Segundo alguns povos do Oriente, as manchas que aparecem na face da lua cheia se assemelham à figura de uma lebre. E diz a lenda que isto aconteceu assim...
Há muitos milênios, viviam, à margem do rio Ganges, quatro bichos diferentes que eram amigos e companheiros: um macaco, uma lontra, um pequeno chacal e uma lebre, a mais virtuosa dos quatro.
Um dia ela reuniu os amigos e lhes disse: "Amanhã será lua cheia, o dia que nós reservamos para meditar e fazer jejum. Não precisamos, pois, de comida, mas sugiro que cada um de nós saia à procura de alimentos necessários para dar de esmola caso alguém nos venha pedir".
Os bichos concordaram e cada um foi se recolher para passar a noite, e no dia seguinte sair em busca de comida. O chacal subtraiu o almoço de um pastor distraído, que era uma gamela de coalhada com arroz. O macaco tirou algumas mangas maduras de uma mangueira próxima. A lontra apanhou alguns peixinhos esquecidos por um pescador. E a lebre, que passara a noite em profunda meditação, pensou consigo mesma: "Não vou preparar nada. Se algum necessitado vier pedir comida, darei meu próprio corpo para ele se alimentar".
Essa idéia tão generosa chamou a atenção dos mundos superiores, e um dos espíritos, o deus Sekra, decidiu descer até a terra, encarnado no corpo de um brâmane, para conferir em pessoa as dádivas dos quatro amigos animais. Primeiro, ele apresentou-se à lontra: "Minha filha lontra, estou com fome, desde ontem não como nada. Será que você poderia ceder-me algum alimento? Em troca, eu lhe darei as minhas bênçãos." A lontra entregou-lhe os peixinhos, e ele agradeceu, dizendo que voltaria logo mais para buscá-los. E foi falar com o pequeno chacal: "Amigo chacal, você não teria algum alimento para dar a um pobre faminto?" O chacal ofereceu-lhe a coalhada com arroz, e o brâmane agradeceu e disse que voltaria logo para buscar a comida. Então, foi procurar o macaco pendurado pelo rabo num galho de árvore e fez o mesmo pedido. O macaco ofereceu-lhe as mangas maduras. O brâmane agradeceu, dizendo que voltaria logo para buscá-las.
Por último, o deus Sakra disfarçado em brâmane foi procurar a lebre que continuava a meditar à beira da sua toca, e tornou a fazer a mesma pergunta, à qual a lebre respondeu: "Meu santo homem, vou oferecer-lhe um lauto almoço. É um pedaço de carne fresca, que você só terá de assar numa pequena fogueira. Prepare o braseiro. Quando o fogo estiver alto, eu trarei a carne para o seu almoço."
O brâmane juntou alguns gravetos, acendeu uma alegre fogueira ao lado da toca da lebre e perguntou então qual seria a carne que lhe serviria de almoço. "É o meu corpo", respondeu a lebre, e no mesmo instante pulou para o meio do fogo. Mas o fogo ardia e não queimava a lebre, que até reclamou: "Ó santo homem, o seu fogo não queima. Você vai ter de aumentá-lo, pois do jeito que está, chego a sentir frio".
Em vez de responder, o brâmane desapareceu e no seu lugar surgiu um belíssimo e luminoso jovem, que se apresentou como o deus Sakra encarnado e disse: "Um ato tão nobre e generoso como este tem de ficar para sempre na memória dos homens." E, crescendo desmesuradamente, ele arrancou com a mão o cume de uma montanha próxima, amassou-o dentro do punho, e com essa massa lambuzou a face da lua cheia que acabava de surgir no céu, formando uma figura na forma de lebre. Esta figura apareceria aos homens a cada lua cheia para lembrar-lhes a bela ação daquela pequena lebre, que mostrou que quem dá uma esmola deve dá-la de todo o coração, dando tudo, e às vezes até o próprio corpo.
Fonte:
Revista Nova Escola
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