecto original desses grupos alegres, hão de tornar interessante esse passeio dos máscaras, o primeiro que se realizará nesta corte com toda a ordem e regularidade.
Quando se concluir a obra da Rua do Cano, poderemos então imitar, ainda mesmo de longe, as belas tardes do Corso em Roma.
Entretanto a sociedade teve já este ano uma boa lembrança. Na tarde de segunda-feira, em vez do passeio pelas ruas da cidade, os máscaras se reunirão no Passeio Público, e ai passarão a tarde, como se passa uma tarde de carnaval na Itália, distribuindo flores, confete, e intrigando os conhecidos e amigos.
Naturalmente, logo que a autoridade competente souber disto, ordenará que a banda de música que costuma tocar ao domingo guarde-se para a segunda, e que em vez de uma, sejam duas ou três.
Confesso que esta idéia me sorri. Uma espécie de baile mascarado, às últimas horas do dia, à fresca da tarde, num belo e vasto terraço, com todo o desafogo, deve ser encantador.
O que resta é que as nossas patrícias, todas mimosas e aristocráticas como são, não se deixam levar de velhos prejuízos, e continuem a temer a simples vista de uma máscara como de uma coisa perigosa.
Todos os membros da sociedade são pessoas delicadas e do mais fino trato; e por conseguinte podem ter certeza que quaisquer palavras, qualquer galantaria, não serão capazes de ofender nem sequer uma suscetibilidade.
Assim, pois, cessem estes escrúpulos. Quando vos oferecem com tanta amabilidade uma bela ocasião de gozar de algumas horas de prazer, não está bem da vossa parte uma recusa e um completo desdém. Ao contrário, mostrai que lhe dais algum apreço, porque isto nos animará a fazer uma outra coisa que ainda está em muito segredo, mas que eu vos conto em confidenza, com a condição de que ficará entre nós unicamente.
Lembram-se alguns amigos, a conversar a respeito do carnaval, que era possível dar-se um baile de máscaras no qual vós pudésseis tomar parte, e não ser simples espectadores, como nos teatros.
Querem ver que já estais a fazer algum muxoxo de desdém, e a pensar que todos os anos se fala nisto e que nunca se chega a efetuar. Paciência! Tanto se há de falar que um dia a coisa se há de realizar. Mais vale tarde do que nunca.
Entretanto suponde que a diretoria do Cassino toma a peito esta idéia, e que com os mesmos sócios do Cassino, e com algumas outras pessoas aprovadas por ela, forma uma nova sociedade filial para dar todos os anos um baile mascarado, começando por este carnaval.
Feito isto, ainda duvidareis do bom êxito da nossa lembrança? Estou certo que não. Vós conheceis os diretores do Cassino, e vos lembrais dos bailes magníficos que nos tem dado o seu amável presidente. Assim, pois, a dificuldade está em convence-lo. Pedi-lhe; e não se me dá de apostar que é coisa feita.
Como já deveis estar aborrecida da prosa chã e rasteira deste artigo, dou-vos uns lindos versinhos que li num álbum um destes dias. Se os quereis achar ainda mais bonitos do que eles realmente são, suponde que vos foram dedicados.
Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.
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