Encenação de Luiz Arthur
Nunes, para o Teatro Vivo,
de texto de sua autoria em parceria com Caio Fernando Abreu. A proposta resgata
criticamente o melodrama, gênero dramático que reina no século XIX e,
posteriormente, nas novelas de rádio e televisão. Um esboço desse espetáculo
transparece em algumas cenas de Sarau das Nove às Onze, também
escrita em parceria com Caio Fernando Abreu e montado por Luiz Arthur Nunes em
1976, com o Grupo de
Teatro Província.
A história é sobre uma órfã criada
num castelo, sob o rígido controle do tio, o velho Conde Maurício, e da
governanta, ambos personagens que guardam um segredo que pode mudar a vida da
garota. A jovem é seduzida pelo Marquês D'Allençon, credor da hipoteca do
conde. Quando o tio descobre o relacionamento dos dois, expulsa a menina do
castelo e lança as mais terríveis maldições sobre ela. No acampamento de
ciganos onde é acolhida, a pobre órfã descobre seu passado e os segredos que
envolvem o Vale Negro. Ambientada no século XIX, a ação dramática se passa em
1834 e utiliza características do gênero melodramático, como o sofrimento e o
final feliz.
Na montagem, protagonizada por Mirna
Spritzer, em elogiada e premiada atuação, o melodrama é levado a sério, sem deboche,
e com todos os ingredientes comuns aos dramas do gênero: o escapismo, o
maniqueísmo, o simplismo e a intervenção decisiva da providência divina. O
gênero ultrapassado, como técnica de atuação, é resgatado com um olhar
contemporâneo e uma temática mais ousada do que a habitualmente tratada pelo
melodrama. Nas palavras de Flávio Mainieri, o texto e a montagem "são
perpassados por traços indeléveis de outros textos, como os da
pós-modernidade".1
A encenação utiliza não só os
clichês do texto, mas também cenários, figurinos e adereços de época, tentando
recuperar a forma usada no tempo em que o melodrama predomina nos teatros. Os
três ambientes em que transcorre a narrativa são recriados por telões
reversíveis, pintados em perspectiva, dando forma aos castelos, paisagens,
criptas e corredores em que as personagens vivem suas angústias e glórias.
A representação tem um tom
exacerbado e emocional, levando os atores a reconstituir as atuações dos
grandes atores do melodrama. O diretor comenta que a encenação é carregada de
inflexões vocais, gesticulações enfáticas e cenas de violência, e que
"apesar da peça ser uma paródia do gênero, o comportamento cênico está
longe do deboche. Os atores trabalham com seriedade, acontece que como se está
lidando com uma acumulação de clichês, muitas vezes o espetáculo provoca o
riso".2
Sobre a encenação, o crítico Cláudio
Heemann observa que o "resultado é excelente. Uma piada
intelectual do melhor nível, apresentada com capricho. A direção de Luiz Arthur
mostrou-se inspiradíssima ao criar uma sugestão divertida do artificialismo da
ópera, com telões pintados, figurinos fantasiados e poses enfáticas. [...] O
resto fica por conta da habilidade do elenco, cujos integrantes jogam-se com
alma no trapézio sem rede de agudos dós-de-peito interpretativos. Valquíria
Peña, como a cigana, merece o elogio maior. Ela consegue o impossível, dá veracidade
sem caricatura, a um tipo que não passa de um deslavado chavão. Ida Celina
defende o papel com força e a beleza de uma grande primadona, realizando o
pastiche da ária-clímax de uma soprano coloratura. Sua entrada em cena, pelo
alçapão, é um golpe de teatro digno do 'grandguinol'. Mirna Spritzer é outra
intérprete com destaque especial. Ela parece a típica órfã-na-tempestade dos
primeiros anos do cinema mudo. Uma heroína à maneira de Lilian Bish, que ela
faz com elaborada composição".3
Em sua crítica, Yan Michalski compara
a produção do Teatro Vivo ao que de melhor se faz no eixo Rio-São Paulo:
"Os autores Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes mergulharam fundo na
herança cultural do melodrama clássico, e escreveram um espirituoso texto que
reúne, despudoradamente, vários dos mais batidos clichês e arquétipos do
gênero. E Luiz Arthur encenou esse texto com a maior seriedade e com total
respeito às convenções do seu anacrônico estilo cênico. Essa seriedade e esse
respeito produziram, é claro, um resultado de notável poder cômico".4
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Notas
1. MAINIERI, Flávio. A maldição do vale negro e os outros
textos. In: Teatro: textos e roteiros. Porto Alegre: IGEL / IEL,
1988.
2. BARBOSA, Luiz Carlos. Explosão de riso na volta do
melodrama. Gazeta Mercantil Sul, Porto Alegre, 9 maio 1986.
3. HEEMANN, Cláudio. A maldição..., melodrama divertido. Zero
Hora, Porto Alegre, 23 maio 1986.
4. MICHALSKI, Yan. 1º Encontro Renner de Teatro.
Boletim Informativo do Inacen, ano II, no 5, p. 9,
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